quinta-feira, 21 de junho de 2012

STJ tem a chance de modular os efeitos da LC 118/05


                              Por Fábio Martins de Andrade
(Texto publicado originalmente no Conjur - link)
Tormentosa questão em torno da legitimidade (ou não) da inovação trazida pela Lei Complementar 118/05 tem movimentado o Poder Judiciário, sobretudo os Tribunais Superiores nos últimos anos. De fato, em uma rara demonstração de robustez argumentativa, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sedimentou-se sobre o tema. Contudo, agora se vê obrigada a revisitar a sua orientação ao julgamento concluído no Supremo Tribunal Federal no ano passado (com decisão discrepante, isto é, em outro sentido).
O artigo 168, inciso I, do Código Tributário Nacional, dispõe que o direito de pleitear a restituição do indébito (tributo recolhido a maior ou indevidamente) extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos, contados da data da extinção do crédito tributário (nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, que cuidam do pagamento indevido ou a maior ou, ainda, erro).
O artigo 150, parágrafo 4º, por sua vez, estabelece que o prazo para a homologação do lançamento será de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador. Uma vez expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito.
Levando em consideração que a regra geral na hipótese de lançamento por homologação é o decurso do prazo máximo (de cinco anos) com a ocorrência da homologação tácita, o Superior Tribunal de Justiça construiu na sua jurisprudência a conhecida “tese dos 5+5” através da conjugação de tais dispositivos (art. 168, I, c/c o art. 150, § 4º, ambos do CTN).
Sobreveio a malsinada Lei Complementar 118/05, que no seu artigo 3º, previu que para efeito de interpretação do artigo 168, I, do CTN, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado, e não mais da homologação tácita (com o decurso do prazo de até cinco anos, adicional ao decurso do prazo de cinco anos do art. 168, I).
Além disso, a LC 118/05 estabeleceu, no seu artigo 4º, que entraria em vigor 120 dias após sua publicação, mas que o artigo 3º deveria aplicar-se aos atos e fatos pretéritos, vez que era meramente interpretativo do artigo 168, I, na forma do artigo 106, inciso I, também do CTN (que versa sobre a retroatividade da lei interpretativa).
Ora, restou evidente que a inovação legislativa trazida pela LC 118/05 pretendeu agravar a situação dos contribuintes e criar regra nova àquela anteriormente consagrada, especialmente na seara jurisprudencial (com a criação pelo STJ da “tese dos 5+5”).
Em razão disso, o STJ foi acionado a pronunciar-se em relação ao teor da LC 118/05. Decidiu no sentido de sua inconstitucionalidade:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA.
1.Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação — expressa ou tácita — do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 15, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador.
2. Esse entendimento, embora não tenha a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes, é o que legitimamente define o conteúdo e o sentido das normas que disciplinam a matéria, já que se trata do entendimento emanado do órgão do Poder Judiciário que tem a atribuição constitucional de interpretá-las.
3. O art. 3º da LC 118/05, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a ‘interpretação’ dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal.
4. Assim, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venha a ocorrer a partir da sua vigência.
5. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).
6. Arguição de inconstitucionalidade acolhida” (STJ – Corte Especial – AI nos EREsp. 644.736/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 27.08.2007).

Posteriormente, tal orientação foi reiterada pelo STJ no âmbito do julgamento de recurso especial representativo de controvérsia, sob o rito dos recursos repetitivos, quando decidiu que:
“(...) 1. O princípio da irretroatividade impõe a aplicação da LC 118, de 9 de fevereiro de 2005, aos pagamentos indevidos realizados após a sua vigência e não às ações propostas posteriormente ao referido diploma legal, posto norma referente à extinção da obrigação e não ao aspecto processual da ação correspectiva. (...).
3. Isto porque a Corte Especial declarou a inconstitucionalidade da expressão ‘observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, constante do artigo 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/05 (AI nos ERESP. 644.736/PE, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 06.06.2007). (...)” (STJ — 1ª Seção — RESp. 1.002.932/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 18.12.2009).

Até esse ponto, a jurisprudência do STJ permaneceu mansa e pacífica. Contudo, recentemente, o Supremo Tribunal Federal concluiu julgamento no qual decidiu que: “Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005” (STF — Pleno — RE 566.621/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 11.10.2011).
Como já é de se imaginar, a questão bate agora à porta do STJ novamente. Em julgamento ocorrido em 23 de maio de 2012 e cujo acórdão foi publicado em 4 de junho de 2012, o STJ decidiu:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, DO CPC). LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. ART. 3º, DA LC 118/2005. POSICIONAMENTO DO STF. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SUPERADO ENTENDIMENTO FIRMADO ANTERIORMENTE TAMBÉM EM SEDE DE RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.
1. O acórdão proveniente da Corte Especial na AI nos ERESp. nº 644.736/PE, Relator o Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 27.08.2007, e o recurso representativo da controvérsia RESp. n. 1.002.932/SP, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25.11.2009, firmaram o entendimento no sentido de que o art. 3º, da LC 118/2005 somente pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência. Sendo assim, a jurisprudência deste STJ passou a considerar que, relativamente aos pagamentos efetuados a partir de 09.06.2005, o prazo para a repetição do indébito é de cinco anos a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior.
2. No entanto o mesmo tema recebeu julgamento pelo STF no RE n. 566.621/RS, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 04.08.2011, onde foi fixado marco para a aplicação o regime novo de prazo prescricional levando-se em consideração a data do ajuizamento da ação (e não mais a data do pagamento) em confronto com a data da vigência da lei nova (9.6.2005).
3. Tendo a jurisprudência deste STJ sido construída em interpretação de princípios constitucionais, urge inclinar-se esta Casa ao decidido pela Corte Suprema competente para dar a palavra final em temas de tal jaez, notadamente em havendo julgamento de mérito em repercussão geral (arts. 543-A e 543-B, do CPC). Desse modo, para as ações ajuizadas a partir de 9.6.2005, aplica-se o art. 3º, da Lei Complementar n. 118/2005, contando-se o prazo prescricional dos tributos sujeitos a lançamento por homologação em cinco anos a partir do pagamento antecipado de que trata o art. 150, § 1º, do CTN.
4. Superado o recurso representativo da controvérsia RESp. n. 1.002.932/SP, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25.11.2009.
5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008” (STJ – 1ª Seção – RESp. 1.269.570/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 04.06.2012 – sem os grifos originais).

Tal decisão evidentemente significa uma reviravolta na jurisprudência até então mansa e pacífica do STJ a respeito do tema, isto é, cuida-se de um câmbio de 180 graus no sentido e direção que rumavam. É clara hipótese de mudança de jurisprudência mansa e pacífica.
A decisão foi objeto da oposição de embargos de declaração. Dentre as possíveis questões que podem ser levantadas para nova análise pelo STJ destaca-se a possível modulação no tempo dos efeitos da sua decisão, em homenagem às razões de segurança jurídica inerentes ao tema que, como visto, teve verdadeira reviravolta jurisprudencial.
Se é bem verdade que o STJ deve adequar a sua jurisprudência mansa e pacífica ao julgamento concluído no STF sobre o mesmo tema, é igualmente verdade que há razões de segurança jurídica de sobra para que a sua decisão possa dar-se a partir de certo momento.
Desse modo, em razão da mudança de jurisprudência no âmbito do STJ (com a superação da orientação pacífica expressada sob o rito dos recursos repetitivos no RESp 1.002.932 pelo RESp 1.269.750), ocasionada pela conclusão do julgamento do STF em sentido diverso (no RE 566.621), cabe ao STJ integrar a sua decisão (agora que foi novamente chamada a pronunciar-se sobre o tema) para modular no tempo a sua adequação ao precedente do STF com o objetivo de atender a segurança jurídica na situação em foco.
Ora, o momento a partir do qual essa mudança jurisprudencial deve valer é variável, na medida em que pode ser, por exemplo, a data da decisão em foco no âmbito do STJ (23.5.2012), a sua publicação (4.6.2012), a data da decisão do STF (4.8.2011), a sua publicação (11.10.2011), ou ainda, outro momento que seja mais significativo para tal adequação.
De fato, as razões de segurança jurídica giram em torno de questões fáticas, que se consolidaram com o passar do tempo, e jurídicas, na medida em que lhe é subjacente a proteção da confiança legítima dos jurisdicionados e a boa-fé objetiva de todos aqueles que se comportaram em obediência a jurisprudência mansa e pacífica e que, nesse momento, se veem surpreendidos com a reviravolta de repente experimentada.
Por óbvio, com isso não se quer dizer que a jurisprudência dos Tribunais Superiores não possa ser oscilante durante certo período de tempo ou de tempos em tempos, em decorrência das mais variadas circunstâncias, como a mudança da composição, o amadurecimento da questão jurídica e a observância de situações fáticas diferentes, dentre outras.
O que se busca pontuar nesse momento é o seguinte: quando há mudança de jurisprudência, é necessário que a nova orientação seja aplicada a partir do momento que ocorreu. Em outras palavras, existia certa orientação em determinado sentido, que era seguida e aplicada tanto pelo Poder Judiciário como pelas autoridades administrativas e levada em conta pelos contribuintes, que se organizaram quando ajuizaram ações com a referida orientação como paradigma.
Se de repente há uma reviravolta e essa orientação resta superada por outra, no sentido oposto, então o período passado, cujo transcurso se deu na mais absoluta normalidade, inclusive e especialmente em estrita obediência àquela orientação anterior que hoje resta superada, deve ser preservado.
Isso ocorre rotineiramente com a edição de leis novas, por exemplo. Em atendimento ao princípio da irretroatividade ela vale de sua edição em diante, isto é, não alcança o período pretérito, quando o fato ou a conduta foi albergado por outra lei, que agora foi revogada ou modificada pela nova.
Por óbvio, não se está dizendo que a natureza da prestação jurisdicional seja idêntica à emanação legislativa. São atividades estatais eminentemente diversas. Contudo, é possível identificar ao menos um ponto comum: a criação de norma, tanto na edição de lei nova (que modifica ou revoga a anterior) como também na mudança de jurisprudência (que traz orientação diametralmente oposta àquela anteriormente consagrada). Em razão disso, nada mais justo, equânime e até razoável, que sua aplicação se dê para o futuro, respeitando-se os fatos pretéritos, cuja ocorrência não estava albergada à sua incidência.
Com efeito, o jurisdicionado que se comportou em absoluta consonância com a orientação consagrada anteriormente não pode ser penalizado em razão da mudança na orientação do tribunal. É como se quando ele agisse (lá no passado), devesse ficar permanentemente atento ao futuro, que viria a refletir diretamente nas suas ações do passado. É fácil imaginar a confusão que o raciocínio levaria.
E mais ainda. Seria a consagração institucionalizada da máxima insegurança jurídica a reinar entre o mundo dito civilizado. Ora, se é bem verdade que a orientação de um tribunal pode oscilar em determinados casos, é igualmente verdade que quando isso ocorre com uma reviravolta jurisprudencial, então nenhuma consequência ou dano poderia ser atribuído ao jurisdicionado (que deveria ter suas situações pretéritas e em acordo com a orientação anterior respeitadas e mantidas).
E muito mais do que desrespeitar o cidadão ordeiro e que agiu de acordo com a orientação então reinante, o STJ quando promove mudança jurisprudencial sem qualquer cautela ou cuidado com os jurisdicionados acaba por amesquinhar o seu próprio papel institucional (especialmente no tocante à uniformização de jurisprudência). Com efeito, ao invés de atuar buscando a pacificação social, acaba por padronizar tudo o tempo todo, em clara desvalorização de sua atividade jurisdicional.
Em suma, com o julgamento dos embargos de declaração nos autos do RESp 1.269.570, o STJ tem uma oportunidade ímpar para adequar a sua jurisprudência mansa e pacífica ao julgamento concluído no STF (RE 566.621). Para tanto, basta que promova a modulação temporal dos efeitos de sua decisão, para que ela passe a valer a partir de certo momento em diante, como vimos.
Isso, a um só tempo, engrandeceria a atuação do tribunal no cuidado e na proteção dos seus jurisdicionados, preservaria a pacificação social alcançada com a sua decisão anterior, respeitaria as situações pretéritas em atendimento às razões de segurança jurídica e atenderia ao teor do julgamento do STF. Vê-se, por conseguinte, que através de atuação conciliadora, o STJ conseguiria manter a pacificação social alcançada. Ao contrário, fazendo tábula rasa de seu passado firme e convicto acerca do tema, aumenta ainda mais a insegurança jurídica gerada, promove maior litigiosidade entre os contribuintes e o Fisco e amesquinha a sua atividade a mero “carimbador”. Resta saber o que será feito pelo STJ. Quem viver, verá!
Sobre o autor:
Fábio Martins de Andrade é advogado, doutor em Direito Público pela UERJ e autor da obra “Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF”.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2012

terça-feira, 19 de junho de 2012

Decisão do STF altera entendimento do STJ sobre prescrição de ação para devolução de tributos



O critério de discriminação para verificar o prazo aplicável para a repetição de indébito dos tributos sujeitos a lançamento por homologação (dentre os quais o Imposto de Renda) é a data do ajuizamento da ação em confronto com a data da vigência da Lei Complementar 118/05 (9 de junho de 2005). A decisão é da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reformou seu entendimento para acompanhar a interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF).

A mudança de posição ocorreu no julgamento de recurso repetitivo, que segue o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC). As decisões em recurso representativo de controvérsia servem de orientação para todos os juízes e tribunais em processos que tratam da mesma questão. Anteriormente, a posição adotada pelo STJ era no sentido de adotar como critério de discriminação a data do pagamento em confronto com a data da vigência da LC 118.

O entendimento antigo gerava a compreensão de que, para os pagamentos efetuados antes de 9 de junho de 2005, o prazo para a repetição do indébito era de cinco anos (artigo 168, I, do Código Tributário Nacional) contados a partir do fim do outro prazo de cinco anos a que se refere o artigo 150, parágrafo 4º, do CTN, totalizando dez anos a contar da data da ocorrência do fato gerador (tese dos 5+5).

Já para os pagamentos efetuados a partir de 9 de junho de 2005, o prazo para a repetição do indébito era de cinco anos a contar da data do pagamento (artigo 168, I, do CTN). Essa tese havia sido fixada pela Primeira Seção no julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.002.932, também recurso repetitivo.

Entretanto, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 566.621, o STF observou que deve ser levado em consideração para o novo regime a data do ajuizamento da ação. Assim, nas ações ajuizadas antes da vigência da LC 118, aplica-se o prazo prescricional de dez anos a contar da data da ocorrência do fato gerador (tese dos 5+5). Já nas ações ajuizadas a partir de 9 de junho de 2005, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos contados da data do pagamento indevido.

Retroatividade 
O STF confirmou que a segunda parte do artigo 4º da LC 118 é inconstitucional, pois determina a aplicação retroativa da nova legislação. Entendeu-se que não se tratava apenas de “lei interpretativa”, pois ela trouxe uma inovação normativa ao reduzir o prazo para contestar o pagamento indevido de dez para cinco anos.

Segundo a decisão do STF, instituir lei que altera prazos e afeta ações retroativamente sem criar regras de transição ofende o princípio da segurança jurídica.

O relator do novo recurso repetitivo no STJ, ministro Mauro Campbell Marques, apontou que a jurisprudência da Corte na matéria foi construída em interpretação de princípios constitucionais. “Urge inclinar-se esta Casa ao decidido pela Corte Suprema, competente para dar a palavra final em temas de tal jaez, notadamente em havendo julgamento de mérito em repercussão geral no recurso extraordinário”, ressaltou.

O ministro Campbell observou que a ação que deu origem ao novo repetitivo foi ajuizada em 15 de junho de 2009. O alegado pagamento indevido de Imposto de Renda sobre férias-prêmio ocorreu em abril de 2003. Pelo antigo entendimento do STJ, ainda não teria ocorrido a prescrição, pois o prazo para ajuizar a repetição de indébito seria de dez anos.

Entretanto, seguindo as novas diretrizes do STF, a Seção negou o recurso, considerando que, como a ação foi proposta após a vigência da nova lei, o prazo prescricional acabou em abril de 2008, cinco anos após o recolhimento do tributo. 


Fonte: STJ 
Publicação: 19/06/2012 (link para postagem original)


Para STJ, dano moral coletivo avança e traz inovação na jurisprudência


Fonte: Portal Migalhas (link)


O STJ considera que as recentes decisões acerca de dano moral coletivo contribuíram para inovação da jurisprudência sobre o tema. A indenização sobre a violação dos interesses difusos e coletivos, admitida pelo CDC, deve ter dano examinado e mensurado.

Mudanças históricas e legislativas têm levado a doutrina e a jurisprudência a entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial. As ações podem tratar de dano ambiental, desrespeito aos direitos do consumidor, danos ao patrimônio histórico e artístico, violação à honra de determinada comunidade e até fraude a licitações.

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, do STJ, o CDC foi um divisor de águas no enfrentamento do tema. No julgamento do REsp 636.021 ela afirmou que o artigo 81 do código do consumidor rompeu com a tradição jurídica clássica, de que só indivíduos seriam titulares de um interesse juridicamente tutelado ou de uma vontade protegida pelo ordenamento.

Para a ministra, a evolução legislativa acerca do dano moral coletivo reconhecem a lesão a um bem difuso ou coletivo corresponde a um dano não patrimonial. Para ela, "criam-se direitos cujo sujeito é uma coletividade difusa, indeterminada, que não goza de personalidade jurídica e cuja pretensão só pode ser satisfeita quando deduzida em juízo por representantes adequados".
A ministra, que classifica como inquestionável a existência, no sistema legal brasileiro, dos interesses difusos e coletivos, citou o ECA, que permite que o MP ajuíze ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente.
A ocorrência de dano moral coletivo ainda é polêmica no STJ. No julgamento do REsp 971.844, a 1ª turma entendeu ser necessária a vinculação do dano moral "com a noção de dor, sofrimento psíquico e de caráter individual, incompatível, assim, com a noção de transindividualidade – indeterminabilidade do sujeito passivo, indivisibilidade da ofensa e de reparação da lesão".
Na ação, o MPF pedia a condenação da Brasil Telecom por ter deixado de manter postos de atendimento pessoal nos municípios do RS, o que teria violado o direito dos consumidores à prestação de serviços telefônicos com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza. O relator, ministro Teori Zavascki, destacou acórdão do TRF da 4ª região que considerou que o eventual dano moral se limitou a atingir pessoas individuais e determinadas.
Em outro recurso (REsp 598.281), discutia-se dano ambiental cometido pelo município de Uberlândia/MG e por uma empresa imobiliária, durante a implantação de um loteamento. A decisão considerou que a vítima do dano moral deve ser, necessariamente, uma pessoa, uma vez que "A ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade própria; de um vultus singular e único".
Já no REsp 821.891, a 1ª turma repeliu a condenação por dano moral coletivo por uma empresa que havia fraudado licitação no município de Uruguaiana/RS. Confirmando decisão em 1º grau, o ministro Luiz Fux considerou que é preciso haver a comprovação de efetivo prejuízo para superar o caráter individual do dano moral. "A fraude à licitação não gerou abalo moral à coletividade. Aliás, o nexo causal, como pressuposto basilar do dano moral, não exsurge a fim de determiná-lo, levando ao entendimento de que a simples presunção não pode sustentar a condenação pretendida".
Em julgamento de outro recurso (REsp 1.057.274), a ministra Eliana Calmon reconheceu que a reparação de dano moral coletivo é tema bastante novo no STJ. Na ação civil pública, era pleiteado o pagamento de indenização de dano moral coletivo de uma concessionária do serviço de transporte público que pretendia condicionar o passe livre de idosos no transporte coletivo ao prévio cadastramento, apesar de o estatuto do idoso exigir apenas a apresentação de documento de identidade.
A 2ª turma concluiu que o dano moral coletivo pode ser examinado e mensurado. No recurso, a ministra reconheceu os precedentes que afastavam a possibilidade de se configurar tal dano à coletividade, mas asseverou que a posição não poderia mais ser aceita. "As relações jurídicas caminham para uma massificação, e a lesão aos interesses de massa não pode ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais", ponderou.
Para a ministra, o dano extrapatrimonial coletivo prescindiria da prova da dor, sentimento ou abalo psicológico sofridos pelos indivíduos. "É evidente que uma coletividade de índios pode sofrer ofensa à honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes e tradições", disse a ministra. De acordo com Nancy, tais dores não são sentidas pela coletividade da mesma forma como pelos indivíduos.
No REsp 1.180.078, que discutia a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente, a 2ª turma entendeu que a condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de indenizar. Para o relator, ministro Herman Benjamin, a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa, o que inclui o dano interino, o dano residual e o dano moral coletivo. "A indenização, além de sua função subsidiária (quando a reparação in natura não for total ou parcialmente possível), cabe de forma cumulativa, como compensação pecuniária pelos danos reflexos e pela perda da qualidade ambiental até a sua efetiva restauração", afirmou.
Em outro recurso (REsp 1.221.756), um banco foi condenado por danos morais coletivos por manter caixa de atendimento preferencial somente no segundo andar de uma agência, acessível apenas por escadaria de 23 degraus. A 3ª turma considerou desarrazoado submeter a tal desgaste quem já possui dificuldade de locomoção. O relator, ministro Massami Uyeda, destacou que a agência tinha condições de propiciar melhor forma de atendimento e a indenização ficou em R$ 50 mil.
Ele destacou que, embora o CDC admita a indenização por danos morais coletivos e difusos, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar esse tipo de dano, resultando na responsabilidade civil. "É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e transborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva", esclareceu.
Em um caso que ganhou repercussão nacional, a 3ª turma do STJ confirmou condenação do laboratório Schering do Brasil ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão, em decorrência da comercializar o anticoncepcional Microvlar sem o princípio ativo, o que ocasionou a gravidez de diversas consumidoras.
A ACP foi ajuizada pelo Procon e pelo Estado de SP. De acordo com a decisão, a comercialização das "pílulas de farinha" foi relacionada diretamente à necessidade de respeito à segurança do consumidor, ao direito de informação que estes possuem e à compensação pelos danos morais sofridos. Juízo de 1ª instância já havia considerado o dano moral dedutível das próprias circunstâncias em que ocorreram os fatos.
No REsp 866.636, o laboratório pedia produção de prova pericial, para que fosse averiguada a efetiva ocorrência de dano moral à coletividade. O pedido, no entanto, foi refutado pela ministra Nancy Andrighi que considerou que a prova somente poderia ser produzida a partir de um estudo sobre consumidoras individualizadas. Para ela, tal contestação seria uma"irresignação de mérito, qual seja, uma eventual impossibilidade de reconhecimento de danos morais a serem compensados diretamente para a sociedade e não para indivíduos determinados".



segunda-feira, 4 de junho de 2012

Lei de improbidade administrativa completa 20 anos


Fonte: Portal Migalhas (link)

"O mais denso e importante conteúdo do princípio da moralidade, do decoro e da lealdade". Assim o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do STF, definiu a lei 8.429, promulgada em 2 de junho de 1992 e conhecida por lei de improbidade administrativa.
A norma, para Ayres Britto, revolucionou a cultura brasileira, ao punir com severidade os desvios de conduta dos agentes públicos. "A lei de improbidade administrativa é revolucionária porque modifica para melhor a nossa cultura", afirma. "Com ela, estamos combatendo com muito mais eficácia os desvios de conduta e o enriquecimento ilícito às custas do Poder Público".
Na exposição de motivos do PL 1.446/91, encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, o então ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, assinalava que "uma das maiores mazelas que, infelizmente, ainda afligem o país é a prática desenfreada e impune de atos de corrupção no trato com os dinheiros públicos". O objetivo do PL era criar mecanismos de repressão que, para ser legítimo, "depende de procedimento legal adequado", sem "suprimir as garantias constitucionais pertinentes, caracterizadoras do Estado de Direito".
A lei regulamenta o artigo 37 da CF/88, que ordena os princípios básicos da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) e prevê expressamente a imposição de sanções para atos de improbidade. O texto legal especifica tais atos em três categorias principais: enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atentado contra os princípios da administração pública. As penas fixadas incluem a perda de bens acrescidos indevidamente ao patrimônio, o ressarcimento integral do dano, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos e o pagamento de multa.
Nos vinte anos de vigência, a lei 8.429/92 resultou, segundo levantamento do CNJ até março deste ano, em 4.893 condenações nos TJs e 627 nos TRFs. Sua aplicação, porém, ainda é motivo de diversas discussões no âmbito do Poder Judiciário, tanto por meio de recursos às condenações impostas quanto por questionamentos diretos sobre o teor e a constitucionalidade da lei. Muitas delas desembocam ou têm origem no STF.
O procurador-geral da República e presidente do CNMP, Roberto Gurgel, proferiu palesta nesta sexta-feira, 1º/6, no Seminário Nacional de Probidade Administrativa, em comemoração aos vinte anos da lei.
Roberto Gurgel alertou que, passados 20 anos, muitos pontos ainda suscitam polêmica em sua aplicação. De acordo com ele, "ainda discute-se se a natureza da lei é penal ou civil, se os agentes políticos que estão sujeitos à lei dos Crimes de Responsabilidade também o estão à lei de improbidade administrativa, e, ainda, se estes mesmos agentes políticos, que gozam de foro por prerrogativa de função para as ações penais, podem ou não ser demandados em primeiro grau". Para o procurador-geral da República, "parece difícil negar que a indefinição em relação a esses pontos de tamanha importância acaba sendo influenciada pelo fato de a lei cuidar de assuntos relacionados, em muitos casos, a pessoas de elevado poder econômico ou político". Para Gurgel, isso tem contribuído para que essa indefinição persista.
O presidente do CNMP chamou a atenção para a pouca utilização da lei de improbidade administrativa. Gurgel apresentou dados do Cadastro Nacional das Condenações Definitivas por Atos de improbidade administrativa, gerenciado pelo CNJ, que revelam a subutização da lei. O PGR afirmou que, segundo dados de maio de 2012, os Estados do Amazonas e Alagoas, juntos, condenaram apenas três pessoas nos vintes anos de vigência da lei de improbidade administrativa. Na BA e em PE, no mesmo período, foram 14 e 9 condenações, respectivamente. Em TO, as condenações somam 10. Gurgel destacou que esses números contrastam enormemente, por exemplo, com SP, que tem cadastradas 1960 condenações, número quase três vezes maior que o do RS, Estado que aparece em segundo lugar em números absolutos, com 592 agentes condenados definitivamente.
Roberto Gurgel declarou que, para fornecer novo instrumento legal para combater a corrupção e a improbidade administrativa, seria oportuna a aprovação de uma lei de natureza civil com a possibilidade do emprego da inversão do ônus da prova. O propósito seria o de se aprovar a extinção do domínio de bens em relação aos quais o servidor público não comprove a origem lícita. O procurador-geral esclareceu que uma lei com previsão dessa natureza, que obriga o indivíduo a provar que seu patrimônio é compatível com sua renda, bem como a origem lícita de seus bens, que não tenha qualquer sanção de natureza penal não poderá ser apontada como violadora de direitos fundamentais de matriz constitucional, como o da presunção de inocência. A sanção seria apenas o perdimento civil dos bens ou valores de origem ilícita. Roberto Gurgel afirmou que essa proposta foi apresentada recentemente por um grupo de trabalho da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de SP.
Ao comentar sobre experiências que surgem no âmbito da sociedade civil, Gurgel concluiu ao declarar que o MP não está afastado desse esforço, criando ferramentas para agilizar a análise de dados bancários, além de um trabalho preventivo, com a divulgação na internet de recursos distribuídos pela União. Nesse sentido, a lei de improbidade administrativa é ferramenta essencial no combate à corrupção e, apesar das persistência das dúvidas na aplicação da lei e de sua subutilização em alguns Estados, sua edição representa um grande avanço no combate à corrupção, declarou Roberto Gurgel.


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