sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Doutrina de essential facility é analisada pelo CADE

(texto destacado do informativo Jota Concorrência de 18/01/2017)


Organização de frete e ocupação de terreno


As duas entidades eram acusadas de intermediar contratos e preço de frete para embarque e desembarque nos terminais Pérola e Termag no Porto de Santos, impor preços por meio de tabelas aos associados e limitar o acesso e o número de caminhões que poderiam atuar ali. A atuação exclusiva de associados era fiscalizada por meio de coerção física, intimidando eventuais concorrentes. Além disso, as entidades fariam uso irregular de um terreno público para organizar fila de caminhões no porto.


As empresas chegaram a negociar um Termo de Compromisso de Cessação (TCC), que foi recusado pelo Plenário do Cade, diante dos baixos valores sugeridos para suspender o processo. 


O julgamento do processo teve início da última sessão do ano passado, sob relatoria da conselheira Cristiane Alkmin, e foi suspenso por pedido de vista do conselheiro Alexandre Cordeiro, apresentado na sessão desta quarta-feira. Em férias, a conselheira não participou da sessão.


O voto de Cristiane Alkmin concluiu pela violação da legislação antitruste (artigos 20 - incisos I, II, III, IV, e 21 - incisos II, IV, V, X e XI da Lei 8.884) em conduta "que se assemelha a um cartel hardcore". Por isso, sugeria multas de 3 milhões de UFIRs à ACTA e de 1 milhão de UFIRs ao Sindigran.


Cálculos de vantagem auferida usados pela conselheira indicariam um dano à sociedade que atingiria a casa de R$ 1 bilhão.


O conselheiro Alexandre Cordeiro divergiu da relatora na capitulação das condutas das entidades, eliminando a questão sobre o uso do terreno público sob dois aspectos e afastando a possibilidade de prática anticompetitiva pela limitação de filiados à ACTA.


A "qualidade da posse" do terreno público, de acordo com o voto de Alexandre Cordeiro, que prevaleceu no julgamento, "escapa da autoridade do Cade". Por se tratar de terreno pertencente à União, caberia a ela eventuais medidas para regularizar a situação e não à autoridade antitruste no âmbito do processo administrativo.


Alexandre Cordeiro rebateu a tese de Cristiane Alkmin de que o terreno seria uma essential facility e, por isso, seu controle pelas entidades prejudicaria a concorrência.
 

Citando a doutrina de essential facility e decisões da autoridade antitruste da União Europeia, Alexandre Cordeiro afirmou que se trata de  um insumo que seria "impossível substituir ou replicar", e cujo acesso "deve ser, na prática, indispensável" para o exercício da atividade econômica.


"Se for factivel ao rival buscar outro insumo, não será possível falar em essential facility", disse o conselheiro.


Na visão da União Europeia, essential facilities são identificadas em casos de um agente que detém posição dominante de mercado e controla uma estrutura que um rival não conseguirá replicar". Além disso, o controle dessa estrutura eleva a probabilidade de monopolização do mercado downstream.


Usando mapas da região de Santos e Guarujá, o conselheiro apontou outras áreas que poderiam ser usadas como estacionamento de caminhões, para eliminar a caracterização do terreno usado pela ACTA e pelo Sindigran como uma essential facility.


Outro ponto do voto da relatora Cristiane Alkmin atacado por Alexandre Cordeiro dizia respeito à limitação de associação à ACTA, de até 1.200 pessoas. Citando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o conselheiro avaliou que a restrição na quantidade de filiados faz parte da liberdade de associação prevista na Constituição Federal.


Os cálculos de vantagem auferida também foram alvo de revisão pelo conselheiro em seu voto-vista. Segundo ele, a conselheira Cristiane Alkmin atribuiu o benefício direto do sobrepreço nos serviços de frete à associação e ao sindicato, quando na verdade as entidades se beneficiariam apenas de cotas dos filiados de valor "relativamente modesto". "Rejeito o exercício de vantagem auferida por entender incabível", assinalou Alexandre Cordeiro.


A adoção de um programa de compliance, sugerida por Cristiane Alkmin, foi descartada pelo conselheiro que definiu o caso como "inefetivo em sede de imposição unilateral de sanção". 


Dessa forma, Alexandre Cordeiro considerou que as entidades deveriam se abster de praticar atos que impeçam a livre contratação de caminhoneiros e transportadoras para retirada de cargas, tolerar o livre acesso aos pátios dos terminais e não impor tabelas de preços e condições de contratação dos fretes.


Em caso de descumprimento, as entidades podem responder a novo Processo Administrativo, com possibilidade de dobro da multa por reincidência, se identificada a mesma conduta nos próximos cinco anos, de acordo com o voto de Alexandre Cordeiro seguido pelos demais.


Divergência e voto de qualidade


O voto-vista sugeriu multa de 250 mil UFIRs para o Sindigran e de 780 mil UFIRs para a ACTA.


O conselheiro João Paulo de Resende acompanhou o voto de Alexandre Cordeiro em quase toda a extensão, mas concordou com a conselheira Cristiane Alkmin especificamente sobre os valores das multas.


O conselheiro Paulo Burnier seguiu o voto-vista na íntegra, havendo assim um empate de 2 a 2.
Como presidia a sessão diante do impedimento de Gilvandro Vasconcelos de Araújo, coube a Alexandre Cordeiro proferir um voto de qualidade.


Como antecipado nos Bastidores do Antitruste, o voto de qualidade indicou a pena menos gravosa para os acusados - em linha com a jurisprudência do Cade - prevalecendo os valores de multa sugeridos por Alexandre Cordeiro.



Tecnicamente, salientou o procurador Victor Rufino, a pena mais branda também se justifica no caso de voto de qualidade, porque "as unidades monetárias da pena de valor menor estão previstas no voto de valor mais alto".



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