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domingo, 27 de setembro de 2020

Editorial STJ: Conflitos entre proteção de crédito e os direitos do consumidor

 

No dia 20/09/2020 o STJ publicou mais um editorial que envolve os entendimentos do Tribunal sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que neste ano fez 30 anos.

Vale à pena conferir os entendimentos já sedimentados dentro do Tribunal sobre os conflitos que envolvem proteção de crédito.

Para acesso a publicação original basta clicar aqui (link).


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Conflitos entre a proteção ao crédito e a defesa do consumidor



​​A crise econômica que atingiu o país em meados da década de 2010 empurrou os brasileiros para a inadimplência, segundo dados da Serasa Experian, empresa que mantém o maior banco de informações sobre devedores da América Latina.

Os números são impressionantes: no início do ano, antes da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), 63,8 milhões de brasileiros estavam com o nome negativado. São mais de 226 milhões de dívidas, uma média de 3,5 faturas atrasadas por CPF inscrito em cadastro de proteção ao crédito.

Uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) apontou que 48% dos brasileiros foram negativados nos últimos 12 meses – isto é, em algum momento tiveram o nome inscrito em cadastro negativo de crédito.

Questões relacionadas às entidades de proteção ao crédito são comuns no Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujos colegiados de direito privado vivem às voltas com discussões sobre inscrição indevida, direitos do consumidor e do credor, indenização de dano moral, cancelamentos e outros temas relacionados.

A jurisprudência sobre o assunto é farta e inclui súmulas e teses definidas em julgamento de recursos repetitivos.

Aviso de recebim​​ento

Súmula 404, editada em 2009, considera dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta que comunica ao consumidor a inclusão de seu nome em banco de dados de inadimplentes.

A súmula foi originada do julgamento do Tema 59 dos recursos repetitivos, no mesmo ano. Na ocasião, ao analisar o Recurso Especial 1.083.291, a ministra Nancy Andrighi, relatora, afirmou que não é necessária a comprovação, mediante AR, da notificação prévia do devedor sobre a inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes, pois o parágrafo 2º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não exige tal providência, sendo suficiente que o órgão de proteção ao crédito comprove o envio da correspondência para o endereço fornecido pelo credor.

No Tema 735 (REsp 1.424.792), a Segunda Seção estabeleceu que, mesmo tendo sido regular a inscrição do nome do devedor, cabe ao credor, após o integral pagamento da dívida, requerer a exclusão do registro, no prazo de cinco dias úteis, a contar do primeiro dia útil subsequente à quitação. O entendimento desse repetitivo levou à edição da Súmula 548.

No julgamento do recurso, o ministro relator, Luis Felipe Salomão, destacou que, na ausência de disciplina legal sobre o assunto, a solução proposta serve de parâmetro objetivo para as entidades mantenedoras dos cadastros de crédito.

Salomão lembrou que, no caso dos órgãos do sistema de proteção ao crédito, que exercem a atividade de arquivamento de dados profissionalmente, o CDC considera razoável o prazo de cinco dias úteis para comunicar a retificação de informações incorretas. Sendo assim, na visão do ministro, "esse mesmo prazo sempre vai ser considerado razoável também para aquele que promove, em exercício regular de direito, a verídica inclusão de dado de devedor em cadastro de órgão de proteção ao crédito", quando se tratar de exclusão motivada pelo pagamento do débito.


Sem co​​municação

Em 2009, ao julgar os Temas 40 e 41 dos recursos repetitivos (REsp 1.062.336), a Segunda Seção discutiu a possibilidade de indenização por danos morais diante da falta da comunicação prévia ao consumidor sobre a inscrição de seu nome – exigência do parágrafo 2º do artigo 43 do CDC –, nos casos em que exista inscrição anterior realizada regularmente. O julgamento levou à edição da Súmula 385.

O ministro João Otávio de Noronha explicou que o dano moral, no caso de inscrição indevida, não ocorre em qualquer situação. Para ele, há dano moral se a entidade de proteção ao crédito aponta como inadimplente alguém que efetivamente não o é. Quando a anotação é irregular, mas o consumidor tem contra si alguma inscrição legítima, não se verifica o direito à indenização, mas apenas ao cancelamento.

A falta de comunicação prévia acerca da inscrição também gera dano moral, a menos que o consumidor possua outras inscrições legítimas. "Quando não se notifica e já existe registro, configurado está o estado de inadimplemento do devedor. A sua situação jurídica é de inadimplente", afirmou Noronha.​​​​

Nesses processos, havia pedido de danos morais formulado pelo consumidor contra a entidade mantenedora do cadastro de proteção ao crédito e relacionado à falta de comunicação prévia. Em 2016, a Segunda Seção analisou controvérsia sobre indenização de danos morais pleiteada contra o suposto credor, em razão da inexistência da dívida que deu origem à inscrição irregular.


A pedido do ​​credor

No julgamento do Tema 922 (REsp 1.386.424) dos repetitivos, a seção firmou a tese de que a inscrição indevida comandada pelo credor, quando preexistente legítima inscrição, não enseja indenização por dano moral, ressalvado o direito ao cancelamento.

Nesse processo, a consumidora buscou a reparação de danos morais por uma inscrição indevida promovida pelo credor. No voto que prevaleceu no julgamento, a ministra Isabel Gallotti destacou que essa anotação indevida coexistia com outras 14 inscrições legítimas por inadimplência.

Segundo a ministra, embora extraídos de ações voltadas contra as mantenedoras dos cadastros restritivos, os fundamentos dos precedentes da Súmula 385 se aplicam também às ações dirigidas contra supostos credores que efetivaram inscrições irregulares.

"A anotação irregular, já havendo outras inscrições legítimas contemporâneas, não enseja, por si só, dano moral. Mas o dano moral pode ter por causa de pedir outras atitudes do suposto credor, independentemente da coexistência de anotações regulares, como a insistência em uma cobrança eventualmente vexatória e indevida, ou o desleixo de cancelar, assim que ciente do erro, a anotação indevida", ressalvou Isabel Gallotti.


Flex​​​ibilização

Em julgamento recente, de fevereiro de 2020, a Terceira Turma flexibilizou a aplicação da Súmula 385 diante das particularidades do caso. No REsp 1.704.002, o colegiado reconheceu dano moral decorrente da inscrição indevida na hipótese de um consumidor que, apesar de ter outras inscrições negativas, moveu ação judicial para questionar esses registros anteriores.

Para a turma, embora nem todas as ações tivessem transitado em julgado, havia elementos suficientes para demonstrar a verossimilhança das alegações do consumidor, o que tornava possível reconhecer dano moral na inclusão indevida.

Relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi afirmou que, em determinadas hipóteses, o consumidor pode ficar em situação excessivamente desfavorável, especialmente quando as ações que questionam os débitos e pedem a compensação por danos morais forem ajuizadas concomitantemente – como ocorreu na situação analisada.

"Não se pode admitir que seja dificultada a defesa dos direitos do consumidor em juízo, exigindo-se, como regra absoluta, o trânsito em julgado de todas as sentenças que declararam a inexigibilidade de todos os débitos e, consequentemente, a irregularidade de todas as anotações anteriores em cadastro de inadimplentes para, só então, reconhecer o dano moral", afirmou.

Nancy Andrighi mencionou que o consumidor ajuizou outras três ações para questionar as inscrições. Em duas, já transitadas em julgado à época, obteve a declaração de inexistência das dívidas, mas não conseguiu os danos morais por causa das demais inscrições. Em outra, ainda pendente de recursos, a sentença cancelou a dívida e determinou a indenização.


Dados de pro​​testos

No julgamento do Tema 806 dos repetitivos (REsp 1.444.469), a Segunda Seção discutiu se o órgão de proteção ao crédito tem a obrigação de indenizar por incluir em seus registros elementos constantes em banco de dados público de cartório de protesto.

Na tese firmada pelos ministros, ficou definido que, diante da presunção legal de veracidade e publicidade inerente aos registros do cartório de protesto, a reprodução objetiva, fiel, atualizada e clara desses dados na base de órgão de proteção ao crédito – ainda que sem a ciência do consumidor – não gera a obrigação de reparar danos.

No julgamento, o ministro relator, Luis Felipe Salomão, lembrou que um dos objetivos do protesto de um título é dar publicidade desse ato jurídico. Ele explicou que o registro do protesto de título de crédito ou outro documento de dívida é de domínio público.

A necessidade de prévia notificação, argumentou, inviabilizaria a divulgação dessas anotações pelos órgãos de proteção ao crédito.

"Igualmente, significaria negar vigência ou, no mínimo, esvair a eficácia do disposto no artigo 29caput, da Lei 9.492/1997, que, a toda evidência, deixa nítida a vontade do legislador de que os órgãos de sistema de proteção ao crédito tenham acesso aos registros atualizados dos protestos tirados e cancelados", argumentou o ministro ao rejeitar o pedido de indenização pela inclusão dos dados de protesto nos serviços de proteção ao crédito.


Legitimidad​​e do MP

Em 2013, ao julgar o REsp 1.148.179, a Terceira Turma firmou entendimento de que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública com o objetivo de impedir o repasse e garantir a exclusão ou a abstenção de inclusão, em cadastros de inadimplentes, dos dados referentes a consumidores cujos débitos estejam em discussão judicial, bem como para requerer a reparação de danos morais e materiais decorrentes da inclusão indevida de seus nomes nos referidos cadastros.

No recurso que chegou ao tribunal, as Câmaras de Dirigentes Lojistas (CDL) de Belo Horizonte e de Uberlândia (MG) alegaram a impossibilidade jurídica do pedido, por não haver direitos individuais homogêneos a serem tutelados.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora, a alegação feita pelas CDLs estava mais ligada à legitimidade do MP para a propositura da ação do que à possibilidade jurídica dos pedidos.

Ela destacou que as normas da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) são aplicáveis a quaisquer interesses de natureza transindividual, tais como definidos no artigo 81 do CDC, ainda que eles não digam respeito às relações de consumo.

"Mesmo no que se refere aos interesses de natureza individual homogênea, firmou-se entendimento no sentido de que basta a demonstração da relevância social da questão para que ela seja reconhecida", afirmou a ministra sobre a legitimação processual do Ministério Público.


Débitos sub j​​udice

No mesmo julgamento, o colegiado firmou outro entendimento importante: é lícita a inscrição dos nomes de consumidores por conta da existência de débitos discutidos em processos de busca e apreensão, cobrança ordinária, concordata, despejo por falta de pagamento, embargos, execução fiscal, falência ou execução comum, quando os dados referentes às disputas judiciais forem públicos e tiverem sido repassados pelos cartórios de distribuição de processos judiciais às entidades detentoras dos cadastros, por meio de convênios firmados entre elas e o Judiciário de cada estado, sem intervenção dos credores litigantes ou de qualquer fonte privada.

Nesse ponto, o recurso das CDLs foi provido, pois, em tais circunstâncias, não há ilicitude na inclusão dos nomes nos cadastros de proteção ao crédito. A ministra Nancy Andrighi lembrou na ocasião que o entendimento do STJ é no sentido de que a simples discussão judicial sobre a dívida não é suficiente para impedir ou remover a negativação do devedor nos bancos de dados.

Ela explicou que, para isso, é necessário ajuizar ação contestando a existência do débito, além de demonstrar que a ação tem bons fundamentos jurídicos e providenciar depósito ou caução referente à parcela incontroversa, caso a ação discuta apenas parte do débito.


Ser​​asa

Em 2016, a Quarta Turma, ao julgar o REsp 1.178.768, afirmou que não cabe ao Banco Central fiscalizar as atividades desenvolvidas pela Serasa, a qual não se qualifica como instituição financeira.

O recurso do Ministério Público Federal (MPF) buscava, entre outros pontos, obrigar o Banco Central a fiscalizar as atividades da Serasa. Segundo o MPF, o fato de a Serasa não se constituir como instituição financeira não a tornaria isenta de controle por parte do Banco Central, porque ela detém o maior banco de dados da América Latina e é definida pelo CDC como entidade de caráter público, de acordo com o disposto no parágrafo 4º do artigo 43.

A ministra Isabel Gallotti, relatora, lembrou que os associados à Serasa podem ser instituições financeiras, mas ela não é.

"A Serasa só organiza o cadastro, sem interferir direta ou indiretamente no deferimento do financiamento. Não se trata, portanto, de instituição financeira; não exerce coleta, intermediação nem aplicação de recursos financeiros próprios ou terceiros, nem a custódia de valor de propriedade de terceiros, seja como atividade principal ou acessória", concluiu.


Devedor de aliment​​os

Em um caso em segredo de Justiça julgado pela Terceira Turma em 2016, os ministros – considerando o princípio do melhor interesse do alimentando – admitiram que na execução de alimentos de filho menor são possíveis o protesto e a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito.

Nesse caso, o credor alegou que, muitas vezes, a restrição ao crédito em caráter nacional é a única medida eficaz contra devedores que não possuem emprego formal, nem mesmo paradeiro certo ou bens passíveis de penhora. O relator, ministro Villas Bôas Cueva, disse que, além de não existir impeditivo legal para tal medida, a Lei 5.478/1968, ao incumbir o juiz de tomar as medidas necessárias para o pagamento da pensão alimentícia, deve ser interpretada de forma ampla, permitindo, no caso em análise, a negativação do devedor como forma de garantir o cumprimento da obrigação.

Alienação fiduci​​ária

Outra possibilidade de inclusão de nome em cadastros de restrição de crédito foi definida no REsp 1.833.824, julgado pela Terceira Turma em 2020.

Segundo o colegiado, o credor fiduciário, diante da inadimplência do contrato, não é obrigado a vender o bem dado em garantia antes de promover a inscrição do devedor nos cadastros negativos.

Nessas hipóteses, independentemente da forma de tentativa de cumprimento da obrigação – se pela recuperação do bem ou pela ação de execução –, a inscrição nos cadastros restritivos tem relação com o próprio descumprimento do contrato. Para a ministra Nancy Andrighi, relatora, a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, em tal cenário, é exercício regular do direito do credor.

"Independentemente da via eleita pelo credor para a satisfação de seu crédito, não há ilicitude na inscrição do nome do devedor e de seu avalista nos órgãos de proteção ao crédito, ante o incontroverso inadimplemento da obrigação", concluiu.

Pela via jud​​icial

No início deste ano, a Terceira Turma decidiu que o requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, na via judicial, nos termos do que dispõe o parágrafo 3º do artigo 782 do Código de Processo Civil, não depende da comprovação de prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro.

O colegiado deu provimento ao recurso de uma empresa de fomento mercantil contra decisão de tribunal estadual que havia condicionado a inclusão à recusa administrativa.

Nesse caso (REsp 1.835.778), o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator, ressaltou que o tribunal estadual, ao condicionar a averbação à prévia recusa administrativa, criou requisito não previsto em lei. Ademais – enfatizou –, o entendimento está na contramão da sistemática trazida pelo CPC, a qual busca a máxima efetividade na tutela jurisdicional.

Bellizze afirmou que não há impedimento para que o credor requeira diretamente a inclusão do nome do devedor à gestora do cadastro de restrição de crédito, mas também não existe óbice para que esse pedido seja feito na via judicial, no curso da execução.


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1083291REsp 1424792REsp 1062336REsp 1386424REsp 1704002REsp 1444469REsp 1148179REsp 1178768REsp 1833824REsp 1835778



quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Editorial STJ - "CDC 30 anos: o STJ e a revolução no sistema de consumo"

 O Superior Tribunal de Justiça tem disponibilizado excelentes publicações relacionadas aos direitos de consumo. São 30 anos de vigência do estatuto consumerista, que resiste a todas as transformações globais do mercado brasileiro e mundial. Abaixo segue um excelente editorial sobre o Código de Defesa do Consumidor e a atuação do STJ ao longo dos anos na defesa do consumidor e do próprio mercado de consumo.


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CDC 30 anos: o STJ e a revolução no sistema de consumo



​​​Muito além da origem na Constituição de 1988 e do tempo de existência em comum, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) – que completou 30 anos nesta sexta-feira (11) – estão vinculados pela própria matéria legislativa. O direito do consumidor é um tema muito presente na pauta do tribunal, que tem interpretado e revisitado o código em inúmeros julgamentos ao longo dessas três décadas – período em que as relações de consumo também se modificaram profundamente.

Se, nos anos 1990, o brasileiro dependia de meios físicos para suas transações – como cédulas de dinheiro, cheques e notas promissórias –, a partir dos anos 2000, os sistemas de pagamento eletrônicos – com destaque especial para os cartões de crédito – ganharam definitivamente o gosto e o bolso dos consumidores.

Com o advento da internet, as relações de consumo se alteraram radicalmente e as pessoas começaram a utilizar computadores, tablets e celulares para realizar grande parte das atividades de consumo, como compras em sites e pedidos de comida por aplicativos de smartphone. Até a compra de supermercado não é mais a mesma: dos carrinhos de ferro, passamos aos carrinhos de compra virtuais na hora de fazer a feira da semana. 

Com o ambiente tão drasticamente atingido pela revolução digital, como um código nascido em 1990 poderia continuar regulando satisfatoriamente as relações de consumo? Esse é um desafio que se impõe ao STJ: interpretar e aplicar a lei às relações – e aos conflitos – dos novos tempos.

"O CDC representa um dos mais importantes marcos históricos no sistema de proteção dos consumidores brasileiros, estabelecendo conceitos claros, garantindo direitos e definindo responsabilidades. Tão relevante quanto seu papel nos últimos 30 anos é a necessidade de mantê-lo atualizado e próximo das novas relações de consumo do mundo moderno – papel que o STJ tem cumprido com empenho, prudência e sabedoria. STJ de mãos dadas com a cidadania​", afirmou o presidente do tribunal, ministro Humberto Martins.

A era dos ch​​​eques

Durante a primeira década, muitos julgamentos do STJ envolviam a discussão sobre a sujeição ou não dos litigantes ao CDC e sobre a própria aplicabilidade de suas normas a contratos de consumo firmados antes do código – hipótese em geral afastada pelo tribunal, como em precedente de 1993, o REsp 36.455, relatado pelo ministro Eduardo Ribeiro na Terceira Turma.

Em julgamento realizado em 1995, a Quarta Turma, sob relatoria do ministro Ruy Rosado, rechaçou a tese de um banco sobre a sua não submissão às regras do CDC no âmbito de ação revisional de contrato (REsp 57.974).


Posteriormente, a orientação sobre a aplicabilidade do código em relação às instituições financeiras foi consolidada na Súmula 297, editada em 2004 pela Segunda Seção.​

Muitos dos litígios analisados pelo STJ nos primeiros anos do CDC também estavam relacionados aos meios de pagamento mais utilizados à época, como os cheques. No vocabulário do consumidor brasileiro, expressões como "bom para", "endosso" e "cheque cruzado" eram corriqueiras – mas poderiam soar estranhas para os jovens de hoje. 

Em 2000, por exemplo, ao analisar caso de extravio de cheque dentro das dependências de um banco, a Terceira Turma definiu que a instituição financeira deveria ocupar o polo passivo da ação de indenização proposta pelo cliente – não em substituição ao devedor original do cheque, mas para responder pelo ressarcimento decorrente da prática de ato danoso.

"Se aplicada a regra geral da responsabilidade civil, não se afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor neste feito, porque indiscutível a relação de consumo", destacou no julgamento o ministro Menezes Direito (REsp 238.016). "No caso dos depósitos em conta-corrente e, mais especificamente, no caso do serviço de desconto de título, como no presente feito, há um contrato claro de serviços, uma verdadeira relação de consumo, devidamente remunerado pelo correntista, preenchendo os requisitos do parágrafo 2º do artigo 3º do CDC", acrescentou.

Mais tarde, em 2005, a Terceira Turma estabeleceu que o banco é responsável por entregar o talão de cheques ao correntista de forma segura – motivo pelo qual, ao optar por terceirizar esse serviço, ele assume a responsabilidade por eventual defeito em sua prestação. O relator do recurso, ministro Castro Filho, apontou que a responsabilidade ocorre não apenas pela chamada culpa in eligendo, mas também pela caracterização de defeito do serviço, conforme o disposto no artigo 14 do CDC (REsp 640.196).   

Do tal​ão ao cartão

Em 2004, o Brasil viu as transações realizadas por meio de cartões de crédito superarem, pela primeira vez, o uso de cheques. Ao lado de vantagens como praticidade e segurança, os cartões trouxeram novas questões para debate na Justiça. Naquele ano, no REsp 514.358, a Quarta Turma do STJ analisou o caso de um banco que remeteu à cliente cartão de crédito não solicitado por ela. A cliente devolveu o cartão, mas a correspondência foi extraviada, e o cartão foi utilizado por terceiros em estabelecimentos comerciais, gerando a inscrição da consumidora em cadastros restritivos de crédito.

No STJ, o banco discutiu sua responsabilidade pelo pagamento de indenização por danos morais à cliente, mas o relator do recurso, ministro Aldir Passarinho Júnior, ressaltou que a prática de envio de cartões por estabelecimentos bancários, embora comum, era ilegal, já que estava vedada pelo artigo 39, inciso III, do CDC.

"Portanto, se a partir desse ato ilícito se desenrolaram outros acontecimentos, como a devolução do cartão ao banco, o extravio e o uso por terceiros em estabelecimentos comerciais, a responsabilidade é do banco, ao menos preferencialmente", afirmou o ministro. O reconhecimento do caráter abusivo do envio de cartões sem solicitação do cliente foi, mais tarde, consolidado na Súmula 532 do STJ.

Também em 2004 – e novamente sob a relatoria do ministro Aldir Passarinho Júnior –, a Segunda Seção fixou as teses de que as administradoras de cartões de crédito estão inseridas entre as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional e que aos contratos de cartão de crédito não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano, prevista na Lei de Usura (REsp 450.453).

Ainda no mesmo ano, a Quarta Turma decidiu que cabia exclusivamente à Serasa a responsabilidade pela indenização por danos morais em virtude da ausência de comunicação ao devedor sobre sua inscrição em cadastro negativo, mesmo que o fato tenha sido consequência de um lançamento em cartão de crédito já cancelado pelo consumidor um mês antes (REsp 595.170).

Em precedente mais recente, de 2011, a Terceira Turma estabeleceu que são nulas as cláusulas contratuais que impõem exclusivamente ao consumidor a responsabilidade por compras feitas com cartão furtado ou roubado, até o momento da comunicação do fato à administradora.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.058.221, cabe às administradoras – em parceria com as outras empresas da cadeia de fornecedores do serviço, como as proprietárias das bandeiras e os estabelecimentos comerciais – verificar a idoneidade das compras feitas com cartões magnéticos, "utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto".

Compras na palma ​​da mão

Com funcionamento comercial no Brasil a partir de 1994 – mas com consolidação em termos de abrangência e de utilização em dispositivos móveis muito mais recente –, a internet não substituiu os sistemas de pagamento anteriores, mas foi responsável pela introdução de novos, a exemplo das transferências eletrônicas e dos pagamentos digitais instantâneos, que dispensam intermediação.

O ambiente é ainda de convivência entre meios antigos e sistemas eletrônicos modernos, apesar de uma crescente preferência dos consumidores por estes últimos. Na realidade, no âmbito das relações de consumo, a mudança mais aparente trazida pela internet é o local de realização do negócio, que recebeu um enorme incremento de horizontes, opções e abrangência no sistema e-commerce.   


Mais uma vez, ao lado das facilidades geradas pelo sistema de consumo virtual, novos conflitos surgiram e aportaram no Judiciário – como a discussão sobre a cobrança de taxa de conveniência na venda de ingressos para espetáculos culturais pela internet.

O caso foi julgado em 2019 pela Terceira Turma, que concluiu haver abuso nesse tipo de cobrança, em razão da configuração de venda casada indireta. De acordo com a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a venda casada – vedada pelo artigo 39, inciso I, do CDC – ocorre quando o fornecedor obriga o consumidor, na compra de um produto, a levar outro que não deseje, apenas para ter direito ao primeiro.

A ministra lembrou que o inciso IX do artigo 39 considera abusiva a imposição, pelo vendedor, da contratação indesejada de um intermediário escolhido por ele, cuja participação na relação negocial não é obrigatória.

Nancy Andrighi destacou que a oferta de ingressos pela internet alcança um público "infinitamente superior" ao do modelo de venda presencial, privilegiando o interesse dos produtores do espetáculo cultural em vender os espaços no menor prazo possível.

Por outro lado, apontou, o consumidor que não adquire o bilhete em meio virtual é obrigado a se deslocar até os locais de venda físicos – caso existam –, correndo o risco de descobrir que tudo foi vendido digitalmente.

"A potencial vantagem do consumidor em adquirir ingressos sem se deslocar de sua residência fica totalmente aplacada pelo fato de ser obrigado a se submeter às condições impostas pela recorrida no momento da contratação, entre elas o valor da taxa, o que evidencia, mais uma vez, que a principal vantagem desse modelo de negócio – disponibilização de ingressos na internet – não foi instituída em seu favor", enfatizou a relatora ao considerar abusiva a taxa de conveniência (REsp 1.737.428).

Comprou, mas não​​​ chegou

Outra situação corriqueira no mercado de consumo virtual é a compra de um produto e a ingrata constatação de que ele nunca chegará, pois não foi enviado pela loja on-line. Entretanto, caso o cliente tenha sido levado à loja virtual por meio de um buscador de produtos, esse site intermediário também é responsável pela reparação do dano?

A situação foi analisada em 2016 pela Terceira Turma, que concluiu que o provedor de busca de produtos que não realiza intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual.

No julgamento, a ministra Nancy Andrighi estabeleceu uma diferenciação entre os provedores de busca que oferecem toda a estrutura virtual para que a compra seja realizada – e, assim, o provedor passa a fazer parte da cadeia de fornecimento, nos termos do artigo 7º do CDC – e aqueles que se limitam a apresentar ao consumidor o resultado da pesquisa, sem participar da interação virtual que resultará na compra.

"O provedor do serviço de busca de produtos – que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor – não pode ser responsabilizado pela existência de lojas virtuais que não cumprem os contratos eletrônicos ou que cometem fraudes contra os consumidores, da mesma forma que os buscadores de conteúdo na internet não podem ser responsabilizados por todo e qualquer conteúdo ilegal disponível na rede", concluiu a ministra (REsp 1.444.008).

A evolução con​tinua

Se as operações por meio de cheques e cartões e as compras via internet podem ser consideradas transitórias – porque novos modelos surgirão –, o consumo é da natureza humana e seguirá se adaptando e evoluindo.  

Por isso, o Código de Defesa do Consumidor continuará sendo confrontado com novas realidades nos próximos 30 anos, e o STJ, de igual modo, terá que dar novas respostas aos futuros litígios envolvendo consumidores, fornecedores e qualquer que seja o mecanismo dessa relação.

Novos entendimentos têm sido firmados o tempo todo para dar ao CDC aplicação equilibrada e coerente com o ordenamento jurídico. No REsp 1.412.993, julgado em 2018, a Quarta Turma acompanhou o voto da ministra Isabel Gallotti para definir que a previsão de multa contra o consumidor que atrasa o pagamento da fatura de cartão de crédito não autoriza a inversão dessa cláusula penal contra o fornecedor que, nas vendas pela internet, atrasa a entrega do produto ou demora a restituir o valor após o exercício do arrependimento.

De acordo com a ministra, nesse tipo de venda, o fornecedor envia a mercadoria só após a confirmação do pagamento pela operadora do cartão, de modo que não há previsão de penalidade contra o consumidor na sua relação com a empresa vendedora. A multa pelo atraso na quitação da fatura do cartão faz parte, isso sim, do contrato entre o consumidor e a operadora.

Em 2020, a Terceira Turma concluiu, ao julgar o REsp 1.794.991, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, que o princípio da vinculação da oferta não devia ser aplicado em um caso no qual, por erro grosseiro de sistema, foi informado aos consumidores um preço de passagem aérea baixíssimo, totalmente fora do mercado. Para a ministra, o cancelamento da reserva pela empresa – que comunicou o erro aos consumidores, não tendo havido nem sequer o débito do valor da compra no cartão – não configurou falha na prestação do serviço.

Entre os cheques de papel e os checkouts na conclusão das compras virtuais, muitos outros desafios na interpretação do direito consumerista estão por vir.


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 36455REsp 57974REsp 238016REsp 640196REsp 514358REsp 450453REsp 595170REsp 1058221REsp 1737428REsp 1444008REsp 1412993REsp 1794991



Link de direcionamento para a publicação original: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13092020-CDC-30-anos-o-STJ-em-meio-a-revolucao-no-sistema-de-consumo.aspx

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Consumidor por equiparação na visão do STJ

Por Giselle Borges Alves


Recentemente o STJ julgou recurso especial sedimentando o entendimento sobre o conceito de consumidor por equiparação e sua abrangência.

O Código de Defesa do Consumidor trouxe para as relações jurídicas de consumo a figura do consumidor por equiparação (“bystander”), que amplia o conceito de consumidor para além da pessoa que adquire o produto ou utiliza o serviço disponibilizado pelo fornecedor.

O parágrafo único do artigo 2º do CDC informa que é equiparado a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo na relação de consumo.

O artigo 17, informa que para efeitos responsabilização por fato de consumo, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Assim, em caso de acidente com a utilização do produto ou serviço, são consideradas consumidoras todas as pessoas que sofrem consequências jurídicas decorrentes do fato, mesmo que não tenham adquirido diretamente o produto ou serviço.

O Recurso Especial 1787318/RJ, tem dois aspectos fundamentais para análise: (I) quando reconhece que a vítima do evento é consumidora, notadamente, porque reconhece também uma especificidade dos direitos do consumidor em relação ao prazo para a busca da reparação civil dos danos, ou seja, (II) um prazo prescricional elastecido se comparado ao prazo prescricional de outra relação jurídica não consumerista.

O REsp 1787318/RJ, trata de acidente de trânsito, atropelamento sofrido pela vítima/recorrente.

Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não reconheceu a existência de relação de consumo e aplicou o prazo prescricional trienal do Art. 206, §3º, inciso V do Código Civil, retirando a pretensão da vítima, quanto ao direito a indenização pelos danos sofridos. Destaque-se que a vítima teve sentença desfavorável em primeira instância e também em sede de apelação cível, na segunda instância estadual, conforme trecho abaixo, citado no acórdão do REsp 178318/RJ (BRASIL, STJ, 2020):

“APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. ATROPELAMENTO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DE NATUREZA EXTRACONTRATUAL. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL DO ARTIGO 206, §3º, INCISO V, DO CÓDIGO CIVIL E NÃO O PRAZO DE CINCO ANOS PREVISTO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. DESPROVIMENTO DO RECURSO.”

No entanto, o assunto relacionado a acidente de consumo em prestação de serviços de transporte por concessionária de serviço público e a consideração de consumidores por equiparação como sendo todas as vítimas do evento danoso, não é assunto novo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Conforme informado pelo Ministro relator do acordão do REsp 178318/RJ, Paulo de Tarso Sanseverino, há entendimento sedimentado no STJ. O relator cita no acórdão trechos de julgados proferidos pela Corte desde o ano de 2010, destacando o AgRg no REsp 1000329/SC, julgado em 10/08/2010, sob relatoria do Min. João Otávio de Noronha, o REsp 1288008/MG, julgado em 04/04/2013, sob relatoria do próprio Min. Paulo de Tarso Sanseverino, e o REsp 1125276/RJ, julgado em 28/02/2012, sob relatoria da Min. Nancy Andrighi.

Neste sentido, verificamos que a vítima do acidente possui razão para o inconformismo com relação as decisões das instâncias ordinárias. Assim, destacamos alguns trechos do voto do relator, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O Direito do Consumidor não define restrição ao conceito de consumidor, quando se trata de fato decorrente de atividade negocial que estava sendo realizada, apenas pelo fato do indivíduo não ter adquirido o produto ou serviço. O conceito de consumidor do caput do art. 2º da Lei 8078/90, é apenas um conceito básico, conforme destaca o relator:

“A circunstância de o único vitimado pelo acidente alegadamente causado pelo ônibus de propriedade da recorrida, quando da prestação de serviços de transporte de pessoas no Rio de Janeiro, ser terceiro à relação de consumo não afasta a sua condição de consumidor por equiparação, senão concretiza exatamente a hipótese do art. 17 do CDC, que ampliou o conceito básico de consumidor do art. 2º da Lei 8078/90” (BRASIL, STJ, 2020, p. 5).

A decisão relembra ainda que mesmo os intermediários da cadeia de fornecimento de produtos ou serviços, podem ser considerados como consumidores, caso venham a sofrer acidente de consumo. O relator, destaca inclusive, trecho da obra do Ministro Herman Benjamin, que traz exemplo fático sobre o assunto:

“O eminente Ministro Herman Benjamin, em seus Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, fornece exatamente o exemplo do dono de um supermercado que, ao inspecionar sua seção de enlatados, sofre ferimentos pela explosão de uma lata com defeito de fabricação, reconhecendo que ele pode pleitear, do mesmo modo que o consumidor que está a seu lado, reparação pelos danos sofridos em decorrência do produto defeituoso. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Comentários ao código de proteção do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 81).” (BRASIL, STJ, 2020, p. 6).

O Min. Paulo de Tarso, ressalta ainda que existe exceção na aplicação do CDC, quando realmente não se trata de exercício de atividade econômica direta como prestação de serviço em geral. Cita como exemplo o transporte fornecido por uma empresa aos seus funcionários, o que é abrangido, em caso de acidente e responsabilidade decorrente, pelas regras do Direito do Trabalho.

“Haverá hipótese em que o acidente ocorrerá em contexto em que o transporte não seja de consumidores, na forma do art. 2º do CDC, e nem seja prestado por fornecedor, na forma do art. 3º do CDC, como, por exemplo, no transporte de empregados pelo empregador, o que, certamente, afastaria a incidência do CDC, por inexistir, indubitavelmente, uma relação disciplinada pelo CDC, uma relação de consumo” (BRASIL, STJ, 2020, p. 8).

Assim, o STJ, por meio do REsp 1787318/RJ, mais uma vez reconhece a figura do consumidor por equiparação e da necessidade de interpretação do Código de Defesa do Consumidor de modo a garantir o verdadeiro resguardo do cidadão-consumidor.

No caso em análise, conforme se verá da ementa que segue abaixo, foi reconhecido que a vítima era consumidor por equiparação, abrangido pela regra do artigo 17 do CDC e que, por esse motivo, era inaplicável o prazo prescricional do artigo 206, §3º, inciso V do Código Civil, sendo reconhecido, por consequência, que seria aplicado ao presente caso a regra do prazo quinquenal, previsto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor.

Vale a leitura atenta do acordão integral no site do STJ, e abaixo segue a ementa do julgado com o resumo do voto do relator.

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGADO ACIDENTE DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE DE PESSOAS. ATROPELAMENTO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INCIDÊNCIA DO CDC. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Demanda indenizatória ajuizada por pedestre atropelado por ônibus durante a prestação do serviço de transporte de pessoas. 2. Enquadramento do demandante atropelado por ônibus coletivo, enquanto vítima de um acidente de consumo, no conceito ampliado de consumidor estabelecido pela regra do art. 17 do CDC ("bystander"), não sendo necessário que os consumidores, usuários do serviço, tenham sido conjuntamente vitimados. 3. A incidência do microssistema normativo do CDC exige apenas a existência de uma relação de consumo sendo prestada no momento do evento danoso contra terceiro (bystander). 4. Afastamento da prescrição trienal do art. 206, §3º, inciso V, do CCB, incidindo o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC. 5. Não implementado o lapso prescricional quinquenal, determinação de retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição para que lá se continue no exame da pretensão indenizatória. 6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO”. (BRASIL, STJ, REsp 1787318/RJ, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, Data de Julgamento: 18/06/2020).

 

 

Referência:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1787318/RJ. Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Terceira Turma. Data de julgamento: 18 jun. 2020. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 05 jun. 2020.


terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Artigo: PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR NOS CONFLITOS DE COMÉRCIO ELETRÔNICO BRASILEIRO

CONSUMER DEFENSE IN BRAZILIAN E-COMMERCE CONFLICTS

Jéssyca Pereira de Araújo, bacharel em Direito pela Faculdade CNEC/INESC de Unaí/MG, Brasil.
Giselle Borges Alves, advogada; Especialista em Direito Processual Civil; professora no curso de Direito na Faculdade CNEC/INESC de Unaí/MG.

Resumo
Em razão do aumento de reclamações perante os órgãos de defesa do consumidor e do Poder Judiciário advindos de conflitos do e-commerce, o presente estudo procurou verificar a eficácia da aplicação do Código de Defesa do Consumidor no comércio eletrônico brasileiro. A pesquisa aborda os aspectos gerais, benefícios e prejuízos das aquisições realizadas via web, bem como realiza um estudo sobre a legislação pátria de proteção e defesa do consumidor com intuito de demonstrar as falhas e acertos legislativos, bem como a necessária evolução das normas adotadas nestas práticas comerciais.
Palavras-chave: comércio eletrônico, consumidor, direitos.
Abstract
Considering the increase in complaints before the organs of consumer protection and the Judiciary arising from conflicts of e-commerce, this study verified the efficacy of applying the Consumer Protection Code in the Brazilian e-commerce. The research deals with general aspects, benefits and losses from purchases made via web, as well as conducts a study on homeland protection laws and consumer affairs with the purpose of demonstrate the legislative flaws and successes, and the necessary evolution of the standards adopted in these business practices.
Key-words: e-commerce, consumer, rights.

1.                  INTRODUÇÃO

Com a evolução da sociedade e o crescimento tecnológico, o homem aprendeu a comercializar de outras formas inclusive através da rede mundial de computadores. A internet passa a ser uma ferramenta utilizada hodiernamente pelas pessoas em diversas tarefas de seu cotidiano para resolução de problemas simples e de situações mais complexas; ela trouxe também a possibilidade de realizar as práticas comerciais de fornecimento de produtos e serviços com rapidez e comodidade. Devido a esses fatores, a prática do comércio por meios eletrônicos está se expandindo a passos largos. Segundo dados da e-bit, empresa reconhecida como a mais respeitada fonte de informações do segmento de desenvolvimento do comércio eletrônico no Brasil, em 2012 o setor obteve um faturamento de R$ 22,5 bilhões ao longo do ano, 20% maior que o ano anterior, sendo R$ 66,7 milhões de pedidos de compras de produtos ou serviços. Estima-se que 42,2 milhões de consumidores utilizam do comércio eletrônico.
Na data de criação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990) não era popularizada na sociedade brasileira o uso da internet, tampouco a prática de comércio eletrônico. Assim, não foram editadas normas específicas sobre proteção e defesa do consumidor no comércio virtual que englobassem problemas como vendas e aquisições, contratos, ofertas de produtos e serviços, publicidade, pagamentos eletrônicos e serviços de pós-venda. A vulnerabilidade do consumidor ficou maior com o advento do e-commerce, pois na maioria das vezes o interlocutor é leigo e não consegue reconhecer precisamente as características de uma empresa que oferece produtos e serviços pela internet. Constantemente ocorrem denúncias perante o Serviço de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON) e ao Poder Judiciário que envolve conflitos de interesses diante de relações travadas no comércio eletrônico (e-commerce). Apesar do conforto e comodidade de comprar sem sair de casa, o consumidor se vê diante de várias dificuldades para ajustar seus interesses com o fornecedor, que muitas vezes sequer possui uma sede física.  O sentimento do consumidor, na maioria das vezes, é de lesão aos seus interesses quando o produto ou serviço não atende suas expectativas e eles não sabem como agir nesses casos.
Diante das situações delineadas nos conflitos diários que envolvem o e-commerce, surgem algumas questões que nortearam esta pesquisa: quais os aspectos positivos e negativos nas relações de comércio eletrônico? Até que ponto as normas do Código de Defesa do Consumidor são suficientes para garantir os direitos dos consumidores perante os conflitos no comércio eletrônico brasileiro? As respostas a estes questionamentos serão delineadas no decorrer do estudo.

2. SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO

O comércio eletrônico é uma modalidade de compra diferenciada da tradicional, pois não há o deslocamento do consumidor até o estabelecimento físico para escolha do produto que melhor o satisfaça. Nesta modalidade, o consumidor irá comprar aquilo que lhe é descrito pela foto meramente ilustrativa ou determinado produto que é vinculado à marca de um fornecedor com bons preceitos de qualidade e garantia.
O surgimento do e-commerce, segundo Barbieri (2013) coincide com o aparecimento da internet, que foi desenvolvida nos Estados Unidos com a ideia de conectividade entre computadores. A internet surgiu devido à necessidade de manter a comunicação em meio à guerra entre dirigentes políticos e comandantes militares. Em 1962, o governo americano começou a desenvolver sistemas compostos por diversificados pontos armazenadores de conteúdo, como forma de garantir, caso o Pentágono fosse atingido, a integridade das rotas alternativas de transmissão.
Barbieri (2013) elucida que no ano de 1967, universidades e institutos de pesquisa norte-americanos, foram chamados para operacionalizar o projeto, dando então, início à ARPAnet, precursora da internet. O e-mail foi a primeira utilização da rede, seguido pelos grupos de discussão em linha. Em 1983, a ARPAnet deixou seu caráter militar e passou a ter propósitos de pesquisa. Em 1990 houve o encerramento da ARPAnet e o consequente nascimento da internet, que passou a ser explorada em todo o mundo. O primeiro provedor comercial no mundo, a World, foi inaugurado em 1990, e já no ano seguinte foi criado o primeiro programa que garantia a privacidade na rede, o Preety Good Privacy, e teve início a World Wide Web, fato que deu início a era do comércio eletrônico.
De acordo com Finkelstein (2011), a internet no Brasil surgiu em 1988, quando bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP), demonstraram a necessidade de utilizar a internet, depois de retornarem de cursos nos Estados Unidos, pois sentiam a falta do intercâmbio mantido no exterior com outras instituições científicas. Em 1991, uma linha internacional foi ligada à rede da FAPESP, para então ser liberado o acesso à Internet a instituições educacionais, fundações de pesquisa, entidades sem fins lucrativos e órgãos governamentais. No ano de 1995, o Ministério das Comunicações e o Ministério da Ciência e Tecnologia publicaram uma portaria que criou a figura do provedor de aceso privado, liberando a operação comercial no Brasil. Em 25 de maio daquele ano, nasceu a internet comercial no país e foi o banco Bradesco o responsável por lançar o primeiro site “.com.br” (FINKESLTEIN, 2011).
Várias são as definições jurídico-doutrinárias para o comércio eletrônico. Lorenzetti (2004, p. 69) define o comércio eletrônico como “[...] todas as atividades que tenham por fim o intercâmbio, por meios eletrônicos, de bens físicos e de bens digitais ou imateriais, o resultado é que teremos relações jurídicas daí oriundas”. Vidonho Júnior (2013) conceitua comércio eletrônico como uma forma de comércio à distância, sem limite territorial, onde o estabelecimento e o consumidor são interligados, através de uma rede de computadores que pode ser a internet.
​O Brasil ocupa a terceira posição[1] em quantidade de usuários ativos na internet, cerca de 52,5 milhões. No primeiro e segundo lugares estão Estados Unidos com 198 milhões e Japão 60 milhões, respectivamente. Os internautas brasileiros gastam em média 43 horas e 57 minutos navegando na net e grande parte deste tempo é acesso a sites de e-commerce. O diretor geral da e-bit, Pedro Guasti (2013), afirma que atualmente 43 milhões de consumidores já realizaram pelo menos uma compra on-line no Brasil, os dois principais fatores determinantes para esse crescimento de e-consumidores no Brasil são o forte crescimento econômico do país e o ritmo de entrada das classes C e D.

De forma ilustrativa, abaixo segue gráfico comparativo sobre a evolução do comércio eletrônico, no período de 2001 a 2012:



Fonte: www.e-commerce.org.br, ano 2013.

Os dados apresentados no gráfico acima trazem a significativa evolução nos últimos cinco anos. Entre 2008 e 2009 houve um crescimento de 4,3 milhões de consumidores no e-commerce; de 2009 para 2010 o crescimento foi de 5,5 milhões de consumidores; e de 2011 a 2012 o aumento foi de 11 milhões, alcançando o patamar de 43 milhões de consumidores no comércio eletrônico brasileiro. Bortoletto (2013) afirma que a rede mundial de computadores representou um novo ciclo para a humanidade com valorização das negociações on-line com aumento de investimentos no mundo virtual, inclusive de segmentos tradicionais como os setores ligados à área de educação e ensino, bem como as atividades de natureza bancária.

Para ilustrar os lucros advindos do avanço da comercialização de produtos e serviços on line, segue abaixo gráfico ilustrativo das arrecadações em bilhões de reais no período de 2001 a 2012 do e-commerce no Brasil:



Fonte: e-Bit - www.e-commerce.org.br.2013[2]
Na amostragem acima foi contabilizado faturamento de sites de vendas de produtos e serviços, com levantamento foi realizado nos anos de 2001 a 2012, e apontou uma significativa variação no ano de 2006 com 76% de aumento em comparação com o ano de 2005, totalizando em R$ 4,40 bilhões de reais a arrecadação no e-commerce. Entre 2007 a 2009 a variação foi de 33% e 43%; em 2010 a variação foi de 40% atingindo mais de R$ 14 bilhões de reais em vendas; já em 2011, a variação foi apenas de 26% que resultou em um faturamento de R$ 18 bilhões; o ano de 2012 obteve uma variação 20% maior que o ano anterior, totalizando em R$ 22,5 bilhões em compras (e-BIT, 2013).

2.1  Pontos positivos e negativos do comércio eletrônico

A evolução do comércio eletrônico reflete diretamente na economia brasileira, principalmente nas relações entre consumidores e fornecedores onde a comunicação e visualização dos produtos e serviços oferecidos são diferentes da forma tradicional de venda direta. Assim, é possível destacar vários pontos positivos, contudo há sempre que se refletir sobre os aspectos negativos.
Salgarelli (2010) destaca as principais vantagens para as empresas no comércio eletrônico, quais sejam: aumento das margens de lucro devido a celeridade das transações comerciais, redução no custo de processo que utiliza papéis (aquisição, manuseio, postagem), fornecimento de serviço mais rápidos e eficientes, bem como melhor divulgação da marca. No mesmo ínterim, o autor aponta como vantagens para os consumidores virtuais a variedade produtos que são oferecidos pela empresa, bem como a diversidade que se pode notar de um mesmo produto em diferentes sites e a comodidade em se adquiri-los: “[...] Basta navegar pelas páginas da web para realizar um verdadeiro passeio virtual entre prateleiras e vitrines, com imensa gama de produtos que aguardam apenas um click para serem consumidos”.
Para Lima (2010) as principais vantagens para o empreendedor ter seu próprio e-commerce são: funcionamento 24 horas por dia, pois a loja virtual sempre estará aberta para receber o cliente disponível para comprar em qualquer hora; vendas sem limites territoriais, pois o fornecedor pode vender pra qualquer região do país ou mesmo em escala mundial, aumentando a margem de divulgação e lucro; bem como o acompanhamento direto das vendas, através do próprio sistema. As vantagens de acompanhamento de todos os passos da transação comercial pelo fornecedor (pedidos, faturamento, satisfação do cliente, acompanhamento de estoque), traz comodidade e maior controle ao empresário.
Lima (2010) aponta que o comércio eletrônico permite ao fornecedor comerciante trabalhar com produtos de diversos segmentos, utilizando o depósito do fornecedor industrial, produtor ou fabricante, sem a necessidade de um depósito próprio que armazene tudo de uma só vez. Há também a flexibilidade promocional, pois realizar a divulgação da loja on-line e das promoções relâmpagos é bem simples se forem comparadas aos negócios tradicionais. Destaca-se também a igualdade de oportunidade, pois empresas de grande, médio e pequeno porte tem a mesma oportunidade de trabalhar a comunicação com o cliente. Há também o custo baixo, em razão da empresa on-line ser infinitamente mais barata a manutenção do que a abertura de uma loja física que tem custos com aluguel, energia elétrica, água, maior número de funcionários e outros encargos. A flexibilidade de horário de trabalho também é importante, tendo em vista que não há necessidade de cumprir um esquema fixo de horários, o que permite a conciliação com outro emprego, seja privado ou público. Entretanto, é importante destacar que quanto mais dedicação os resultados, mais rápido será o crescimento das vendas on-line (LIMA, 2010).
São notórios os pontos positivos que comércio eletrônico trouxe para os fornecedores, que atingem um número enorme de clientes e, consequentemente, o alcance de maior lucro se comparado a uma empresa física; também são claros os pontos positivos para os consumidores diante da eficiência e agilidade do e-commerce. Contudo essa modalidade de comercializar também apresenta pontos negativos. Salgarelli (2010) afirma que as reclamações mais comuns dos consumidores quando adquirem produtos da internet estão ligados a problemas de vício, defeitos, atrasos no prazo de entrega, dificuldade na devolução da mercadoria e falta de segurança no envio de dados para efetuar pagamento. Reclamações como estas também estão diretamente ligadas à proteção do consumidor quanto aos riscos de sua vulnerabilidade no mercado, quanto a publicidade invasiva, a presença de cláusulas abusivas, a insegurança tecnológica e a responsabilização por danos e problemas relacionados à informação.
Finkelstein (2011, p.281) esclarece que a confiança deve ser um fator primordial para minimizar os problemas que surgem no e-commerce: “[...] cabe aos fornecedores e estudiosos da informática desenvolver níveis cada vez mais seguros nas operações, eis que a confiança está intimamente ligada à segurança das transações”. Desta forma, a segurança no comércio eletrônico será alcançada pela regulação e adaptação de normas que disciplinam esta prática comercial.
É crescente também o número de golpes no comércio eletrônico, conforme foram identificados na cartilha de segurança em internet da CERT.br[3]: golpe de site falso (phishing), onde o golpista cria um site similar ao original e induz clientes a fornecerem dados pessoais e financeiros achando que são verdadeiros; golpe de site de comércio eletrônico fraudulento, em que o golpista cria sites com objetivo de enganar clientes, após efetuarem o pagamento não recebem a mercadoria, bem como ofertas para compras coletivas, assim conseguem atingir um grande número de pessoas; golpe em site de leilão de venda de produtos, onde o golpista usa um site de leilão para oferecer produtos que nunca serão entregues, podendo usar dados pessoais e de financeiras envolvidas na transação.
Portanto, o e-commerce possui diversos pontos negativos, contudo as vantagens que propõe aos fornecedores e consumidores são imensuráveis, é uma inovação sem precedentes, o que possibilitou uma nova espécie de contrato distinto dos já conhecidos. O acordo de vontades oriundo desse tipo de relação jurídica passou a ser denominado pela maioria da doutrina brasileira de contrato eletrônico.

2.2  Os Contratos eletrônicos

Os contratos surgiram das relações do homem na sociedade e advém dos negócios realizados entre as pessoas, onde se percebeu a necessidade de criar normas com capacidade de regular as relações privadas impondo limites para equilibrar as partes. O contrato no âmbito civil, como ensina Gagliano (2006, p. 11), é “negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades”, ou seja, as partes irão decidir os limites contratuais e o efeito patrimonial que pretendem atingir com este negócio jurídico. Assim, o contrato pode ser definido como um acordo de duas ou mais vontades, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial (DINIZ, 2007).
O contrato eletrônico diferencia-se do contrato tradicional pelo meio empregado em sua celebração, pois os contratos celebrados por meio eletrônico têm sua declaração de vontade expressa através do meio de transferência de dados digitais. Assim, o lugar da contratação é a própria internet, e não o local da formação conforme seria admitido se o contrato fosse realizado entre presentes. A definição do local exato da formação do contrato eletrônico é imprescindível para interpretação deste, uma vez que será fator determinante para ingressar futuramente com uma ação judicial caso haja algum conflito de interesses entre as partes (SALGARELLI, 2010).
Quanto aos requisitos do contrato eletrônico, estes não diferem do contrato civil comum realizado entre pessoas presentes fisicamente, deve estabelecer os sujeitos da relação jurídica base, o objeto e a forma da negociação. Quanto ao objeto do contrato, este é um acordo que regula interesses e, portanto, deve ser lícito, possível, determinado uma vez que a ilicitude ocasiona a nulidade do contrato. Quanto ao sujeito, deve haver a declaração de vontade das partes contratantes, podendo ser verbal, escrita, direta ou indireta, expressa ou tácita. A proposta deve ser completa, constituindo a aceitação do consumidor na aquiescência da proposta, que só terá efeito se consistir em adesão plena.
A normatização dos contratos de natureza consumerista possui singularidades, mas em grande parte seus requisitos são comuns aos demais contratos de natureza civil e mercantil. A clareza das informações e das propostas deve ser sobressalente e também precisam ser adotadas estas características frente aos pactos comerciais realizados na rede mundial de computadores. Entretanto, os contratos eletrônicos comerciais também desafiam o legislador brasileiro, diante das constantes inovações tecnológicas diárias. Alcançar por meio legislativo a regulamentação pormenorizada das relações jurídicas travadas em âmbito digital ainda é um dos grandes dilemas da atualidade, dadas as grandes e rápidas mutações que ocorrem nos meios e formas de efetivação do comércio eletrônico.

3. OS DESAFIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR PERANTE O COMÉRCIO ELETRÔNICO

Diante da falta de uma legislação específica para atos praticados na internet surgem dificuldades de colocar em prática alguns direitos consagrados pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, o comércio eletrônico desafia a legislação posta para a defesa do consumidor. Os principais desafios a serem observados no e-commerce são relativos ao cumprimento da oferta, à publicidade enganosa, às cláusulas abusivas nos contatos eletrônicos, a efetivação da garantia do direito de arrependimento, entre outros.

3.1  A vulnerabilidade do consumidor no e-commerce

O comércio eletrônico criou uma nova realidade para o mundo virtual com avanços e possibilidades diversas sobre aquisição de produto e serviço via internet, mas com ele temos condições de maior vulnerabilidade do consumidor em razão das características das transações. O consumidor na medida em que não tem acesso ao sistema produtivo e às condições de seu funcionamento, bem como não possui facilidade em obter informações específicas sobre o produto e serviço oferecidos, foi agraciado pelo legislador com o reconhecimento legislativo de sua vulnerabilidade frente ao fornecedor, conforme previsto no art. 4º inciso I, do CDC, tratando-se de princípio norteador de efetivação das normas de todo o direito consumerista.
Nunes (2007, p. 577) afirma que a vulnerabilidade está diretamente ligada à “escolha” do consumidor: “[...] o consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, a obtenção de lucro”. O fornecedor escolhe o quê e quando produzir, enquanto o consumidor está a mercê daquilo que é produzido.
De acordo com Marques (2009, apud Barros de Lima, 2013, p.127), o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é de vital importância para a efetiva tutela de seus direitos:
A vulnerabilidade é o princípio base de toda a ordem consumerista, pois, é ele que dá sentido à proteção do consumidor, porque de outra forma se poderia considerar inconstitucionais as relações ocorridas atualmente sem a sua presença, haja vista o conflito que passaria a existir com o principio da isonomia contido na Constituição Federal (art. 5º, caput, CF).
Neste sentido, Cavalieri Filho (2011, p. 47) afirma que “[...] a vulnerabilidade é um estado da pessoa, uma situação permanente ou provisória que fragiliza o consumidor. Há uma presunção absoluta de vulnerabilidade, iuris et iure em favor de todos os consumidores [...]”. Desta forma, não se presume a vulnerabilidade da pessoa jurídica e do profissional quando se tratar de consumo intermediário, sendo necessária a prova concreta desta condição. A vulnerabilidade é uma qualidade intrínseca dos que se colocam na posição de consumidor, ou seja, como destinatário final do produto ou serviço adquirido.
É importante destacar que a vulnerabilidade não se confunde com hipossuficiência, como elucida Cavalieri Filho (2011), pois este trata de conceito ligado a aspectos processuais, um critério a ser analisado pelo juiz em face do caso concreto que prevê alguns tratamentos diferenciados, por exemplo, a inversão do ônus da prova. Já a vulnerabilidade é uma qualidade intrínseca para todos consumidores, sejam pobres, ricos, educados, ignorantes ou espertos. A grande maioria da doutrina define três espécies de vulnerabilidade: fática, técnica e jurídica.
A vulnerabilidade fática se caracteriza pelo poder econômico que uma parte impõe a outra, consiste no reconhecimento da fragilidade do consumidor frente ao fornecedor que, por sua posição de monopólio, o coloca em uma situação de superioridade em face do consumidor. A vulnerabilidade técnica se caracteriza quando o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço adquirido, pois grande parte dos produtos ofertados no mercado possuem complexas especificações técnicas de difícil compreensão para o consumidor. Já a vulnerabilidade jurídica é caracterizada pela falta de informação do consumidor a respeito dos seus direitos, dificuldade de acesso a assistência jurídica, bem como a falta de conhecimentos jurídicos específicos dos direitos e deveres inerentes à relação de consumo (CAVALIERI FILHO, 2011).
De acordo com Marques (2010) a vulnerabilidade do consumidor no e-commerce é ampliada, o motivo seria o meio utilizado, a internet. Na opinião deste autor, a maioria dos sites de vendas não oferece a mínima segurança ao consumidor. Morais Filho (2009, p. 28) também adverte que é possível afirmar a criação de uma nova espécie de vulnerabilidade, qual seja a eletrônica:
A criação do e-commerce não se insere como um mero desdobramento da vulnerabilidade técnica, pois aqui não se trata apenas da questão da falta de informação que todos os consumidores virtuais possuem, mas um verdadeiro universo, um mundo virtual, repleto de peculiaridades que aumentam a vulnerabilidade do consumidor.
Morais Filho (2009, p.30) também afirma que o consumidor é naturalmente vulnerável em qualquer relação de consumo devido à diversidade entre o consumidor e fornecedor, entretanto “[...] caberá ao Poder Judiciário preencher as lacunas existentes devido à falta de legislação específica, aplicando integralmente o CDC afim de que o consumidor, verdadeiro leigo digital, não arque com as armadilhas existentes na rede”. Assim, a vulnerabilidade é agravada pela utilização práticas abusivas no mundo virtual, o que faz com que o princípio da vulnerabilidade deva ser aplicado de maneira contínua nas questões referentes às relações de consumo do e-commerce, devendo o consumidor estar atento aos aspectos positivos e negativos que este meio comercial oferece.
Há que se discutir também o papel do legislador e dos dispositivos legais existentes para uma regulamentação efetiva do comércio eletrônico. A análise dos pontos positivos e negativos, bem como da eficácia das normas existentes é que possibilitará dirimir os conflitos advindos dessa relação.

3.2            A aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor

A expansão do e-commerce despertou o interesse dos juristas sobre a incidência das leis consumeristas no ambiente virtual, principalmente quanto a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. As transações comerciais realizadas por meio digital trouxeram tanto agilidade para as partes, como também dificuldades no âmbito da defesa do consumidor em matéria de jurisdição e aplicação das leis. Silva (2011) ensina que da mesma forma que o e-commerce deixou mais ágil as atividades empresariais e de consumo, também trouxe maior dificuldade de ordem prática e jurídica, principalmente quanto à aplicação da legislação existente:
Uma parte da doutrina entende que o Código de Proteção e de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/90) é totalmente aplicável a estas relações, enquanto outra parte admite a total aplicabilidade do código, porém com carência de algumas modificações e atualizações, e outros poucos acreditam que seria necessário a existência de uma lei específica para regular as relações de consumo na internet.
Neste sentido, Silva (2011) afirma que “[...] apesar do CDC não dispor de normas específicas sobre comércio eletrônico, este se aplica integralmente às relações jurídicas de consumo estabelecidas no ambiente digital [...]”. Assim, existem várias situações em que se pode aplicar a normas do Código de Defesa do Consumidor nos conflitos de comércio eletrônico. Em relação à oferta, por exemplo, Silva (2011) retrata o Art. 31 do CDC que assegura ao consumidor informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
A oferta é uma proposta de celebração de um contrato que a pessoa faz à outra. Rodrigues (1995, p.65 apud Cavalieri Filho 2011, p.145) ensina que “[...] a proposta é a oferta dos termos em negócio, convidando a outra parte com eles concordar”. Constitui ato jurídico unilateral aquele que faz a proposta, convida aquele que recebe a proposta a contratar, apresentando os termos em se dispõe a fazê-lo. Cavalieri Filho (2011, p.168) afirma no mesmo sentido que “[...] a proposta deve ser precisa, completa, trazendo cláusulas essenciais do contrato, principalmente em relação à coisa e ao preço; dirigida a seu destinatário [...]”. A oferta integra o contrato que, conforme dispõe o Código de Defesa do Consumidor, obriga o fornecedor a cumpri-la caso o contrato seja celebrado entre as partes. Este fenômeno é conhecido como princípio da vinculação à oferta.
Portanto, a oferta dirigida ao consumidor, conforme previsão do Art. 31 do diploma consumerista, destaca o dever de assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre as características essenciais e riscos de uso dos produtos e serviços. Segundo Finkelstein (2011), a oferta precisa ser extremamente criteriosa com as informações veiculadas, sendo necessária a realização de revisões constantes.
Quanto à publicidade, aplicam-se os artigos 36 e 38 do CDC, assim, nos contratos eletrônicos de consumo é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva, pois não é permitido inserir informações que induzam o consumidor a erro, a atividades de risco ou ao exercício de práticas ilegais, tais como a incitação à violência ou discriminação de qualquer espécie (SILVA, 2011).
A publicidade para Barreto (2012) pode ser definida como qualquer forma de oferta, comercial e massificada tendo um patrocinador identificado, sendo um instrumento de influência sobre as decisões do consumidor. Finkelstein (2011, p.244) afirma que “[...] qualquer publicidade que contenha os elementos essenciais de um contrato deve ser considerada como uma oferta vinculante [...]”, ou seja, a publicidade configura uma oferta, o fornecedor tem que cumprir seus termos, devendo ter atenção nas informações veiculadas.
Neste sentido Barbieri (2013, p. 91) afirma que caso o ciberconsumidor aceite a proposta contida na mensagem publicitária, ele e o fornecedor estarão vinculados ao acordo:
Diante destes aspectos, tem-se entendido no Brasil que a publicidade ao ciberconsumidor feita por e-mail, homepages, spam, entre outros, caso apresente os elementos essenciais do contrato como a descrição sobre as qualidades do ou serviço e o preço, configura oferta pública e verdadeira proposta contratual.
Em relação à garantia, Silva (2011) ensina que é plenamente aplicável o Art. 26, incisos I e II do CDC, que estabelece o prazo de garantia legal de 30 dias para os produtos não-duráveis e 90 dias para os duráveis; em relação aos sistemas de bancos de dados e cadastros, o consumidor tem direito a ter acesso a todos seus dados e registros, sendo plenamente aplicável o Art. 43, caput do CDC, que estabelece que o consumidor pode exigir a correção de qualquer informação, total ou parcialmente, equivocada.
Em relação ao direito de arrependimento sempre houve discussão na doutrina jurídica pátria sobre a possibilidade de aplicação do disposto no artigo 49 do CDC para o comércio eletrônico, tendo em vista que a norma garante ao consumidor o prazo de sete dias a contar da assinatura do contrato ou recebimento da mercadoria, para a troca do produto ou devolução da quantia paga. A título de exemplo Ulhôa (2011, p. 252 apud Finkelstein, 2011, p.49) não aceita a aplicação do direito de arrependimento ao comércio eletrônico, porque não se trata de negócio concretizado fora do estabelecimento do fornecedor: “[...] o consumidor está em casa ou no trabalho, mas acessa o estabelecimento virtual do empresário; encontra-se por isso na mesma situação de quem se dirige ao estabelecimento físico”.
Finkelstein (2011), ao contrário, traz duas hipóteses em que o consumidor goza do direito de arrependimento: a compra por impulso, quando é abordado por vendedores ambulantes fora do estabelecimento comercial, em seu domicílio quando está vulnerável a técnicas agressivas de vendas, e em compras realizadas a distância, como pelo telefone em que o consumidor não tem contato com o bem que está adquirindo. 
Um aspecto relevante do direito de arrependimento, que também suscita controvérsia, são as despesas de devolução do produto ao fornecedor. Para Andrade (2006) e a doutrina minoritária entendem que o consumidor deve arcar com o ônus da devolução do produto já que foi ele que teve a iniciativa do contrato. Contudo, de acordo com a doutrina majoritária e no entendimento de Nery Júnior (2013), o ônus de arcar com as despesas de devolução é do fornecedor, sendo vedada a transferência ao consumidor.
A operação de processamento e remessa do produto no e-commerce gera custos, basicamente, como aponta Salgarelli (2010), estes custos são referentes à infraestrutura e tecnologia, quais sejam: apresentação eletrônica de bens e serviços, recebimento de pedidos na internet e faturamento, automatização dos pedidos, pagamentos pela internet e gerenciamento de transações e cadeia de abastecimento automatizada. Assim, os custos decorrentes do direito de arrependimento serão arcados pelo fornecedor, por se tratar de despesa natural da atividade, aplicando o principio da boa-fé objetiva.
O direito de arrependimento ganha enfoque ainda mais divergente, quando se trata de produtos e serviços ligados a aquisição de software. Salgarelli (2010) questiona a aplicação do direito de arrependimento neste caso, pois na aquisição de software há uso imediato do produto através da instalação no computador assim que é efetuado o download. Como o consumidor poderá desistir de algo que foi automaticamente instalado, ou que garantia tem o fornecedor que o produto realmente foi desinstalado? Em razão disto os fornecedores e a doutrina jurídica trabalharam em uma solução:
O referido programa necessita de constantes atualizações para que continue sendo útil ao consumidor, após o tempo contratado gratuitamente (um ano), o consumidor precisa fazer uma atualização (através de download), oportunidade na qual, se o software não estiver regularizado, seu funcionamento será bloqueado. Portanto, soluções são criadas para exercer certo controle sobre instalações imediatas, contudo incensurável que, neste particular, os fornecedores encontram-se sujeitos a abusos que podem ser facilmente praticados por consumidores que agem de má-fé (SALGARELLI, 2010, p. 106).
A finalidade das normas consumeristas é proteger a parte mais fraca da relação jurídica de consumo de abusos que podem ser impostos pelo mercado ao consumidor principalmente quando a compra for realizada fora do estabelecimento comercial. Assim, com o advento do o Decreto-Lei nº 7.962 de 15 de março de 2013, foi pacificada a controvérsia existente sobre o direito de arrependimento nos contratos eletrônicos através do artigo 5º[4] insculpido na referida norma. Por este dispositivo o fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.
Em continuidade à análise da aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao comércio eletrônico, Silva (2011) conclui que existem alguns conflitos que não possuem regulamentação específica, como exemplo o fornecedor que tem sede em outro país, pois neste caso o consumidor terá dificuldades para se resguardar, tendo em vista o silêncio da lei consumerista na facilitação da defesa dos direitos do prejudicado. Neste caso é notória a necessidade de normas específicas conferindo maior garantia ao consumidor contratante.
Em 2010, com a comemoração de 20 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, uma comissão de juristas presidida pelo ministro Antônio Herman Benjamin, foi formada para discutir a necessidade de atualização do código, com garantias para maior proteção do consumidor:
A ideia da comissão é atualizar o Código, vale dizer manter todos os direitos já previstos que estão lá e tratar de matérias que na época não receberam atenção suficiente porque o tema não estava maduro ou porque a tecnologia não existia. Vamos estar tratando de dois temas que não são fáceis, são complexos, o crédito, que é um universo que envolve inúmeras questões de toda ordem e o comércio eletrônico que envolve inclusive aspectos da tecnologia (BENJAMIN, INFORMATIVO STJ, 2012).
Neste sentido, o ministro Herman Benjamin faz referência à complexidade do comércio eletrônico que era uma tecnologia que não existia ou não estava pronta para ser discutida, atualmente a matéria merece uma atenção especial. É destaque que o Código de Defesa do Consumidor é uma das leis mais modernas do mundo, mas nem por isso é desnecessária sua atualização:
Esse código tem algumas lacunas que estávamos precisando que elas fossem corrigidas, os organizadores, os relatores do Código, inclusive o ministro Herman Benjamin, me alertou que é necessário que se faça algumas alterações que são necessárias para que ele possa funcionar. Esse é um tema que muito interessa diretamente a cidadania (JOSÉ SARNEY, INFORMATIVO STJ, 2012).
Desta forma, desde o ano de 2010 começaram a tramitar projetos para traçar melhores diretrizes para os direitos do consumidor, principalmente quanto ao comércio eletrônico. Até meados de agosto de 2012 foram realizadas 37 audiências públicas com Senadores, Procuradores da República e especialistas em Direito do Consumidor, para discutirem sobre três anteprojetos apresentados pela comissão de juristas presidida pelo ministro Herman Benjamin, quais sejam: comércio eletrônico, superendividamento do consumidor e ações coletivas. Entretanto, sabe-se que o processo legislativo é moroso e deve ser discutido por especialistas. Assim, um acordo entre o Senado e o Governo Federal foi firmado e resultou na sanção do Decreto-Lei nº 7.962, de 15 de março de 2013, que dispõe sobre a contratação no comércio eletrônico, que entrou em vigor em 14 de maio de 2013 (MONTEIRO, 2013).
O Decreto-Lei nº 7.962/2013 é composto por nove artigos que traçam diretrizes sobre: atendimento facilitado do consumidor com informações claras e precisas do fornecedor; o dever das lojas virtuais disponibilizar sede física e informações como o número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), o nome empresarial, endereço, discriminação quanto às ofertas, preços, prazos e disponibilidade de entrega, bem como descrever de forma clara produtos serviços oferecidos; apresentar o contrato ao consumidor, confirmar imediatamente o recebimento da oferta, manter um serviço de atendimento de qualidade, utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor (MONTEIRO, 2013).
A nova normatização também aponta diretrizes para compras coletivas, para a elaboração do site/loja virtual que deverá informar de forma explícita e simplificada a quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato; dever de informar a garantia do direito de arrependimento que implica a possibilidade de rescisão dos contratos sem qualquer ônus para o consumidor, sendo que o fornecedor deve informar de forma clara e ostensiva os meios adequados e eficazes para o exercício; os contratos eletrônicos também deverão observar o cumprimento das condições da oferta como a entrega dos produtos e serviços contratados, observados os prazos estipulados na negociação, a quantidade, qualidade e adequação do produto ou serviço, sob pena de aplicação do disposto no Art. 56 do Código de Defesa do Consumidor (MONTEIRO, 2013).
As regras traçadas pelo Decreto-Lei nº 7.962/2013 tem a finalidade dirimir os conflitos, aprimorar a segurança nas contratações, ampliar o acesso à informação sobre os produtos e serviços, bem como evidenciar as condições das contratações por meio da internet. Segundo Araújo (2013), as novas regras determinam atendimento facilitado ao consumidor e o respeito ao direito de arrependimento, regulamenta contratações no comércio eletrônico quanto ao cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produtos e serviços de acordo com prazos, quantidade, qualidade e adequação. Entretanto, apesar do decreto trazer regras contidas em projetos de lei que tramitam no Senado Federal, inclusive o anteprojeto de atualização do CDC, estes continuarão em tramitação no Congresso (SENADO, 2013).
Ainda sobre a finalidade do Decreto-Lei nº 7.962/2013, afirma o canal do Portal Brasil do Governo Federal:
A lei também complementa o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que não trazia essa proteção de maneira específica. O não cumprimento desse decreto pelo e-commerce pode gerar as mesmas penalidades, que são aplicadas pelo Código de Defesa do consumidor, aos estabelecimentos comerciais físicos.
Desta forma, é inevitável a discussão quanto à aplicabilidade do CDC para dirimir os conflitos no comércio eletrônico, bem como a promulgação de novas leis de atualização deste código que vigora há quase 25 anos no Brasil. Contudo, um dos escopos que deve ser buscado pelos legisladores e especialistas em defesa e proteção do consumidor é que o e-commerce seja uma modalidade de compra e venda mais segura para o consumidor.
Para verificar a aplicabilidade do CDC nos conflitos de comércio eletrônico, vejamos alguns julgados que possibilitarão uma análise jurisprudencial. Inicialmente segue ementa de julgado proveniente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em que foi analisado um conflito de e-commerce decorrente de compra de um computador que apresentou vício de qualidade:
DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPUTADOR QUE APRESENTA VÍCIO DE QUALIDADE. DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA. DANO MORAL CONFIGURADO. NEGADA REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. A controvérsia deve ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo código de defesa do consumidor (Lei 8.078/1990), que por sua vez regulamenta o direito fundamental de proteção do consumidor (art. 5º, XXXII, da Constituição Federal) (TJDFT, Apelação cível do Juizado Especial, Relator: Hector Valverde Santana. Processo nº 20110410238987. Julgado em 25/09/2012).
No julgado acima o recorrido alegou que adquiriu pelo site de comércio eletrônico da primeira recorrente um computador fabricado pela segunda recorrente. Contudo, o produto apresentou defeito com pouco tempo de uso. O litígio não foi solucionado pelos recorrentes, o que levou o consumidor ao Poder Judiciário para solucionar o conflito. O juiz de primeiro grau fundamentou sua decisão com base no Código de Defesa do Consumidor, com fulcro no art. 18, § 1º onde estabelece que não sendo o vício sanado, no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir a substituição do produto por outro da mesma espécie, ou abatimento proporcional do preço, bem como a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, condenando as fornecedoras do produto na restituição do valor pago e em uma indenização por danos morais. Assim, verifica-se a plena aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) na resolução da controvérsia, o que foi confirmado em segunda instância, julgando improcedente o recurso das empresas fornecedoras.
No Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais também é recorrente o ajuizamento de demandas que envolvem conflitos originários do comércio eletrônico. Abaixo segue ementa de julgado que será analisado:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR -COMPRA E VENDA PELA INTERNET - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - NÃO ENTREGA DOS PRODUTOS ADQUIRIDOS E QUITADOS - RESPONSABILIDADE DA FORNECEDORA - CABIMENTO - DANO MORAL CONFIGURADO. (TJMG, Processo: Apelação cível nº 1.0284.10.004133-4/001, Relator: Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira. Data de julgamento: 31/05/2012).
Trata-se de um conflito de entrega do produto, onde o consumidor adquiriu dois produtos pelo site da recorrente e estes não lhe foram entregues. O recorrente alegou que as mercadorias adquiridas não puderam ser entregues no prazo contratado, por falha operacional da transportadora encarregada das entregas e afirmou a culpa exclusiva de terceiro. O relator Evandro Lopes da Costa Teixeira fundamentou que a relação jurídica existente entre as partes litigantes é tipicamente de consumo, aplicando-se o CDC no caso, respondendo o recorrente objetivamente, conforme previsão do art. 14. O recurso foi julgado improcedente pelo relator que afirmou, ainda, que a atitude das fornecedoras configuram um grave desrespeito para com o consumidor que ficou meses impedido de utilizar as mercadorias compradas no site da recorrente, causando-lhe frustrações e angústia diante da espera da entrega dos produtos.
Portanto, verifica-se a partir da amostragem dos julgados acima que o Código de Defesa do Consumidor é aplicado cotidianamente pelos tribunais nos conflitos que envolvem o comércio eletrônico, mesmo não havendo norma específica e clara sobre a aplicação do diploma consumerista a este meio de comercialização. É norma de aplicação lato sensu, independentemente da forma e meio de contratação, bastando que a relação jurídica enquadre-se como sendo de natureza consumerista.

4. CONCLUSÃO

O surgimento do comércio eletrônico impactou grandes mudanças na economia, nas relações entre consumidores e fornecedores, no perfil dos consumidores, nos contratos, expandiu-se nas redes sociais e sites de relacionamentos, e hodiernamente abrange toda a sociedade sem limite territorial.
O comércio eletrônico propõe desafios perante os direitos do consumidor quanto à oferta e publicidade enganosa, cláusulas abusivas nos contatos eletrônicos, direito de arrependimento - que recentemente foi regulamentado pelo Decreto-Lei nº 7.962/13, tornando-o sem ônus ao consumidor. Há aspectos negativos que são inerentes a esta prática comercial diante da insegurança em relação aos dados pessoais que podem ser utilizados indevidamente ou quanto às dificuldades para resolver qualquer controvérsia inerente às características intrínsecas do produto ou serviço, por exemplo.
Entretanto, diante dos pontos positivos como a comodidade e rapidez das compras, a facilidade de pesquisa de preços e ofertas, a elasticidade de funcionamento das lojas on-line, entre outros, o consumidor não deixará de utilizar esta modalidade comercial, que tende a ter expansão cada vez maior nos próximos anos. Com as mudanças de hábito e perfil dos consumidores é necessário que sejam adotadas medidas para regulamentar todos os atos praticados no comércio eletrônico, de tal modo que as empresas fornecedoras e os consumidores tenham a garantia de que suas transações realizadas em meios eletrônicos sejam seguras e os direitos de ambas as partes sejam respeitados. A confiança é condição prévia para que empresas e consumidores utilizem o comércio eletrônico.
A partir da análise doutrinária e jurisprudencial empreendida, verificou-se que não é necessária a modificação substancial do Código de Defesa do Consumidor para que possa efetivamente aplicar este diploma legal aos conflitos de comércio eletrônico brasileiro.  Porém, em virtude da constante evolução da sociedade, é importante que o legislador estabeleça normas que tenham a finalidade de proteger e defender exclusivamente o consumidor perante o e-commerce, e consequentemente que estas normas possam agir em caráter preventivo aos conflitos, para assim desafogar o Judiciário e os órgãos administrativos dos inúmeros litígios consumeristas provenientes de práticas comerciais realizadas por meio eletrônico.
Assim, conclui-se que o Código de Defesa do Consumidor é um diploma que consagra um sistema completo, mesmo após 25 anos de sua criação, por possuir em seu corpo regras, princípios, penalidades, defesa coletiva e individual para consumidores, sendo aplicado há toda e qualquer relação de consumo, independente de onde seja celebrado o contrato ou o meio utilizado para esta celebração.

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[1] Os dados são do Net Insight, estudo sobre internet do IBOPE Media.
[2] A pesquisa não contabilizou vendas de automóveis, passagens aéreas e leilões on-line.
[3]CERT.br - O Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil é mantido pelo NIC.br, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, e atende a qualquer rede brasileira conectada à Internet. 
[4] Art. 5º.  O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.§ 1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.§ 2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.§ 3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que: I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado. [...] § 4o O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.

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Artigo originalmente publicado pela revista científica "Ampliando", v. 2. n. 2, ano 2015, da FACERB/RJ. Clique aqui para ter acesso ao texto original.


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