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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Revista Fórum - Entrevista com Jacques Rancière sobre os movimentos de ocupação e a democracia

A dica de leitura de hoje é a publicação do site da Revista Fórum (link) da entrevista do Jacques Rancière, filósofo contemporâneo, falando sobre o dever de repensarmos a democracia; conceitos e ações que a envolvem.
Segue abaixo a publicação completa.

"A democracia, no sentido forte do termo, é a realidade de um poder do povo que não pode jamais coincidir com uma forma de Estado".

Por Paula Corroto [17.01.2012 08h15]

Tradução e nota introdutória de Idelber Avelar


Jacques Rancière, um dos principais filósofos contemporâneos, herdeiro do pensamento de Maio de 1968, acaba de lançar, na França, Momentos Políticos, uma seleção de seus escritos dos últimos trinta anos sobre política. Ele acaba de conceder a El Público, da Espanha, esta entrevista, que a Fórum publica em português em primeira mão.

Estamos vivendo na Europa um "momento político"? Como o Sr. descreveria este momento? 

Prefiro dizer que estão dadas as condições para um momento assim, na medida em que nos encontramos numa situação na qual, a cada dia, se torna mais evidente que os Estados nacionais agem apenas como intermediários para impor aos povos as vontades de um poder inter-estatal, que é, por sua vez, altamente dependente dos poderes financeiros. Em toda a Europa, os governos, tanto de direita como de esquerda, aplicam o mesmo programa de destruição sistemática dos serviços públicos e de todas as formas de solidariedade e proteção social que garantiam um mínimo de igualdade no tecido social. Em todas partes, então, revela-se a oposição brutal entre uma pequena oligarquia de financistas e políticos, e a massa do povo submetida a uma precariedade sistemática, despojada de seu poder de decisão, tal como revelado espetacularmente no referendo planejado e imediatamente anulado na Grécia. Portanto, estão dadas, de fato, as condições de um momento político, isto é, um cenário de manifestação popular contra o aparato de dominação. Mas para que esse momento exista, não é suficiente que se dê uma circunstância, é também necessário que esta seja reconhecida por forças suscetíveis de transformá-la numa demonstração, ao mesmo tempo intelectual e material, e de converter essa demonstração numa alavanca capaz de modificar o equilíbrio de forças, mudando a própria paisagem do perceptível e do pensável.

O que você acha do caso espanhol, em particular?

A Europa apresenta situações muito diferentes. A Espanha é, certamente, o país no qual a primeira condição foi cumprida da forma mais evidente: o movimento 15-M mostrou claramente a distância entre um poder real do povo e instituições chamadas democráticas, mas na verdade completamente entregues à oligarquia financeira internacional. Resta a segunda condição: a capacidade de transformar um protesto em uma força autônoma, não só representativa e independente do sistema estatal, mas também capaz de arrancar a vida pública das garras desse sistema. Na maioria dos países europeus, ainda estamos muito longe da primeira condição.

Os movimentos 15-M e Ocupar Wall Street são política?

Esses movimentos certamente respondem à ideia mais fundamental da política: o poder próprio daqueles que nenhum motivo particular destina ao exercício do poder, a manifestação de uma capacidade que é de todos e de qualquer um. E esse poder se materializou de uma maneira que também está de acordo com esta ideia fundamental: afirmando esse poder do povo mediante uma subversão da distribuição normal dos espaços. Geralmente há espaços, como as ruas, destinados à circulação de pessoas e bens, e espaços públicos, como parlamentos ou ministérios, destinados à vida pública e ao tratamento de assuntos comuns. A política sempre se manifesta através de uma distorção dessa lógica.

O que deveríamos fazer com os partidos políticos atuais?


Os partidos políticos que conhecemos hoje são só aparatos destinados a tomar o poder. Um renascimento da política passa pela existência de organizações coletivas que se subtraiam a essa lógica, que definam seus objetivos e seus meios de ação independentemente das agendas estatais. “Independentemente” não significa “desinteressando-se de” ou “fingindo que essas agendas não existem”. Significa construir uma dinâmica própria, espaços de discussão e formas de circulação de informação, motivos e formas de ação que visem, em primeiro lugar, o desenvolvimento de um poder autônomo de pensar e agir.

Em Maio de 68, as pessoas discutiam as ideias de Marx ... mas não parece haver nenhum filósofo no 15-M ou no OWS.

Até onde eu sei, ambos os movimentos se interessam pela filosofia. E é preciso lembrar a recomendação que os ocupantes da Sorbonne, em Maio de 68, deram ao filósofo que tinha vindo apoiar a causa: "Sartre, seja breve". Quando uma inteligência coletiva se afirma no movimento, é hora de prescindir dos heróis filosóficos doadores de explicações ou slogans. Não se trata, na verdade, da presença ou da ausência dos filósofos. Trata-se da existência ou da inexistência de uma visão de mundo que estruture naturalmente a ação coletiva. Em Maio de 68, embora a forma do movimento estivesse afastada dos cânones da política marxista, a explicação marxista do mundo funcionava como um horizonte do movimento. Apesar de não serem marxistas, os militantes de Maio situavam a sua ação no âmbito de uma visão história em que o sistema capitalista estava condenado a desaparecer sob os golpes de um movimento liderado por seu inimigo, a classe trabalhadora organizada. Os manifestantes de hoje já não possuem nem chão nem horizonte que dê validade histórica ao seu combate. Eles são, em primeiro lugar, indignados, pessoas que rejeitam a ordem existente sem poder considerar-se agentes de um processo histórico. E é isso que alguns aproveitam para denunciar interesseiramente, o seu idealismo ou o seu moralismo.

O Sr. escreve que, durante os últimos 30 anos, vivemos uma contra-revolução. Essa situação mudou com os movimentos populares?

Certamente, alguma coisa mudou desde a Primavera árabe e os movimentos dos indignados. Houve uma interrupção da lógica da resignação à necessidade histórica preconizada por nossos governos e sustentada pela opinião intelectual. Desde o colapso do sistema soviético, o discurso intelectual contribuía para endossar de forma hipócrita os esforços dos poderes financeiros e estatais para implodir as estruturas coletivas de resistência ao poder do mercado. Esse discurso acabou impondo a ideia de que a revolta não era apenas inútil, mas também prejudicial. Seja qual for o seu futuro, os movimentos recentes, pelo menos, põem em xeque esta suposta fatalidade histórica. Eles terão se lembrado que não estamos lidando com uma crise de nossas sociedades, e sim com um momento extremo da ofensiva destinada a impor em todos os lugares as formas mais brutais de exploração, e que é possível que os 99% façam ouvir a sua voz contra essa ofensiva.

O que podemos fazer para restaurar os valores democráticos?

Para começar, seria necessário chegar a um acordo sobre o que chamamos de democracia. Na Europa, nos acostumamos a identificar a democracia com o sistema duplo de instituições representativas e do livre mercado. Hoje, esse idílio é uma coisa do passado: o livre mercado se mostra cada vez mais como uma força de constrição que transforma as instituições representativas em simples agentes da sua vontade e reduz a liberdade de escolha dos cidadãos às variantes de uma mesma lógica fundamental. Nessa situação, ou denunciamos a própria ideia de democracia como uma ilusão, ou repensamos completamente o que a democracia, no sentido forte do termo, significa. Para começar, a democracia não é uma forma de Estado. Ela é, em primeiro lugar, a realidade de um poder do povo que não pode jamais coincidir com uma forma de Estado. Sempre haverá tensão entre a democracia como exercício de um poder compartilhado de pensar e agir, e o Estado, cujo princípio mesmo é apropriar-se desse poder. Evidentemente, os estados justificam essa apropriação argumentando a complexidade dos problemas, a necessidade de se pensar a longo prazo etc. Mas a verdade é que os políticos estão muito mais submetidos ao presente. Recuperar os valores da democracia é, em primeiro lugar, reafirmar a existência de uma capacidade de julgar e decidir, que é a de todos, frente a essa monopolização. É também reafirmar a necessidade de que essa capacidade seja exercida através de instituições próprias, distintas do Estado. A primeira virtude democrática é essa virtude da confiança na capacidade de qualquer um.

No prefácio de seu livro, o Sr. critica os políticos e os intelectuais, mas qual é a responsabilidade dos cidadãos na atual situação e na crise econômica?

Para caracterizar os fenômenos do nosso tempo é necessário, em primeiro lugar, questionar o conceito de crise. Fala-se da crise da sociedade, da crise da democracia etc. É uma maneira de culpar as vítimas da situação atual. Pois bem, essa situação não é o resultado de uma doença da civilização, e sim da violência com que os senhores do mundo dirigem hoje a sua ofensiva contra os povos. O grande defeito dos cidadãos continua sendo, hoje, o mesmo de sempre: deixar-se despojar de seu poder. Ora, o poder dos cidadãos é, acima de tudo, o poder de agir por si próprios, de constituir-se em força autônoma. A cidadania não é uma prerrogativa ligada ao fato de haver sido contabilizado no censo como habitante e eleitor em um país; ela é, acima de tudo, um exercício que não pode ser delegado. Portanto, é preciso opor claramente esse exercício da ação cidadã aos discursos moralizantes que se  ouvem em quase todos os lugares sobre a responsabilidade dos cidadãos na crise da democracia. Esses discursos lamentam o desinteresse dos cidadãos pelo vida pública e o imputam à deriva individualista dos indivíduos consumidores. Essas supostas chamadas à responsabilidade cidadã só têm, na verdade, um efeito: culpar os cidadãos para prendê-los mais facilmente no jogo institucional que só consiste em selecionar, entre os membros da classe dominante, aqueles por quem os cidadãos preferirão deixar-se despojar de sua potência de agir.




segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O mundo em vermelho e azul de Zizek e Jobs



Por Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2011 (Link)

Camisa de malha vermelha estampada por um Karl Marx gorducho e em cima do que no Youtube parece um banco de madeira, Slavoj Zizek usa microfone humano para reproduzir seu discurso numa praça arborizada em Wall Street.

"Não se apaixonem por vocês mesmos. É bom estar aqui, mas lembrem-se, os carnavais são baratos. O que importa é o dia seguinte, quando voltamos à vida normal. Não quero que se lembrem destes dias assim: 'Meu Deus, como éramos jovens e foi lindo'".

Aos 62 anos, professor de universidades europeias e americanas, palestrante globetrotter e autor de 43 livros publicados em mais de 20 línguas, o esloveno Slavoj Zizek é um filósofo pop.

O alvo de Zizek e de sua plateia eram os bancos da vizinhança que, socorridos pelo fisco americano, não dividem a conta da crise em que a irresponsabilidade financeira jogou o país desde 2008.



Entre os discursos há mais do que o conflito de mentalidades


Segundo o "The New York Times", o movimento que se espraia pelo país já tem uma cobertura noticiosa comparável à do surgimento de seu congênere de direita, o Tea Party, mas ainda perde para a morte de Steve Jobs, quatro dias antes do discurso de Zizek.

Nenhum fato da vida do fundador da Apple foi tão lembrado naqueles dias em que Jobs foi colocado no panteão de gênios da humanidade quanto o discurso que proferiu em 2005 na Universidade de Stanford. Sua plateia era de concluintes da universidade mais prestigiada do Vale do Silício, onde Jobs fez fama e fortuna.

Confrontados pelo Youtube, os discursos de Zizek e Jobs, seis anos mais novo que o filósofo esloveno, revelam mais do que mentalidades em conflito.

O fundador da Apple fez um discurso centrado em sua própria história de vida para dizer aos estudantes que só deviam acreditar neles mesmos. Recheado por histórias de sua adoção até as brigas societárias na Apple, o discurso é uma ode ao individualismo.

Na receita do que deveriam fazer para vencer na vida, seus estudantes foram presenteados com tiradas como: "Seu tempo é limitado, então não o gaste vivendo a vida de um outro alguém"; "Não deixe que o barulho da opinião dos outros cale sua própria voz interior"; "Tenha coragem de ouvir seu próprio coração e sua intuição".

A mensagem do gênio da era digital é coerente com os produtos que criou. Umberto Eco um dia disse que, com a Apple, a informática tinha deixado de ser instrumento para se transformar num meio de encantamento.

E o encanto aumenta a cada lançamento, ainda que a diferença de um produto para outro seja o acréscimo de um megapixel ou o decréscimo de milímetros na espessura. Cada pequeno detalhe é aplaudido como mais uma grande conquista de um mundo de ícones coloridos ao alcance de um toque.

Junto com o fetichismo, a era digital também possibilitou a convocação de manifestações como as que sacudiram o mundo árabe, passaram pela Europa e espraiam-se pelos Estados Unidos.

O filósofo midiático também é filho desta era digital, o que não lhe impede de fazer perguntas que incomodam, a começar de si mesmo, que, a cada frase de seu discurso em Wall Street, automaticamente puxava a camiseta para baixo.

Naquele domingo em que foi a atração do movimento nova-iorquino, Slavoj Zizek perguntou aos manifestantes por que a tecnologia havia rompido quase todas as fronteiras do possível enquanto na política quase tudo era considerado impossível, a começar do aumento do imposto dos ricos para melhorar a saúde pública.

A audiência do filósofo performático era muito diferente daquela de Stanford. Muitos dos estudantes ali presentes, de acordo com os relatos da imprensa, não conseguem emprego para pagar o crédito estudantil que lhes permitiu frequentar universidade.

Vítima da ditadura iugoslava de Tito, Zizek usou suas frases de efeito para dizer que o comunismo falhou, mas o problema dos bens comuns permanece: "Hoje os comunistas são os capitalistas mais eficientes e implacáveis. Na China de hoje, temos um capitalismo que é ainda mais dinâmico do que o vosso capitalismo americano. Mas ele não precisa de democracia. O que significa que, quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou".

O divórcio da era digital genialmente revolucionada por Jobs e a utopia de Zizek está resumida na história contada pelo filósofo esloveno na praça. Um alemão oriental foi exilado na Sibéria e combinou com seus amigos que ao receberem cartas suas observassem a cor da tinta. Se azul, contaria a verdade. Se vermelha, seria falsa. A primeira carta veio em azul: "Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar é tinta vermelha".

Zizek contou essa história para dizer que, sem tinta vermelha, o mundo se mostrava incapaz de articular uma linguagem para expressar a ausência de liberdade e encontrar alternativas a um sistema em crise.
A era digital abre todas as possibilidades e nenhuma. Faz do individualismo a alma da globalização. É imaginativa, mas escreve em azul.

É pela internet que está sendo convocada para amanhã o que se imagina que venha a ser "a maior manifestação da história". Pretende mobilizar milhões em 79 países e dar seguimento à onda de mobilizações que começou nos países árabes, prosseguiu pela Europa e agora se espraia pelos Estados Unidos.

Já tem adeptos em 34 cidades brasileiras. Muitos deles participaram dos protestos de quarta-feira. No Brasil, a manifestação é ainda mais difusa do que no resto do mundo que pelo menos tem o desemprego crescente como amálgama.

Um dos grupos tupiniquins mais ativos é o Anonymous que, no 12 de outubro, declarou: "A corrupção é o principal motivo de as coisas estarem erradas". De seu banquinho nova-iorquino, Slovej usou mais uma de suas frases de efeito para mandar o recado: "O problema não é a corrupção ou a ganância, o problema é o sistema".


Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

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