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quinta-feira, 3 de março de 2016

Incidente de desconsideração de personalidade jurídica

Eduardo Talamini
Mais delicado problema põe-se quando um processo está em curso e apenas então surgem indícios que justificam a desconsideração de personalidade jurídica.
quarta-feira, 2 de março de 2016                                 Fonte: Portal Migalhas (link)

1. Noção e finalidades
A pessoa jurídica tem personalidade jurídica distinta da dos seus sócios e administradores. Ela tem direitos, obrigações e patrimônio próprios, inconfundíveis com os dos sócios e administradores. Mas a pessoa jurídica não é um ente concreto, real, como é a pessoa natural. Trata-se de um instrumento criado pelo direito para viabilizar, incentivar, facilitar o desenvolvimento de atividades e a produção de resultados desejados pelo ordenamento jurídico (atividade empresarial, relevantes atividades sem fins lucrativos, representação política ou sindical, administração dos bens públicos etc.).
Mas o direito material também prevê hipóteses em que a personalidade de pessoa jurídica deve ser desconsiderada, ignorada – tratando-se, para determinados fins, a esfera jurídica do sócio (ou administrador) e da sociedade como sendo uma coisa só. Trata-se basicamente de casos em que pessoa jurídica é utilizada para fins abusivos, com desvio de finalidade, com o propósito de lesar terceiros e (ou) fraudar a lei (ex.: art. 28 do CDC; art. 50 do CC; art. 116, parágrafo único, do CTN; art. 4º, §2º, Lei 12.846/2013 etc.).
Há duas modalidades de desconsideração da personalidade jurídica. Por um lado, há a desconsideração de personalidade jurídica em sentido estrito, que consiste em tratar-se como sendo da sociedade o patrimônio do sócio, a fim de atingi-lo e fazê-lo responder pelos deveres e obrigações da sociedade. Por outro lado, há a desconsideração (ou penetração) inversa: atinge-se o patrimônio da sociedade, utilizando-o para responder pelas dívidas do sócio.
Reitere-se que esse é tema afeto ao direito material. Mas cabe às leis processuais definir como se aferirá a efetiva ocorrência de algum dos fundamentos justificadores da desconsideração da personalidade jurídica. As garantias constitucionais do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e acesso à justiça impõem que a pessoa física ou jurídica que poderá vir a ter seu patrimônio atingido tenha a oportunidade de participar da aferição pelo juiz da configuração daqueles fundamentos.
O mais delicado problema põe-se quando um processo está em curso e apenas então surgem indícios que justificam a desconsideração de personalidade jurídica.
Haveria duas soluções extremas. De acordo com uma delas, o juiz determinaria diretamente a desconsideração, cabendo à pessoa por ela afetada promover uma ação para demonstrar que a desconsideração foi indevida. A outra solução seria a de se negar a desconsideração no curso do próprio processo, cumprindo à parte interessada em obtê-la ajuizar ação específica para tanto. Nenhuma dessas soluções é adequada: a primeira viola escancaradamente as garantias constitucionais do processo acima referidas; a segunda tende a inviabilizar o sucesso prático da desconsideração.
A solução intermediária é a estabelecida no CPC/2015 (arts. 133 a 137): instaura-se um incidente específico, que suspende o resto do processo até ser decidido, no qual a pessoa que seria afetada pela desconsideração é citada, para poder defender-se. Julgada procedente a demanda de desconsideração objeto do incidente, a ação principal será retomada e poderá atingir a esfera jurídica da pessoa atingida pela desconsideração (como se fosse a própria esfera jurídica da parte originária). Se a demanda de desconsideração for rejeitada, a ação principal prosseguirá podendo apenas atingir e vincular diretamente a esfera jurídica das partes originárias.
2. Intervenção provocada – Legitimidade para a provocação
Trata-se de modalidade de intervenção provocada (coata): o terceiro é trazido para o processo, independentemente de sua vontade. O incidente de desconsideração pode ser requerido pela parte interessada ou pelo Ministério Público (nos processos em que ele participa).
Quando pleiteado pelo Ministério Público, deve-se antes ouvir a parte que em tese teria interesse na desconsideração (normalmente, o autor da ação principal). Essa é uma imposição da garantia do contraditório (art. 5.º, LV, da CF/1988; arts. 9.º e 10 do CPC/2015). O incidente implica significativa interferência sobre o resto do processo, que é suspenso. Por isso, é relevante ouvir-se a parte em tese interessada na providência. Ela pode apresentar razões pelas quais não convenha sequer instaurar-se o incidente (p. ex., ausência de fundamentos para a desconsideração vir a ser determinada; ausência de bens no patrimônio a ser atingido pela desconsideração etc.). Caberá ao juiz previamente apreciar tais razões, a fim de evitar a instauração de incidente fadado à inutilidade e que geraria desnecessária suspensão do processo.
3. Objeto e natureza do incidente
No incidente de desconsideração, há a ampliação do objeto do processo. Isso significa que o requerimento de instauração do incidente, quando formulado pela parte interessada ou pelo Ministério Público, consiste em uma nova demanda em face do terceiro (a pessoa que terá sua esfera jurídica atingida pela desconsideração). Trata-se de uma ação incidental (i.e., uma ação que se formula e tramita dentro de um processo já em curso), pela qual se pretende a desconstituição da eficácia da personalidade de uma pessoa jurídica, para o fim de atingir o patrimônio dela (quando o sócio é a parte originária no processo) ou o patrimônio de seu sócio (quando ela é a parte originária).
O incidente presta-se tanto à desconsideração em sentido estrito quanto à desconsideração invertida (art. 133, § 2.º, do CPC/2015).
Desenvolve atividade jurisdicional de cognição exauriente. O juiz investiga amplamente a configuração dos pressupostos para a desconsideração, com ampla instrução probatória, se necessário.
4. Posição jurídico-processual do interveniente
Assim, o terceiro, ao ser trazido para o processo, torna-se réu da demanda incidental de desconsideração (desconstituição da eficácia).
Mas o terceiro não se torna parte na ação principal, originária. Se for rejeitada a demanda de desconsideração, a ação principal simplesmente prosseguirá sem atingir sua esfera jurídica. Se for julgada procedente a ação principal, sua esfera jurídica será atingida como que se ele não existisse; como que se seu patrimônio fosse o próprio patrimônio da parte da ação principal.
5. Cabimento formal e momento de instauração do incidente
O incidente de desconsideração pode ser instaurado em qualquer fase processual e em todas as modalidades de processo (art. 134 do CPC/2015). Cabe inclusive no procedimento dos Juizados Especiais (art. 1.062). Para tanto, basta que existam indicativos da presença dos fundamentos materiais para a desconsideração e que ela seja concretamente útil para os resultados do processo.
6. Pleito de desconsideração formulado na inicial
Se na própria petição inicial o autor já formular pedido de desconsideração de personalidade jurídica, o sócio ou sociedade atingido por essa providência será desde logo citado como réu no processo. Ele será, desde o início, litisconsorte do réu da ação principal.
Nessa hipótese, não se instaurará o incidente do art. 133 e seguintes, do CPC/2015. O pedido de desconsideração será processado juntamente com as outras demandas formuladas na inicial. Será resolvido na sentença ou eventualmente em decisão interlocutória (nos termos dos arts. 354, parágrafo único, ou 356, do CPC/2015), mas sem qualquer força suspensiva sobre o resto do processo (art. 134, § 2.º, do CPC/2015).
7. Processamento e efeitos
Como indicado, o pleito de instauração do incidente de desconsideração veicula uma demanda, uma ação incidental. Assim, tal requerimento deve conter os elementos essenciais de uma ação: identificação do réu, causa de pedir e pedido. No que tange à causa de pedir, cumpre ao requerente demonstrar a configuração concreta de alguma hipótese prevista no direito material para a desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133, § 1.º e 134, § 4.º, do CPC/2015). Devem também ser indicados os meios de prova que pretende utilizar.
Assim que recebido o pedido, deve-se comunicar ao cartório distribuidor de ações, para que promova o devido registro dessa demanda incidental contra o demandado (o sócio ou sociedade que sofrerá os efeitos da desconsideração). Esse registro é relevante porque, como se aponta adiante, uma fez provida a desconsideração, poderá constituir fraude à execução a alienação ou oneração de bens praticada pelo réu da demanda incidental, a partir do início dessa.
O requerimento de instauração do incidente de desconsideração implica a suspensão do restante do processo (art. 134, § 2,º, do CPC/2015).
Se o sujeito que vier a ser atingido pela desconsideração for a União, autarquia, fundação ou empresa pública federal, haverá deslocamento de competência para a Justiça Federal, se o processo já não estiver lá tramitando (art. 109, I, da CF/1988; art. 45 do CPC/2015). Caberá ao juiz federal decidir sobre a admissibilidade do incidente, determinando o retorno dos autos à Justiça Estadual ou do DF, se o reputar inadmissível (art. 45, § 3.º, do CPC; Súm. 150 do STJ).
Não havendo rejeição liminar do pedido de instauração do incidente, o juiz mandará citar o sócio ou a sociedade que seria atingido pela desconsideração, para que ele apresente sua contestação à demanda incidental em quinze dias. Deverá também nessa oportunidade requerer as provas que repute necessárias (art. 135 do CPC/2015). No seu mérito, a defesa do sócio ou sociedade apenas poderá versar sobre a (não) configuração dos pressupostos justificadores da desconsideração. Pelas razões já expostas, não lhe é dado discutir o mérito da ação principal – que, ou não lhe diz respeito (se não couber a desconsideração) ou o atingirá como se ele não tivesse personalidade jurídica própria (se couber a desconsideração).
A parte que seria beneficiária da desconsideração (normalmente o autor da ação) também terá o direito de produzir provas e participar ativamente da instrução jurídica e probatória, mesmo quando a instauração do incidente não houver decorrido de pleito seu.
Nos limites de seu objeto (verificação dos pressupostos materiais da desconsideração), a instrução do incidente é aprofundada. A cognição é exauriente. O juiz não resolverá a questão com base em mera plausibilidade, aparência. Mas isso obviamente não significa que não seja possível concluir pela ocorrência dos fundamentos que impõem a desconsideração a partir de provas indiretas, indícios e máximas da experiência – como poderia fazê-lo em qualquer outra causa de cognição exauriente.
8. A decisão do incidente
O incidente de desconsideração será resolvido por decisão interlocutória (art. 136, caput, do CPC/2015). Se a decisão for de juiz de primeiro grau, contra ela caberá agravo de instrumento (art. 1.015, IV, do CPC/2015). Se for do relator, em recurso ou em ação de competência originária do tribunal, caberá agravo interno (art. 136, parágrafo único, do CPC/2015).
A decisão pode não chegar a julgar o mérito da demanda de desconsideração, nas hipóteses do art. 485 do CPC/2015 (por exemplo, constata-se que já houve sentença entre as mesmas partes rejeitando a possibilidade da desconsideração pretendida, havendo coisa julgada que proíbe nova decisão da questão, art. 485, V).
Mas tendo julgado o mérito do pedido de desconsideração, seja para acolhê-lo, seja para rejeitá-lo, a decisão do incidente fará coisa julgada material, assim que transitar em julgado (i.e., uma vez não interposto recurso ou exaurido todos os cabíveis). Trata-se de uma decisão interlocutória de mérito, apta a fazer coisa julgada material (arts. 356, § 3.º, e 502, do CPC/2015).
A decisão de improcedência do pedido declara a impossibilidade de desconsiderar-se a personalidade jurídica (efeito declaratório negativo). A decisão de procedência declara o direito à desconsideração (efeito declaratório positivo) e desconstitui a eficácia da personalidade jurídica da sociedade, para o fim de atingir-se o patrimônio dela (na desconsideração invertida) ou o do sócio (na desconsideração em sentido estrito), no processo em curso.
A decisão de procedência da desconsideração opera seus efeitos relativamente ao processo em curso (e eventualmente a outros, entre as mesmas partes, que versem sobre causas que estejam em relação de prejudicialidade com a ação principal daquele processo). A desconsideração ali decretada, portanto, não é ampla e genérica. Até porque os pressupostos justificadores da desconsideração variam conforme o contexto da relação jurídico-material e as circunstâncias concretas. Por exemplo, um sócio que se utilizou em caráter abusivo e em desvio de finalidade de sua sociedade para lesar o fisco pode não ter feito o mesmo relativamente aos consumidores que adquiriram produtos dessa sua empresa – e vice-versa. Em suma, a decisão determinando a desconsideração de personalidade jurídica num dado caso concreto não tem como genericamente ser utilizada em outros casos (ainda que a prova ali produzida possa vir a ser aproveitada em outros processos e incidentes em que se busque o reconhecimento da desconsideração para outros fins).
A decisão final do incidente condenará o vencido nas verbas de sucumbência (custas e honorários de advogado). Se a desconsideração for provida, o sócio ou sociedade responde por tais verbas. Se for rejeitada, a parte que a requereu é a responsável. Mas o problema se põe quando o incidente é instaurado a requerimento do Ministério Público e a desconsideração vem a ser negada: a parte da ação originária que seria beneficiada pela desconsideração pode ser condenada nas verbas de sucumbência, uma vez que não foi ela quem pediu a instauração do incidente? A princípio, ela apenas pode ser exonerada dessa condenação se houver expressamente se oposto à instauração do incidente (o que é possível). Se não se opõe, isso significa que concorda com o incidente, que lhe beneficia – deve responder por sua eventual improcedência.
9. Termo inicial para a configuração de fraude à execução
Com o julgamento de procedência da desconsideração, podem ser considerados em fraude à execução (a depender da presença dos demais pressupostos) todos os atos de alienação ou oneração de bens praticados pelo sócio ou sociedade desde sua citação no incidente (arts. 137 e 792, § 3.º, do CPC/2015).
Mas a configuração da fraude à execução depende da presunção de que o terceiro adquirente do bem (ou beneficiário de sua oneração) tinha ou podia razoavelmente ter conhecimento da pendência da demanda. Por isso, o registro da instauração do incidente no cartório distribuidor é importante (art. 134, § 1.º, do CPC/2015).
O art. 792, § 3º, prevê que, “nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”.
A regra visou a assegurar ao terceiro, que adquire o bem de um sujeito atingido pela desconsideração, que só poderia ser considerada em fraude à execução a aquisição feita depois de o sujeito atingido pela desconsideração já estar citado na demanda de desconsideração (principal ou incidental), pois, antes disso, o terceiro não teria como objetivamente conhecer a demanda.
A disposição do art. 792, § 3º, em sua literalidade, é adequada para o caso em que a desconsideração é “invertida” – isso é, quando, mediante a desconsideração da personalidade, se penetra na esfera jurídica de uma sociedade para responsabilizá-la por atos de seu sócio (parte originária do processo). Para esse caso, mesmo se interpretado literalmente, o dispositivo é razoável: poderão ser considerados em fraude à execução os atos alienados pela sociedade a partir do momento em que ela foi citada quanto ao pedido de desconsideração.
Mas, em face da desconsideração tradicional, o dispositivo tem redação extremamente defeituosa. Na desconsideração tradicional, costuma-se dizer que a personalidade que se pretende desconsiderar é a do sujeito que já é parte no processo desde o início (a sociedade é parte do processo desde o início e se desconsidera sua sociedade para atingir-se o patrimônio do sócio). No entanto, seria ofensivo às garantias processuais reputar que é esse o marco para a fraude à execução relativamente aos bens do sujeito atingido pela desconsideração, pois tal termo retroagiria a um momento em que o sócio atingido pela desconsideração ainda não era parte de processo nenhum; não respondia por dívida alguma – e assim por diante: como terceiros que contratassem com ele naquele momento poderiam saber que no futuro ele seria atingido por uma desconsideração?
A regra precisa ser interpretada em conformidade com a Constituição. Um caminho para tanto reside em reconhecer que, quando há desconsideração da personalidade jurídica, mesmo em sua modalidade tradicional (em que o sócio responde pelas dívidas da sociedade, como se essa não existisse), sempre as duas esferas de personalidade são rompidas. Sempre se sai de uma esfera de personalidade para entrar-se na outra. Rompe-se uma delas ao sair e a outra ao entrar. Nesse sentido, mesmo na desconsideração tradicional, não há exagero em afirmar que a personalidade autônoma do sócio também é desconsiderada (e não apenas a da sociedade): ambas são tratadas como uma coisa só; ambas são desconsideradas. Logo, pode-se assim reconhecer que o art. 792, § 3º, está a referir-se sempre à citação daquele que será atingido pela desconsideração (o sócio, na desconsideração tradicional; a sociedade, na desconsideração “invertida”).
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*Eduardo Talamini é advogado, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados. Livre-docente em Direito Processual (USP). Mestre e doutor (USP). Professor da UFPR.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O estabelecimento de garantias e prioridades para o processo justo e efetivo: análise dos artigos 1º a 15 do Código de Processo Civil de 2015.


Estudos do Novo Código de Processo Civil:

O estabelecimento de garantias e prioridades para o processo justo e efetivo: análise dos artigos 1º a 15 do Código de Processo Civil de 2015.

Giselle Borges Alves
Advogada em Minas Gerais e professora no curso de Direito da Faculdade CNEC Unaí
Texto elaborado e publicado em 10/12/2015.

O novo Código de Processo Civil - Lei 13.105 de 06 de março de 2015 -, abre o Livro I trazendo normas de conteúdo hermenêutico que irão nortear a aplicação de todas as demais normas contidas no Código. O título único trata das normas fundamentais e traça diretrizes de aplicação das normas processuais civis.
No artigo 1º é possível perceber que o novo Código de Processo Civil consagra a visão constitucional do processo, ao estabelecer que todo o processo civil deverá ser ordenado, disciplinado e interpretado de acordo com o valores supremos estabelecidos pela Carta Política nacional, consagrando a visão de que o processo civil não é uma seara estanque ou desvinculada dos fundamentos da República e das garantias individuais e coletivas.
O artigo 2º traz disposição conhecida pelos operadores do direito: o princípio da inércia da jurisdição. Assim, continua a regra processual que estabelece que o processo apenas inicia por provocação da parte, mas que deverá se desenvolver por impulso oficial, ressalvadas apenas as exceções legalmente previstas. Assim, a jurisdição inicialmente é inerte, mas uma vez provocada os atos processuais deverão ser impulsionados pelo Estado-juiz sem a necessária insistência das partes, estas deverão se pronunciar apenas quando necessário ao deslinde dos fatos ou quando provocadas pela própria jurisdição.
O artigo 3º traça a garantia fundamental estabelecida pela Constituição Federal de 1988, quanto a inafastabilidade da prestação jurisdicional, ou seja, por literalidade do artigo que retrata norma já insculpida na Carta Suprema no artigo 5º inciso XXV, não será excluída da apreciação do Poder Judiciário ameaça ou lesão a direito.
Nos parágrafos 1º a 3º do artigo 3º da nova norma processual há a consolidação dos meios alternativos de resolução de conflitos, como aptos a prestar satisfatoriamente o amparo esperado pelo cidadão na resolução de controvérsias. Assim, o Código de Processo Civil de 2015, admite a arbitragem e prioriza a realização da conciliação, onde esta, por sua vez, deverá de todas as formas ser estimulada, por todas as partes e intervenientes no processo (juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público).
O artigo 4º trouxe o dever do Estado-juiz de oferecer aos jurisdicionados uma rápida e efetiva solução dos litígios, mediante um prazo razoável de duração do trâmite processual. Temos, portanto, o princípio da celeridade processual de forma explícita no novo texto processual.
O princípio da boa-fé de eficácia processual também veio insculpido no artigo 5º, estabelecendo que todas as partes e intervenientes no processo devem agir imbuídos de ética na produção dos atos, contribuindo para a resolução efetiva do conflito, praticando os atos necessários sem qualquer abuso no seu exercício. Assim, o princípio da boa-fé processual está também diretamente ligado ao princípio cooperativo ou princípio de colaboração processual plena, estabelecido no artigo 6º da norma processual. Pelo princípio colaborativo, as partes devem realizar os atos de forma a obter em tempo razoável uma decisão justa e efetiva. Neste sentido, os atos praticados com boa-fé pelas partes, visando ao deslinde satisfativo, colaboram para que o processo chegue ao seu final priorizando a verdade processual.
O artigo 7º do novo Código de Processo, em sua primeira parte, consagra o princípio da isonomia processual, determinando a necessidade de paridade de tratamento das partes no exercício de direitos e faculdades processuais, como também na utilização de mecanismos de defesa, na distribuição equânime e legal dos ônus e deveres processuais. Em sua última parte o artigo 7º estabelece que a isonomia processual também equivale ao zelo do magistrado pelo contraditório efetivo. Aliás, os princípios do contraditório e da ampla defesa, possuem enorme ênfase no novo texto processual civil pátrio. Ambos os princípios ganham destaque no artigo 7º ao 10º, sempre priorizando a possibilidade das partes pronunciarem-se e o direito de serem ouvidas previamente.
O artigo 8º traz diretrizes para a aplicação da lei processual pelo magistrado, instruindo quando a sua atuação para priorizar os fins sociais, o bem comum e a promoção da dignidade da pessoa humana. Afirma, ainda, na parte final, a necessidade de observância dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência, lembrando-o que o magistrado faz parte da administração pública, e como ente do Estado deve proporcionar um processo justo.
O artigo 9º garante à parte o direito de ser ouvido previamente às decisões (possibilidade do contraditório e ampla defesa plenos), e as únicas exceções ao mandamento seriam a tutela provisória de urgência e a tutela de evidência, esta última apenas nas situações descritas no artigo 311, incisos II e III, que trazem respectivamente, a concessão da tutela de evidência na hipótese das alegações de fato serem fundadas em provas documentais e houver tese firmada em julgamento de recursos repetitivos ou em súmula vinculante; bem como, na situação do pedido de tutela de evidência ser reipersecutório fundado em prova documental adequada ao contrato de depósito.
O artigo 10 do diploma processual de 2015, conforme afirmado anteriormente, traz normatizado também o princípio do contraditório pleno, estabelecendo a proibição para os magistrados de proferirem decisões, em qualquer grau de jurisdição, com base em fundamento que não tenha dado as partes a opção de pronúncia, ou seja, o uso de fundamentação decisória “surpresa”, mesmo que seja sobre matéria que caiba ao magistrado decidir de ofício, como por exemplo, a prescrição. Portanto, o novo Código de Processo Civil traz o dever do contraditório efetivo em todas as instâncias e não só com relação aos fatos e fundamentos apresentados pela parte contrária, mas também quanto aos fundamentos não alegados por nenhuma das partes, mas que fatalmente podem ser utilizados pelo juiz em sua decisão. É dever do magistrado também agir com boa-fé e apresentar às partes todas as situações jurídicas que podem ter influência relevante no processo.
O artigo 11 também segue como corolário do dever de lealdade processual não só das partes, mas também do Estado-juiz, com a consagração plena do princípio da publicidade dos atos processuais, ressalvado os casos que envolvam segredo de justiça, e o princípio da motivação substantiva das decisões judiciais, de forma que as partes consigam compreender todas as razões fáticas e jurídicas que ampararam as deliberações interlocutórias ou finais dos feitos.
Uma das grandes novidades do diploma processual de 2015 em relação ao de 1939 é a normatização descrita no artigo 12 que consagra o julgamento cronológico por meio de listas. A novidade visa dar concretude aos princípios explícitos da celeridade e eficiência processuais. Por este regramento tanto os juízes de primeira instância como os tribunais de segundo grau e tribunais superiores, deverão guardar observância à ordem cronológica para proferir sentenças e acórdãos, sendo que estas listas de processos devem ser públicas e os meros requerimentos formulados pelas partes, que não impliquem reabertura de instrução ou conversão do julgamento em diligência, não estão aptos a retirar o processo da ordem em que se encontram na lista cronológica.
No entanto, vários atos estão excluídos da regra do julgamento cronológico. Para conhecimento destes atos é imperiosa a leitura do §2º do artigo 12 do novo código de processo, o que se recomenda ao leitor.
O §6º do artigo 12 também traz a necessidade de observância de prioridade de julgamento para os processos que tiverem sua sentença ou acórdão anulado, salvo quando houver necessidade de realização de diligências ou complementação da instrução, bem como também deve ser dada prioridade aos processos que se enquadrem na situação descrita pelo artigo 1040, inciso II, ou seja, quando uma vez publicado acórdão paradigma por outra instância, o órgão que proferiu a decisão recorrida, na origem, reexaminar o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior.

Portanto, na análise das disposições iniciais do novo Código de Processo Civil é possível verificar que o diploma pede uma interpretação pautada em normas principiológicas e que os operadores do Direito, bem como as partes e qualquer interveniente no processo, devem estar abertos para um novo modo de pensar o processo de modo a evitar abusos e a priorizar as garantias processuais, ao mesmo tempo garantindo uma duração razoável de todos os procedimentos com vistas a um processo justo e efetivo.




Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade única da autora; ao fazer a citação de qualquer das partes do texto não esqueça de indicar a autoria. Assim você está obedecendo as leis brasileiras que consagram os direitos autorais.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Novo CPC veste melhor as garantias da Constituição


 (Texto publicado no site "Consultor Jurídico - Conjur")

O Projeto 8.046/2010, que institui o novo Código de Processo Civil, tem despertado muita polêmica na comunidade jurídica. Há setores que se posicionam contra a sua aprovação ou pretendem modificá-lo quase por completo. A maioria das críticas centra-se na alegada falta de debate na elaboração do projeto.

O projeto do novo CPC é originário do Senado Federal. Atendendo a um reclame da maioria da doutrina, o Senado nomeou uma Comissão de Juristas para confeccionar o anteprojeto. A Comissão foi composta por renomados processualistas de várias regiões do país, foi presidida pelo ministro Luiz Fux e teve a relatoria da professora Teresa Arruda Alvim Wambier, sem dúvida alguma, dois respeitados processualistas.

Antes de concluir o anteprojeto, a Comissão de Juristas fez audiências públicas em praticamente todos os estados, ouvindo todos aqueles que quiseram se manifestar. A Comissão ainda instou os órgãos representativos da comunidade jurídica, como a OAB, IAB, AMB, Ministério Público e Defensoria Pública, para apresentar suas propostas.

Após ser entregue ao Senado, o texto converteu-se em projeto e teve a revisão de uma Comissão Especial, composta igualmente por notáveis processualistas, que realizou novas audiências públicas, antes de dar seu parecer final. Com os ajustes dessa Comissão, o Projeto do novo CPC foi aprovado pelo Senado e, atualmente, se encontra em discussão na Câmara dos Deputados.

Depois de o texto ser submetido a duas Comissões e ter passado por duas rodadas de audiências públicas, é insensato afirmar que não houve debate na elaboração do projeto. E ainda falta a apreciação da Câmara, onde o projeto será submetido a novo contraditório. Parece-me, assim, que as críticas decorrem mais de vozes que não tiveram suas sugestões acatadas, e querem, a todo custo, impor as suas escolhas, do que propriamente da reclamada ausência de discussão.

Quanto ao conteúdo, o projeto contém inegáveis avanços. Ele consolida as reformas processuais que vêm modificando o atual Código desde 1994, tem previsões que se harmonizam melhor com a Constituição e prevê mecanismos para imprimir maior rapidez aos julgamentos dos processos. Dentre esses mecanismos, destaquem-se a simplificação procedimental, que tornará os procedimentos mais racionais, e o incidente de resolução de demandas repetitivas, que permitirá ao Judiciário, por meio de uma única ação, julgar a tese jurídica que se repete em múltiplas demandas. Diga-se, aliás, que esse último expediente contribuirá muito para desafogar o Judiciário, principalmente os Juizados Especiais Cíveis, que, como se sabe, são reféns das ações repetitivas.

O projeto também foi generoso com os advogados. E não poderia ser diferente, já que a Comissão que confeccionou o anteprojeto foi composta majoritariamente por advogados, dentre eles o atual secretário-geral da OAB Federal, Marcus Vinicius Furtado Coelho.

Efetivamente, há várias conquistas para a advocacia.

O projeto previu os honorários de sucumbência recursal, que constituem a fixação de novos honorários a serem pagos pela parte que perde um recurso e, por conseguinte, representam novos valores a serem recebidos pelo advogado.

Além do advogado que atua na causa, a sociedade de advogados a que ele pertence também será intimada de todas as decisões judiciais. Essa inovação acabará com os problemas havidos no momento em que um advogado se retira do escritório e, por qualquer motivo, não faz o substabelecimento em todos os feitos no qual atua.

O projeto também dispõe sobre a possibilidade de o próprio advogado fazer a intimação das testemunhas que arrolou, evitando-se as diligências cada dia mais lentas dos oficiais de Justiça e, em consequência, o adiamento das audiências.

A unificação dos prazos recursais em 15 dias e a contagem de todos os prazos processuais apenas em dias úteis, reclames antigos da nossa classe, facilitarão a nossa vida profissional e, mais do que isso, garantirão finais de semana de descanso para os advogados, o que, hoje em dia, é inviável.

A obrigatoriedade de o juiz ouvir as partes, antes de decidir qualquer questão, inclusive de ordem pública, confere importância à participação processual do advogado, além de evitar as famosas “decisões surpresa”.

O projeto prevê, ainda, a sustentação oral no Agravo de Instrumento contra decisão de interlocutória que verse sobre tutela de urgência, aumentando a participação do advogado no julgamento dos Tribunais.

Por todas essas escolhas, mas, sobretudo, porque seu texto veste melhor as garantias processuais previstas na Constituição, o projeto do novo CPC merece e precisa ser aprovado.

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Sobre o autor:

Wadih Damous é presidente da OAB-RJ.
Sobre a fonte da publicação original:
Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2011.
Link para a postagem: http://www.conjur.com.br/2011-ago-18/texto-cpc-veste-melhor-garantias-previstas-constituicao
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Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

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