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terça-feira, 9 de novembro de 2021

Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

 Notícia originalmente publicada no site do STJ, em 09/11/2021.


Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em execução por quantia certa, em que é direito do exequente receber dinheiro, não se pode impor unilateralmente que o credor receba coisa distinta daquela estipulada na decisão judicial provisória ou definitivamente executada, sob pena de absoluta subversão da lógica processual que orienta a execução.

Com esse entendimento, o colegiado negou o recurso de um espólio que, no cumprimento provisório de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa (R$ 1,7 milhão), depositou um imóvel (e não o valor cobrado) como forma de se isentar da multa e do pagamento de honorários advocatícios previstos no artigo 523, parágrafo 1º, do CPC/2015, que se aplicam às execuções provisórias por força do artigo 520, parágrafo 2º, do mesmo código.

Apesar da recusa do exequente, o juiz aceitou o depósito do bem, avaliado em R$ 6,5 milhões. Contudo, a decisão foi reformada após recurso, no sentido de que não há equivalência entre o oferecimento do imóvel e o depósito voluntário da quantia devida.

Previsto no artigo 520, parágrafo 3º, do CPC/2015, o depósito judicial na execução provisória, na qual ainda há recurso pendente de apreciação, serve para isentar o executado da multa e dos honorários advocatícios. Funciona como forma de evitar a invasão patrimonial durante a fase provisória da execução (penhora, expropriação, alienação, adjudicação), podendo ser imediatamente levantado, em regra, mediante a prestação de caução pelo exequente.


Atual legislação autoriza a cobrança de multa e honorários em decisão provisória

A ministra Nancy Andrighi, relatora, afirmou que, diferentemente da jurisprudência firmada na vigência do CPC/1973, em que se permitia cobrança de honorários apenas em caso de descumprimento de decisão definitiva, a nova legislação processual civil prevê, expressamente, a incidência de tais encargos também na hipótese de cumprimento provisório.

Citando precedente firmado no REsp 1.803.985, a relatora esclareceu que, no cumprimento definitivo, a multa será excluída apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão do débito.

"Todavia, se se tratar de cumprimento provisório da decisão, a multa e os honorários advocatícios não serão devidos se houver o simples depósito judicial do valor (que, pois, não se confunde com o pagamento voluntário da condenação), de modo a compatibilizar a referida regra com a preservação do interesse recursal do executado que impugnou a decisão exequenda", declarou.


Depósito de bem distinto deve ser aceito pelo exequente

Em seu voto, a magistrada destacou que a finalidade da execução por quantia certa é o recebimento do dinheiro do crédito, provável ou definitivo, a que o credor faz jus. Para a ministra, não há direito subjetivo do devedor em realizar o depósito ou quitar a dívida com um bem, mas assiste ao credor o direito subjetivo de ter seu crédito satisfeito nos moldes e termos da decisão que a fixou.

Nancy Andrighi ponderou que, caso fosse possível realizar o depósito de item distinto do estabelecido, caberia ao exequente decidir entre aceitar o bem ofertado em substituição ao dinheiro ou prosseguir com a fase de cumprimento da sentença de execução, com a possibilidade de penhora e conversão do bem em pecúnia – incluídos a multa e os honorários advocatícios.

"Assim, por qualquer ângulo que se examine a questão, somente se pode concluir que o artigo 520, parágrafo 3º, do CPC/2015 não autoriza a interpretação de que o depósito judicial de dinheiro possa ser substituído pelo oferecimento de bem equivalente ou representativo do valor executado, salvo se houver concordância do exequente, inexistente na hipótese em exame, razão pela qual é devida a multa e os honorários previstos no artigo 520, parágrafo 2º, do CPC/2015", concluiu a relatora ao rejeitar o recurso.


Leia o acórdão no REsp 1.942.761.


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Notícia STJ: Juros de mora sobre cheque não apresentado incidem a partir do primeiro ato para satisfação do crédito

Notícia originalmente divulgada pelo STJ (link).


A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, no caso de cheque prescrito não apresentado ao banco para pagamento, os juros de mora devem incidir a partir do primeiro ato do beneficiário tendente à satisfação do crédito, o que pode se dar por protesto, notificação extrajudicial ou pela citação.

A decisão teve origem em ação monitória para cobrança de cheque emitido em julho de 1993, cujo valor atualizado pela Taxa Referencial (TR) até outubro de 2007 correspondia a mais de R$ 5 milhões. O tribunal de segunda instância determinou que os juros incidissem a partir do vencimento (data de emissão) constante no cheque.

No recurso ao STJ, o réu sustentou que os juros devem incidir a partir do momento em que o devedor é constituído em mora – o qual, no caso, seria a citação na ação monitória.

 

Apresentação do cheque ao banco não é requisito para a cobrança

O relator, ministro Marco Buzzi, destacou que o STJ, ao julgar o REsp 1.556.834, no rito dos recursos repetitivos, fixou a tese de que, seja qual for a ação utilizada pelo portador para cobrança de cheque, os juros de mora incidem a partir da primeira apresentação à instituição financeira sacada ou à câmara de compensação – entendimento alinhado com o artigo 52, inciso II, da Lei 7.357/1985, a chamada Lei do Cheque.

Porém, o magistrado observou que o cheque não foi apresentado ao banco. A apresentação – acrescentou – não é indispensável para que se possa cobrar do emitente a dívida posta no cheque, mas, se ela ocorre, os juros têm incidência a partir dessa data, conforme a lei.

De acordo com Marco Buzzi, a questão central do recurso estava em saber se, não tendo havido a apresentação ao sistema bancário, "os encargos moratórios incidentes ficariam protraídos para termo futuro ou retroagiriam para a data do vencimento da dívida ou da assinatura do título".

 

Inércia do credor não deve ser premiada

O relator ponderou que a tese do tribunal de origem, segundo a qual os juros devem incidir a partir do vencimento – no caso, da data de emissão –, contrasta com o mencionado dispositivo da Lei do Cheque, que é regra especial, e "não observa o instituto duty to mitigate the loss" (o dever de mitigar o próprio prejuízo).

"A inércia do credor jamais pode ser premiada, motivo pelo qual o termo inicial dos juros de mora deve levar em conta um ato concreto do interessado tendente a satisfazer o seu crédito", destacou o ministro, lembrando que o credor deixou passarem mais de 15 anos para ajuizar a ação monitória do cheque prescrito.

Além disso, Marco Buzzi citou precedente recente em que a Corte Especial do STJ concluiu que "não é o meio judicial de cobrança da dívida que define o termo inicial dos juros moratórios nas relações contratuais, mas sim a natureza da obrigação ou a determinação legal de que haja interpelação judicial ou extrajudicial para a formal constituição do devedor em mora" (EAREsp 502.132).

Com base nessas premissas, o relator concluiu que "a melhor interpretação a ser dada quando o cheque não for apresentado à instituição financeira sacada, para a respectiva compensação, é aquela que reconhece o termo inicial dos juros de mora a partir do primeiro ato do credor no sentido de satisfazer o seu crédito, o que pode se dar pela apresentação, protesto, notificação extrajudicial ou, como no caso concreto, pela citação".

 (Leia o acórdão do REsp 1.768.022).


Mantida a redação original da notícia.

 


segunda-feira, 2 de agosto de 2021

A JURISPRUDÊNCIA DO STJ ACERCA DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS COOPERATIVAS



Giselle Borges Alves
Advogada e Professora de Direito Privado e Direito Cooperativo
Mestra em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)



A ideia básica do Código de Defesa do Consumidor (CDC) é tutelar as relações de consumo que envolvam pessoas físicas ou jurídicas e fornecedores de produtos e serviços, bem como a proteção da coletividade dos abusos advindos do poder econômico. Neste sentido, muitas vezes, podem surgir dúvidas sobre a aplicação do CDC sobre as atividades realizadas pelas cooperativas no mercado de consumo, principalmente porque o objetivo principal das cooperativas é prestar serviço aos seus associados. Assim, as atividades que juridicamente são consideradas como fornecimento de bens e serviços no mercado de consumo, são realizadas precipuamente com os associados das cooperativas.

Os associados de cooperativas possuem no mínimo uma dupla qualidade: são donos e clientes do empreendimento, simultaneamente. Assim, além de utilizarem os serviços oferecidos, participam ativamente da gestão e das políticas que são aprovadas para o exercício social.

As cooperativas se obrigam a contribuir material e imaterialmente com o cooperado e dentro desta perspectiva é preciso realizar o seguinte questionamento: quando haverá a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em face das cooperativas? Para responder esta pergunta, a abordagem deve ocorrer quanto às relações jurídicas realizadas pelas cooperativas em duas frentes: serviços prestados diretamente aos cooperados (associados do empreendimento) e serviços prestados a terceiros (não associados) que travam relações com a cooperativa. Existe diferença de tratamento? Para responder também é necessário verificar quando esta relação jurídica pode ser considerada ou não uma relação de consumo. Veremos que os entendimentos do STJ ao longo dos anos não geram uma pacificação sobre o assunto.

A análise da aplicação do CDC pode variar conforme o ato praticado e o ramo do cooperativismo. Grande parte dos julgados do Tribunal se referem às cooperativas de crédito, cooperativas habitacionais, cooperativas de trabalho médico que fornecem serviços de plano e seguro saúde no mercado de consumo e cooperativas agrícolas e agroindustriais.

Quanto às cooperativas de crédito, as relações entre cooperativa e cooperado ocorrem precipuamente com oferta de empréstimos e subvenções (operações de crédito) com taxas de juros e outros encargos mais benéficos que os praticados por outras instituições financeiras. No entanto, acessoriamente as cooperativas de crédito também realizam estas mesmas operações com pessoas estranhas à sociedade.

Neste exemplo que retrata atos praticados por cooperativas de crédito, o STJ possui posicionamento corrente no sentido da aplicabilidade do CDC sempre que evidenciada uma típica relação de consumo dos produtos/serviços comuns às instituições financeiras, mesmo quando a relação for realizada entre cooperado e cooperativa. Assim, estaríamos diante de um ato de consumo, desconsiderando a existência de ato cooperativo típico. As decisões têm em comum a afirmação de que se aplica às cooperativas de crédito a Súmula 297, comum a todas instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional. Vejamos:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA AGRAVANTE. 1. 'Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, na hipótese em que a atividade da cooperativa se equipara àquelas típicas das instituições financeiras, são aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, a teor da Súmula 297/STJ.' (STJ, AgInt no AREsp 1361406/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 11/04/2019). 
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM AÇÃO MANDAMENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. REEXAME DE FATOS E PROVAS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. [...]. 7. O acórdão recorrido ao concluir que a cooperativa na espécie se equipara a instituição financeira e, por consequência, aplicável o CDC, alinhou-se ao entendimento do STJ. Precedentes. 8. O STJ possui a orientação de que as cooperativas, enquanto instituições financeiras, encontram-se obrigadas ao prolongamento de dívida oriunda de crédito rural, preenchidos os requisitos da Lei nº 9.138/95. Precedentes. 9. Agravo interno interposto por C-Vale Cooperativa Agroindustrial não provido" (AgInt no AREsp 1.292.032/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/5/2020, DJe 25/5/2020 - grifou-se). "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. COOPERATIVA AGRÍCOLA. EQUIPARAÇÃO ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, na hipótese em que a atividade da cooperativa se equipara àquelas típicas das instituições financeiras, são aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, a teor da Súmula 297/STJ. Precedentes. [...]. 3. Agravo interno a que se nega provimento" (STJ, AgInt no AREsp 1.361.406/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 11/4/2019).[1]

Entretanto, o referido entendimento não é imune a críticas, uma vez que nenhum dos julgados que deram ensejo à Súmula 297 analisaram casos relacionados às cooperativas de crédito, notadamente os requisitos de propriedade e controle e a natureza do ato cooperativo típico quando a relação ocorre entre cooperados e cooperativa[2].

Neste contexto, as cooperativas de crédito quando travam relações com pessoas estranhas à sociedade (não cooperados), mesmo que forneçam os mesmos serviços prestados aos cooperados, não existe discordância quanto à aplicação do CDC nas relações jurídicas caracterizadas como de consumo. Este é o entendimento consolidado e entendemos não ser refutável, uma vez que a cooperativa de crédito, neste caso, prestando serviço a terceiros (não cooperados), atua como agente de mercado convencional:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. SISTEMA NACIONAL DE COOPERATIVAS DE CRÉDITO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A CONSUMIDORES COMUNS NÃO-COOPERADOS. APLICAÇÃO DO CDC. RESPONSABILIDADE PELA CADEIA DE FORNECIMENTO DE PRODUTOS OU SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. AUSÊNCIA. [...] No entanto, quando a cooperativa de crédito busca consumidores no mercado, isto é, aqueles que não são cooperados, atua como se fosse uma instituição financeira ordinária. 4. A jurisprudência do STJ é há muito tempo pacífica no sentido da aplicação do CDC às relações entre consumidores e as instituições financeiras. [...]. 8. Recurso especial conhecido e provido (STJ, REsp 1468567/ES, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 07/08/2018).

Pelo CDC nem todas as pessoas físicas ou jurídicas podem ser consideradas ou equiparadas a consumidores. Se o produto ou serviço, adquirido ou utilizado, não for para destinação final, não estamos diante de uma relação de consumo. Esta é a inteligência do artigo 2º da norma consumerista que consagra a teoria finalista[3]. Aliás, este é um dos temas mais controvertidos da jurisprudência brasileira, principalmente quanto a caracterização do que vem a ser “relação de consumo” e “consumidor” frente aos contratos bancários.

Essa discussão, ganha enfoque frente aos contratos de crédito no setor agrícola, firmado por cooperativas agrícolas e agroindustriais, notadamente em situações em que o cooperado se beneficia do consumo de produtos agrícolas (insumos) ofertados pela cooperativa. Diante deste cenário, o STJ possui entendimento de inaplicabilidade do CDC. Citamos como exemplo o julgado recente proferido pelo Ministro Marco Buzzi, no AREsp 1868796, publicado em 23 de junho de 2021, em que não foi aplicado o CDC em contrato de compra e venda de insumos agrícolas, utilizados para o aumento de produtividade e viabilização do desenvolvimento. A decisão reconhece que a relação entre cooperativa e cooperado, neste caso, ocorre de forma servil, ou seja, o cooperado se serve da primeira para fomentar sua atividade produtiva. Para o Ministro, também não restava caracterizada qualquer hipossuficiência técnica.

Também é ressaltado no AREsp 1868796, que mesmo em se tratando de contrato de financiamento/empréstimo para aquisição de insumos, realizado entre cooperado e cooperativa, não se aplica o entendimento da Súmula 297 do STJ. No caso de cooperativas agrícolas e agroindustriais, não existe realização de ato típico de instituições financeiras, como é comum nas cooperativas de crédito. Mesmo em caso de empréstimo de valores feito aos associados de cooperativas agrícolas, estamos diante de ato cooperativo típico[4].

Quanto às cooperativas habitacionais, o STJ possui entendimento pacificado no sentido de aplicação do CDC às cooperativas, mesmo em situações em que as relações são estabelecidas entre cooperativa e cooperado. Vejamos:

COOPERATIVA HABITACIONAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. [...] As disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas. Precedentes. (STJ, AgInt no Ag em REsp 972.646/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 04/05/2017).
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COOPERATIVA HABITACIONAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. PERCENTUAL. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. REEXAME. SÚMULA Nº 7/STJ. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. SÚMULA Nº 5/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O Superior Tribunal de Justiça possui orientação no sentido de que as disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas. (...) 5. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no REsp 1715903/RS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 15/10/2018). 
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. [...] 3. O STJ possui firme o entendimento no sentido de que as disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas. Precedentes. [...] 6. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 1266376/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 04/06/2019).

O entendimento, inclusive, foi objeto da Súmula 602 no STJ, que afirma: “O código de defesa do consumidor é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas”.

Quanto às cooperativas de trabalho médico, como a Unimed, aplica-se corretamente o CDC para os usuários dos serviços de saúde prestados pelos profissionais cooperados, sendo cabível ação de natureza consumerista contra a cooperativa. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. SISTEMA UNIMED. RECUSA INDEVIDA DE COBERTURA. USUÁRIO EM INTERCÂMBIO. UNIMED EXECUTORA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. UNIMED DE ORIGEM. COOPERATIVAS DE TRABALHO MÉDICO. REDE INTERLIGADA. MARCA ÚNICA. ABRANGÊNCIA NACIONAL. TEORIA DA APARÊNCIA. CADEIA DE FORNECEDORES. CDC. INCIDÊNCIA. 1. Cinge-se a controvérsia a saber se a cooperativa de trabalho médico que atendeu, por meio do sistema de intercâmbio, usuário de plano de saúde de cooperativa de outra localidade possui legitimidade passiva ad causam na hipótese de negativa indevida de cobertura. 2. Apesar de os planos e seguros privados de assistência à saúde serem regidos pela Lei nº 9.656/1998, as operadoras da área que prestarem serviços remunerados à população enquadram-se no conceito de fornecedor, existindo, pois, relação de consumo, devendo ser aplicadas também, nesses tipos contratuais, as regras do Código de Defesa do Consumidor (art. 35-G da Lei nº 9.656/1998 e Súmula nº 469/STJ). 3. O Complexo Unimed do Brasil é constituído sob um sistema de cooperativas de saúde, independentes entre si e que se comunicam através de um regime de intercâmbio, o que possibilita o atendimento de usuários de um plano de saúde de dada unidade em outras localidades, ficando a Unimed de origem responsável pelo ressarcimento dos serviços prestados pela Unimed executora. Cada ente é autônomo, mas todos são interligados e se apresentam ao consumidor sob a mesma marca, com abrangência em todo território nacional, o que constitui um fator de atração de novos usuários. 4. Há responsabilidade solidária entre as cooperativas de trabalho médico que integram a mesma rede de intercâmbio, ainda que possuam personalidades jurídicas e bases geográficas distintas, sobretudo para aquelas que compuseram a cadeia de fornecimento de serviços que foram mal prestados (teoria da aparência). Precedente da Quarta Turma. 5. É transmitido ao consumidor a imagem de que o Sistema Unimed garante o atendimento à saúde em todo o território nacional, haja vista a integração existente entre as cooperativas de trabalho médico, a gerar forte confusão no momento da utilização do plano de saúde, não podendo ser exigido dele que conheça pormenorizadamente a organização interna de tal complexo e de suas unidades. 6. Tanto a Unimed de origem quanto a Unimed executora possuem legitimidade passiva ad causam na demanda oriunda de recusa injustificada de cobertura de plano de saúde.7. Recurso especial não provido (STJ, REsp 1665698, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 31/05/2017).

No entanto, na cooperativa de trabalho médico e sua relação com os cooperados, não se aplica o CDC se estes não são usuários dos serviços de saúde. A relação de trabalho médico é intermediadora, ou seja, a cooperativa detém a função de colocar o trabalho do cooperado em evidência para que este possa realizar os atendimentos aos usuários. Portanto, trata-se de arranjo societário e civil, diferente das relações jurídicas realizadas no âmbito de consumo de produtos e serviços. Estamos diante de dois atos diferentes de prestação de serviço: o ato fim e o ato meio. O ato fim da cooperativa é prestar serviço ao cooperado (ato cooperativo) e o ato meio é a prestação de serviço aos usuários não cooperados (ato não cooperativo). Apenas sobre o ato meio ocorre a incidência do CDC[5].

Desta forma, em análise à jurisprudência do STJ é possível concluir que o Tribunal não possui uma regra geral aplicável sobre a incidência do CDC sobre atos praticados por cooperativas. É sempre importante analisar caso a caso, inclusive o ramo da atividade cooperativista e se o serviço prestado pela cooperativa é ato típico cooperativo ou se é possível inseri-lo no âmbito de uma relação de consumo. Entretanto, mesmo em se tratando de ato cooperativo, poderá haver a aplicação do CDC, como nos atos praticados por cooperativas de crédito, por força da Súmula 297 do Tribunal.

O objetivo desta análise não é tecer os aspectos críticos em relação às decisões proferidas pelo STJ, uma vez que isso demanda uma análise mais aprofunda das características de propriedade, gestão e da natureza da sociedade cooperativa, que fogem ao escopo dessa publicação.

O presente texto apenas apresenta o estado da atual jurisprudência da Corte e serve para despertar a própria necessidade de aprofundamento sobre a temática do ato cooperativo típico e não-comercial para cada ramo do cooperativismo, uma vez que em razão da jurisprudência oscilante, não é mais possível sustentar uma análise generalista do conceito. É necessário abranger as especificidades para que os intérpretes e aplicadores das normas possam compreender as principais peculiaridades que envolvem o ato cooperativo de cada ramo cooperativista e seus reflexos. As generalizações do conceito de ato cooperativo não ajudam na compreensão de situações concretas e podem levar a prejuízos substanciais às cooperativas.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm. Acesso em 29 jul. 2021.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Revista súmulas 2011: Súmula 297. STJ. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_23_capSumula297.pdf. Acesso em: 28 jul. 2021.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Segunda seção aprova súmulas sobre CDC e contratos bancários. STJ. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-02-26_11-48_Segunda-Secao-aprova-sumulas-sobre-CDC-e-contratos-bancarios.aspx. Acesso em 29 jul. 2021.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Pesquisa de Jurisprudência. STJ Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/. Acesso em 27 jul. 2021.

FRANK, Walmor. Direito das sociedades cooperativas: direito cooperativo. São Paulo: USP, 1973.

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[1] Cite-se ainda o AgInt nos EAREsp 1302248/PR, de relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 20/10/2020; AgInt no Agravo em REsp 1292032/MT, sob relatoria da Min. Nancy Andrighi, j.18/05/2020; AgInt no REsp 1520390/ES, de autoria do Min. Marco Buzzi, j. 22.5.2018.
[2] Recomenda-se a leitura dos julgados que deram origem a súmula 297 do STJ.
[3] No entanto, é importante considerar o avanço da jurisprudência no sentido de verificar além do requisito “consumidor final” a atenção aos casos em que mesmo que o produto ou serviço não seja para o destinatário final e seja empregado na atividade produtiva, deve ser aplicado o CDC para pessoas físicas ou jurídicas consideradas vulneráveis ou hipossuficientes frente às características específicas do fornecedor, que o colocam em patamar muito superior ao adquirente do produto ou serviço. Neste sentido, ver o AgInt no AREsp 1712612/PR, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, publicado no DJe 10/12/2020, que não aplica o CDC para produtor rural, mas faz a ressalva de que uma vez comprovada a hipossuficiência técnica, jurídica e econômica, permite-se o abrandamento da teoria finalista.
[4] Importante ver ainda os acórdãos do AgInt no AREsp 947445/PR, REsp 1435979 / SP, AgRg no REsp 1.122.507/PR que também tratam inaplicabilidade do CDC sobre cooperativas agrícolas/agroindustriais quanto a relações típicas entre cooperativa e seus associados.
[5] A classificação entre ato fim e ato meio é dada por Walmor Frank, como “negócio-fim” (ou interno) e “negócio-meio” (ou de mercado). Na visão do doutrinador, ambos estão interligados e constituem o ciclo operacional.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

É possível limitação de ingresso de associados em cooperativas? - Análise da posição do STJ

 

Giselle Borges Alves¹


Questão recorrente nos julgados do STJ é a possibilidade da cooperativa limitar o número de ingresso de associados. 

Inicialmente, uma vez analisado o princípio cooperativo da adesão livre e voluntária, também conhecido como princípio da porta-aberta, chega-se à conclusão que não existe limitação para número máximo de associados como regra geral, sendo esta também a posição externada pela Lei Geral do Cooperativismo - Lei nº 5.764/1971. No entanto, a regra comporta exceções.

Para se associar em uma cooperativa deve a pessoa física ou jurídica comprovar que realiza individualmente o mesmo objeto social da cooperativa ou que possui atividade com ela relacionada. Por exemplo, não pode ser associado de uma cooperativa agropecuária, quem não realiza qualquer atividade do ramo. Isso se deve ao próprio objetivo da cooperativa, que é prestar serviço aos associados no ramo de sua atuação. Portanto, não faz sentido que alguém que não atue no segmento agropecuário, integre sociedade cooperativa deste ramo.

Além disso, deve-se levar em conta a possibilidade técnica de atendimento pela cooperativa. Inobstante ser um tipo societário com livre entrada de associados, a cooperativa deve garantir um atendimento equânime à todos e deve estar atenta aos limites de atendimento profissional. Tal exceção está relacionada aos recursos financeiros, territoriais e de infraestrutura da própria cooperativa, uma vez que não pode a sociedade ter milhares de associados se não consegue atender as necessidades elementares destes, prestando serviço adequadamente. Um número muito acentuado de associados pode levar à inviabilidade técnica e financeira da cooperativa.

Uma vez inexistentes as referidas exceções, prevalece o princípio da porta-aberta ou livre admissão de novos associados.

Neste sentido, segue a jurisprudência do STJ, que em julgamento recente reafirmou o entendimento de que "salvo impossibilidade técnica do profissional para exercer os serviços propostos pela cooperativa, deve-se considerar ilimitado o número de associados que podem se juntar ao quadro associativo, diante da aplicação do princípio da adesão livre e voluntária que rege o sistema cooperativista (portas abertas)" (Relator: Min. Villas Bôas Cueva, AgInt no AgInt no REsp 1.849.327).



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¹ Advogada. Professora de Direito Privado e Direito Cooperativo. Mestra em Direito pela Universidade de Brasília.



quinta-feira, 15 de abril de 2021

Responsabilidade civil - parâmetros de indenização por dano moral e prazo prescricional de indenização por benfeitorias - Posições do STJ

Através da página "Pesquisa Pronta", o STJ divulgou dois novos entendimentos do Tribunal sobre parâmetro de indenização de dano moral e prazo prescricional para indenização por benfeitorias. Veja abaixo:


"Dano moral. Indenização. Valor estimado ou não indicado ou sugerido. Magistrado: arbítrio? Vinculação?

A Quarta Turma definiu que "o magistrado, ao arbitrar a indenização por danos morais, não fica vinculado ao valor meramente estimativo indicado na petição inicial, podendo fixá-lo ao seu prudente arbítrio sem que se configure, em princípio, julgamento extra petita".

O entendimento foi firmado no julgamento do AgInt no REsp 1.837.473, sob relatoria do ministro Raul Araújo.


Indenização por benfeitorias. Prazo prescricional. Termo inicial.

A Terceira Turma definiu que "a pretensão da indenização por benfeitorias é decorrência lógica da procedência do pedido de resolução do contrato, cujo resultado prático é o retorno das partes ao estado anterior. O prazo prescricional do pedido de indenização por benfeitorias tem início com o trânsito em julgado do acórdão da ação de rescisão do contrato".

O entendimento foi firmado no julgamento do REsp 1.791.837, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi."


(Extrato da publicação: "Arbitramento de danos morais e plano de recuperação judicial estão na Pesquisa Pronta", no link - clique aqui).

quinta-feira, 18 de março de 2021

STJ: Terceira Turma aplica prazo de dez anos para pretensão indenizatória de médico excluído de cooperativa

 Notícia publicada originalmente no site do STJ (link)


​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerando que o prazo prescricional aplicável ao caso é o de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil, deu provimento ao recurso especial de um médico que pediu indenização por ter sido excluído ilegalmente dos quadros de uma cooperativa de saúde.

O caso julgado teve origem em ação declaratória de nulidade de procedimento administrativo contra a Unimed Santos Cooperativa de Trabalho Médico. Após a procedência da ação, foi ajuizado o pedido de indenização por danos materiais e morais decorrentes da exclusão ilegal do médico dos quadros da cooperativa no período de 2000 a 2008.

A sentença condenou a cooperativa a pagar R$ 681.531,90 por danos materiais e R$ 100 mil a título de reparação pelos danos morais. Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou prescrita a pretensão indenizatória, sob o argumento de, como a exclusão do profissional ocorreu em 26/06/2000 e o pedido indenizatório foi proposto em 11/08/2008, teria transcorrido o prazo de três anos previsto no artigo 206, parágrafo 3°, V, do Código Civil.

No recurso especial apresentado ao STJ, o médico alegou a existência de causa de suspensão do prazo prescricional de sua pretensão indenizatória.

Termo inicial

Segundo a ministra Nancy Andrighi – cujo voto prevaleceu, por maioria, na sessão de julgamento –, o artigo 189 do código dispõe que a prescrição é capaz de extinguir a pretensão indenizatória, mas não prevê expressamente o momento de início do prazo prescricional, o que tem gerado amplo debate na doutrina e na jurisprudência.

A magistrada frisou que "o critério para a fixação do termo inicial do prazo prescricional como o momento da violação do direito subjetivo foi aprimorado em sede jurisprudencial, com a adoção da teoria da actio nata, segundo a qual o prazo deve ter início a partir do conhecimento, por parte da vítima, da violação ou da lesão ao direito subjetivo".

Ao citar precedentes da corte, a ministra destacou que não basta o efetivo conhecimento da lesão a direito ou a interesse, pois é igualmente necessária a ausência de qualquer condição que impeça o pleno exercício da pretensão para o início do prazo prescricional.

Confiança na Justiça

Na hipótese em julgamento, explicou Nancy Andrighi, o ajuizamento da ação declaratória tornou a relação jurídica entre a cooperativa e o médico litigiosa quanto à lesão alegada por este último, o que impediu o início da contagem do prazo prescricional para a pretensão indenizatória.

Dessa forma, esclareceu a ministra, a pendência do julgamento da ação declaratória em que se discutia a ilegalidade da exclusão do médico pela cooperativa constitui empecilho ao início da fluência da prescrição da pretensão indenizatória amparada nesse ato.

"Ao aguardar o julgamento da ação declaratória para propor a ação de indenização, a vítima exteriorizou sua confiança no Poder Judiciário, a qual foi elevada à categoria de princípio no Código de Processo Civil de 2015, em função de sua relevância", afirmou.


Dez anos

Nancy Andrighi destacou ainda que, quando se trata de responsabilidade contratual, o STJ consolidou o entendimento de que incide o prazo prescricional decenal previsto no artigo 205 do Código Civil, e não o prazo trienal do artigo 206, parágrafo 3º, V, conforme entendimento firmado no EREsp 1.280.825 e no EREsp 1.281.594.

Segundo a magistrada, a expulsão do médico da cooperativa não estava de acordo com o estatuto da entidade, que é um verdadeiro contrato social. Por essa razão, a hipótese em julgamento é situação de responsabilidade por inadimplemento contratual, e não reparação civil.

Por fim, a magistrada destacou que, sendo o prazo decenal, independentemente do termo inicial considerado – seja a data da efetiva exclusão ou o trânsito em julgado da ação declaratória –, a pretensão do médico não está prescrita.

Leia o acórdão.​


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1494482

terça-feira, 16 de março de 2021

Novas súmulas do STJ: incidência de FGTS e imprescritibilidade de ações indenizatórias decorrentes de perseguição política durante o regime militar

Seguem abaixo duas importantes súmulas do STJ sedimentando temas importantes como a incidência de FGTS sobre verbas trabalhistas e a imprescritibilidade de ações indenizatórias decorrentes de perseguição política no regime militar, publicadas hoje na imprensa oficial.


SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PRIMEIRA SEÇÃO
A Primeira Seção, na sessão ordinária de 10 de março de 2021, aprovou os seguintes enunciados de súmula, que serão publicados no Diário da Justiça eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, por três vezes, em datas próximas, nos termos do art. 123 do RISTJ.

É irrelevante a natureza da verba trabalhista para fins de incidência da contribuição ao FGTS, visto que apenas as verbas elencadas em lei (art. 28, § 9º, da Lei n. 8.212/1991), em rol taxativo, estão excluídas da sua base de cálculo, por força do disposto no art. 15, § 6º, da Lei n. 8.036/1990.
Fonte: eDJ-STJ, Edição n. 3108, terça-feira, 16 de março de 2021.
Tags: Direito e Justiça. Trabalho e Previdência. FGTS.
 

São imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar.
Fonte: eDJ-STJ, Edição n. 3108, terça-feira, 16 de março de 2021.
Tags: Direito e Justiça. Indenização de Danos Morais e Materiais.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Matéria especial do STJ. Tema: Superendividamento

E vamos de matéria especial publicada no último final de semana pelo STJ, tratando do superendividamento . 

O tema possui grande relevância na seara de consumo e também para a gestão de risco de crédito para as empresas. 

O STJ fornece de forma detalhada um resumo dos posicionamentos do tribunal sobre o tema. 

Recomendo a leitura!

Giselle Borges Alves


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ESPECIAL 
28/02/2021 06:55

O fenômeno do superendividamento e seu reflexo na jurisprudência

​​​A incapacidade total de gerir as despesas pessoais e familiares – fenômeno conhecido como superendividamento – é um quadro tão conhecido quanto atual na vida econômica do brasileiro. De acordo com o relatório Endividamento de Risco no Brasil, publicado pelo Banco Central em junho do ano passado, pelo menos 4,6 milhões de pessoas eram classificadas como devedores de risco.

Para entrar nesse grupo, segundo o BC, o tomador de crédito deve se encaixar em pelo menos um de quatro critérios: inadimplemento superior a 90 dias no pagamento de empréstimos; comprometimento da renda mensal com o pagamento das dívidas acima de 50%; uso simultâneo de cheque especial, crédito pessoal e crédito rotativo; e renda mensal disponível abaixo da linha da pobreza.

Os motivos para que uma pessoa chegue ao estágio avançado de endividamento são múltiplos, e vão desde causas imprevisíveis – como a perda do emprego – a razões de índole psicológica – como a falta de reflexão na hora de decidir pela compra de um bem. Do lado das soluções, normalmente, são citados programas de educação financeira e consumo consciente, mas também medidas para a ampliação das políticas de renegociação de dívidas.

Sejam quais forem as origens ou as soluções, fato é que muitas das situações que envolvem o superendividamento batem às portas do Poder Judiciário, especialmente enquanto não há uma legislação específica para o problema no Brasil. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já precisou se debruçar sobre várias questões importantes nesse tema, como a possibilidade de comprometimento da renda de subsistência por dívidas e a situação de vulnerabilidade dos consumidores idosos.

 


Limitação de d​​esconto

No REsp 1.584.501, a Terceira Turma analisou a possibilidade de manutenção de desconto de empréstimo consignado cuja parcela representava quase a totalidade dos rendimentos do devedor. O recurso especial foi interposto pela instituição financeira depois do julgamento procedente da ação revisional em primeira e segunda instâncias.

O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, destacou que o fenômeno do superendividamento tem sido uma preocupação do direito do consumidor em todo o mundo, decorrente da imensa facilidade de acesso ao crédito atualmente.

Segundo o ministro, alguns sistemas jurídicos já alcançaram soluções legislativas para resolver a situação, a exemplo do direito francês, cujo Código Civil prevê um período para que o devedor possa quitar suas obrigações – dependendo do caso, é possível obter um prazo de moratória de até dois anos. No Brasil, lembrou o relator, está em tramitação um projeto de lei (PL 3.515/2015) que dispõe sobre o superendividamento do consumidor e prevê medidas judiciais para garantir o mínimo existencial às pessoas endividadas.

Apesar da autonomia privada que regula as relações contratuais, o ministro Sanseverino ponderou que esse princípio não é absoluto, estando submetido a outros – em especial o princípio da dignidade da pessoa humana.

No caso dos autos, ele reforçou que havia risco evidente à subsistência do consumidor. Por isso, com base na jurisprudência do STJ, o relator entendeu ser o caso de limitar em 30% os descontos na conta-corrente utilizada para o recebimento do salário do devedor.


Débito em c​​onta

Já no REsp 1.586.910, a Quarta Turma analisou ação em que um policial militar questionava o débito, em sua conta bancária, de aproximadamente 50% de seus proventos, em decorrência de contrato de crédito para a quitação de dívidas anteriores. Segundo o cliente, esse desconto seria excessivo e estaria comprometendo valores que seriam utilizados para a subsistência da família. 

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que, embora o contrato de crédito tenha sido pactuado livremente pelo cliente com o banco, o valor da parcela cobrado em sua conta deveria ser limitado a 30% dos vencimentos líquidos, nos termos da Lei 10.820/2003. Para o TJSP, essa solução permitiria o pagamento do empréstimo, ainda que de forma mais dilatada, preservando a boa-fé do contrato e evitando o superendividamento.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator, explicou inicialmente que o caso dos autos não se enquadraria como consignação em folha de pagamento – modalidade em que é permitido, como regra, o desconto de até 30% do salário do funcionário público. Citando lições da doutrina, o ministro apontou que o percentual de 70% é aquele imaginado como o mínimo existencial – o mínimo para que o devedor possa viver de forma digna, sem cair no superendividamento.

O relator também ressaltou que, no âmbito do direito comparado, não é possível extrair experiência similar àquela gerada pela jurisprudência até então, em que havia a limitação da cobrança de prestação contratual em conta-corrente com o objetivo de evitar o superendividamento. 

"No Brasil, à míngua de novas disposições legais específicas, há procedimento, já previsto no ordenamento jurídico, para casos de superendividamento ou sobre-endividamento – do qual podem lançar mão os próprios devedores –, que é o da insolvência civil", afirmou o ministro.

Em seu voto, Salomão defendeu que, ao contrário do entendimento do TJSP, a limitação imposta com o objetivo de solucionar o superendividamento opera no sentido oposto, já que pode eternizar a obrigação de pagamento, levando à chamada amortização negativa do débito, com aumento mensal do saldo devedor.

"Outrossim, significa, a meu juízo, restrição à autonomia privada, pois, não sendo desconto forçoso em folha, não é recomendável estabelecer, estendendo indevidamente regra legal que não se subsume ao caso, limitação percentual às prestações contratuais, sob pena de dificultar o tráfego negocial e resultar em imposição de restrição a bens e serviços, justamente em prejuízo dos que têm menor renda", concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso do banco e julgar improcedente a ação.


Mil​​​itares

No caso dos militares, entretanto, a Primeira Turma considerou que o ordenamento jurídico atual permite o desconto de empréstimo consignado até o limite de 70% da remuneração.

De acordo com o ministro Sérgio Kukina, ao contrário do que foi estabelecido pela legislação em relação aos trabalhadores vinculados ao regime da CLT (Lei 10.820/2003) e aos servidores públicos civis (Lei 8.112/1990 e Decreto 6.386/2008), as normas aplicáveis aos militares – em especial a Medida Provisória 2.215/2001 – não fixaram um limite específico para empréstimos em folha de pagamento, prevendo somente que o integrante das Forças Armadas não poderá receber quantia inferior a 30% da remuneração ou dos proventos.

Dessa forma, apontou o ministro, o limite de descontos em folha do militar das Forças Armadas corresponde ao máximo de 70% da sua remuneração, aí incluídos os descontos obrigatórios (artigo 15 da MP 2.215/2001) e os descontos autorizados (artigo 16 da MP).

Além disso, o ministro lembrou que, nos termos do artigo 14 da MP, os descontos obrigatórios terão prioridade sobre os autorizados. "Isso significa dizer que a parcela da remuneração disponível para empréstimos consignados será aferida, em cada caso, após o abatimento dos descontos considerados obrigatórios, de modo que o militar das Forças Armadas não receba quantia inferior a 30% da sua remuneração ou proventos", concluiu (AREsp 1.386.648).


Idoso não ​​é tolo

Um público normalmente relacionado ao superendividamento é o dos idosos, os quais, muitas vezes, são atraídos por condições mais vantajosas para a obtenção de crédito e, na falta de planejamento financeiro adequado, podem ser levados ao descontrole das dívidas.

Essa situação foi discutida no REsp 1.358.057, que teve origem em ação civil pública na qual o Ministério Público Federal (MPF) buscava a anulação de contrato de cartão de crédito sênior oferecido por um banco. Segundo o MPF, o cartão – direcionado a aposentados e pensionistas – permitia o débito automático do valor mínimo da fatura, de forma que o saldo remanescente, se não fosse pago no vencimento, ficava sujeito a encargos que chegavam a 11% ao mês.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) considerou que o sistema adotado pelo cartão sênior causava dúvidas ao consumidor idoso e favorecia o superendividamento. Para o TRF4, os idosos, categoria hipervulnerável de consumidores, teriam discernimento menor do que a população em geral.

Relator do recurso especial do banco, o ministro Moura Ribeiro entendeu não ser possível presumir, de forma geral e abstrata, que todos os idosos sejam intelectualmente débeis e, por isso, vítimas fáceis da estratégia de contratação da instituição financeira. Nesse sentido, o relator apontou que o eventual superendividamento de algum consumidor deveria ser analisado em processo individual, e não em ação coletiva.

Negar a aposentados e pensionistas a possibilidade de contratar um cartão de crédito com as características do cartão sênior, em vez de promover igualdade, acaba por cercear, de forma indevida, a liberdade contratual que lhes deveria ser preservada – declarou o ministro ao restabelecer a sentença que julgou improcedente a ação civil pública.


Idad​​​e-limite

Também a respeito do consumidor mais idoso, no REsp 1.783.731, a Terceira Turma analisou ação civil pública promovida pelo MPF contra a Caixa Econômica Federal (CEF) em razão da política adotada pela instituição financeira de restringir a contratação de empréstimos consignados para pessoas cuja idade, somada com o prazo do contrato, ultrapasse 80 anos.

Em sua defesa, a CEF alegou, entre outros pontos, que o objetivo dessa cautela na contratação era evitar o superendividamento dos consumidores idosos. Além disso, a instituição citou estudos que apontavam a fragilidade de alguns idosos diante de pressões familiares para a obtenção de empréstimos.

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, explicou que a adoção do critério etário para distinguir o tratamento da população em geral é válida quando é adequadamente justificada e fundamentada no ordenamento jurídico, avaliando-se sua razoabilidade diante dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

Como exemplo, a ministra citou a obrigatoriedade do regime de separação de bens no casamento da pessoa maior de 70 anos, prevista pelo artigo 1.641 do Código Civil.

"No particular, isso quer dizer que não constitui causa da discriminação etária o fator negativo (abusivo) de desrespeito à pessoa por sua simples condição de idosa, mas o reconhecimento de outros fatores justificáveis e razoáveis da limitação ao crédito perante o mercado em geral", disse a ministra ao manter a improcedência da ação civil pública.


Cadastro de​​​ passagem

No REsp 1.726.270, o tema do superendividamento foi analisado pela Terceira Turma ao julgar a validade do chamado "cadastro de passagem" ou "cadastro de consultas anteriores", banco de dados em que comerciantes registravam consultas feitas sobre o histórico de crédito de consumidores com quem tivessem realizado tratativas ou dos quais houvessem solicitado informações gerais sobre condições de financiamento ou crediário.

Segundo o Ministério Público da Bahia – autor da ação civil pública contra a Câmara de Dirigentes Lojistas de Salvador –, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) permite a formação de bancos de dados de consumidores, mas apenas com informações limitadas e objetivas sobre a pessoa a quem se destina o crédito.

Para o MP, os cadastros de passagem não se enquadrariam nesses parâmetros, por permitirem a reunião de dados com alta carga de subjetividade, já que não estariam vinculados, necessariamente, à análise de risco do crédito ao consumidor.

Entretanto, no voto que foi acompanhado pela maioria da turma, o ministro Villas Bôas Cueva entendeu que os bancos de dados desse tipo constituem uma ferramenta importante para a prevenção de práticas fraudulentas.

Segundo o ministro, o cadastro "permite que, a partir da constatação de inusitada mudança no comportamento recente do titular do CPF ou CNPJ consultado, o fornecedor solicite deste acurada comprovação de sua identificação pessoal ou proceda com maior cautela ao verificar potencial situação de superendividamento".

Por isso, o ministro entendeu que o cadastro de passagem é um banco de dados de natureza neutra, que, por isso, está subordinado – como qualquer outro cadastro de consumo – às exigências previstas pelo artigo 43 do CDC.

No caso dos autos, apesar de apontar que a mantenedora do cadastro de passagem não providenciou a comunicação prévia aos consumidores que tiveram seus dados incluídos no banco – o que obriga a responsável a se abster de divulgar essas informações –, o ministro Cueva concluiu que não seria o caso de estabelecer condenação a título de danos morais coletivos, porque não ficou demonstrado que a ilegalidade tenha produzido "sofrimentos, intranquilidade social ou alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva".


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 1584501REsp 1586910AREsp 1386648REsp 1358057REsp 1783731REsp 1726270      

STJ: Dono de veículo apreendido por crime ambiental não tem o direito automático de ficar como depositário

Notícia divulgada pelo site do STJ, sobre análise de Recurso Repetitivo - Tema 1043. 

Link para acesso a publicação original (clique aqui)


Imagem da PRF realizando apreensão de madeira irregular. Fonte: Globo.com



A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recursos especiais repetitivos (Tema 1.043), estabeleceu a tese de que o proprietário do veículo apreendido em razão de transporte irregular de madeira não possui o direito subjetivo de ser nomeado fiel depositário do bem, cabendo à administração pública a adoção ​das providências previstas nos artigos 105 e 106 do Decreto 6.514/2008, conforme seu juízo de oportunidade e conveniência.

Com a fixação da tese, as ações com a mesma controvérsia que estavam suspensas em todo o país poderão ser resolvidas com base no precedente qualificado firmado pela seção.


Excepcionalidade


Em relação aos dispositivos do Decreto 6.514/2008, o ministro Campbell ressaltou que é no interesse da administração pública que o veículo apreendido, excepcionalmente, pode ser entregue em depósito a terceiro.

Segundo o relator, a "ordem natural das coisas" é que, tendo havido a infração ambiental, o infrator perca o seu produto e os instrumentos utilizados nessa prática (artigo 25 da Lei 9.605/1998) – os quais passarão, portanto, ao patrimônio do poder público. Este, porém, excepcionalmente, pode entregar a posse dos bens a um fiel depositário, até a conclusão do processo administrativo.

Assim, de acordo com o ministro, a cessão da posse do instrumento utilizado na infração ambiental é "uma faculdade da administração pública, por se tratar de um bem que, em tese, integrará o patrimônio do poder público, na medida em que tomado do particular infrator, e desde que confirmados os fatos em processo administrativo, de maneira que é essa potencialidade que deve orientar a preponderância dos interesses".


Esvaziamento

Mauro Campbell Marques apontou que o artigo 106 do decreto não determina quem deve ser o fiel depositário do bem, já que confere à administração pública a prerrogativa de escolher entre órgãos e entidades de caráter ambiental, beneficente ou científico, entre outros, além do próprio infrator, caso não haja risco de utilização em novos ilícitos.

Para o ministro, se fosse reconhecido o direito automático do infrator ao depósito, a administração ficaria privada dessa escolha; além disso, poderia haver o esvaziamento da norma de proteção ambiental, tendo em vista que a apreensão tem como finalidade não apenas interromper o crime, mas impedir que o instrumento seja utilizado em novo delito. 

"O sujeito que é pego transportando madeira de forma irregular, se permanece com o veículo utilizado na infração, pode muito bem utilizá-lo em conduta reincidente, daí que compete ao poder público avaliar se o bem fica consigo enquanto perdurar razoavelmente o processo administrativo, ou se o bem pode ir a depósito de terceiro, e de qual terceiro se trata, tudo isso devidamente fundamentado", declarou o relator.

Ele ponderou que o cidadão não pode ficar sujeito a eventuais abusos do poder público, como processos intermináveis ou uma indefinição muito longa sobre o próprio cometimento da infração. Entretanto, enfatizou que esse tipo de situação não se resolve com a entrega automática do bem ao eventual infrator, mas pelos meios adequados, como requerimentos administrativos ou até mesmo o pedido de intervenção do Judiciário. ​


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1805706REsp 1814947

Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

  Notícia originalmente publicada no site do STJ, em 09/11/2021. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em execução po...