segunda-feira, 27 de junho de 2011

Questão: matérias de ordem pública em sede de recurso extraordinário

Giselle Borges Alves
27.06.2011


É possível suscitar matérias de ordem pública em sede de recurso extraordinário, ainda que o tema não tenha sido ventilado em instâncias inferiores, nem mesmo tenha sido objeto deste recurso excepcional?

A questão proposta é controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência pátria. Os extremos vão desde a negativa total do conhecimento da matéria de ordem pública em virtude da ausência do requisito de prequestionamento, até a admissão da matéria não suscitada por medida de economia e efetividade processual independentemente da existência de outro requisito de admissibilidade.

Segundo o professor Humberto Theodoro Júnior, a arguição de relevância como mecanismo de filtragem do recurso extraordinário, advento da reforma proposta pela EC nº 45/2004, tem como objetivo controlar e reduzir o volume de recursos perante o STF que vinha comprometendo o desempenho desta Corte Constitucional.[1] Desta forma, a normatização constante dos artigos 543-A, 543-B do CPC e art. 102, §3º da CF/88 apresenta requisitos de admissibilidade para apreciação e julgamento do recurso extraordinário.

O que parece ter sido o intuito do legislador é deixar claro através deste dispositivo que o STF não irá mais exercer jurisdição sobre causas envolvendo simplesmente interesses individuais. Com o novo dispositivo, o Supremo deverá restringir seu julgamento àquelas causas que tenham o condão de produzir efeitos em uma série de outros processos cuja relação jurídica seja a mesma, uma vez que a relevância deverá ultrapassar os limites subjetivos da causa. Isto nada mais significa que a decisão poderá produzir efeitos em relação a quem não participa da relação processual. (SILVA, 2007).
Mas ao tratar de questões de ordem pública, ou seja, quando há supremacia do interesse público e não-incidência da preclusão, segundo Edward Carlyle Silva, ocorre o que a doutrina denominada de efeito translativo, comum nos recursos ordinários, mas que ainda suscita controvérsia nos recursos excepcionais. Pelo efeito translativo, determinadas questões chegam ao conhecimento do Tribunal mesmo sem alegação pelos sujeitos da relação processual. É exatamente este efeito que ocorre com relação às questões de ordem pública, uma vez que elas podem ser examinadas independentemente de menção anterior pela parte, por força do princípio inquisitório, contrariando o princípio da voluntariedade recursal.[2]

No âmbito do recurso extraordinário, por razão da existência do prequestionamento e da transcendência da matéria para que seja admitido o julgamento pelo STF, haja vista que a repercussão geral impõe que objetivamente as questões suscitadas tenham relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico[3] e que, sobretudo, ecoem para fora do processo[4], o efeito translativo deste recurso mesmo quando envolva questão de ordem pública causa polêmica na doutrina e jurisprudência pátria.

O professor Humberto Theodoro Júnior é enfático ao declarar que o recurso extraordinário possui apenas um efeito, o devolutivo e por força de lei:

A interposição e recebimento do recurso extraordinário gera efeitos de natureza apenas devolutiva, limitados à questão federal controvertida. Não fica a Suprema Corte investida de cognição quanto à matéria de fato, nem quanto a outras questões de direito não abrangidas pela impugnação do recorrente e pelos limites fixados pela Constituição para o âmbito do recurso.[5]
A posição deste doutrinador é a exclamada pela maioria da doutrina jurídica pátria[6], uma vez que por ser o recurso extraordinário uma espécie recursal excepcional, com regras expressamente delimitadas pela Constituição Federal, o prequestionamento é requisito indispensável, diante da “finalidade eminentemente política” nele contida, ou seja, “tutelar a integridade da lei magna federal”.[7]

Edward Carlyle Silva[8] discorda do posicionamento majoritário acima delineado quanto à inadmissibilidade do efeito translativo nos recursos excepcionais e afirma:

Mas isto não significa que apesar de ter sido interposto por um motivo, os Tribunais Superiores estejam proibidos de examinar os demais fundamentos porventura existentes. Por outras palavras. Se algum desses recursos (especial ou extraordinário) é interposto com base em alguma das causas de pedir anteriormente suscitadas e discutidas no processo e é admitido, quando do exame de seu mérito ocorrerá a ampla devolução de todas as questões que tenham sido suscitadas e discutidas anteriormente, independentemente do recorrente tê-las ou não alegado naqueles recursos.

Ao conhecer e passar ao julgamento do mérito do recurso, o Colendo STF ou o Egrégio STJ podem conhecer de ofício ou por provocação, de todas as matérias que podem ser alegadas a qualquer tempo (matérias de ordem pública) bem como daquelas que tenham sido suscitadas e discutidas anteriormente, mesmo que o Tribunal não as tenha julgado por inteiro (art. 515, §§ 1º e 2º do CPC). Na feliz expressão de Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha, admitido o recurso pelo fundamento alegado pelo recorrente, “... a jurisdição do tribunal superior é aberta”, podendo o Tribunal passar ao exame das questões de ordem pública, bem como daquelas que tenham sido suscitadas e discutidas anteriormente.
Diante de tais considerações é forçoso ressaltar que por força do caráter publicista do direito processual moderno, com primado no processo célere, efetivo e, por conseqüência, justo é necessário desmistificar posicionamentos extremos quanto ao tema.

O recurso extraordinário contém, por força de lei, matéria vinculativa e requisitos específicos, mas é também inegável que se houver questão de ordem pública (tal como a prescrição, por ser o exemplo mais corriqueiro em nossos Tribunais) e tendo conhecimento da questão, os eméritos julgadores não podem simplesmente negar a análise por ausência de prequestionamento. Por ser de conhecimento compulsório, a questão de ordem pública deve ser conhecida em qualquer instância ou tribunal. Mas não há aqui uma posição extremada, ao contrário. Sendo o recurso extraordinário de fundamentação vinculada, a questão de ordem pública só poderá ser conhecida pelo STF caso o recurso tenha passado com êxito pelo crivo do exame de admissibilidade por verificação de outro requisito. A fundamentação apenas na questão de ordem pública sem atender aos outros critérios objetivos de admissibilidade deve ser rejeitada, sob pena do STF perder o caráter de Corte constitucional. Vislumbra-se aqui uma posição intermediária para a busca da verdadeira justiça no caso concreto.

O rigorismo processual pode chegar a digressões insanáveis, que mesmo manejando a ação rescisória do julgado podem gerar o sentimento de insatisfação no jurisdicionado, uma vez que este não consegue vislumbrar a economia processual tão amplamente perquirida na atual fase do direito processual moderno, perpetuando um litígio que poderia ter sido resolvido nos autos principais.


Notas:
[1]THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 724-725.
[2]Neste sentido Edward Carlyle Silva (2007, p. 339), que cita os doutrinadores Nelson Nery Júnior e Luiz Guilherme Marinoni quanto à distinção dos efeitos devolutivo e translativo, identificando os princípios da voluntariedade e o princípio inquisitório recursal. Pelo primeiro a parte é quem decide se quer recorrer e qual o pedido que formulará em âmbito recursal; pelo segundo o juiz é instado a agir de ofício por força de lei ou pela manutenção dos interesses da coletividade que transcendem a causa.
[3]Disposição explícita do artigo 543-A §1º do CPC.

[4]THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 725.
[5]THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 727.
[6]De acordo com Carlyle Silva (p. 440) são partidários desta posição Eduardo Arruda Alvim e Nelson Nery Júnior. Em sentido contrário estão Rodolfo de Camargo Mancuso, Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha.

[7]Neste sentido Humberto Theodoro Júnior, p. 727.

[8]Carlyle Silva, p. 440.

Referências:
BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Vade Mecum Compacto. Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes (Colaboração). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

SILVA, Edward Carlyle. Direito processual civil. Niterói, RJ: Impetus, 2007.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

Texto elaborado para a Disciplina de Processo Civil nos Tribunais Superiores do curso de pósgraduação em Direito Processual Civil, Rede de Ensino Luís Flávio Gomes em parceria com a Universidade Anhanguera Uniderp - Campo Grande/MS e Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Turma 10. Ano 2010/2011.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Direito e Cooperativismo: STJ decide que Cooperativa não pode acionar em nome próprio direito de cooperados

As cooperativas não têm o poder de substituir seus cooperados em processos judiciais do interesse destes. Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o caráter da cooperativa, de sociedade simples, não lhe dá direitos similares aos de associações ou sindicatos.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, a “regra de ouro” da legitimidade para ingressar com ações judiciais é a de que o indivíduo não pode ser exposto a situação da qual não quer tomar parte, já que sofrerá as consequências da sentença. É o que prevê o Código de Processo Civil: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei” (artigo 6º).

A Cooperativa de Arroz de São Lourenço do Sul (RS) alega que tal poder era conferido pelo artigo 83 da Lei n. 5.764/71, que dispõe: “A entrega da produção do associado à sua cooperativa significa a outorga a esta de plenos poderes para a sua livre disposição, inclusive para gravá-la e dá-la em garantia de operações de crédito realizadas pela sociedade, salvo se, tendo em vista os usos e costumes relativos à comercialização de determinados produtos, sendo de interesse do produtor, os estatutos dispuserem de outro modo.”

Por isso, a cooperativa entende ter direito a agir como substituta processual de seus cooperados em ações que envolvem a comercialização dos produtos estocados em seus armazéns. Ela ingressou com ação na Justiça para discutir se os produtos comercializados pelo programa de preços mínimos do governo federal recebiam remuneração adequada ou se, por excluírem dos cálculos taxas de juros e custos de produção, os pagamentos acabavam por ficar abaixo do mínimo legal.

Conforme o voto do relator, a Lei n. 5.764/71, em seu artigo 4º, enquadra as cooperativas como sociedades de pessoas, tendo por característica a prestação de assistência aos associados. Assim, ponderou o ministro, “é possível que a cooperativa propicie a prestação de assistência jurídica aos seus cooperados – providência que em nada extrapola os objetivos das sociedades cooperativas”. Mas isso não significa que possa ajuizar ações coletivas, esclareceu.

Quanto ao artigo 83 da lei, o ministro Luis Felipe Salomão concluiu que nem mesmo em interpretação sistemática da lei seria permitido concluir que há autorização para a substituição processual pretendida pela cooperativa.


Fonte: STJ
Notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 901782
Data da publicação: 22.06.2011

terça-feira, 31 de maio de 2011

Questão processual hipotética: Agravo de Instrumento e Apelação Cível.

Giselle Borges Alves
Maio/2011.

Após a fase postulatória e a realização de perícia, o juiz profere sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, por considerar o réu parte ilegítima para figurar no pólo passivo. Contra a sentença, o autor interpõe recurso de apelação. O juiz de primeiro grau, com fundamento no artigo 518, §1º, do CPC, deixa de receber o recurso, sob o argumento de que a sentença está em conformidade com súmula do STJ, quanto à ilegitimidade passiva do réu. Pergunta-se:


a) Pode o Tribunal dar provimento ao agravo de instrumento ao argumento de que a súmula do STJ invocada na sentença não deve ser prestigiada?

Se o agravante comprovar fundamentadamente e convencer o relator ou os magistrados do órgão competente para julgamento do recurso de que a súmula evocada não é aplicável ao caso concreto, poderá ser dado provimento ao agravo para apreciação da apelação interposta. O entendimento extraído do §1º do artigo 557 do CPC não pode ser outro:

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
[...]
§1º. Da decisão caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. [...]
Notadamente é importante esclarecer que o entendimento sobre a questão das súmulas impeditivas de recursos e precedentes jurisprudenciais dominantes dos Tribunais Superiores deve ser visto com absoluta restrição para evitar injustiças. A busca por celeridade nos julgamentos não pode restringir o direito ao duplo grau de jurisdição e suprimir instâncias de apreciação de decisões. O relator do processo deve estar atento a todas as circunstâncias que envolvem a apreciação recursal e, principalmente, do caso concreto posto sob sua análise.

O não provimento de qualquer recurso por encontrar impedimento em súmulas e jurisprudências dos Tribunais Superiores não deve ser regra, mas exceção. A cautela na utilização é justamente para possibilitar uma maior cognição sob o processo, afinal o jurisdicionado espera uma decisão específica e fundamentada do Estado-juiz para a pacificação social do litígio.


b) Se for processada a apelação, é possível ao Tribunal julgar desde logo o mérito da causa, mesmo sem requerimento do autor? Em caso positivo, o julgamento poderá ser de improcedência do pedido ou isso representaria reformatio in pejus?

As questões suscitadas são controvertidas na doutrina jurídica pátria. Doutrinadores como Barbosa Moreira, Ada Pelegrini Grinover, Araújo Cintra, e Nelson Nery Júnior questionam a pronta apreciação do mérito processual em âmbito recursal em caso de sentenças terminativas por violar o princípio do duplo grau de jurisdição. Além deles, José Rogério Cruz e Tucci associa também violação ao princípio do contraditório[1]. Mas o espírito das reformas processuais dos últimos anos e aclamadas também por inúmeros outros doutrinadores, sob o prisma da busca pela celeridade e efetividade do processo, trouxe a possibilidade de análise do mérito em caso de apelação contra sentença terminativa.

Cândido Rangel Dinamarco [2] ressalta que o §3º do artigo 515 do Código de Processo Civil operou verdadeira revolução quanto à devolução do meritum causae em apelação contra sentença terminativa, pois manda que o tribunal vá além da pura reforma da decisão e julgue o mérito sempre que a instrução esteja completa e a causa madura para julgamento. Tal disposição, segundo o doutrinador, é reforçada também pelo §4º do mesmo dispositivo, que assegura que no caso de nulidade sanável o tribunal ordenará os atos necessários ao saneamento e julgará, não sendo necessário devolver os autos ao juízo de primeiro grau [3].

Sendo assim, conclui-se que a inovação trazida pela reforma é plenamente aceitável se, neste caso acima proposto, o processo estiver totalmente instruído ou se a perícia realizada for por si só apta a provar o alegado pelo autor. Não sendo necessária nenhuma outra diligência probatória, sim, pode ser julgado o mérito mesmo que não se trate de questão exclusivamente de direito, por economia processual.

Quanto a extensão do pedido recursal e o limite da devolução, o professor Cândido Rangel Dinamarco ressalta que o recorrente pode se abster de requerer no apelo – tanto por omissão como por explícita limitação - o julgamento do mérito, mas esta falta não vincula o tribunal:

[...] Mas, caso a caso, sentindo o tribunal que não há prova alguma a produzir e, portanto, não há qualquer direito à prova a ser preservado, ele estará autorizado a valer-se do que o novo parágrafo permite, sendo seu dever explicitar as razões desse entendimento (dever de motivação – Const., art. 93, inc. IX, e CPC, arts. 131 e 458, inc. II). Essa situação é muito provável, quando a sentença terminativa houver sido proferida depois de cumprido todo o procedimento em primeiro grau jurisdicional e, portanto, depois de encerradas todas as oportunidades instrutórias, sem que as partes tivessem mais qualquer coisa a fazer no processo, sejam em termos de provas, seja de alegações. Não há quebra do due process of law nem exclusão do contraditório, porque o julgamento feito pelo tribunal incidirá sobre o processo precisamente no ponto em que incidira a sentença do juiz inferior, sem privar as partes de qualquer oportunidade para alegar, provar ou argumentar – oportunidades que elas também já não teriam se o processo voltasse para ser sentenciado em primeiro grau jurisdicional. Mas é claro que, se ainda houver alguma dúvida quanto aos fatos relevantes para o julgamento e as oportunidades probatórias do processo não estiverem exauridas, o julgamento do mérito pelo tribunal é inadmissível e o feito deve ser restituído à instância de origem, para que prossiga.
Uma vez admitido o julgamento imediato do processo pelo Tribunal, não há que se questionar reformatio in pejus em caso de improcedência do pedido, pois se o pedido não foi apreciado em primeira instância, poderá o órgão julgador agora proferir sentença em desfavor do apelante. Este é o preço que o apelante sabe que poderá pagar ao ter seu apelo analisado pelo tribunal em nome do desejável processo célere e efetivo.

[...] Torna-se porém ao que vem sendo dito: o julgamento de meritis que o tribunal fizer nessa oportunidade será o mesmo que faria se houvesse mandado o processo de volta ao primeiro grau, lá ele recebesse sentença, o autor apelasse contra esta e ele, tribunal, afinal voltasse a julgar o mérito. [...]
Por outro lado, se agora as regras são essas e são conhecidas de todo operador do direito, o autor que apelar contra a sentença terminativa fá-lo-á com a consciência do risco que corre; não há infração à garantia constitucional do due process porque as regras do jogo são claras e isso é fator de segurança das partes capaz de evitar surpresas. (DINAMARCO, 2009, p. 180-181).
Conclui-se, portanto, que é plenamente aceitável o julgamento do mérito sem requerimento do autor e em caso de improcedência não há que se questionar reformatio in pejus. No primeiro caso não existe supressão de instância; no segundo o processo nem sequer teve seu mérito analisado em instância inferior. Em ambos os casos tais medidas seguem o espírito das reformas processuais sem deixar de respeitar o princípio do contraditório.


Notas:
[1]Ver Cândido Rangel Dinamarco, “O efeito devolutivo da apelação e de outros recursos” na obra Nova Era do Processo Civil, 2009, p. 163-186.

[2] Dinamarco, Cândido Rangel (2009, p. 131).

[3] A norma contida no Artigo 515 do CPC é clara:
“Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§1° Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.
[...]
§3°. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condição de imediato julgamento.”

[4] Dinamarco (2009, p. 178-179)


Referências:

BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Vade Mecum Compacto. Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes (Colaboração). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.



Atividade elaborada para a Disciplina de Recursos e Meios de Impugnação do curso de pósgraduação em Direito Processual Civil, Rede de Ensino Luís Flávio Gomes, Universidade Anhanguera Uniderp - Campo Grande/MS e Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Turma 10. Ano 2010/2011.

Jurídico-pensamentos



"Todas as opiniões, que monopolizam o poder, excluindo o debate, valem a mesma coisa, ou se simbolizem no chapéu de Gessler, ou no barrete frígio. O interesse do país não está em ser governado consoante a fórmula deste ou daquele sistema, senão sim em ser bem governado; e os governos bons são os temperados e fiscalizados pela discussão." (Obras Completas de Rui Barbosa, V. 23, t. 1, 1896. p. 12 )

(((())))

"Direito - Oh ! bela carreira ! bela carreira, que exige quase meio século de estudo para se ficar sabendo alguma coisa dos seus mistérios !..." (Aluísio Azevedo)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Segunda instância pode impedir subida do agravo aplicando a regra dos recursos repetitivos.


Não cabe agravo de instrumento contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base na Lei dos Recursos Repetitivos. O entendimento é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar questão de ordem levantada pelo ministro Cesar Asfor Rocha em processo envolvendo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra e algumas empresas.
No caso, a Cosan S.A Indústria e Comércio e outra interpuseram agravo de instrumento contra decisão na qual a vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) não admitiu o recurso especial “pela alegação de violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil e, no que se refere às demais alegações, considerando estar a decisão proferida em consonância com o entendimento consolidado na Corte Superior, nos termos do artigo 543-C, parágrafo 7º, inciso I, do CPC”.
No agravo, as empresas alegam que a vice-presidente invadiu a jurisdição do STJ, “adentrando ao mérito do recurso”. Quanto ao artigo 543-C, do CPC, elas indicam precedentes antigos do Tribunal, publicados em 2004, que decidiram favoravelmente à revogação das contribuições para o Funrural e para o Incra após a edição das Leis n. 7.787/1989 e 8.212/1991.
Em seu voto, o ministro Cesar Rocha destacou que a edição da Lei n. 11.672/2008, que modificou o referido artigo do CPC, decorreu da explosão de processos repetidos junto ao STJ, ensejando centenas e, conforme matéria, milhares de julgados idênticos, mesmo após a questão jurídica já estar pacificada.

Para o ministro, criado o mecanismo legal para acabar com inúmeros julgamentos desnecessários e inviabilizadores de atividade jurisdicional ágil e com qualidade, os objetivos da lei devem, então, ser seguidos também no momento de interpretação dos dispositivos por ela inseridos no CPC e a ela vinculados, sob pena de tornar o esforço legislativo totalmente inócuo e de eternizar a insatisfação das pessoas que buscam o Poder Judiciário com esperança de uma justiça rápida.

Assim, o ministro Cesar Rocha afirmou que a norma do artigo 544 do CPC, editada em outro momento do Poder Judiciário, deve ser interpretada restritivamente, incidindo, apenas, nos casos para os quais o agravo de instrumento respectivo foi criado, ou seja, nas hipóteses em que o órgão judicante do Tribunal de origem tenha apreciado efetivamente os requisitos de admissibilidade do recurso especial.

Usurpação de competência

Em sua decisão, o ministro também analisou se o tribunal de segundo grau, através de seu órgão competente, pode impedir a subida do agravo de instrumento aplicando a regra do artigo 543-C do CPC.

“Penso que sim, anotando, desde logo, que tal decisão, obstando o prosseguimento do agravo, não representa, em princípio, usurpação da competência da Corte. Isso por se tratar de recurso absolutamente incabível, não previsto em lei para a hipótese em debate e, portanto, não inserido na competência do STJ. Da mesma forma, manter a possibilidade de subida do agravo para esta Corte implica viabilizar a eternização do feito, obstaculizando o trânsito em julgado da sentença ou acórdão e lotando novamente esta Corte de recurso inúteis e protelatórios, o que não se coaduna com o objetivo da Lei n. 11.672/08”, afirmou o ministro.


Fonte: STJ
Data da Publicação: 18.05.2011.
A notícia refere-se ao processo: Ag 1154599.

terça-feira, 10 de maio de 2011

STJ: "Município não é obrigado a conceder licença-maternidade de seis meses"




A prorrogação do prazo da licença-maternidade por 60 dias prevista na Lei n. 11.770/2008 não é obrigatória na Administração Pública direta, indireta ou fundacional. A lei apenas autoriza o benefício. Esse é o entendimento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A tese foi discutida no julgamento de um recurso especial interposto por uma servidora do município de Belo Horizonte. Ela contestou decisão judicial do estado de Minas Gerais que lhe negou o pedido de prorrogação de sua licença-maternidade. Os magistrados entenderam que a lei que instituiu o Programa Empresa Cidadã permite a ampliação da licença mediante concessão de incentivo fiscal à empresa que adere ao programa, não sendo autoaplicável aos entes públicos.

O artigo 2º da Lei n. 11.770/08 afirma que a administração pública é autorizada a instituir o programa. A defesa da servidora alegou que o termo “autorizada” contido nesse artigo não significa mera faculdade da Administração, tratando-se de norma de natureza cogente, ou seja, racionalmente necessária. Argumentou também que a lei é de aplicação imediata, independentemente da existência de legislação municipal.

O relator do recurso, ministro Arnaldo Esteves Lima, ressaltou que não há regra de hermenêutica ou de interpretação jurídica que permita considerar como norma cogente a autorização prevista no referido artigo. Além disso, o ministro ressaltou que o argumento da servidora é inaceitável à luz da autonomia administrativa reservada pela Constituição Federal a cada um dos entes da Federação, que têm direito de estabelecer os respectivos regimes jurídicos aplicáveis a seus servidores públicos.

Acompanhando o voto do relator, todos os ministros da Primeira Turma negaram provimento ao recurso.

Publicação: 10.05.2011
Processo Referência: REsp 1245651.

terça-feira, 29 de março de 2011

O Direito Processual Civil Brasileiro e a Possibilidade de Fracionamento do Mérito - análise de alguns reflexos práticos.

29.03.2011

Giselle Borges Alves


O direito processual civil brasileiro não possui disposição expressa quanto a possibilidade de fracionamento do mérito processual e, consequentemente, as sentenças parciais de mérito também não possuem regramento. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, o Código de Processo Civil não abre possibilidade de cisão do julgamento de mérito, sustentando que os artigos 458 e 459 devem ser interpretados conjuntamente, ou seja: “é na sentença que se concentram o exame e o pronunciamento do juiz acerca de todos os pontos relevantes para a procedência ou improcedência da demanda.”[1]

Em análise aos dispositivos citados pelo doutrinador percebemos que é na sentença que o juiz deverá tratar de todas as matérias atinentes ao processo (questões de fato e de direito, conforme o artigo 458, inciso II do CPC), resultado do princípio da concentração da decisão, que segundo Dinamarco foi sustentado por Liebman, e o mesmo só comporta exceções se forem legalmente previstas.

De acordo com a dicção processual civil brasileira, contida no artigo 162 do Código de Processo Civil, é admitido apenas três tipos de atos decisórios do juiz: despacho, decisões interlocutórias e sentenças. Desta forma não existe previsão legal para que o juiz profira decisões parciais de mérito no curso do processo. Qualquer adiantamento decisório é tido como decisão interlocutória, cuja finalidade é resolver questões incidentes (§ 2º, art. 162, CPC).

Importante ressaltar a consideração feita pelo professor Humberto Theodoro Júnior, quanto às decisões interlocutórias, que ajudarão a elucidar a controvérsia sobre as sentenças parciais:

Por deturpação do direito germânico, acolhida pelo direito canônico e intermédio, adotou-se o conceito de sentença interlocutória para alguns pronunciamentos que, sem julgar o mérito da causa, solucionavam, contudo, questões outras surgidas durante a tramitação do processo, visando a preparar a sentença final, como, por exemplo, as relacionadas com o ônus da prova, com a tempestividade da defesa, o cabimento de uma prova especial etc.

Chiovenda demonstrou a impropriedade da expressão sentença interlocutória, pois em seu significado próprio, sentença tem por objetivo o resultado final do processo, enquanto interlocução é apenas o meio de preparar a solução última do feito.

Procurando fugir desta lúcida crítica, o Código adotou a denominação “decisão interlocutória” para caracterizar as deliberações que solucionam questões incidentes no curso do processo, distinguindo-as dos simples “despachos”, dos quais o juiz se serve quando apenas tem que dar andamento ao processo, em sua trajetória normal rumo à sentença. (THEODORO JÚNIOR, 2008).

Em análise ao surgimento do termo decisão interlocutória é possível observar que se a mesma avança diretamente sobre o meritum causae, deturpa o instituto e o transforma em sentença de mérito no curso do processo. Exemplificando, o doutrinador Cândido Rangel Dinamarco analisa notadamente a prescrição como defesa de mérito[2]. Se a prescrição arguida for negada pelo demandante, estamos diante de um ponto controvertido, conforme definido por Carnelutti, portanto, uma vez decidida a controvérsia no curso do processo, a decisão interlocutória está apta a ser definida como questão de mérito, pois influencia diretamente sobre o pedido do autor.

No sistema de direito processual positivo brasileiro, antecipar o pronunciamento sobre essa causa extintiva, fazendo-o mediante uma decisão interlocutória e postergando o exame das demais questões de meritis e conclusão pela procedência ou improcedência, significa romper a unidade sentencial, afrontar o princípio da concentração da sentença e transgredir o disposto nos artigos 458 e 459 do Código de Processo Civil. Todas as questões de mérito devem ser julgadas de uma vez só, e sempre na sentença. (DINAMARCO, 2009).

 
Ao admitir as sentenças parciais de mérito o sistema processual deverá também prever os efeitos desta possibilidade, o primeiro deles é a relativização do princípio da concentração dos atos decisórios na sentença. Com este, dois outros efeitos da sentença, definidos por Humberto Theodoro Júnior também caem por terra, o primeiro é o principal efeito formal da sentença definitiva que é por fim a função do julgador no processo e o segundo é a entrega da prestação jurisdicional, que só ocorre na última decisão passada em julgado, conforme lições de Pontes de Miranda e José Frederico Marques, destacada pelo eminente doutrinador mineiro[3].

Uma das controvérsias acerca da possibilidade de uma sentença parcial no curso do processo é saber qual o recurso cabível contra a decisão. Não encerrando o processo cognitivo judicial, uma vez que ocorre a decisão de apenas parte do mérito, seria cabível apelação ou agravo de instrumento? Rodrigo Lessa Vieira[4], citando os doutrinadores Daniel Mitidiero e José Maria Tesheiner, afirma que o primeiro admite a impugnação desta sentença por agravo de instrumento, mas com substância de apelação; para o segundo o recurso cabível é a apelação, mas que esta deveria ser processada de maneira autônoma, constituindo, portanto, verdadeira “apelação por instrumento”.

Cândido Rangel Dinamarco destaca também que uma vez admitida as decisões interlocutórias de mérito – que conforme explicitado, nada mais são que sentenças parciais – estas são passíveis de coisa julgada e, portanto, é necessário considerar inclusive a possibilidade de uma ação rescisória[5].

Desta forma, considerar a possibilidade de sentenças parciais de mérito que inicialmente poderiam ir de encontro com o espírito das atuais reformas processuais, que primam pela efetividade e celeridade processual para a real satisfação das pretensões dos litigantes, poderia ter efeito reverso ao esperado. Ao desfragmentar uma decisão de mérito deve ser dada à parte prejudicada a oportunidade de defesa e, desta forma, o que deveria tornar o provimento célere poderá cercear ainda mais a satisfação da pretensão da parte quanto ao pleito.

A concessão das tutelas antecipadas ainda é o melhor provimento para a real satisfação das pretensões urgentes da parte, pois não ensejam coisa julgada e são passíveis de revogação diante de qualquer modificação da situação do beneficiário. Consequentemente, as decisões interlocutórias não devem jamais adentrar ao mérito sob pena de termos um julgamento antecipado da lide sem o conhecimento profundo de questões que podem surgir no decorrer do processo. Desta forma, por absoluta segurança jurídica, estas inovações devem ser vistas com cuidado.


Referencias:

BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Vade Mecum Compacto. Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes (Colaboração). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

VIEIRA, Rodrigo Lessa. O cabimento da sentença parcial de mérito após a Lei nº 11.232/05. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2371, 28 dez. 2009. Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2011.

Notas:
[1] DINAMARCO, Cândido Rangel (2009, p. 284).
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel (2009, p. 285-286).
[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto (2008, p. 595).
[4] VIEIRA, Rodrigo Lessa (2009).
[5] Neste sentido Cândido Rangel Dinamarco (2009, p. 290-291).

Texto elaborado como atividade obrigatória da disciplina Prova, Sentença e Coisa Julgada, para aulas da pós-graduação em Direito Processual Civil da Rede de Ensino Luis Flávio Gomes, em parceria com o IBDP e a Universidade Anhanguera Uniderp - Campo Grande/MS.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Esquema prático de estudo: Intervenção de Terceiros, Assistência e Oposição

 Por Giselle Borges Alves

Seguem perguntas e respostas acerca dos referidos institutos.


1) O QUE É INTERVENÇÃO DE TERCEIROS E QUAIS AS SUAS FORMAS E ESPÉCIES?

Ocorre intervenção de terceiros quando há o ingresso de alguém em processo alheio que esteja pendente. Poderá ocorrer por razões diversificadas, e por meio de poderes que são atribuídos a terceiros. Sendo importante ressaltar que só se justifica a intervenção de terceiros quando a sua esfera jurídica puder, de alguma maneira, ser atingida pela decisão judicial.

São FORMAS de intervenção de terceiros:

- OPOSIÇÃO: é aquela em que o terceiro tem a mesma pretensão que as partes, mas que o bem ou o interesse deve ser atribuído a ele, o opoente, e não as partes; tem natureza jurídica de ação; podendo ser interventiva (não há formação de novo processo, mas existem duas ações) ou autônoma (que enseja formação de novo processo, embora distribuído por dependência no mesmo juízo do originário), sendo que esta última não é classificada como intervenção de terceiro, pois a demanda corre em processo distinto.

- DENUNCIAÇÃO DA LIDE: é aquela em que se formula, em face de terceiro, uma postulação de exercício de direito de regresso; tem natureza jurídica de ação; não pode ser declarada de ofício deve ser requerida pelo autor ou pelo réu, que alegam ter o direito de regresso em face de terceiro, e querem exercê-lo no mesmo processo; não pode ser recusada pelo terceiro.

- NOMEAÇÃO À AUTORIA: a intervenção é provocada pelas partes, que, por várias razões, postulam que terceiro seja compelido a participar (intervenção provocada); consiste em pedido formulado pelo réu, que se declara parte ilegítima, para ser substituído no pólo passivo pelo verdadeiro legitimado; única forma de intervenção que se acolhida implica em saída de uma das partes originárias do processo e a substituição por outra. O terceiro tem a possibilidade de recusá-la, mas pode ser compelido a ressarcir os danos que o causar, se o fizer indevidamente; por esta forma há uma alteração do pólo passivo, mas não se modifica a pretensão formulada.

- CHAMAMENTO AO PROCESSO: é forma de intervenção de terceiros provocada, pela qual se atribui ao réu possibilidade de chamar ao processo os outros devedores, para que ocupem também a posição de réus, sendo todos condenados na mesma sentença, em caso de procedência; não pode ser recusado; não há uma nova pretensão e nem se ampliam os objetivos da demanda; só decorre de fiança ou solidariedade; o chamamento é facultativo, se não o fizer, o réu não perderá o direito de cobrar em ação autônoma; importante ressaltar que o autor não pode impedir que o réu faça o chamamento ao processo.

- ASSISTÊNCIA: aquele que intervêm no processo, o faz apenas para auxiliar uma das partes a obter o resultado favorável; é dividida em assistência simples (onde o terceiro tem interesse jurídico de que a sentença seja favorável à parte assistida) e assistência litisconsorcial (onde a relação jurídica é entre o terceiro – assistente – e o adversário do assistido; possui o assistente, neste caso os mesmos poderes de um litisconsorte).

- RECURSO DE TERCEIRO PREJUDICADO: é intervenção feita, quando terceiro está sendo diretamente prejudicado; o direito positivo confere a eles a possibilidade de intervenção toda vez que a sua situação jurídica vier ser afeta por decisão judicial.


São ESPÉCIES de intervenção de terceiros:

- VOLUNTÁRIA: por ato de vontade do próprio terceiro. Ex.: Assistência.

- FORÇADA: o ingresso de terceiro é provocado por uma das partes. Ex. Denunciação da lide.



2) O QUE SÃO OS INSTITUTOS DA ASSISTÊNCIA E DA OPOSIÇÃO?

A assistência é uma forma de intervenção “ad coadouvandum”, ou seja, para prestar auxílio, em que um terceiro (assistente) ingressa na relação processual com o fim de auxiliar uma das partes originárias (assistidos).

A oposição, descrita no art. 56 do CPC, é uma forma de intervenção de terceiros “ad excludendum”, ou seja, em que o opoente, terceiro em relação à demanda originária, vai a juízo manifestar sua pretensão de ver reconhecido o seu direito, que está sendo discutido entre o autor e o réu.

É importante ressaltar que não cabe oposição em processo de execução ou cautelar, sendo própria do processo de conhecimento e dentro do procedimento ordinário, ou especial que se converta em ordinário após a citação. Não é cabível em processos de procedimento sumário (art. 280 , CPC).

A principal diferença entre os institutos da ASSISTÊNCIA e da OPOSIÇÃO é que, neste o terceiro age em oposição ao que declaram ambas as partes, para ver reconhecido o seu direito, que estava sendo discutidos entre autor e réu; já em relação àquele, o terceiro atua ao lado de uma das partes como auxiliar, devido ao interesse jurídico que possui com relação ao resultado do processo.



Referencia bibliográfica:

GONÇALVES, M.V.R. Novo curso de direito processual civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1.

Esquema prático de estudo: Litisconsórcio – conceito e classificação

 Por Giselle Borges Alves

Segue um resumo simples e prático para estudo sobre o instituto.

Conceito

Litisconsórcio “é um fenômeno que ocorre quando duas ou mais pessoas figuram como autoras ou rés no processo”. No litisconsórcio não há uma multiplicidade de processos, mas um processo com mais de um autor ou réu, cuja formação se justifica pela existência de uma inter-relação entre as situações jurídicas, onde todas os litisconsortes são partes iguais e têm iguais direitos e portanto deve ser garantido a harmonia dos julgados evitando decisões conflitantes. (GONÇALVES, 2005, p. 141)

Classificações

a) Quanto à posição:

-ATIVO: pluralidade de autores;

-PASSIVO: pluralidade de réus;

-MISTO OU BILATERAL: pluralidade em ambas as partes (autores e réus).

b) Quanto ao motivo:

- NECESSÁRIO: é aquele que possui formação obrigatória, sob pena de o processo não prosseguir. Ocorre quando houver lei determinando sua formação (exemplo: ação de usucapião – art.942 CPC); ou quando a natureza da relação jurídica for tal que o juiz tenha que decidir a lide de modo uniforme para todas as partes (o casamento, por exemplo).

- FACULTATIVO: aquele que a sua formação não é obrigatória (opcional). Em regra, a decisão incumbe ao autor, pois é ele quem apresenta a demanda e indica quem são as partes (art. 46 CPC).

c) Quanto ao regime de tratamento:

- UNITÁRIO: é quando a relação jurídica de direito material é idêntica e o juiz deve decidir o litígio de forma igual para todos. Segundo Gonçalves (2005), em regra o litisconsórcio unitário também é necessário, pois a relação é única e incindível, a decisão afetará a todos, sendo necessário que todos participem do processo. Mas existem exceções, quando a relação jurídica una e incindível, puder ser postulada em juízo por apenas um. Exemplo: condomínio.

- SIMPLES: “é aquele em que, ao proferir o julgamento, não esta o juiz obrigado a decidir de maneira uniforme para todos” (Gonçalves, 2005, p.152). O juiz não tem essa obrigatoriedade porque o objeto da demanda não é constituída por uma relação jurídica incindível, mas por várias relações jurídicas; é regido pelo art. 48 CPC.

d) Quanto ao momento de formação:

- INICIAL: o litisconsórcio é formado no início do processo por vontade do autor, no momento do ajuizamento da ação.

- INCIDENTAL: o litisconsórcio é formado após a instauração do processo, no decorrer do mesmo.


Referência:

GONÇALVES, M.V.R. Novo curso de direito processual civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Salário: uma abordagem interessante.




Existem certos magistrados que conseguem transformar sentenças e acórdãos em decisões que deveriam ganhar mais destaque, não pela amplitude da causa, mas pela maneira como escrevem. O lirismo pode encantar.

Ao realizar uma pesquisa de jurisprudência encontrei uma ementa do Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault, magistrado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, com publicação datada de 23 de fevereiro de 2008, onde ele explica com absoluta clareza e sem apelar para o juridiquês desmedido, as características do salário, uma das matérias da disciplina de direito do trabalho que muito pouco é observada pelos acadêmicos, talvez por ser tão corriqueira e associada ao nosso cotidiano.

Mas de uma maneira peculiar o Desembargador trata de todas as características e espécies de pagamento, de uma maneira tão fácil de ser interpretada que qualquer pessoa pode e deve conhecer. Desta forma, transcrevo a ementa:



SALÁRIO, O QUE É? O QUE É SALÁRIO? DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL - ISONOMIA CONSTITUIÇÃO E CLT MAIS AO SABOR DAS RUAS DO QUE DAS ACADEMIAS - CONJUGAÇÃO DE VALORES INCLUSIVOS POR INTERMÉDIO DE CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE. Em certa ocasião, Fernando Sabino disse, mais ou menos, o seguinte: "o gato não cabe na palavra gato". Assim se expressou, talvez, porque, segundo a lenda, o gato tenha sete vidas. Talvez, por outra razão qualquer, que não percebi. Parafraseando, sem juridiquês, o grande escritor mineiro, um dos quatro cavaleiros do apocalipse, não é exagero dizer, à luz do art. 457, parágrafo primeiro, c/c o art. 458, ambos da CLT, que o salário também não cabe na palavra salário. Talvez, porque o salário possua múltiplas, infinitas faces, algumas parcialmente ocultas. Talvez, porque, na sua dimensão social, o salário seja a fonte de subsistência do empregado e de sua família. Por conseguinte, atribuir-lhe tratamento restritivo é como que retirar-lhe algumas de suas vidas, como que colocar o véu sobre algumas de suas faces. De qualquer maneira, pode-se conceituar o salário como a importância fixa estipulada, devida e paga, em dinheiro, diretamente ao empregado pela empregadora, como contraprestação do serviço. Por extensão conceitual, por sua vis attractiva, além do pagamento em dinheiro, à exceção de bebidas alcoólicas e de drogas nocivas, assim como dos benefícios capitulados nos incisos I a VI do art. 458 da CLT, constituem também salário, vale dizer, são salário todas as demais prestações, em pecúnia ou in natura, que, por força do contrato ou do costume, for fornecido habitualmente, pela empregadora, ao empregado. Assim, o legislador, por via transversa, atribuiu também sete vidas ao salário: não basta a sua morte transfigurada. Por outras palavras: a forma não lhe desnatura a essência. Por outro lado, a isonomia salarial está disciplinada pelo art. 7o., inciso XXX, da Constituição Federal, que, independentemente, da estrutura da CLT (em certos pontos muito minudente, forjada que foi, consciente ou inconscientemente, no taylorismo/fordismo, e, por essa razão, um pouco enferrujada), deve sempre ser interpretada como uma Constituição que constrói, que constitui, mais ao sabor das ruas, de onde vieram os seus ecos, do que das academias. De conseguinte, ela deve ser naturalmente dirigente, reflexiva e inclusiva, até mesmo por força do disposto da maneira a mais clara, a mais direta, a mais concisa e a mais enxuta possível, pelos diversos incisos do art. 3o., que traçam os objetivos fundamentais da República. Por inversão de raciocínio, pode-se afirmar que os representantes do povo brasileiro, quiseram uma Constituição não ofuscada (pela legislação inferior), não irreflexiva, não excludente. Logo, o interprete não possui o poder de alterar o seu curso, que foi traçado pela perenidade de seus fundamentos, seus objetivos, seus princípios e suas normas definidoras do núcleo básico de direitos fundamentais. Se o Direito, em si e por si, em todos os seus estamentos, inclusive quanto aos princípios, é visceralmente finalístico, o que dizer então das normas que constituem os seus objetivos (fins) fundamentais? Não é exagero, nem truísmo, afirmar que a isonomia constitui, simultaneamente, um direito de primeira, de segunda, de terceira, de quarta e tantas outras gerações ou dimensões, que surgirem. Até mesmo no idioma vernáculo, isonomia significa igualdade, que, por razões óbvias, só pode ser igualdade real, cujo espírito e corpo estão claríssimos na dicção do art. 7o., inciso XXX, da CF, que proíbe a diferença de salário, em dinheiro ou em utilidade, sem um motivo justificável. Discriminar é estabelecer diferenças injustificadas. É tratar iguais, desigualmente. No campo contratual-trabalhista, o fornecimento de automóvel, utilidade-necessidade nos dias atuais, é um bem que vale e custa dinheiro, possuindo, portanto, o seu fornecimento caráter oneroso, pelo que a sua natureza é, em regra, salarial. Se os gerentes gerais usufruem desse benefício, cabe à empresa apontar e comprovar uma razão justificável para a sua não concessão a determinado gerente geral, sob pena de deferimento da isonomia postulada, cujo valor deve ser arbitrado, sob a forma de indenização substitutiva plena, com base no seu real valor e com todas as repercussões legais.
(TRT 3ª Região, RO-00016-2006-138-03-00-0, Quarta Turma. Desembargador Relator: Luiz Otávio Linhares Renault. Data da publicação: 23.02.2008)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A possibilidade de concessão de tutela antecipada ex-officio

Verificado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, pode o juiz conceder a antecipação de tutela de ofício ou encontraria óbice no caput do artigo 273 do CPC?*


Giselle Borges Alves


Pela disposição do caput do art. 273 do CPC o requerimento do interessado é imprescindível, sendo este um desdobramento do princípio da inércia da jurisdição, previsto também no art. 2º. Utilizando uma interpretação estritamente literal do dispositivo é indispensável a provocação da parte para a concessão da tutela antecipada em qualquer circunstância.

Art. 2º. Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais. (CPC)
A nova interpretação do Direito Processual Civil com enfoque na preocupação do Poder Judiciário quanto à efetividade do processo e na observância dos princípios constitucionais, presenciamos um entendimento mais elástico por parte da doutrina jurídica com relação à disposição contida no art. 273 do CPC. Segundo alguns doutrinadores jurídicos, na atual conjuntura os poderes conferidos ao Estado-juiz permitem, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, a concessão de ofício dos efeitos da sentença mesmo sem o requerimento do autor. Entre os adeptos está o professor Cássio Scarpinella Bueno que defende de forma clara a possibilidade de deferimento ex-officio da tutela antecipada.

À luz do "modelo constitucional do processo civil", a resposta mais afinada é a positiva. Se o juiz, analisando o caso concreto, constata, diante de si, tudo o que a lei reputa suficiente para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, à exceção do pedido, não será isso que o impedirá de realizar o valor "efetividade", máxime nos casos em que a situação fática envolver a urgência da prestação da tutela jurisdicional (art. 273, I), e em que a necessidade da antecipação demonstrar-se desde a análise da petição inicial. Ademais, trata-se da interpretação que melhor dialoga com o art. 797, tornando mais coerente e coeso o sistema processual civil analisado de uma mesma perspectiva. (BUENO, 2009)
No mesmo sentido da orientação acima, Márcio Augusto Nascimento, no artigo “Concessão ‘ex-officio’ de tutela antecipada”, sustenta que o princípio do poder geral de cautela previsto no art.798 do CPC é perfeitamente aplicável à tutela antecipada para a “manutenção do império da ordem jurídica”¹ . Justifica esta posição afirmando que tanto a tutela antecipada como a medida cautelar são espécies de tutela provisória que deve ter como cerne a efetividade. Apesar disso destaca que a concessão ex-officio deve ser realizada com prudência².

Com relação ao abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, o professor Cássio Scarpinella Bueno (2009) ressalta que o mau comportamento do réu faz surgir “uma ‘urgência presumida’ a favorecer o autor que tivesse condições de demonstrar ser o destinatário da tutela jurisdicional tal qual pedida” .

Assim, importa, para fins do art. 273, II, que haja abuso de direito de defesa ou propósito protelatório do réu, aliado à prova inequívoca que convença o magistrado da verossimilhança da alegação nos termos discutidos pelo n. 2.3, supra. Não há, para a hipótese, necessidade da demonstração de qualquer urgência. Trata-se de um caso em que a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional dá-se com caráter punitivo, verdadeiramente sancionatório. (BUENO, 2009)

Tanto o dever de lealdade como de boa-fé devem ser levados em consideração durante todo o processo. Ao perceber que o réu está abusando do direito de defesa ou agindo com propósito eminentemente protelatório – ensejando, por exemplo, a configuração de qualquer das hipóteses previstas no art. 17 do CPC -, o juiz não só pode como deve conceder a tutela antecipada mesmo sem ter sido pleiteada desde que presente os requisitos mínimos para concessão da medida como meio de tornar eficaz um provimento urgente³.

Márcio Augusto Nascimento, ao tratar da tutela antecipada sob a égide do abuso do direito de defesa e do manifesto propósito protelatório do réu, cita o professor Fernando Luiz França com a obra “A antecipação da tutela ex-officio”, que também afirma o caráter sancionatório da concessão e o dever de agir do magistrado.

A atuação dolosa do réu com manifesto propósito protelatório ou com abuso do direito de defesa atenta contra o próprio Estado a quem também interessa a rápida solução da lide . Anderson Alves destaca no artigo intitulado “Da atuação do juiz na tutela antecipada” , as palavras de Fernando Luiz França, para quem qualquer comportamento ilícito da parte contraria a própria finalidade do processo e atenta contra a dignidade da justiça, autorizando o Estado-juiz a antecipar a tutela como represaria à ilicitude. (ALVES, 2007)

Anderson Alves, citando as palavras de Roberto Vieira de Almeida Rezende, ressalta que o juiz como ser político que não está cingido ao rigor das palavras dos textos legais, sendo um pensador do direito e não mero aplicador.

Não é aceitável, pois, que o Estado não se insurja contra estas mazelas, principalmente aquele que a percebe de frente, a exemplo do juiz. Pois, este deve repudiar condutas atentatórias a dignidade da justiça e a direito da parte, sempre de forma motivada demonstrar o que o conduziu ao ato de repulsa. (ALVES, 2007)
Diante do exposto, a conclusão quanto à viabilidade da concessão ex-officio da tutela antecipada em caso de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu é positiva, tendo em vista os princípios que cercam a sistemática processual vigente (boa fé, efetividade, celeridade, manutenção da dignidade da justiça). A ninguém é dado o direito a utilização de mecanismos processuais de defesa com o intuito de prejudicar a parte contrária, sem receber uma sanção do Estado-juiz que permita a satisfação, mesmo que provisória, do jurisdicionado prejudicado pela atuação dolosa da parte adversária.

Notas:
¹ Enquanto o interesse da parte cinge-se à tutela de seu direito subjetivo, o do Estado refere-se à manutenção do império da ordem jurídica. Pois bem, na busca da justa composição da lide que gera pacificação social, o órgão judicial tem direitos e deveres processuais que podem ser lesados ou postos em risco pela desídia ou má-fé da parte.” (NASCIMENTO, 2004)
² Nascimento (2004) destaca os casos excepcionais para a concessão da tutela sem requerimento da parte: “[...] O Direito deve estar a serviço da vida, e não a vida a serviço do Direito. Por isso, acredito que a tutela antecipatória pode ser deferida, de ofício, em casos excepcionais onde se evidencia que: a) o feito tem natureza previdenciária ou assemelhada; b) o valor do benefício é imprescindível para a subsistência do autor; c) a parte é hipossuficiente, não só do ponto de vista econômico, mas também de conhecimento de seus direitos; d) o direito postulado restou provado de forma induvidosa; e) a falta de prévio requerimento de tutela antecipatória, como motivo para não concessão de antecipação da tutela, revela-se como flagrante injustiça contra a parte autora.”
³ Neste sentido o professo Cássio Scarpinella Bueno (2009, p. 08) destaca: O art. 17, ao prever atos de litigância de má-fé, disciplinando o que o n. 4 do Capítulo 2 da Parte IV do vol. I chamou de "princípio da lealdade", é adequado referencial de comportamentos que devem ser levados em conta para fins de antecipação da tutela com base no dispositivo de lei aqui examinado. As situações lá previstas, contudo, não excluem que outras, mesmo quando nele não previstas, levem à mesma conseqüência.

Referências:


ALVES, Anderson. Da atuação do juiz na tutela antecipada. Web artigos. 2007. Disponível em: . Acesso em: 14. nov. 2010.

BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Vade Mecum Compacto. Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes (Colaboração). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. Fonte: Curso sistematizado de Direito Processual Civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 09-41. Material da 5ª aula da disciplina Fundamentos do Direito Processual Civil, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Processual Civil –Anhanguera- Uniderp/IBDP/Rede LFG.

NASCIMENTO, Márcio Augusto. Concessão "ex officio" de tutela antecipada. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 264, 28 mar. 2004. Disponível em: . Acesso em: 1 nov. 2010.


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*Texto elaborado para a disciplina Processo de Conhecimento
 
Giselle Borges Alves
Advogada em Unaí/MG - OAB/MG 128.689
Pósgraduanda em Direito Processual Civil pela Rede LFG em parceria com o IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e a Universidade Anhanghera Uniderp - Campo Grande/MS.
 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Precedentes do STJ: Cartões de Crédito e Dano Moral

Nos litígios envolvendo cartão de crédito, o cliente quase sempre tem razão e direito a indenização por dano moral


 
Seguro e prático para o consumidor e para o comerciante, o cartão de crédito caiu no gosto do brasileiro. Segundo estimativa da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), este ano o número de cartões em circulação no país deverá atingir a marca de 149 milhões, com faturamento de R$ 26 bilhões. Mas, quando a praticidade de pagamento e controle das contas dá lugar ao transtorno, por erro ou má-fé, o Poder Judiciário é acionado. Nas disputas travadas no Superior Tribunal de Justiça (STJ), na maioria dos casos, a vitória é do consumidor.



Compra não autorizada



É, no mínimo, constrangedor ter o cartão recusado ao efetuar uma compra. Foi o que sentiu uma consumidora do Espírito Santo em diversas ocasiões em que a compra não apenas foi recusada, como o comerciante foi orientado a reter o cartão. Depois de tentar, sem sucesso, resolver o problema junto à central de atendimento, ela descobriu que estava inscrita em um cadastro denominado “boletim de cancelamento de cartões de crédito”, por erro do funcionário da administradora do cartão.



A administradora e a Visa do Brasil foram condenadas a pagar, cada uma, R$ 25 mil em indenização à consumidora. Em recurso ao STJ, a administradora alegou cerceamento de defesa e questionou o valor da indenização. Já a Visa alegou ilegitimidade passiva, ou seja, que ela não deveria responder à ação.



Seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma deu provimento apenas ao recurso da Visa porque o defeito no serviço foi atribuído exclusivamente à administradora e seu funcionário. Por considerar que o valor da indenização era razoável e que provas adicionais seriam irrelevantes, a Turma negou o recurso da administradora. Dessa forma, a consumidora assegurou uma indenização de R$ 25 mil, tendo em vista a exclusão do processo de uma das empresas condenadas. (Resp 866.359)



Legitimidade passiva das bandeiras



A legitimidade passiva das bandeiras não é absoluta nas ações contra as empresas de cartão de crédito, sendo analisada caso a caso. “Independentemente de manter relação contratual com o autor, não administrar cartões e não proceder ao bloqueio do cartão, as ‘bandeiras’, de que são exemplos Visa, Mastercard e American Express, concedem o uso de sua marca para a efetivação de serviços, em razão da credibilidade no mercado em que atuam, o que atrai consumidores e gera lucro”, entende a ministra Nancy Andrighi.



O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece a responsabilidade solidária entre os fornecedores de uma mesma cadeia de serviços e, por essa razão, as bandeiras de cartão de crédito respondem pelos danos decorrentes de má prestação do serviço. No sistema de cartões de crédito, a ministra Nancy observa que há uma clara colaboração entre a instituição financeira, a administradora do cartão e a bandeira, as quais fornecem serviços conjuntamente e de forma coordenada.



Para os ministros da Terceira Turma, havendo culpa da administradora do cartão de crédito e uma clara cadeia de fornecimento na qual se inclui a bandeira, sua responsabilidade só é afastada quando demonstrada a inexistência de defeito do serviço, a culpa exclusiva de terceiro ou do próprio consumidor ou eventual quebra de nexo causal do dano. (Resp 1.029.454)



Cobrança indevida



Ser cobrado pela assinatura de revista não solicitada é mero aborrecimento? A Terceira Turma do STJ entende ser mais do que isso: trata-se de dano moral. Essa foi a conclusão dos ministros ao julgar um recurso da Editora Globo S/A.



No caso, uma consumidora foi abordada em shopping por um representante da editora, que lhe perguntou se tinha um determinado cartão de crédito. Diante da resposta afirmativa, foi informada de que havia ganhado gratuitamente três assinaturas de revistas. Porém, os valores referentes às assinaturas foram debitados na fatura do cartão.



Somente após a intervenção de um advogado, ela conseguiu cancelar as assinaturas e ter a devolução do valor debitado. Mesmo assim, os produtos e as cobranças voltaram a ser enviados sem solicitação da consumidora.



Depois de ser condenada a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil, a editora recorreu ao STJ, argumentando que não era um caso de dano moral a ser indenizado, mas de mero aborrecimento.



O relator, ministro Sidnei Beneti, destacou que o artigo 39, inciso III, do CDC proíbe o envio de qualquer produto ou serviço ao consumidor sem solicitação prévia. Quando isso ocorre, deve ser tido como amostra grátis, sem obrigação de pagamento.



Seguindo o voto do relator, a Turma negou o recurso por considerar que os incômodos decorrentes da reiteração de assinaturas de revista não solicitadas é prática abusiva. Para os ministros, esse fato e os incômodos advindos das providências notoriamente difíceis de cancelamento significam “sofrimento moral de monta”, principalmente no caso julgado, em que a vítima tinha mais de 80 anos.



Bloqueio do cartão



O STJ reviu uma indenização por danos morais fixada em R$ 83 mil por entender que o banco agiu dentro da legalidade ao bloquear um cartão por falta de pagamento. Neste caso, o consumidor pagou a fatura atrasada em uma sexta-feira e, nos dois dias úteis seguintes, não conseguiu usar o cartão porque ainda estava bloqueado. O cartão foi liberado na quarta-feira.



Os dois dias de bloqueio motivaram a ação por danos morais, julgada improcedente em primeiro grau. Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça do Maranhão declarou abusiva a cláusula do contrato que autorizava a administradora a bloquear o cartão.



Além de afastar a abusividade da referida cláusula, por estar de acordo com o artigo 476 do Código Civil, o STJ considerou que o tempo decorrido entre o pagamento da fatura e o desbloqueio do cartão era razoável e estava dentro do prazo previsto em contrato. Por isso, o recurso do banco foi provido para restabelecer a sentença. (Resp 770.053)



Furto



Em caso de furto, quem é responsável pelas compras realizadas no mesmo dia em que o fato é comunicado à administradora? O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que era o consumidor, porque a empresa não teria tido tempo hábil de providenciar o cancelamento do cartão.



Para a Quarta Turma do STJ, a responsabilidade é da administradora. Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o consumidor que comunica o furto de seu cartão no mesmo dia em que ele ocorre não pode ser responsabilizado por despesas realizadas mediante a falsificação de sua assinatura. Para o ministro, a tese do tribunal fluminense acabou por imputar ao consumidor a culpa pela agilidade dos falsificadores.



Seguindo a análise do ministro Salomão, a Turma decidiu que cabe à administradora, em parceria com a rede credenciada, a verificação da idoneidade das compras realizadas, com a utilização de meios que impeçam fraudes e transações realizadas por estranhos, independentemente da ocorrência de furto.



Outro ponto de destaque na decisão refere-se à demora de quase dois anos para o ajuizamento da ação. O tribunal fluminense considerou que durante esse tempo o alegado sofrimento da vítima teria sido atenuado e, por isso, reduziu pela metade a indenização por danos morais à consumidora, que teve o nome inscrito em cadastro de devedores por não pagar as despesas que não realizou.



De fato existem precedentes no STJ em que a demora para o ajuizamento da ação foi entendida como amenizadora do dano moral. Mas, no caso julgado, os ministros consideraram que o lapso de menos de dois anos não tinha qualquer relevância na fixação da indenização, que ficou em R$ 12 mil. (Resp 970.322)



Juros e correção



Em 1994, um consumidor parou de utilizar um cartão de crédito, deixando para trás faturas pendentes de pagamento no valor de R$ 952,47. Quatro anos depois, o banco ajuizou ação de cobrança no valor de R$ 47.401,65.



A Justiça do Espírito Santo entendeu que o banco esperou tanto tempo para propor a ação com o objetivo de inchar artificialmente a dívida de forma abusiva, a partir da incidência de encargos contratuais por todo esse período. Considerado responsável pela rescisão unilateral do contrato, o consumidor foi condenado a pagar apenas o débito inicial, acrescido de juros de mora de 12% ao ano e correção monetária somente a partir da propositura da ação.

O banco recorreu ao STJ. A relatora, ministra Nancy Andrighi, considerou que os magistrados exageraram na intenção de proteger o consumidor, ao afastar a aplicação de qualquer correção monetária e dos juros de mora legais desde o momento em que a dívida passou a existir.



Está consolidado na jurisprudência do STJ que a correção monetária em ilícito contratual incide a partir do vencimento da dívida, e não do ajuizamento da ação. Já os juros moratórios incidem a partir da citação, em casos de responsabilidade contratual.



Como o recurso era exclusivo do banco, foi mantida a incidência dos juros a partir do ajuizamento da ação, por ser mais vantajoso ao recorrente. Aplicar a jurisprudência do STJ, nesse ponto, implicaria a violação do princípio que impede a reforma para piorar a situação de quem recorre. O recurso do banco foi parcialmente provido para incluir a incidência de correção monetária a partir da rescisão contratual. (Resp 873.632)


Fonte: STJ
Data da publicação: 14.11.2010


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