sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Resenha

O MODELO PARTIDÁRIO BRASILEIRO E A IMPORTÂNCIA DO PODER LEGISLATIVO NA CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO: a visão do doutrinador Manoel Gonçalves Ferreira Filho na obra “Sete vezes democracia”.

Giselle Borges Alves
Grupo de pesquisa em Direito Público
Faculdade INESC/CNEC - Unaí/MG
Publicação: 01.08.2011.



“A influência real do Parlamento decorre de seu prestígio. Esta não lhe advirá dos textos constitucionais que não tem energia própria. Não lhe advirá das armas, com que não conta. Somente poderá vir da confiança e do apoio do povo.”    
             (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, 1977, p. 101)

INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta inicialmente uma visão pormenorizada sobre os partidos políticos na democracia brasileira sob a visão do autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, exposta no capítulo III da obra “Sete vezes Democracia” publicada em 1977. As definições estão concentradas tanto da ciência jurídica como da ciência política acerca do panorama do sistema político-partidário brasileiro até meados da década de 1970, comparando-a com a evolução do pensamento sobre a participação política do cidadão no processo de construção do Poder Legislativo, apto a desenvolver-se de acordo com o modelo do Estado Constitucional, conforme revelado no capítulo IV da mesma obra.

1. A ANÁLISE SOBRE O PARTIDO POLÍTICO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA
Manoel Gonçalves Ferreira Filho inicia a abordagem fazendo um paralelo sobre a Democracia e o partido político ressaltando as correntes ideológicas que permearam a história e que divergem quanto à importância deste último para a construção de um Estado democrático.
A primeira corrente, surgida nas ideias liberais do século XVIII, não era simpática com os partidos políticos, condenando-os. Entre os adeptos desta posição na América, estava o ex-presidente dos Estados Unidos, George Washington, para quem os partidos constituem uma ameaça aos Estados, pois dividem assembléias e conselhos, enfraquecem a administração pública, instigam animosidade, desconfiança, agitações, paixões e controvérsias. Na França, Rousseau foi o maior expoente. O pensador alertava sobre a “proscrição dos partidos, dos corpos intermediários, de todos os grupos que interpõem entre o indivíduo e o Estado”. Pela idéia apregoada por Rousseau, os partidos desviam os cidadãos do interesse geral para o interesse particular. Retiram a pureza da vontade geral.
A segunda corrente afirma que a Democracia está apesar dos partidos, sendo estes consagrados como um mal necessário em virtude das eleições. Para os adeptos desta corrente os partidos são apenas toleráveis como um meio de expansão da própria Democracia e, exatamente por isso, o Direito traçou proibições aos partidos antidemocráticos e à constituição de milícias partidárias.
Ferreira Filho (1977, p.59) cita as palavras de Maurice Duverger para tratar da ambiguidade tolerada por esta corrente quanto à essencialidade dos partidos políticos para o fortalecimento e expansão da Democracia:
Admitia-se com Duverger que ‘nas democracias os partidos são ambivalentes: de um lado, servem para organizá-las sem que nada possa substituí-los nesse papel; de outro, contêm em si mesmos um certo número de venenos capazes de destruí-las ou, ao menos, de deformá-las.
A terceira corrente traz os partidos como essenciais à democracia e surge como resultado da crítica à democracia representativa implantada na Inglaterra através do governo por parlamentares, a qual também gerou muitas críticas de Rousseau. Segundo Ferreira Filho (1977, p. 59-60) na democracia pelos partidos busca-se o “governo do povo e pelo povo e para o povo”. Tal não acontecia no sistema da democracia representativa, pois “o povo não se governa por meio de representantes, é governado por estes, conforme lhes aprouver”.
Na apresentação do modelo da democracia partidária, o autor afirma que se os partidos políticos estabelecerem um programa de governo e selecionarem candidatos comprometidos com esse programa, será possível transformar a eleição, de mera escolha de governantes, em seleção também de uma política de governo. Assim o povo escolheria um representante e a política a que este se devotará. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 60)
Após a análise das correntes que averiguam a importância ou não dos partidos políticos na construção do Estado democrático, Ferreira Filho (1977) traça um esboço histórico do partido político no direito constitucional brasileiro, iniciando com a Constituição de 1946, onde pela primeira vez ocorreu a normatização dos partidos políticos, trazendo-os como imprescindíveis à democracia, porém consciente dos perigos que estes podem trazer às instituições. Na época verificou-se a necessidade da pluralidade de partidos e o Código Eleitoral concedeu a eles o monopólio das candidaturas, assim ninguém podia postular eleição sem a filiação partidária. Mas frise-se que ao mesmo tempo em que foi registrada a necessidade da pluralidade de partidos, o registro do Partido Comunista foi cassado, pois de acordo com a Constituição Federação de 1946, este foi considerado antidemocrático.
Com a necessidade da pluralidade a abertura foi automática e múltiplos eram os partidos na época da eclosão da Revolução de Março. Mas apesar da quantidade não possuíam coerência, disciplina interna e muito menos bases sólidas, características que eram indispensáveis para a consolidação destes. Também não apresentavam grandes diferenças de programas e eram eminentemente personalistas, ou seja, se constituíam em torno de homens e lideranças e não de idéias.
O grande número de partidos levou a divisão do eleitorado e, consequentemente, ao alargamento das bases dos pequenos partidos. De acordo com Ferreira Filho (1977), Pompeu de Sousa usou para caracterizar este período a expressão “processo de pequenização” dado a ampliação do número de pequenos partidos pelo território nacional. O resultado deste processo foi o surgimento de contradição entre as alianças nacionais, estaduais e municipais, com uma verdadeira incoerência do sistema, que se evidenciava ainda mais com a “coalização de partidos” para disputas de eleições. Estas “coalizões” eram muito similares às atuais coligações partidárias.
Outra característica comum do sistema eleitoral na época era a ausência da disciplina partidária aliada à falta de fidelidade programática, o que poderia resultar numa multiplicação ainda maior de partidos políticos. Dentro dos partidos não havia ideais comuns, ao contrário, várias alas e correntes políticas se misturavam. Ferreira Filho (1977) destaca que Pompeu de Sousa criou a expressão “decomposição partidária” para nominar essa falta de coerência interna.
Entretanto a Lei 4.740/1965 trouxe a reforma tão esperada para o sistema partidário. Foi a primeira lei orgânica dos partidos políticos e, de acordo com o autor, trouxe em seu cerne cinco ideias mestras: 1º) o programa como o princípio vital do partido; 2º) o enrijecimento da disciplina interna, com fulcro na eliminação de dissidências e infidelidades; 3º) a tendência a privilegiar as estruturas democráticas das agremiações, dando maior importância as convenções e bases dos partidos políticos; 4º) o financiamento partidário no intuito de evitar corruptores; e 5º) a redução do número de partidos. Estava configurada uma remodelação dos partidos políticos brasileiros imposta de baixo para cima.
Era mister organizar diretórios municipais, a partir de um número mínimo de filiados, para depois estruturar os regionais e, afinal, o diretório nacional. Este, porém, somente se constituiria depois de organizados onze diretórios regionais (art. 16, §3º). (FERREIRA FILHO, 1977, p. 63)
Mas pouco tempo após o advento da Lei 4.740/1965, o Ato Institucional nº 02 extinguiu os partidos políticos, inviabilizando a renovação paulatina destas instituições. De acordo com Ferreira Filho (1977), o objetivo era a organização imediata de novos partidos observando a lei orgânica: “Partia-se do marco zero, mas com a vantagem de romper com o passado”. A consequência é que por muito tempo ficou o país sem partidos políticos e foram criadas na verdade duas organizações com atribuições partidárias, a ARENA e o MDB. Nas palavras do autor, o que era para ser provisório tornou-se duradouro. Desta forma, há que se questionar a verdadeira intenção que havia na extinção dos partidos políticos pelo AI-02, afinal estava instalado um regime de exceção onde a propagação do debate não era bem-vinda.
Com o advento da Constituição de 1967 foram estabelecidos os princípios para organização, funcionamento e extinção dos partidos políticos. Entre os princípios temos (I) a pluralidade de partidos para um regime representativo e democrático; (II) a atribuição de personalidade jurídica; (III) a atuação permanente e sem vinculação com governos, entidades ou partidos estrangeiros; (IV) a fiscalização financeira; (V) a disciplina partidária; (VI) a atuação em âmbito nacional; (VII) o estabelecimento de um percentual de votos em um número mínimo de Estados tanto para a Câmara como para o Senado; e (VIII) a proibição de coligações partidárias. O principal objetivo do estabelecimento destes princípios foi proibir a multiplicação dos partidos políticos, mas conforme ressaltado pelo doutrinador, a Constituição de 1967 esqueceu que para conter esta multiplicação era necessário organizar o sistema eleitoral.
Um dos problemas do sistema eleitoral identificado pelo autor e, segundo ele, também reconhecido por Maurice Duverger na obra “Les Partis politiques”, era a eleição proporcional, uma vez que essa seria a principal geradora da multiplicidade de partidos independentes. (FERREIRA FILHO, 1977)
A Emenda Constitucional nº 01/1969, trouxe uma modificação e uma inovação ao diploma anterior. Como modificação estava a diminuição da percentagem exigida de votos para a criação dos partidos, com o objetivo de facilitar a criação destes. A inovação estava na implementação da fidelidade partidária. Na ótica de Ferreira Filho (1977) o parlamentar passou a ser visto como um “soldado do partido”, ocorrendo assim o rompimento com os princípios que regem o mandato representativo.
Em 1971 temos a edição da Lei 5.682, que logo ficou conhecida como a nova lei orgânica dos partidos políticos, mas não se afastou efetivamente das determinações da Emenda Constitucional nº 01 de 1969. Com o seu advento ocorre agora o fortalecimento do diretório em detrimento da convenção, inaugurando uma nova tendência. O controle partidário passa a ser de cima para baixo, na busca de uma centralização. (FERREIRA FILHO, 1977)
 
1.1. O Modelo Político Constitucional Brasileiro

Imperioso relembrar que a obra “Sete vezes Democracia” foi publicada antes da Constituição Brasileira de 1988, portanto os modelos apresentados pelo autor correspondem à Constituição 1967, vigente na época com as alterações da EC nº 01/69 e ao período do início da redemocratização brasileira, mas ainda em meio à repressão da ditadura militar.
Ao analisar a própria expressão “modelo político” o autor abraça duas vertentes:
Tanto pode designar as relações de fato que, num dado momento e lugar, existem entre os indivíduos, grupos e forças que controlam ou detêm poder – caso em que o modelo se espalha ou reconstitui o ser – como pode referir-se ao plano ou arranjo ideal pelo qual devem pautar-se essas relações para realização de determinados valores, caso em que o modelo se deseje modelar a realidade, mudando-a. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 68)
Desta forma o “modelo” pode representar o presente e o futuro, ou seja, o ser e o dever-ser. Já a expressão “modelo constitucional”, de acordo com Ferreira Filho (1977, p. 69), “significa o arranjo que deve pautar as relações políticas, segundo a Constituição. [...] Toda Constituição é um planejamento por que se pretende modelar a organização e a vida de um Estado”.
Na análise empreendida o autor afirma que o modelo constitucional brasileiro adotado era da democracia pelos partidos. Assim, o povo só poderia participar do governo através dos partidos políticos. Dentro deste propósito, Ferreira Filho (1977, p. 68) faz o seguinte questionamento no texto: “Mas de que modo emana do povo o poder?” E o próprio autor responde: “O poder resulta de eleições em que o povo vota não em homens e sim em partidos, como se viu acima. Vota em candidatos de partidos que devem fielmente seguir o programa desses partidos”. Para o doutrinador o poder do povo está no Legislativo.
A partir destas constatações realizadas ainda sob a égide da ditadura militar brasileira, é possível verificar que de lá para cá muita coisa mudou e que no decorrer dos últimos anos, já em pleno século XXI, o povo tem se identificado mais com os representantes do Poder Executivo e aumentado o descrédito com relação àqueles que realmente representam, segundo o autor, a vontade geral (ou deveriam representar), o Poder Legislativo.
A crescente apatia política e a perda de legitimidade das instituições relacionadas com a democracia representativa (parlamentos, partidos, governos) também foram observadas por Mauro Almeida Noleto em estudo empreendido sobre a participação da Justiça Eleitoral na construção da democracia brasileira, intitulado “Justiça e Democracia”. Para Noleto (2008), tanto a apatia como a perda de legitimidade pode levar a um novo tipo de caudilhismo e/ou democracias plebiscitárias demagógicas, sujeitas a toda sorte de manipulações ideológicas.
Noleto (2008) menciona, ainda, que Norberto Bobbio apontou grande contraste entre os contornos ideais da democracia definida pelos fundadores do pensamento político moderno e a experiência histórica de sua realização. Desde a idealização da democracia moderna que se opôs aos regimes políticos anteriores (clássico e medieval) até a democracia contemporânea, as transformações descumpriram suas promessas originais. Bobbio aponta seis dívidas da democracia contemporânea: (I) a sobrevivência do poder invisível, (II) a permanência das oligarquias, (III) a permanência de corpos intermediários, (IV) a revanche da representação dos interesses, (V) a participação interrompida e (VI) o cidadão não educado. Entretanto o filósofo afirma que todas essas promessas não cumpridas não são degenerações do conceito, mas adaptações históricas motivadas pelas imposições da prática política, com exceção de uma: a sobrevivência de um poder invisível.
De acordo com Noleto (2008), o filósofo Norberto Bobbio define o poder invisível como aquele que não pode vir a público e revelar suas decisões e seus procedimentos. A falta dessa promessa, ou seja, da transparência do poder, corrompe a democracia muito mais do que a presença de grupos oligárquicos disputando espaço ou do avanço da representação de interesses corporativos sobre o princípio da representatividade política universal.
Ao analisar a viabilidade do modelo da democracia pelos partidos, adotado constitucionalmente pelo Brasil, Ferreira Filho (1977, p. 70) faz o seguinte questionamento: “A democracia pelos partidos é um modelo viável?”.
Com base nas conclusões da Ciência Política o autor afirma que essa resposta não é pacífica e nem provável, uma vez que não há uma formação humana equânime. A diversidade entre os variados grupos faz com que muitos deles estejam equidistantes dos problemas uns dos outros, muitas vezes ignorando e outras nem tomando conhecimento destas reais dificuldades. Somente uma minoria consegue uma inter-relação com os problemas gerais, ou seja, um contato com todos os grupos.
Para Ferreira Filho (1977, p. 70) o modelo da democracia pelos partidos só é viável se for conhecido em seu cerne, e resume:
Está no cerne desse modelo a idéia de que o povo irá guiar-se em suas opções eleitorais pelo programa dos partidos. Sopesará estes programas, escolherá o melhor, ou o que lhe parecer melhor, ao mesmo tempo, elegendo candidatos que se comprometem a realizá-lo. Assim, escolherá os homens que vão governar e a política que será executada por esse governo.
Diante da falta de compreensão deste modelo, o autor destaca que os partidos preferem deixar os problemas reais e guiarem-se em torno de ideologias e princípios, ou seja, programas abstratos que pouco solucionam problemas concretos. Arremata com o posicionamento de Karl Loewenstein, que afirma que os partidos elaboram programas de modo a não ofender nenhum grupo ou favorecer abertamente a todos, acomodar amplamente qualquer interesse. Desta forma, as decisões políticas são tomadas da opinião pública.
Seguindo as indagações acerca do modelo político constitucional adotado, Ferreira Filho (1977, p. 71) pergunta: “O individualismo nacional se coaduna com a vivência partidária que exige o modelo?” Para responder a questão cita as palavras de Frei Vicente do Salvador, para quem o povo brasileiro não “é republico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”. Ressalta com as palavras de Oliveira Viana, que mesmo as formas de solidariedade voluntária só aparecem em forma de “grandes entusiasmos coletivos” e todas as associações, não importa a espécie, possuem vida artificial e efêmera. A única solidariedade existente, segundo Oliveira Viana é a “solidariedade de clã”.
Disto resulta a pouca participação do brasileiro na vida partidária. A conseqüência é a deformação do sistema, com partidos oligárquicos, ou seja, representativos da dominação por pequenos grupos.
1.2. A necessidade da estruturação do partido político. 
Ferreira Filho (1977) distingue quatro tarefas dentro da missão do partido político na democracia brasileira: (I) a preparação política do povo; (II) a preparação dos candidatos; (III) a informação política; e (IV) a fixação do programa do partido.
Sobre a formação política o autor ressalta as idéias de Aristóteles e Montesquieu, resumindo-as na seguinte afirmação: “toda forma de governo presume uma determinada educação do povo”. E prossegue: “[...] Com efeito, os valores infundidos pela educação da juventude farão com que esse povo seja mais ou menos capaz de dar vida a determinadas instituições.” Para o doutrinador, os partidos devem ter o compromisso na difusão dos valores que inspiram a democracia, o apego à liberdade e à igualdade, o devotamento ao interesse geral e o espírito cívico, sendo estas algumas das tarefas do partido, mas não apenas sua. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 73-74)
Acerca da formação dos candidatos, Ferreira Filho afirma que esta é uma das funções mais importantes do partido político. O ponto de partida deve ser a escolha daqueles que tem vocação, acrescentando-lhes o conhecimento da política e dos problemas de governo. O partido político deve verdadeiramente buscar a seleção dos mais aptos, mas sem descuidar da responsabilidade perante os eleitores, ou seja, a fidelidade do candidato ao programa e ideais do partido, o plano preestabelecido de ação política.
O programa do partido político é outra das tarefas imprescindíveis a essas organizações, uma vez que sua definição é essencial ao modelo adotado pela Constituição brasileira, o modelo da democracia pelo partido. Sendo assim, o programa do partido político não pode converter-se em generalidades ou ser uma declaração ideológica, deve ser preciso e exequível, estabelecido por uma assessoria de especialistas. Ferreira Filho exemplifica citando o modelo dos programas dos partidos políticos alemães.
Ao tratar da informação política, o autor ressalta o papel do partido político em informar o seu programa e ser opositor aos demais quando for necessário, pressupondo a ligação permanente entre o eleitorado e o governo. O partido deve ser mecanismo de transmissão entre governantes e opinião pública, com “[...] a divulgação do programa próprio e a crítica ao alheio, e defesa da ação governamental ou sua análise a fundo. Com isso a opinião irá sendo paulatinamente formada e não apenas nas vésperas de eleição.” (FERREIRA FILHO, 1977, p. 75)
Ao tratar do financiamento partidário Ferreira Filho (1977, p. 76) é enfático ao declarar que o modelo da democracia pelos partidos pressupõe que o Estado mantenha-os através de dotações distribuídas sem condições políticas. Em todo o decorrer da obra, demonstra ser favorável ao financiamento público do partido para evitar “conveniências imediatistas, ao sabor dos interesses particulares dos doadores.”
Na visão do autor a autenticidade dos partidos só poderá ser realmente sentida na medida em que se busque o estímulo à vinculação dos partidos com os anseios da comunidade, destacando que o sistema eleitoral que adota a representação proporcional não contribui para que nasça esse liame que é necessário na democracia pelos partidos: “O eleito, cujos votos vieram de toda parte, não está verdadeiramente ligado a grupo algum, não representa senão algumas idéias gerais.” (FERREIRA FILHO, 1977, p. 76)
Mas afirma que a EC nº 01/69 abriu a possibilidade da adoção de um sistema misto que não exclui a proporcionalidade global, mas permite a eleição distrital, e consequentemente o fortalecimento da representação e do partido. Finaliza sua análise abordando a visão de que na eleição distrital o partido político seria mais autêntico entre os eleitores e eleitos, aperfeiçoando assim a Democracia.
 
2. A ANÁLISE DO PODER LEGISLATIVO NA DEMOCRACIA

A fórmula de Montesquieu foi ressaltada por Ferreira Filho (1977, p. 81):
A existência de três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos, era, portanto, aos olhos dos iniciadores da Democracia moderna, instrumento necessário para um Estado que tivesse como objeto e razão de ser a liberdade dos cidadãos.
Para o autor, o Legislativo é o poder que tem origem tipicamente democrática, através da representação popular e da manifestação da vontade geral; sua égide está em ser o “guardião da liberdade” e a “voz da Democracia”. Mas apesar disso, os cidadãos que outorgam essa competência a estes representantes são os mesmos que não crêem na firmeza e no potencial deste poder. Contata-se que pouco mudou séculos depois da publicação da obra do autor. As palavras de Ferreira Filho (1977, p. 82) ainda soam muito atuais em pleno século XXI: “[...] O Parlamento é vítima de vilipêndio e escárnio, esvaziam-se em suas funções, pretende-se construir sem ele a Democracia. Não falte quem o considere inútil, dispensável, mero reduto da loquacidade improdutiva.”

2.1. O estudo empreendido sobre a ascensão, o apogeu e a decadência do Poder Parlamentar.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho associa como raiz do Legislativo atual as assembléias medievais, que surgiram da necessidade do governo de contar com a colaboração dos governados:
Os príncipes medievais se aperceberam de que, reunindo em torno de si as figuras mais destacadas e de maior influencia no país, podiam fazer-lhes conhecer as necessidades do Estado e, demonstrando-lhes a urgência das medidas em que eram chamados a consentir, levá-los a obter a colaboração ativa dos governados nos empreendimentos de interesse comum. [...] (FERREIRA FILHO, 1977, p. 83)
As assembléias medievais também se estabeleceram como meio de segurança para os governados contra o arbítrio dos príncipes. A mais importante delas foi a assembléia inglesa, que funcionava de maneira permanente, consequência do poder financeiro e político de deliberação e fiscalização, que em si resultou no poder legislativo do Parlamento inglês, sendo este modelo de democracia representativa a base inspiradora de Montesquieu e outros estudiosos. (FERREIRA FILHO, 1977)
Ao tratar da separação dos poderes, Ferreira Filho (1977, p. 86-87) afirma:
[...] convém dividir o poder para que os poderes surgidos desse fracionamento sirvam de limites, de freios e de contrapesos uns para os outros.
[...]
No modelo de Montesquieu, o elemento democrático teria lugar no Poder Legislativo. Este, é bem verdade, se estruturaria em duas câmaras, uma das quais destinada a representar a aristocracia, a nobreza, mas na outra estaria a representação popular, encontraria expressão o interesse comum. Entretanto, não concebia o mestre a representação popular como simples e mero porta-voz de reivindicações populares. Pretendia que os representantes fossem chamados a decidir segundo o interesse geral, pairando acima da luta de interesses particulares.
Diante destas observações é possível perceber que o modelo do Poder Legislativo elaborado por Montesquieu estruturado em duas câmaras, é o mesmo que está estruturado o Legislativo brasileiro atual. A primeira câmara destinada a representar a aristocracia, a nobreza, pode ser associada à realizada hoje pelo Senado Federal diante da representação dos Estados Federados; já a câmara destinada a representação popular ainda hoje é assim concebida, que no Brasil é representada pela Câmara dos Deputados e tal qual concebido inicialmente por Montesquieu, a Constituição Federal de 1988 trouxe o dever destes representantes do povo como o primado do interesse geral, o bem da coletividade.[1]
A partir do momento que a norma suprema de uma nação, no caso a brasileira, estabelece prerrogativas tão importantes ao Parlamento, entre elas a fiscalização das ações do Poder Executivo, o processo e julgamento contra o Presidente da República, a intervenção direta através da elaboração de leis nos setores sociais, econômicos, orçamentários, de comunicação e até mesmo dispor sobre o efetivo das Forças Armadas, entre outras matérias, percebe-se a importância dos representantes do povo e dos Estados Federados para a manutenção de um Estado Nacional voltado para a preponderância dos ideais que devem nortear qualquer nação que vise o desenvolvimento e, sobretudo, a boa qualidade da vida em sociedade. 
Ferreira Filho (1977, p. 88) destaca que o século XIX foi marcado essencialmente pelo apogeu do Parlamento inglês, onde o modelo de Montesquieu da separação dos poderes foi preponderante. O Parlamento era onde “efetivamente se concentrava o poder emanado do povo. A democracia se confundia com a soberania parlamentar. A vontade do povo era a vontade do Parlamento”. Este apogeu saiu dos limites ingleses e se espalhou pelo mundo, influenciando até nações presidencialistas como os Estados Unidos da América.
A professora Júlia Maurmann Ximenes (2008), em estudo sobre o conteúdo do Estado Democrático de Direito, traz a posição de um dos principais filósofos políticos do liberalismo, John Locke, sobre os direitos naturais inalienáveis do homem, onde o Estado é visto como Estado-Polícia devendo vigiar a aplicação das liberdades e igualdades formais (positivadas). Neste sentido, o filósofo subordinava todos os poderes ao Poder Legislativo e priorizava o princípio da legalidade. Assim não haveria autoridade se esta não estivesse associada ao manto da lei e do Poder Legislativo.
Entretanto, o Parlamento foi da ascensão ao declínio. O Legislativo tornou-se onipotente, passando a negar a própria separação dos poderes e, segundo o autor, não faltou quem se lembrasse das palavras proféticas de Montesquieu: “Se não há qualquer freio para deter os empreendimentos do corpo legislativo, este será despótico; pois, como poderá atribuir-se todo o poder que imaginar, destruirá todos os demais poderes”. Mas o que aconteceu foi justamente o contrário do previsto por Montesquieu. Destaca Ferreira Filho (1977) que o Legislativo, que passou a negar a separação dos poderes, conforme dito acima, declinou devido ao acúmulo de funções, o que paralisou suas atividades.
Aponta, ainda, que a crise do parlamento se deu pela ascensão das massas como força política. Antes o sufrágio era restrito aos que possuíam um mínimo de riqueza, e com o advento do sufrágio universal surge um embate no sistema do Parlamento, cai em declínio o predomínio das ideias burguesas. O autor justifica essa afirmação demonstrando que com um Poder Legislativo cindido entre os parlamentares burgueses e os parlamentares representantes do proletariado, o trabalho parlamentar tornou-se lento. As massas consequentemente tornaram-se maioria pela expressividade inclusive dos votos e suscitaram a intervenção do Estado no domínio econômico e social para a melhoria das condições de vida. Estava assim sendo rompido o liberalismo.  (FERREIRA FILHO, 1977)
No entanto o Legislativo não estava aparelhado o suficiente para a implantação do intervencionismo, faltavam técnicos capazes e somaram-se a isso, as leis como ferramentas pouco adequadas para a direção da economia. Desta forma um Legislativo lento - uma vez que as leis deveriam seguir todo o procedimento de aprovação - e incapaz de atender os anseios imediatos da sociedade que representavam, foram as principais características que fizeram com que o Parlamento perdesse prestígio. O Legislativo se viu estagnado diante do crescimento do Estado e principalmente dos problemas que chegavam junto com o desenvolvimento. [2]
Diante da falta de flexibilidade da atuação legislativa foi inevitável a ascensão de outro poder para atender as pretensões populares. Ocupou importante espaço o Poder Executivo no comando do domínio econômico e social diante da crise do Parlamento. Como o chefe do Executivo representa a maioria parlamentar de um partido, foi natural a subordinação do Legislativo, e aquele passou a sujeitar este a sua vontade.
Tornou-se então o Executivo ‘o centro do poder real nos Estados modernos’ na observação de Duverger. Em seu benefício, é o Legislativo desapossado de inúmeras funções, a própria elaboração das leis lhe escapa das mãos, cada vez mais freqüentes os decretos-leis por que o Executivo efetivamente legisla. [...] (FERREIRA FILHO, 1977, p.92)
Mas segundo o pensamento de Ferreira Filho (1977), a supremacia do Executivo no mundo contemporâneo não é imutável, assim como a existência do Legislativo atuante e forte não é dispensável.

2.2 O exame do papel do Poder Legislativo no Estado contemporâneo.

Segundo Ferreira Filho (1977), a divisão dos poderes consagrava apenas a liberdade dos cidadãos e não a prosperidade e bem-estar como finalidade do Estado. Cada poder apenas exerceria as funções que lhe são inerentes. Mas o Estado contemporâneo não permite este pensamento simplista, deve assegurar a felicidade e prosperidade geral.
Entre as exigências do desenvolvimento está o crescimento econômico do Estado, que repercute na seguinte observação de Ferreira Filho (1977, p. 95):
O processo de modernização excita necessariamente reivindicações e inconformismos, gera expectativas e ambição que não podem ter satisfação pronta. Contra elas exatamente pesa a necessidade de investimentos imensos, indispensáveis para a sustentação ou aceleração do desenvolvimento, investimentos esses que presumem acumulação de capital. Ora, esta acumulação repercute em restrição do consumo, força redistribuição da riqueza, numa palavra, gera insatisfação.
Neste contexto emerge a importância da atuação do Poder Executivo para o desenvolvimento do Estado, assevera o autor que este possui a função da promoção do bem-estar através de decisões prontas, firmes e flexíveis que reclamam a direção da economia. A agilidade do Executivo para atender aos reclamos do desenvolvimento acelerado ganha notoriedade, tendo em vista que o Legislativo não pode atender a problemas tão imediatos. A elaboração de leis reclama maior cautela, principalmente quando se trata da direção econômica do Estado, assim estabelece vantagem a flexibilidade Poder Executivo.
[...] Somente ele pode pilotar as forças produtivas no dia-a-dia, conduzindo-as para o atendimento do interesse geral por entre os problemas e dificuldades que a cada momento se levantam.
[...]
Por outro lado como nas democracias atuais, estruturadas em partidos, nele se concentra a cúpula destes, forçoso é aceitar que a ele se atribua a orientação geral do Governo, o planejamento de sua ação. Com efeito, se se aceita que o povo há de fixar os objetivos, optando por um programa de governo estabelecido por um partido, não cabe recusar que esse programa seja transformado em plano de governo pela direção do partido majoritário. Ora, em qualquer dos regimes políticos da atualidade, o núcleo dirigente do partido ou coligação majoritária constitui o Executivo. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 95-96).
Todavia é necessário ressaltar que o Executivo pode ser a mola mestra do Estado, mas tal impulso não pode ser realizado sem a participação do Legislativo. O Parlamento, segundo Ferreira Filho (1977, p. 97) é onde estão os representantes do povo incumbidos de uma dupla missão: “transmitir a opinião dos governados sobre os problemas em debate, tomar a decisão mais condizente com o interesse geral e com a Justiça, ouvidas e ponderadas as razões de todos”.
O autor também destaca a importância do debate parlamentar uma vez que o Legislativo deve contribuir para o discussões entre o plano de governo e as proposições que o implementam. É o povo, mediante seus representantes, influenciando nas decisões e políticas de governo.
[...] o debate parlamentar é um dos meios pelos quais se difunde entre o povo a informação sobre os grandes problemas políticos. [...] Assume este, destarte, um inegável caráter educativo, pois no contraste dos argumentos, no confronto dos aplausos e da crítica, ganha o cidadão conhecimento matizado e lapidado do por que e do para que das medidas governamentais, dos mais variados aspectos de todos os problemas que a Nação há de enfrentar. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 97)
O Poder Legislativo, de acordo com o doutrinador, é o poder mais fácil de verificar a fidelidade e respeito à opção popular, dos atos e omissões que podem prejudicar o interesse comum perpetrados pelo Poder Executivo. Aqui está o papel do parlamento no controle e oposição ao governo estabelecido contribuindo para o bom andamento dos negócios públicos. Portanto, o Legislativo contribui para o debate e controle da política governamental, mas sem deixar sua missão precípua: a elaboração das leis. Segundo Ferreira Filho (1977), esta é a “tarefa mais nobre” do Parlamento.
Ao tratar do poder financeiro do parlamento, o autor, afirma que este se encontra na criação de tributos e na fixação do orçamento e tais competências não podem ser deixadas ao bel prazer do Executivo. O Legislativo é quem deve criar e fiscalizar a aplicação dos tributos e dos recursos orçamentários principalmente na República onde os representantes são temporários e não donos do poder. A fiscalização deve ser realizada em razão dos vultosos recursos manipulados pelo Estado e seus múltiplos empreendimentos, o que também faz com se multipliquem as possibilidades de mau uso dessas somas.
Para o doutrinador, a autenticidade da representação do povo pelos parlamentares depende de dois fatores: o sistema eleitoral e a estrutura partidária. O primeiro não pode afastar o eleitor do eleito; o contrato entre eles deve ser permanente. Destaque merece a opinião do autor sobre o sufrágio distrital, para quem o corpo eleitoral circunscrito e determinado ouve com mais atenção as críticas e solicitações. Pelo segundo fator – a estrutura partidária – os partidos não podem ser oligárquicos. Para o bom andamento do Estado é necessária tanto a representação do interesse geral e como a representação dos interesses particulares, mas no Parlamento todos devem falar em nome do bem comum mesmo quando tratarem de interesse que provenham de lobbies. Segundo o autor, é melhor ter estas representações particulares às claras do que a atuação clandestina e incontrolada deste segmento no âmbito do Poder Legislativo.
Destaca, ainda, que a assessoria no Legislativo exerce função fundamental para que este desempenhe bem sua missão. É necessária uma organização complexa e de alto nível, composta por especialistas que conheçam os problemas nacionais.
 
2.3 A importância do Legislativo: conclusões do autor.

Ao finalizar a análise, Ferreira Filho (1977) destaca em sua obra a importância do Legislativo em todas as fases de luta pela afirmação da identidade nacional, em cada bandeira levantada e que faltamente sempre resultaram em intervenções e modificações políticas.
Guardião da liberdade, voz da Democracia, ainda é o Legislativo. É defensor da liberdade, mas esta não é criada por ele. A liberdade se enraíza na consciência dos homens. Surge irresistível, quando, tendo presente que é responsável pelo próprio destino, o povo quer ser livre. Assume o encargo de ser livre. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 103)
Enfatiza a importância da participação popular na condução dos governos, no rumo da democracia: “[...] Não são as instituições sozinhas que fazem a Democracia, esta provém da consciência dos homens.” (FERREIRA FILHO, 1977, p. 104)
Ressalta ao final as palavras do Padre Antônio Vieira, na obra Sermões (1951):
Dizia Vieira que não ‘há mando mais mal sofrido nem mais mal obedecido que o dos iguais’. Aí está, numa formula concisa, resumida a dificuldade inerente ao governo democrático. Fora da Democracia, porém, não há governo compatível com a liberdade humana. Sem Parlamento, respeitado e livre, ensina a História, não pode haver nem liberdade, nem democracia! (Ferreira Filho, 1977, p. 104)
  
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dois capítulos acima analisados, extraídos da obra deste renomado doutrinador do Direito Constitucional brasileiro, trazem uma visão clara da importância do Poder Legislativo na manutenção do Estado Democrático nacional. Desde suas raízes históricas até as discussões sobre a democracia representativa, em especial sobre a viabilidade dos modelos sobre os partidos políticos, é possível verificar que diante de toda a evolução social, ainda não há meio que se sobreponha a estruturação do Estado democrático.
A idéia de Rousseau onde um Estado verdadeiramente democrático só existe para um governo de deuses e não de homens não é de toda questionável. Os homens são falíveis e sofrem influências de toda ordem, inclusive do progresso que tem experimentado de maneira cada vez mais acelerada nos últimos anos. Sendo um ser individualista por natureza[3], o homem frequentemente é confrontado por suas posições morais e éticas em conflito com os interesses coletivos. Entretanto, ainda não se concebeu um modelo de governo sem vícios, e fatalmente ele não existirá. Afinal os erros são inevitáveis em um governo feito por homens.
As críticas feitas ao modelo da democracia pelos partidos conforme adotado pelo constitucionalismo brasileiro não se perderam no tempo, ao contrário, perpetuam-se acentuadamente nos últimos anos. A obra publicada em 1977 encontra vasta contemporaneidade com publicações da imprensa atual. Para ilustrar, a reportagem publicada pela Revista Veja, em 09 de março de 2011, critica veementemente a falta de ideologias dos partidos políticos atuais, que estão mais interessados na grande fatia do “bolo” chamado tributos que despencam nos caixas da União. A base de aliados do governo se expande, pois todos estão interessados em conseguir mais recursos financeiros do governo federal para os Estados e Municípios que comandam, e assim uma das principais funções do Legislativo que é a fiscalização do Executivo torna-se inexistente e o que deveria ser negociação acaba tornando-se cooptação.[4]
Estes e outros problemas que assolam a democracia brasileira e de outras nações é que levam ao descrédito nos poderes Legislativo e Executivo nacionais, tornando aqueles que deveriam representar o povo e cuidar do bem-estar da coletividade em meros detentores de poder sem confiabilidade, comprometendo inclusive aqueles que de alguma forma ainda tentam moralizar a política nacional e adequá-la aos anseios de uma sociedade comprometida com o desenvolvimento equilibrado e próspero, atuando com ética e responsabilidade em suas ações.
Nesta ótica o atual século XXI presencia o declínio dos poderes Legislativo e Executivo, motivado sobretudo pela falta de pró-atividade diante dos problemas gerados pelo acelerado desenvolvimento. O espaço deixado pela falta de atuação esta sendo paulatinamente ocupado pelo Judiciário, fenômeno que muitos estudiosos vêm intitulando de “judicialização da política”, que por extensão e complexidade merece estudo especial que não cabem nestas simples considerações. O alerta serve apenas para que sejam repensadas as bases em que foram construídos os pilares da democracia, primando pela separação dos poderes e, principalmente, pelo sistema de freios e contrapesos que cada um deles deve exercer para a manutenção real da democracia.
O momento é de repensar os rumos da democracia atual e da função dos poderes que compõem o Estado nacional. O futuro é incerto e não existe nada imutável, sendo a própria evolução da democracia resultado destas transformações. Mas o que não pode ser deixado de lado são os erros do passado para evitar a estagnação no presente. Se o povo perde representatividade e permanece passivo estará fadado a conviver com o sistema ditatorial que virá à tona mais cedo ou mais tarde, seja ele de qualquer índole. É preciso evitar tal retrocesso através do fortalecimento do Poder Legislativo com pessoas e partidos políticos comprometidos realmente com o Estado-nação e não com a defesa de interesses individualistas e ilegítimos no Parlamento.
 
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Vade Mecum Compacto. Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Sete vezes democracia. São Paulo: Convívio, 1977.
NOLETO, Mauro Almeida. Justiça e Democracia: notas sobre a participação da Justiça Eleitoral na construção da democracia política brasileira. IESB. 2008. Disponível em: < http://www.iesb.br/ModuloOnline/Atena/arquivos_upload/Noleto.pdf >. Data da pesquisa: 06.jun.2011.
PORTELA, Fábio. Mamãe, eu quero mamar. In: Revista Veja: “Ei, você aí, me dá um partido aí...”. Ed. 2207. Ano 44. n. 10. 09 mar. 2011. p. 40-47.
TAVEIRA, Adriana do Val Alves. Democracia e Cidadania no Contexto Atual. UFG. R. Fac. Dir. UFG, V. 33, n. 1, p. 129-138, jan. / jun. 2009. Disponível em: <www.revistas.ufg.br/index.php/revfd/article/download/9805/6696>. Data da pesquisa: 06.jun.2011.
XIMENEZ, Júlia Maurmann. Reflexões sobre o conteúdo do Estado Democrático de Direito. IESB. 2008. Disponível em: <http://www.iesb.br/ModuloOnline/Atena/arquivos_upload/Julia%20Maurmann%20Ximenes.pdf >. Data da pesquisa: 06. jun.2011.
 Notas:

 [1] A Constituição Federal de 1988 não trouxe por acaso como primeiro capítulo do Título IV, que trata da Organização dos Poderes, as disposições sobre o Poder Legislativo, afinal a Constituição cidadã que estabelece no preâmbulo a instituição de um “Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social [...]”, possui no Poder Legislativo o principal responsável pela efetivação de todos estes pilares, desde que ele esteja ativo e atento para os interesses da coletividade. Somente com um Poder Legislativo atuante e comprometido com os anseios sociais e os pilares constitucionais será possível a consagração efetiva do ideal democrático da atual República Federativa do Brasil. Temos na Constituição Federal de 1988 a preponderância do modelo de Montesquieu, assim como aconteceu na Inglaterra do século XIX.
[2] Adriana do Val Alves Taveira, em estudo publicado em 2009 pela Universidade Federal de Goiás, afirma que a democracia moderna foi fundada no Estado Liberal mais não ficou restrita a este. A doutrina do Estado de bem-estar social, aplicada inicialmente na República Alemã de Weimar em 1919 e formulada teoricamente por economistas como John Maynard Keynes que na obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” estabeleceu as proposições do Estado intervencionista com a busca de direitos sociais que deveriam ser assegurados não como caridade, mas como direitos inerentes à cidadania. Pela teoria do Estado intervencionista a estabilidade econômica e social é alcançada através de medidas socializantes, com um Estado Social Democrático sistematizando direitos econômicos e sociais do homem que jamais foram idealizados pelo Estado Liberal. (TAVEIRA, 2009, p. 06)

[3] Individualismo este ressaltado pelo próprio autor citando inclusive as palavras de Frei Vicente de Salvador e de Oliveira Viana.
[4] Neste sentido, o jornalista Fábio Portela em reportagem veiculada pela revista Veja, empreende estudo sobre a falta do caráter ideológico nos partidos políticos e do jogo de interesses que existe entre os políticos nacionais que trocam de legenda com a mesma naturalidade de quem troca de “fantasia sem medo do ridículo”. O jornalista faz importantes observações, entre elas, uma que também é atestada pelo autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho no decorrer de sua obra: “Ao contrário do que ocorreu na Europa, onde os partidos surgiram com os Estados modernos e se organizaram em torno de grandes doutrinas ideológicas, as siglas, no Brasil, sempre responderam a líderes, raramente a ideias. [...] as matrizes da política brasileira foram criadas por conveniência, e não guiadas por um ideário. [...] Partidos de mais para ideias de menos, como se pode concluir pela análise dos programas da maioria das siglas”. (Revista Veja, Edição 2207, ano 44, n° 10, 09/03/2011, p. 41-47).

------------------------------------
Giselle Borges Alves, advogada em Unaí/MG, Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Cenecista - INESC/CNEC; pósgraduanda em Direito Processual Civil pela Rede de Ensino Luís Flávio Gomes em parceria com a Universidade Anhanguera Uniderp e o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

Sobre o texto:
Resenha elaborada apartir da relatoria dos capítulos III e IV da obra "Sete Vezes Democracia" do autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, na reunião do Grupo de Pesquisa em Direito Público - Professora Juliana Guedes, sob coordenação da Prof. Ms. Ivete Maria de Oliveira Alves, realizada em 10 de março de 2011.

Novo CPC veste melhor as garantias da Constituição


 (Texto publicado no site "Consultor Jurídico - Conjur")

O Projeto 8.046/2010, que institui o novo Código de Processo Civil, tem despertado muita polêmica na comunidade jurídica. Há setores que se posicionam contra a sua aprovação ou pretendem modificá-lo quase por completo. A maioria das críticas centra-se na alegada falta de debate na elaboração do projeto.

O projeto do novo CPC é originário do Senado Federal. Atendendo a um reclame da maioria da doutrina, o Senado nomeou uma Comissão de Juristas para confeccionar o anteprojeto. A Comissão foi composta por renomados processualistas de várias regiões do país, foi presidida pelo ministro Luiz Fux e teve a relatoria da professora Teresa Arruda Alvim Wambier, sem dúvida alguma, dois respeitados processualistas.

Antes de concluir o anteprojeto, a Comissão de Juristas fez audiências públicas em praticamente todos os estados, ouvindo todos aqueles que quiseram se manifestar. A Comissão ainda instou os órgãos representativos da comunidade jurídica, como a OAB, IAB, AMB, Ministério Público e Defensoria Pública, para apresentar suas propostas.

Após ser entregue ao Senado, o texto converteu-se em projeto e teve a revisão de uma Comissão Especial, composta igualmente por notáveis processualistas, que realizou novas audiências públicas, antes de dar seu parecer final. Com os ajustes dessa Comissão, o Projeto do novo CPC foi aprovado pelo Senado e, atualmente, se encontra em discussão na Câmara dos Deputados.

Depois de o texto ser submetido a duas Comissões e ter passado por duas rodadas de audiências públicas, é insensato afirmar que não houve debate na elaboração do projeto. E ainda falta a apreciação da Câmara, onde o projeto será submetido a novo contraditório. Parece-me, assim, que as críticas decorrem mais de vozes que não tiveram suas sugestões acatadas, e querem, a todo custo, impor as suas escolhas, do que propriamente da reclamada ausência de discussão.

Quanto ao conteúdo, o projeto contém inegáveis avanços. Ele consolida as reformas processuais que vêm modificando o atual Código desde 1994, tem previsões que se harmonizam melhor com a Constituição e prevê mecanismos para imprimir maior rapidez aos julgamentos dos processos. Dentre esses mecanismos, destaquem-se a simplificação procedimental, que tornará os procedimentos mais racionais, e o incidente de resolução de demandas repetitivas, que permitirá ao Judiciário, por meio de uma única ação, julgar a tese jurídica que se repete em múltiplas demandas. Diga-se, aliás, que esse último expediente contribuirá muito para desafogar o Judiciário, principalmente os Juizados Especiais Cíveis, que, como se sabe, são reféns das ações repetitivas.

O projeto também foi generoso com os advogados. E não poderia ser diferente, já que a Comissão que confeccionou o anteprojeto foi composta majoritariamente por advogados, dentre eles o atual secretário-geral da OAB Federal, Marcus Vinicius Furtado Coelho.

Efetivamente, há várias conquistas para a advocacia.

O projeto previu os honorários de sucumbência recursal, que constituem a fixação de novos honorários a serem pagos pela parte que perde um recurso e, por conseguinte, representam novos valores a serem recebidos pelo advogado.

Além do advogado que atua na causa, a sociedade de advogados a que ele pertence também será intimada de todas as decisões judiciais. Essa inovação acabará com os problemas havidos no momento em que um advogado se retira do escritório e, por qualquer motivo, não faz o substabelecimento em todos os feitos no qual atua.

O projeto também dispõe sobre a possibilidade de o próprio advogado fazer a intimação das testemunhas que arrolou, evitando-se as diligências cada dia mais lentas dos oficiais de Justiça e, em consequência, o adiamento das audiências.

A unificação dos prazos recursais em 15 dias e a contagem de todos os prazos processuais apenas em dias úteis, reclames antigos da nossa classe, facilitarão a nossa vida profissional e, mais do que isso, garantirão finais de semana de descanso para os advogados, o que, hoje em dia, é inviável.

A obrigatoriedade de o juiz ouvir as partes, antes de decidir qualquer questão, inclusive de ordem pública, confere importância à participação processual do advogado, além de evitar as famosas “decisões surpresa”.

O projeto prevê, ainda, a sustentação oral no Agravo de Instrumento contra decisão de interlocutória que verse sobre tutela de urgência, aumentando a participação do advogado no julgamento dos Tribunais.

Por todas essas escolhas, mas, sobretudo, porque seu texto veste melhor as garantias processuais previstas na Constituição, o projeto do novo CPC merece e precisa ser aprovado.

-----
Sobre o autor:

Wadih Damous é presidente da OAB-RJ.
Sobre a fonte da publicação original:
Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2011.
Link para a postagem: http://www.conjur.com.br/2011-ago-18/texto-cpc-veste-melhor-garantias-previstas-constituicao
--------

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Avós não tem obrigação de arcar com necessidades alimentares da neta

05/08/2011
Fonte: TJGO

"A obrigação alimentar dos avós somente é justificável se o genitor não possuir condições financeiras de suprir as necessidades da alimentada, dada a natureza subsidiária e complementar de tal obrigação". Com esse entendimento, unânime, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), seguindo voto do desembargador Walter Carlos Lemes, manteve sentença do juiz Fernando Ribeiro de Oliveira, da 2ª Vara de Família de Goiânia, que negou pedido formulado por uma adolescente, em uma ação revisional de alimentos, para que seus avós paternos respondessem de forma subsidiária pela obrigação alimentar correspondente a 4, 5 salários mínimos mensal. A ação foi movida pela garota em desfavor do pai que pretendia estender tal obrigação também aos avós paternos.

Em suas alegações, a menor sustentou que seu avô recebe um "robusta aposentadoria", além de ser proprietário de inúmeros imóveis em Goiânia. Ao se referir à situação financeira do seu pai, a apelante argumentou que seu padrão de vida não condiz com o de uma pessoa que recebe uma remuneração ínfima, uma vez que ele adquiriu um imóvel à vista no Setor Bueno e que ainda administra os imóveis dos seus pais, utilizando parte dos rendimentos.

O relator observou que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes. "A obrigação recai nos familiares mais próximos em grau, uns em falta de outros", explicou. No entanto, ponderou que a apelante não provou que seu pai está, de fato, impossibilitado de suportar sozinho o encargo alimentar. Para ele, os 4,5 salários mínimos pleiteados pela apelante apresentam-se além de suas necessidades e da capacidade econômica do pai, que possui rendimentos na faixa de R$ 1.544,20. Ao final, observou que ela é maior de idade, está próxima de completar 20 anos e goza de boa saúde. "Argumento contrário não se acha provado nos autos. A conclusão que se chega é a de que a jovem tem capacidade laborativa para auxiliar na sua própria subsistência", frisou.

Ementa

A ementa recebeu a seguinte redação: "Apelação cível. Alimentos em face dos avós paternos; Revisional de alimentos em desfavor do pai. necessidade da alimentada. capacidade econômica do alimentante. Ônus da sucumbência. 1 - A obrigação alimentar dos avós somente é justificável se o genitor não possuir condições financeiras de suprir as necessidades da alimentada, dada a natureza subsidiária e complementar de tal obrigação". 2 - O valor dos alimentos deve obedecer ao comando do art. 1694, § 1º, do Código Civil de 2002, levando-se em conta a necessidade da alimentada e capacidade econômica do alimentante. 3 - Mantém-se a fixação do valor do alimento quando a recorrente não ter apresentado elementos de prova contundentes em torno da situação financeira de seu pai, que suporte a elevação da obrigação arbitrada. 4 - Somente inverte-se os ônus sucumbenciais quando o recorrente logra êxito na via recursal com o reconhecimento do direito pleiteado. Apelo conhecido e desprovido". Apelação Cível nº 433083-96.2009.8.09.0051 (200993430830). Comarca de Goiânia. Acórdão publicado em 3 de agosto de 2011.
 
 
(Notícia retirada do site IBDFAM - http://www.ibdfam.org.br/?clippings&clipping=4974)

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Ministério Público e a Constituição: em busca de um espaço público republicano

  Rubens Casara

Texto publicado originalmente no site Conjur.

29/07/2011

  
"Sixto Martinez fez o serviço militar num quartel de Sevilha. No meio do pátio desse quartel havia um banquinho. Junto ao banquinho, um soldado montava guarda. Ninguém sabia porque se montava guarda para o banquinho. A guarda era feita porque sim, noite e dia, todas as noites, todos os dias, e de geração em geração os oficiais transmitiam a ordem e os soldados obedeciam. Ninguém nunca questionou, ninguém nunca perguntou. Assim era feito, e sempre tinha sido feito. E assim continuou sendo feito até que alguém, não sei qual general ou coronel, quis conhecer a ordem original. Foi preciso revirar os arquivos a fundo. E depois de muito cavoucar, soube-se. Fazia trinta e um anos, dois meses e quatro dias, que um oficial tinha  mandado montar guarda junto ao banquinho, que fora recém-pintado, para que ninguém sentasse na tinta fresca".

Apresentação do problema

No Estado do Rio de Janeiro, bem como na maioria das unidades da federação, nos julgamentos criminais em 1º grau de jurisdição, reserva-se ao Ministério Público, na qualidade de parte autora, posição cênica de destaque nas salas de audiência, imediatamente à direita do órgão julgador, enquanto a defesa-técnica e o réu permanecem em plano inferior e afastados do juiz.

Procurar-se-á neste texto analisar a adequação dessa "estrutura cênica" ao modelo republicano e ao princípio do tratamento isonômico das partes no processo penal. Para tanto, parte-se da hipótese de que a estrutura patriarcal e a ideologia de casta entranhados na história da sociedade brasileira favorecem o surgimento de tratamentos privilegiados que não são sentidos/percebidos como tais.

A importância da concepção cênica igualitária

Ao contrário do que possa parecer a uma primeira vista, a questão proposta não é despida de interesse prático, pois todos os procedimentos judiciais, toda a composição e símbolos dos tribunais, inclusive a posição de cada um dos protagonistas da relação processual, tudo conspira à solução do caso penal. Em um tribunal, nada existe sem um sentido, sem uma funcionalidade real e concreta.

A disposição cênica da sala de audiência é uma forma de comunicação que é recebida, consciente e, por vezes, inconscientemente, pelas partes, pelo juiz e pela população. A proximidade física de uma das partes com o juiz, ambos presentando o Estado, gera no imaginário popular a impressão de promiscuidade funcional, de contaminação da imparcialidade, não raro confirmado por conversas ao pé-do-ouvido entre o acusador e o julgador. Tal fenômeno é refletido em várias pesquisas, cujos resultados são conhecidos, nas quais resta demonstrado que as pessoas não conhecem as verdadeiras funções do Poder Judiciário e do Ministério Público na justiça criminal. "O juiz me acusou" e o "promotor me julgou" são frases cotidianamente percebidas e que acabam por contribuir para distanciar ainda mais as agências estatais da população.

Nos crimes submetidos ao rito especial próprio do Tribunal de Júri, a distorção mostra-se ainda mais evidente, pois, diante de jurados leigos, tem-se uma das partes fincada ao lado do juiz togado ("contaminando-se, aos olhos da população, da imparcialidade judicial"), com a retórica, pouco sofisticada, de que não é o órgão de acusação, enquanto que a defesa-técnica e o réu permanecem em verdadeiro apartheid físico e social diante do corpo de jurados, da sociedade e, em especial, das famílias da vítima e do acusado que assistem a uma imagem (fortalecida pelo imaginário inquisitorial da sociedade brasileira) de verdadeiro complô para a expiração dos pecados do réu.

A redefinição do espaço público reservado à solução do caso penal, não representaria uma ofensa ou declaração da falta de importância da instituição Ministério Público, verdadeira pedra de toque do moderno modelo acusatório. Pensar o contrário é assumir como premissa que o advogado e o defensor público são menos importantes do que o Ministério Público na busca do processo justo. A manutenção de espaço privilegiado à acusação, por outro lado, perpetua uma percepção da realidade entranhada de vários preconceitos e revela, sem máscaras, uma ideologia de casta incompatível com a República.

Vale lembrar que a redação do artigo 41, inciso XI, da Lei nº 8.625/93 não sugere que o promotor de Justiça fique distante do advogado de defesa e do réu. Pode-se, perfeitamente, reservar assento à direita do magistrado desde que tanto a acusação quanto a defesa estejam eqüidistantes do julgador.

Sistema processual, formas e estrutura da sala de audiência

Um sistema processual não é apenas uma determinada forma de processo, mas um modelo completo de organização judicial, com sujeitos processuais específicos, com estruturas cênicas bem definidas e uma cultura de contornos bem precisos. Assim, reconhece-se que no Estado moderno as estruturas judiciais exercem a função de exteriorizar "a nova linguagem dos sistemas judiciais" e lentamente moldam "o mundo e a cosmovisão judicial"(1).

Não se pode analisar a questão posta ancorado em uma consideração pobre e formal da estrutura das salas de audiência e das práticas institucionais. Ao contrário, deve-se partir da idéia básica de que as formas, os signos e as estruturas processuais sempre estão vinculados a práticas concretas, com conseqüências reais, e necessitam ser pensadas a partir de suas funções (reais, ocultas ou não), em especial, da consideração de que as formas, estruturas e signos judiciais existem para proteger o imputado "da violação de princípios pensados para salvaguardar sua pessoa do uso abusivo do poder penal"(2).

Na atuação do Ministério Público, as formas e as práticas institucionais (da mesma forma que as prerrogativas) devem guardar pertinência com "a defesa correta dos interesses a seu cargo"(3). Dito de outra forma, as prerrogativas, os poderes e as faculdades do parquet são mecanismos que permitem (e só por isso se justificam) a concretização dos fins institucionais de tão importante agência estatal.

Os argumentos contrários à tese da concepção igualitária da sala de audiência assumem a feição de abstrações generalizantes desassociadas de considerações acerca da instrumentalidade das formas e acabam por omitir a discussão acerca da existência, ou não, de razões concretas para o Ministério Público, enquanto parte no processo penal, tomar assento em plano diverso do da defesa-técnica, à direita da agência judicial. Em outras palavras, o debate sobre o tema deve responder a uma indagação fundamental à causa: estar sentado ao lado do órgão judicante interfere no exercício das funções institucionais do Ministério Público?

Desnecessário, ainda, declarar que a estrutura cênica da sala de audiências está entre as condições de legitimidade dos julgamentos.  Percebe-se, portanto, que a concepção igualitária funciona, ao mesmo tempo, como verdadeiro princípio de proteção do imputado (ao assegurar a par condicio) e condição de legitimidade dos atos estatais (imagem de imparcialidade, com as partes eqüidistantes do órgão judicante).

Logo, se existir um real conflito entre uma "prerrogativa" (rectius: privilégio) do acusador público, de um lado, e os princípios de proteção do imputado e as condições de legitimidade do julgamento, de outro, sempre devem prevalecer estes últimos. Não se trata de menosprezar as "razões de Estado" que levaram à criação do Ministério Público, mas de empreender esforços "contra a desumanidade e insensibilidade das burocracias judiciais"(4). A correta solução do impasse, portanto, "obriga à reflexão teórica a pôr em primeiro plano a função substantiva de proteção das formas"(5). Não mais se sustentam análises e teorias que pregam (com a conotação do termo ligada à fé) a forma tão-somente pela forma (distorção da ideologia do ritualismo), sob pena de manterem-se práticas, reiteradas sem reflexão, que podem constituir tanto tradições quanto vícios.

O Ministério Público, também como parte, sempre atua adstrito à legalidade, como ocorre com os funcionários públicos em geral. Nessa dimensão, "as formas ordenam a atividade desses funcionários para que eles intervenham nos estritos limites de sua função e sob direção exclusiva do que a lei lhes indica como âmbito de sua competência"(6).

No processo penal, as formas, inclusive a concepção cênica da sala de audiência, atendem à disciplina da atividade acusatória. Diante da Constituição da República de 1988, a estrutura da sala de audiências tem como função possibilitar a proteção dos direitos e garantias fundamentais (contraditório, igualdade, etc.). Como bem definiu Geraldo Prado, em recente evento acadêmico da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Criminais, "as formas não devem proteger meras rotinas, sem função alguma, até porque quando o fazem tutelam interesses sob o manto de ideologias inconfessáveis".

Sistema acusatório, processo de partes e devido processo penal

Como se sabe, o Brasil adota o modelo processual acusatório, no qual as funções de julgar, acusar e defender estão entregues a órgãos diferentes e são (ou deveriam ser) rigorosamente separadas. Assim, tem-se um processo de partes, no qual a solução do caso penal é construída dialeticamente pelos sujeitos processuais, que para tanto devem gozar de igualdade de armas, de tratamento igualitário. A garantia do devido processo legal, em sua moderna concepção, engloba, além dos direitos subjetivos das partes, fatores objetivos, garantias do processo e elementos concretos que ajudem na legitimação da função jurisdicional.

No Brasil, portanto, há um processo penal de partes, com a determinação constitucional de que o Poder Judiciário busque a igualdade material entre a acusação pública e a defesa e, ao mesmo tempo, assegure o efetivo contraditório, com paridade de armas. A igualdade entre as partes há de ser entendida em sentido material e dinâmico, com o equilíbrio em todos os aspectos capazes de influir (consciente ou inconscientemente) na construção dialética da sentença penal.

Impossível querer impor a legislação infraconstitucional de regência do Ministério Público quando em flagrante oposição às normas e diretrizes constitucionais. Por fim, com Ada Pellegrini Grinover, vale ressaltar que "é sem dúvida condenável a postura corporativa que quer reivindicar para os operadores jurídicos de determinada categoria uma posição de privilégio com relação à outra. Aliás, vale lembrar que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, no art, 25, V, determina, como direito do advogado, o de tomar assento à direita dos juízes de primeira instância. E amanhã a Lei Complementar da Defensoria Pública poderá prescrever a mesma prerrogativa, em benefício dos integrantes da carreira. O que é no mínimo lamentável, quando não ridículo"(7).

Ainda segundo Ada Grinover, o melhor seria se os operadores jurídicos "para além de vaidades corporativas, refletissem a magnitude de seus respectivos ofícios, mas no pleno respeito à relevância dos outros, aceitando que seus integrantes se sentem lado a lado, em local próprio e distinto daquele em que se desenvolve o ofício jurisdicional"(8).

À guisa de conclusão

Na concepção cênica igualitária, a separação de poderes está mais do que nunca assegurada. Separa-se, também no imaginário popular, a agência judicial e o órgão que veicula a retensão punitiva do Estado-administração, contribuindo para a criação de uma cultura constitucional na medida em que dificulta a confusão entre o Estado-juiz e o Estado-persecutor, formando-se uma significação social de efetiva separação das funções estatais. Vale lembrar que a própria origem do Ministério Público está ligada à necessidade de se preservar a imparcialidade do órgão julgador e ao mesmo tempo assegurar uma acusação pública atrelada ao princípio da legalidade.

Por fim, a desigualdade material entre o Ministério Público, de um lado, e a defesa-técnica, do outro, acaba por recomendar a concepção igualitária da sala de audiências. Os poderes e (reais) prerrogativas de que goza o Ministério Público fazem com que a agência judicial, garante da igualdade processual, tenha que adotar medidas que minorem a desproporção de forças entre as partes. Ao lado do rol de garantias rotuladas de favor rei, coloca-se o direito da defesa (e de cada cidadão) de estar no mesmo plano físico que a acusação, sem apegos à tradição, apenas à Constituição da República.

Termina-se com a convicção que a reformulação de práticas e estruturas desassociadas do desenho constitucional da sociedade que se quer construir permitirão o nascimento de uma cultura efetivamente republicana e democrática. No mais, como bem realçou Geraldo Prado, ao se pronunciar sobre o tema no evento acima nomeado, "o Ministério Público não se dignifica por estar ao lado do juiz, na sala de audiências, e sim por estar cada vez mais próximo de sua missão constitucional. A colocação do Ministério Público no mesmo plano da defesa transforma o ambiente processual e transmite à comunidade a idéia da igualdade de tratamento e paridade de armas que não se encontra no posicionamento tradicional, fundado em uma inadmissível superioridade funcional do órgão de acusação pública, superioridade rejeitada pela Constituição da República em prol da própria Instituição e de seus membros".


Notas
(1) BINDER, Alberto. O Descumprimento das Formas Processuais, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 32.
(2) BINDER, Alberto. Ob. cit., p. 36.
(3) Idem, p. 36
(4) Idem, p. 39
(5) Idem, p. 39
(6) Idem, p. 103
(7) GRINOVER, Ada. O Processo em Evolução, Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1998, p. 317.
(8) GRINOVER, Ob. cit., p. 318.

---------------------------

Sobre o autor:

Rubens R.R. Casara é Juiz de Direito do TJ/RJ, mestre em Ciências Penais pela UCAM/ICC, professor universitário, membro do Movimento da Magistratura Fluminense pela Democracia e da Associação Juízes para a Democracia.
**Boletim Ibccrim v.13, n.151, p. 6-7, jun. 2005
-------------------------
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 29 de julho de 2011.

http://www.conjur.com.br/2011-jul-29/ministerio-publico-constituicao-busca-espaco-publico-republicano


quinta-feira, 28 de julho de 2011

Prerrogativas processuais da Fazenda não se aplicam a paraestatais de direito privado



O Supremo Tribunal Federal reafirmou jurisprudência da Corte no sentido de que as entidades paraestatais que possuem personalidade de pessoa jurídica de direito privado não fazem jus aos privilégios processuais concedidos à Fazenda Pública. A decisão dos ministros ocorreu por meio de votação no Plenário Virtual do STF na análise do Agravo de Instrumento (AI) 841548, que teve repercussão geral reconhecida.
O agravo foi interposto pela Paranaprevidência contra decisão que indeferiu o processamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). A questão suscitada neste recurso versa sobre a forma da execução das decisões que condenam a Paranaprevidência, pessoa jurídica de direito privado e prestadora de serviço social autônomo em cooperação governamental, a pagar quantia em dinheiro.
No AI, discute-se qual rito deve ser observado, se o disposto no artigo 475-J ou o estabelecido pelo artigo 730, ambos do Código de Processo Civil (CPC), à luz do artigo 100 da Constituição Federal.
O ministro Cezar Peluso, relator do processo, considerou admissível o recurso. Segundo ele, estão presentes os requisitos formais de admissibilidade, motivo pelo qual deu provimento ao agravo e o converteu em recurso extraordinário.

Mérito

Peluso lembrou que o Supremo já tem jurisprudência firmada no sentido de que as entidades paraestatais que possuem personalidade de pessoa jurídica de direito privado não têm direito às prerrogativas processuais concedidas à Fazenda Pública. Como precedentes da matéria, o ministro citou os AIs 783136, 349477, 838206 e 818737. Assim, no mérito, o Plenário Virtual do STF reafirmou a jurisprudência da Corte para negar provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Ayres Britto e Marco Aurélio.

Fonte: STF
Notícia publicada em 28/07/2011.

terça-feira, 26 de julho de 2011

JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE

Henrique Hiroshi de Melo Asanome


O Direito a Saúde é previsto na Constituição Federal de forma universal. Assim, é um direito social fundamental concedido a todas as pessoas. A aplicação do direito a saúde é imediata, conforme prevê o § 1º do artigo 5º da Constituição Federal.

Tal afirmação ainda pode ser extraída do artigo 196 da referida Carta Magna:

A saúde é direito de todos e dever Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção e recuperação.
O que pouca gente sabe é que o dispositivo acima exposto se trata de uma norma dirigente/programática [1]. Tais normas orientam os rumos da Administração Pública (órgãos de governo que exerce função política e órgãos e pessoas jurídicas que exercem função administrativa). Esses rumos criam um programa de ação obrigatória estabelecendo uma obrigação de resultado – e não apenas de meio. Exemplo: O Estado cria as metas a serem cumpridas e não as formas de cumpri-las.

Além disso, cabe enfatizar que esses objetivos estão previstos no artigo 3ª da Constituição Federal:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminalização.
Para que o acesso à saúde fosse possível, criou-se o Sistema Único de Saúde (SUS), regulamentado pelas Leis 8.080/90 e 8.142/90, financiado pelos tributos pagos pela população. A finalidade do SUS é tornar universal a assistência à saúde e o atendimento gratuito e público a qualquer cidadão, oferecendo tratamentos e medicamentos de forma gratuita. 

Diante da omissão ou ineficácia do Estado na prestação da assistência à saúde, surge um fenômeno nomeado de Judicialização do Direito a Saúde, que resume-se na provocação e atuação do Poder Judiciário em prol da efetivação do direito a Saúde, ou seja, o juiz não age por iniciativa própria, há a necessidade de ser provocado/acionado, conforme as regras processuais para que ele possa conceder a tutela/amparo/defesa do direito à saúde.

O direito à saúde está inserido em um mínimo existencial – é pressuposto para uma existência digna. Nesse contexto o Judiciário é provocado para a realização de tratamentos médicos e fornecimento de medicamentos – inclusive os que demandam altos custos. Cabe ao estado-juiz amparar o direito à saúde e a Administração Pública (Federal, Estadual, Distrital e Municipal) cumprirem a decisão. Só assim serão dados os primeiros passos rumo à efetivação de tal direito.

----

Nota:
[1] CANOTILHO, J. J. Gomes. Curso de direitos constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina. 1997.


----

Henrique Hiroshi de Melo Asanome
Advogado
Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Cenecista-INESC.
Unaí/MG.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Flash Mob: Licitude no Direito Coletivo do Trabalho?

Alexandre Pimenta Batista Pereira

Professor Adjunto na Universidade Federal de Viçosa;
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais;
Pesquisador-Visitante na Universidade de Gieben/Alemanha (2006/2008) e no Max-Planck-Institut für ausländisches un internationales Privatrecht em Hamburgo/Alemanha (2010/2011).

(Artigo publicado originalmente na Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, v. 22, n° 264, junho/2011)


Resumo: A ação flash mob se incrementa com o avançar das tecnologias de comunicação e aparece, com destaque, em recentes estudos da jurisprudência alemã. Afinal, é lícito o instrumento de pressão relâmpago, produzido por manifestantes, sem um necessário vínculo com o movimento sindical, com o objetivo de perturbar o funcionamento da empresa?

PALAVRAS-CHAVE: Direito coletivo do trabalho; instrumentos de pressão; sindicato; flash mob; greve.

Abstract: The flash mob action is increased with advancing of communication technologies and appears, with emphasis, on recent of German Law. Is allowed the lightning pressure instrument, produced for manifestants not necessary link with the trade union movement with the goal of disrupting the operation of the company?

Keywords: Collective labor law; pressure instruments; trade union, flash mob; strike.

Sumário: Introdução; 1 Flash Mob: o que é isso? ; A recente discussão na Alemanha; 3 Liberdade quanto aos meios de pressão?; 4 Sabotagem?; 5 Em busca de uma ponderação adequada; Referências.


INTRODUÇÃO

É certo que, com o reconhecimento do trabalho como valor social, a greve também ganha relevo na ordem jurídica. A consagração da greve como instrumento de pressão coletiva se confunde com o próprio desenvolvimento do Direito do Trabalho: superada a inicial vertente de proibição, chega-se a um resplandecer de legitimidade pela consolidação democrática. A greve é, decerto, um instrumento de pressão, presente nas Cartas Constitucionais.

O ordenamento juslaboral coletivo brasileiro prevê a greve como um direito social fundamental, sem desenhar contornos específicos: na Constituição da República, art. 9°, §2°, enfatiza-se a prerrogativa da oportunidade de exercício e da escolha dos interesses pelos trabalhadores; na lei de greve (art. 2° da Lei n° 7.783 de 1989), confere-se o exercício do direito a partir da suspensão temporária e pacífica da prestação laboral. A Constituição e a lei de greve cuidam de alertar que o cometimento de abusos sujeita os responsáveis às penalidades da lei (penal, civil, trabalhista). É vedada a constrição ou violação a direitos e garantias fundamentais de outrem: art. 6° da Lei 7.783 e 1989.

Afinal, é legítimo o movimento de aglomeração que busca obstruir a atividade empresarial? É permitido reconhecer a licitude no movimento de obstrução que, por uma ação relâmpago, divulgada em meios de comunicação eletrônicos, ocupa o estabelecimento e, aproveitando-se de participantes alheios às pretensões sindicais, perturba o funcionamento empresarial? Prevalece o exercício do direito de greve em face da garantia do direito de propriedade e do princípio da livre iniciativa?


1. FLASH MOB: O QUE É ISSO?

Flash mob significa mobilização relâmpago; representa a formação de um aglomerado de participantes que não se conheçam. A organização do evento é estruturada por comunicações instantâneas, geralmente SMS ou e-mail; combina-se um encontro em lugar público e daí se executa um ação repentina, um happening, que ocasione tumulto, dispersando os manifestantes tão rapidamente quanto se reuniram.[1]

O primeiro flash mob aconteceu em 2003, em Nova York. Aproximadamente, cem manifestantes encontraram-se, a partir de mensagens por correio eletrônico, em frente a um hotel, persistiram ali, por alguns minutos, e depois desapareceram.[2]

Carece no movimento a determinação de um liderança direta. Não comparece, obrigatoriamente, o anseio de reivindicação, próprio do sindicalismo. O aglomerado é formado por comunicações instantâneas, em regra virtuais, sem uma relação jurídica subjacente entre os participantes, tendo por objetivo promover certa perturbação social.

2. A RECENTE DISCUSSÃO NA ALEMANHA

Em 22 de setembro de 2009, o Tribunal Federal do Trabalho (Bundesarbeitsgericht – BAG) teve a oportunidade de decidir sobre a licitude do flash mob como instrumento de pressão. O processo se refere a uma ação promovida pela central Ver.Di em dezembro de 2007.

Ver.Di é abreviatura de Vereinte Dienstleistungsgewekschaft; designa a União Sindical de Serviços e engloba mais de mil profissões diferentes, tendo mais de dois milhões de filiados. Abrange uma reunião de diversos setores de prestação de serviços, desde educação, saúde, correiros, até telecomunicações e serviços financeiros.[3]

A ação foi bem orquestrada pela Ver.Di propagado, via SMS e e-mail, o ponto de encontro. A multidão ocupou o estabelecimento, obstruindo a atividade empresarial, colocando-se, diante do caixa, com artigos de baixíssimo custo, apenas com a intenção de tumultuar o funcionamento do negócio. Depois de aproximadamente 45 minutos, os participantes evacuaram o local.[4]

Por trás do SpaB-Happening (acontecimento por diversão), importantes discussões são travadas em torno da legitimidade do instrumento de pressão. É permitido reconhecer licitude em uma espécie de movimentação ativa que busca a perturbação da atividade empresarial – eine aktive Betriebsstörung?.[5]

O Tribunal Estadual Trabalhista de Berlin-Brandenburgo (Landesabeitsgericht) considerou a ação ilícita, entendendo que as condições utilizadas não foram pacíficas. O movimento, ademais, aproveitou-se de pessoas sem qualquer vínculo com as pretensões de coalizão.[6]

O Tribunal Federal Do Trabalho - Bundesarbeitsgericht – BAG – reformou, porém, a decisão, ao entender que o empregador tenha instrumentos específicos para se defender, quer pela ação jurídica, quer pelo fechamento temporário da empresa.[7] Os instrumentos de pressão não se esgotam em si mesmos; superam um elenco numerus clausus e estão inseridos na estrutura do preceito fundamental da liberdade de coalizão (Koalitionsfreiheit). O flash mob não representa, segundo o BAG, boicotagem ao funcionamento da empresa, nem mesmo um comportamento que infrinja a lei ou os bons costumes.[8]

O entendimento do BAG tem sido vítima de fervorosas críticas doutrinárias.

A validade do flash mob expandiria, em demasia, a legitimidade do instrumento de pressão – Arbeitskampfmittel. A uma, porque o sindicato não teria qualquer controle sobre os participantes, podendo haver danos em escalada. A duas, porque a atitude feriria o princípio da paridade de luta (Kampfparität) entre os entes coletivos.[9]

O meio de pressão não pode servir de pretexto para ocasionar violação da propriedade alheia e legitimar danos à produção e máquinas. Säcker e Mohr chegam a admitir que o BAG, pela decisão do flash mob, deixou de lado a necessária ponderação entre o Direito do Trabalho e o direito econômico e fez, do instrumento de pressão, “um cavalo de Troia contra a ordem econômica justa”.[10]

Cumpre observar que à luz do ordenamento alemão, o exercício do direito de associação deve ser necessariamente pacífico e sem armas – friedlich und ohne Waffen - , como disciplina o art. 8° da Lei Fundamental Alemã (Deutsches Grundgsetz – GG). O art. 9°, inciso 3°, da GG destaca que os mecanismos de pressão devem, substancialmente, visar a promover a respeitar formas e condições de trabalho – zur Wahrung und Förderung der Arbeits – und Wirtschaftsbedingungen.

Não existe liberdade dos meios de pressão. Os mecanismos de coerção coletivos necessitam, antes, de um enquadramento jurídico que os legitime. Nesse sentido, doutrina e jurisprudência convergem-se em reconhecer o boicote e a ocupação da empresa como meios de ilícitos de realização do movimento paredista.[11]

No flash mob, há ainda um complicador: participam do movimento pessoas sem qualquer interesse pela negociação coletiva. São, muitas vezes, meros curiosos, que integram o aglomerado, insuflados pela mobilização virtual. Aceitar que participantes alheios à coalizão possam se inserir na marcha paredista contraria, sobretudo, o princípio da lealdade das negociações coletivas – faire Kampfführung.[12]

3. LIBERDADE QUANTO AOS MEIOS DE PRESSÃO?

As ordens democráticas permitem, fundamentadamente, a suspensão da prestação laboral como técnica de pressão. Há, pois, necessariamente, um matiz omissivo na greve. Não se autorizam ações que busquem fomentar danificação no estabelecimento, ocupação na empresa. “Apenas as obrigações contratuais são suspensas; a propriedade capitalista permanece intocável”.[13]

A lei de greve brasileira não autoriza, em princípio, atos de ocupação; apenas se considera legítimo o exercício do direito pela “suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador” – art. 2° da Lei n° 7.783 de 1989. Não são toleráveis violações a direito fundamental de outrem, nem manifestações que impeçam o acesso ao trabalho ou causem dano à propriedade (art. 6°, §1°, da Lei 7.783 de 1989).

Então se pode reconhecer lícita a ocupação relâmpago do estabelecimento, movida por manifestantes alheios à negociação?

Maurício Godinho Delgado lembra que a lei de greve atual prefere não determinar a estratégia paredista. O núcleo do movimento está associado à sustação provisória das atividades laborais. Mas a lei não exclui condutas positivas relacionadas com as ações preparatórias do movimento. “A greve é antecedida de atos preparatórios e, logo a seguir, de atos de ampliação, preservação e administração do movimento, além de atos de divulgação intraempresarial e social da parede deflagrada. Consta, desse modo, também de atos positivos a ela conexos, que não descaracterizam, evidentemente, o instituto”.[14]

É interessante observar que, em relação à lei de greve anterior, era lícito aos participantes apenas o abandono pacífico, coletivo e temporário dos postos de trabalho, não estando prevista a invasão do estabelecimento – arts. 2° e 17 da Lei 4.330 de 1964. Também no Decreto-Lei n° 9.070 de 1946, a atuação paredista estava adstrita à “cessação coletiva do trabalho”, consistindo crime aliciar participantes estranhos às pretensões de coalizão – arts. 2° a 14 IV.

Para Amauri Mascaro Nascimento, a ocupação do estabelecimento não está amparada pela lei. Não se pode admitir a licitude do comportamento de trabalhadores que não se retiram do local de trabalho ou o invadem, “nele permanecendo mesmo nas horas não compreendidas na jornada de trabalho, chegando mesmo, às vezes, ao seqüestro de pessoas”.[15] A ocupação do estabelecimento contraria o direito de propriedade, “que não autoriza a ação ofensiva de sentido expropriatório à margem da autorização estatal”, assim como o princípio da liberdade individual de trabalho, ou seja, “o direito de discordar daqueles que pretendem ingressar no estabelecimento para trabalhar”.[16]

Mesmo tendo por base as advertências de Amauri Mascaro Nascimento, há de se lembrar que a Constituição da República de 1988 e a lei de greve atual (Lei n° 7.783 de 1989) não cuidam de expressamente excluir a ação ocupacional do estabelecimento: o lock-in. O critério proibitivo poderia encontrar amparo em um interpretação sistemática e teleológica da Constituição, mas não sob uma ótica direta e incisiva da lei.

Nesse sentido, Godinho Delgado admite que a estratégia ocupacional (lock-in) não está excluída da nova ordem jurídica constitucional. A greve não estaria restrita à atividade omissiva. Porém, “o movimento paredista, no desenrolar dessa estratégia ocupacional, dependendo do tipo de estabelecimento ou local de trabalho, corre maiores riscos de provocar atos ilícitos individuais ou grupais de danificação do patrimônio empresarial. E tais atos, como se sabe, são passíveis de apenação”.[17]

A ocupação do estabelecimento e a participação de pessoas estranhas ao grupo em dissídio não estão, portanto, expressamente vedadas no atual microssistema da tutela coletiva da greve (Constituição da República de 1988 e Lei n° 7.783 de 1989).

A preocupação do legislador é compreensível. Com a consolidação da ordem jurídica democrática, qualquer arquitetura em definir a atuação da atividade sindical grevista poderia significar ingerência, tolhimento do princípio da autonomia coletiva. A oportunidade de exercício do movimento paredista, o elenco dos interesses a defender e a aprovação independente da assembléia são resultados e conseqüências do princípio da liberdade sindical: art. 8° da Constituição da República de 1988.

4. SABOTAGEM?

Diante da abrangência e amplitude de legitimidade do movimento paredista atualmente consolidado na Carta Constitucional de 1988, poderia o flash mob ser considerado sabotagem?

O crime de sabotagem está previsto no art. 202 do Código Penal e se insere no título referente aos crimes contra a organização do trabalho.

Invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
Veja-se que o tipo penal do art. 202 pode ser divido em duas figuras distintas: a invasão ou ocupação do estabelecimento e a sabotagem. As condutas são tipificadas de maneira alternativa. De um lado, pode-se encontrar o ato hostil de invadir, entrar à força, com a finalidade de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho: “a ausência dessa finalidade desclassifica o crime para simples invasão de domicílio”.[18] De outro lado, pode estar presente a ação de sabotagem, com o objetivo de danificar o estabelecimento, sempre com o fim de impedir ou perturbar o trabalho; “caso contrário, o crime será simplesmente de dano”.[19]

Na sabotagem, portanto, a pessoa age com o fim de impedir ou atrapalhar o curso normal do trabalho e vem a danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes.[20] Sabotagem significa destruição, inutilização, e “não pode mesmo ser agasalhada na esfera do direito coletivo, a menos que se queira instalar nas relações sociais a normalidade da violência, ainda que se queira ver na desigualdade social uma coação econômica exercida pelo empregador”.[21]

Cumpre destacar que, sem o elemento subjetivo especial do tipo, há desqualificação do crime, já que o art. 202 do CP exige o especial fim de agir: “com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho”.

No flash mob, porém, não necessariamente está presente o elemento subjetivo da ação delituosa de sabotagem. A “invasão” pode ser promovida por curiosos, convocados, por divulgação eletrônica, a presenciar o evento; a “ocupação” pode ser direcionada por participantes que fingem ter o propósito de adquirir mercadorias, quando, na verdade, orquestra-se apenas tumultuar o funcionamento do caixa.[22] Não há, nem mesmo, um dano direto a bens do estabelecimento.

5. EM BUSCA DE UMA PONDERAÇÃO ADEQUADA

É mesmo perigoso defender uma abrangência irrestrita da ação paredista. Há limites impostos pela ordem democrática que devem, sobremaneira, ser respeitados.

A primeira restrição diz respeito à punição dos abusos (art. 9° da CF). Não se pode admitir a licitude da manifestação que viole ou constrinja direitos e garantias fundamentais (art. 6°, §1°, da Lei 7.783 de 1989). O exercício do direito encontra limites na ordem jurídica, pelo que os excessos devem ser coibidos, à vista de limites impostos pelo fim econômico e social, pela boa fé e bons costumes: art. 187 do Código Civil de 2002.

Certamente a função socioeconômica da propriedade deve ser preservada: art. 5°, XXIII, da CF. Mas, antes de tudo, o direito de propriedade deve ser garantido, como fundamento da ordem econômica: art. 170, II e IV, da CF; art. 6°, §3°, da Lei n° 7.783, de 1989.

Mesmo que a greve tenha alcançado, hoje, o merecido degrau de direito, superado as discussões em torno de um enquadramento como delito ou simples fato social, não se pode admitir a licitude de toda paralisação. Com perspicácia, Segadas Viana observa que a greve decorre da incapacidade de o Estado solucionar conflitos entre patrões e empregados. “O que existe legalmente é a liberdade de greve, ainda decorrente daquela incapacidade e que, como liberdade, tem de ser limitada pela fronteiras dos direitos e liberdades dos outros”.[23]

Existem, sobretudo, limites quanto aos instrumentos de pressão. A ordem jurídica só deve tolerar manifestações pacíficas, buscando a efetivação dos interesses coletivos econômicos e sociais. Não se pode olvidar um cotejo necessário entre o direito de greve, que constitui certamente uma garantia social dos trabalhadores, com o direito de propriedade, que corrobora o princípio da livre iniciativa e consolida a base da liberdade econômica.

Admitir a licitude de ações relâmpago impulsionadas por modernas tecnologias de comunicação, por participantes alheios às pretensões de negociação coletiva, representaria uma expansão indevida da liberdade do movimento paredista. A ação obstrutiva deve ser definida por limites impostos pela manifestação pacífica, baseada nos preceitos de liberdade. O flash mob fomenta, sobretudo, uma constrição ao direito de propriedade, uma infração do princípio da livre iniciativa.

REFERÊNCIAS:

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 4. ed., São Paulo: LTr, 2005.
KRIEGER, Steffen; GÜNTHER, Jens. Streikrecht 2.0 – Erlaubt ist, was gefällt? Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht, München und Frankfurt a. M., Hf. 1, S. 20-23, 2010.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Sindical. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
PRUNES, José Luiz Ferreira. A greve no Brasil. São Paulo: LTr, 1986.
RIEBLE, Volker. Flash-mob – ein neues Kampfmittel? Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht, München und Frankfurt a. M., Hf. 14, S. 796-799, 2008.
RÜTHERS, Bernd; HÖPFNER, Clemens. Anmerkung. Juristenzeitung, Tübingen, Hf. 5., S. 261-264, 2010.
SACKER, Franz Jürgen; MOHR, Jochen. Das neue Arbeitskampfrecht: Das Ende der Friedlichkeit und die Relativierung absolute geschützter Rechte. Juristenzeitung, Tübingen, Hf. 9, S. 440-450, 2010.
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; SEGADAS VIANNA. Instituições de direito do trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. 2, 1987.
WOLLENSCHLÄGER, Michael. Arbeitsrecht. 3. Aufl. (unter Mitarbeit von Julla Krogull und Jens Löcher), Köln: Carl Heymann, 2010.

Notas:

[1] Cf. RÜTHERS, Bernd; HÖPFNER, Clemens. Anmerkung. Juristenzeitung, Tübingen, Hf. 5, 2010, S. 261.

[2] Cf. KRIEGER, Steffen; GÜNTHER, Jens. Streikrecht 2.0 – Erlaubt ist, was gefällt? Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht, Helft 1, München und Frankfurt a. M., 2010, S. 20.

[3] Para mais detalhes, consulte http://www.verdi.de/.

[4] Cf. RIEBLE, Volker. Flash-mob – ein neues Kampfmittel? Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht, München und Frankfurt a. M., Hf. 14, 2008, S. 796.

[5] Cf. KRIEGER, Steffen; GÜNTHER, Jens. Op. cit., S. 20.

[6] Para a legitimidade do movimento, exige-se o preceito de paz – Friedlichkeitsgebot: cf. SÄCKER, Franz Jürgen; MOHR, Jochen. Das neue Arbeitskampfrecht: Das Ende der Friedlichkeit und die Relativierung absolute geschützter Rechte. Juristenzeitung, Tübingen, Hf. 9, 2010, S. 441.

[7] Cf. KRIEGER, Steffen; GÜNTHER, Jens. Op. cit., S. 20.

[8] A decisão do Bundesarbeitsgericht pode ser conferida em: BAG, urteil v. 22.09.2009, Entscheidungen – Arbeitsrecht. Juristenzeitung, Tübingen, Hf. 5, S. 254-260, 2010.

[9] Cf. KRIEGER, Steffen; GÜNTHER, Jens. Op. cit., S. 21. Vale lembrar que, na Alemanha, o lock-out (Aussperrung) não é vedado; ele demonstra a possibilidade de reação do empregador contra as manifestações de protesto, buscando efetivar condições de trabalho acordadas. O lock-out pode abranger o desconto de salário e a retirada dos empregados dos postos de trabalho. Cf. WOLLENSCHLÄGER, Michael. Arbeitsrecht. 3. Aufl. (unter Mitarbeit von Julla Krogull und Jens Löcher), Köln: Carl Heymann, 2010, S. 276.

[10] SACKER, Franz Jürgen; MOHR, Jochen. Op. cit., S. 450.

[11] Cf. RÜNTHERS, Bernd; Höpfner, Clemens. Op. cit., S. 261.

[12] RIEBLE, Volker. Op. cit., S. 797.

[13] Idem, ibidem.

[14] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 4. ed., São Paulo: LTr, 2005, p. 1413.

[15] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Sindical. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 399. No mesmo sentido, Prunes enfatiza “a ilicitude da invasão do estabelecimento, pelo que o empresário fica privado não apenas de seu bem, como também impedido de sua propria produção” (PRUNES, José Luiz Ferreira. A greve no Brasil. São Paulo: LTr, 1986, p. 104).

[16] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., p. 401.

[17] DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 1419.

[18] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 774.

[19] Idem, ibidem.

[20] TRF 1ª Região, Apelação Criminal n° 1998. 01. 00.089958-7/MG, 4ª Turma, Rel. Des. Hilton Queiroz, J. 07.06.2005, DJ 23.06.2005, p. 26; TRF 3ª Região, Remessa Ex officio em Habeas Corpus, 1ª Turma, Rel. Juiz Oliveira Lima, J. 04.11.1997, DJ 02.12.1997, p. 104298; RTRF3, 67/153.

[21] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., p. 339.

[22] No caso recente da Alemanha, uma multidão fingia ter o propósito de comprar artigos de um centavo para, logo após o tumulto, desaparecer. Cf. SACKER, Franz Jürgen; MOHR, Jochen. Op. cit., S. 441.

[23] SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; SEGADAS VIANNA. Instituições de direito do trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. 2, 1987. p. 1093.

[24] Cf. SACKER, Franz Jürgen; MOHR, Jochen. Op. cit., S. 450.

---------------
Dados da publicação: Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. v. 1. n. 1. jul. 1989. Publicação Periódica Mensal. v. 22, n. 264. junho 2011. ISSN 2179-1643. Doutrina. p. 90-97.
---------------







sexta-feira, 1 de julho de 2011

Divergência Jurisprudencial impossibilita o julgamento "in limine littis", autorizado pelo Artigo 285-A, do Código de Processo Civil


Autor: Elton Brito de Carvalho
Publicado originalmente no site http://www.lfg.com.br/
01/07/2011


A Notícia: (Fonte: STJ)

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que magistrado não pode julgar ação improcedente utilizando a regra do artigo 285-A do Código de Processo Civil (CPC) quando a sentença diverge de jurisprudência consolidada nos tribunais.

O artigo 285-A do CPC estabelece que “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”. Esse dispositivo foi inserido no CPC pela Lei n. 11.277/06.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o referido artigo criou método de trabalho voltado para a celeridade e racionalidade processuais, permitindo que o juiz, ainda na primeira instância, ponha um fim a demandas repetitivas. “A bem da verdade, permitir que se profiram decisões contrárias a entendimentos consolidados, ao invés de racionalizar o processo, seguramente acaba por fomentar o inconformismo da parte vencida e contribui com o patológico estado de litigiosidade verificado atualmente”, entende o ministro.

Salomão explicou que essa interpretação do artigo 285-A do CPC não viola a independência da magistratura. “Ser independente não significa uma garantia conferida exatamente à pessoa do juiz, às cegas, sem nenhuma teleologia”, afirmou. Para o ministro, essa garantia não pode ser acionada para prejudicar a prestação jurisdicional, com o fim de distribuir “diferentes ‘justiças’ a iguais jurisdicionados, ou transformar-se em assegurador de vaidades ou, ainda, quando for fonte de viciosa duração desarrazoada do processo”.

A tese foi debatida no julgamento de um recurso especial do Banco Itaú S/A. O autor da ação original pediu a revisão de contrato bancário que previa a cobrança de juros superiores a 12% ao ano, capitalização mensal de juros e comissão de permanência. O juízo da 2ª Vara Cível de Dourados (MS) utilizou o artigo 285-A do CPC para, liminarmente, julgar os pedidos improcedentes.

A sentença foi anulada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Segundo os desembargadores, o referido artigo não deveria ser aplicado nas ações judiciais sobre revisão de contratos bancários. Primeiro porque a sentença de improcedência diverge da jurisprudência dominante no tribunal. Segundo porque o caso não trata apenas de matéria de direito, mas de questão de fato que é a interpretação de cláusulas contratuais para verificar se há alguma ilegalidade ou abusividade.

O recurso analisado pelo STJ foi contra essa decisão. O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, entendeu que a aplicação do artigo 285-A do CPC da forma como foi feita pelo juízo de primeiro grau provocou o efeito contrário ao da celeridade e racionalidade desejadas e ainda prorrogou desnecessariamente o processo em mais de quatro anos. Seguindo as considerações do relator, a Turma negou provimento ao recurso, em decisão unânime.


Nossos Comentários:

A razão de ser do processo, salvo melhor juízo, é servir de instrumento de solução dos conflitos, endêmicos nas sociedades.

Ao movimentar o sistema judiciário do Estado, tendo em vista todo o aparato intrínseco, deste poder, ocorre gastos do Erário.

Sendo assim, não deve haver um dispêndio desmesurado com relação aos bens em questão, como professa Ada Pellegrini (2004).

O ideal é que se alcance o devido custo-benefício, ao provocar o Poder Judiciário.

Tendo em mira esse objetivo, o legislador criou meios de se ofertar a jurisdição, com o menor gasto possivel, tanto para as partes, quanto para o Estado-Juiz.
O objetivo de se minorar os custos, contrabalanceando-o com os benefícios da decisão jurisdicional, é concretizado no Princípio da Economia Processual.

O Princípio da Economia Processual, segunda Ada Pellegrini (2004), “preconiza o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possivel de atividades processuais.”

Como efetiva aplicação, no processo civil deste principio, o Professor Theodoro Júnior (2009), traz como exemplo: “indeferimento, desde logo, da inicial, quando a demanda não reúne os requisitos legais; denegação de provas inúteis; coibição de incidentes irrelevantes para a causa; permissão de acumulação de pretensões conexas num só processo; fixação de tabela de custas pelo Estado, para evitar abusos dos serventuários da Justiça; possibilidade de antecipar julgamento de mérito, quando não houve necessidade de provas orais em audiência; saneamento do processo antes da instrução etc.”

Harmonizando-se com o disposto, o artigo 285-A, do Código de Processo Civil, assim expressa:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
Theodoro Júnior traz a lume o fato deste dispositivo não ser o único a possibilitar o julgamento, “in limine littis”, que rejeite o pedido.

Como fundamento da afirmação é citado o artigo 295, inciso IV, do Código de Processo Civil, assim expresso:

Em correspondência com o artigo 219, parágrafo 5º, assim disposto:

Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
§ 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.
Todas as possibilidades trazidas, pelas normas citadas, objetivam a economia processual. Theodoro Junior defende a tese de que, o artigo 285-A, só pode ser evocado para rejeitar uma demanda, nunca para acolhê-la.

A utilização do artigo 285-A, somente pode ser utilizada quando há causas repetidas e que, não obstante, a questão de direito suscitada seja, deveras, idêntica a causa confrontada.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao decidir uma demanda, ressaltou que, para a perfeita subsunção do Artigo 285-A, do Código de Processo Civil, deve haver pacificação jurisprudencial, ou, quando muito, inocorrencia de divergência na jurisprudência.
Art. 295. A petição inicial será indeferida:
IV - quando o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (art. 219, § 5o);
Em correspondência com o artigo 219, parágrafo 5º, assim disposto:

Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
§ 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.
Todas as possibilidades trazidas, pelas normas citadas, objetivam a economia processual. Theodoro Junior defende a tese de que, o artigo 285-A, só pode ser evocado para rejeitar uma demanda, nunca para acolhê-la.

A utilização do artigo 285-A, somente pode ser utilizada quando há causas repetidas e que, não obstante, a questão de direito suscitada seja, deveras, idêntica a causa confrontada.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao decidir uma demanda, ressaltou que, para a perfeita subsunção do Artigo 285-A, do Código de Processo Civil, deve haver pacificação jurisprudencial, ou, quando muito, inocorrencia de divergência na jurisprudência.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Questão: matérias de ordem pública em sede de recurso extraordinário

Giselle Borges Alves
27.06.2011


É possível suscitar matérias de ordem pública em sede de recurso extraordinário, ainda que o tema não tenha sido ventilado em instâncias inferiores, nem mesmo tenha sido objeto deste recurso excepcional?

A questão proposta é controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência pátria. Os extremos vão desde a negativa total do conhecimento da matéria de ordem pública em virtude da ausência do requisito de prequestionamento, até a admissão da matéria não suscitada por medida de economia e efetividade processual independentemente da existência de outro requisito de admissibilidade.

Segundo o professor Humberto Theodoro Júnior, a arguição de relevância como mecanismo de filtragem do recurso extraordinário, advento da reforma proposta pela EC nº 45/2004, tem como objetivo controlar e reduzir o volume de recursos perante o STF que vinha comprometendo o desempenho desta Corte Constitucional.[1] Desta forma, a normatização constante dos artigos 543-A, 543-B do CPC e art. 102, §3º da CF/88 apresenta requisitos de admissibilidade para apreciação e julgamento do recurso extraordinário.

O que parece ter sido o intuito do legislador é deixar claro através deste dispositivo que o STF não irá mais exercer jurisdição sobre causas envolvendo simplesmente interesses individuais. Com o novo dispositivo, o Supremo deverá restringir seu julgamento àquelas causas que tenham o condão de produzir efeitos em uma série de outros processos cuja relação jurídica seja a mesma, uma vez que a relevância deverá ultrapassar os limites subjetivos da causa. Isto nada mais significa que a decisão poderá produzir efeitos em relação a quem não participa da relação processual. (SILVA, 2007).
Mas ao tratar de questões de ordem pública, ou seja, quando há supremacia do interesse público e não-incidência da preclusão, segundo Edward Carlyle Silva, ocorre o que a doutrina denominada de efeito translativo, comum nos recursos ordinários, mas que ainda suscita controvérsia nos recursos excepcionais. Pelo efeito translativo, determinadas questões chegam ao conhecimento do Tribunal mesmo sem alegação pelos sujeitos da relação processual. É exatamente este efeito que ocorre com relação às questões de ordem pública, uma vez que elas podem ser examinadas independentemente de menção anterior pela parte, por força do princípio inquisitório, contrariando o princípio da voluntariedade recursal.[2]

No âmbito do recurso extraordinário, por razão da existência do prequestionamento e da transcendência da matéria para que seja admitido o julgamento pelo STF, haja vista que a repercussão geral impõe que objetivamente as questões suscitadas tenham relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico[3] e que, sobretudo, ecoem para fora do processo[4], o efeito translativo deste recurso mesmo quando envolva questão de ordem pública causa polêmica na doutrina e jurisprudência pátria.

O professor Humberto Theodoro Júnior é enfático ao declarar que o recurso extraordinário possui apenas um efeito, o devolutivo e por força de lei:

A interposição e recebimento do recurso extraordinário gera efeitos de natureza apenas devolutiva, limitados à questão federal controvertida. Não fica a Suprema Corte investida de cognição quanto à matéria de fato, nem quanto a outras questões de direito não abrangidas pela impugnação do recorrente e pelos limites fixados pela Constituição para o âmbito do recurso.[5]
A posição deste doutrinador é a exclamada pela maioria da doutrina jurídica pátria[6], uma vez que por ser o recurso extraordinário uma espécie recursal excepcional, com regras expressamente delimitadas pela Constituição Federal, o prequestionamento é requisito indispensável, diante da “finalidade eminentemente política” nele contida, ou seja, “tutelar a integridade da lei magna federal”.[7]

Edward Carlyle Silva[8] discorda do posicionamento majoritário acima delineado quanto à inadmissibilidade do efeito translativo nos recursos excepcionais e afirma:

Mas isto não significa que apesar de ter sido interposto por um motivo, os Tribunais Superiores estejam proibidos de examinar os demais fundamentos porventura existentes. Por outras palavras. Se algum desses recursos (especial ou extraordinário) é interposto com base em alguma das causas de pedir anteriormente suscitadas e discutidas no processo e é admitido, quando do exame de seu mérito ocorrerá a ampla devolução de todas as questões que tenham sido suscitadas e discutidas anteriormente, independentemente do recorrente tê-las ou não alegado naqueles recursos.

Ao conhecer e passar ao julgamento do mérito do recurso, o Colendo STF ou o Egrégio STJ podem conhecer de ofício ou por provocação, de todas as matérias que podem ser alegadas a qualquer tempo (matérias de ordem pública) bem como daquelas que tenham sido suscitadas e discutidas anteriormente, mesmo que o Tribunal não as tenha julgado por inteiro (art. 515, §§ 1º e 2º do CPC). Na feliz expressão de Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha, admitido o recurso pelo fundamento alegado pelo recorrente, “... a jurisdição do tribunal superior é aberta”, podendo o Tribunal passar ao exame das questões de ordem pública, bem como daquelas que tenham sido suscitadas e discutidas anteriormente.
Diante de tais considerações é forçoso ressaltar que por força do caráter publicista do direito processual moderno, com primado no processo célere, efetivo e, por conseqüência, justo é necessário desmistificar posicionamentos extremos quanto ao tema.

O recurso extraordinário contém, por força de lei, matéria vinculativa e requisitos específicos, mas é também inegável que se houver questão de ordem pública (tal como a prescrição, por ser o exemplo mais corriqueiro em nossos Tribunais) e tendo conhecimento da questão, os eméritos julgadores não podem simplesmente negar a análise por ausência de prequestionamento. Por ser de conhecimento compulsório, a questão de ordem pública deve ser conhecida em qualquer instância ou tribunal. Mas não há aqui uma posição extremada, ao contrário. Sendo o recurso extraordinário de fundamentação vinculada, a questão de ordem pública só poderá ser conhecida pelo STF caso o recurso tenha passado com êxito pelo crivo do exame de admissibilidade por verificação de outro requisito. A fundamentação apenas na questão de ordem pública sem atender aos outros critérios objetivos de admissibilidade deve ser rejeitada, sob pena do STF perder o caráter de Corte constitucional. Vislumbra-se aqui uma posição intermediária para a busca da verdadeira justiça no caso concreto.

O rigorismo processual pode chegar a digressões insanáveis, que mesmo manejando a ação rescisória do julgado podem gerar o sentimento de insatisfação no jurisdicionado, uma vez que este não consegue vislumbrar a economia processual tão amplamente perquirida na atual fase do direito processual moderno, perpetuando um litígio que poderia ter sido resolvido nos autos principais.


Notas:
[1]THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 724-725.
[2]Neste sentido Edward Carlyle Silva (2007, p. 339), que cita os doutrinadores Nelson Nery Júnior e Luiz Guilherme Marinoni quanto à distinção dos efeitos devolutivo e translativo, identificando os princípios da voluntariedade e o princípio inquisitório recursal. Pelo primeiro a parte é quem decide se quer recorrer e qual o pedido que formulará em âmbito recursal; pelo segundo o juiz é instado a agir de ofício por força de lei ou pela manutenção dos interesses da coletividade que transcendem a causa.
[3]Disposição explícita do artigo 543-A §1º do CPC.

[4]THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 725.
[5]THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 727.
[6]De acordo com Carlyle Silva (p. 440) são partidários desta posição Eduardo Arruda Alvim e Nelson Nery Júnior. Em sentido contrário estão Rodolfo de Camargo Mancuso, Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha.

[7]Neste sentido Humberto Theodoro Júnior, p. 727.

[8]Carlyle Silva, p. 440.

Referências:
BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Vade Mecum Compacto. Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes (Colaboração). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

SILVA, Edward Carlyle. Direito processual civil. Niterói, RJ: Impetus, 2007.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

Texto elaborado para a Disciplina de Processo Civil nos Tribunais Superiores do curso de pósgraduação em Direito Processual Civil, Rede de Ensino Luís Flávio Gomes em parceria com a Universidade Anhanguera Uniderp - Campo Grande/MS e Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Turma 10. Ano 2010/2011.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Direito e Cooperativismo: STJ decide que Cooperativa não pode acionar em nome próprio direito de cooperados

As cooperativas não têm o poder de substituir seus cooperados em processos judiciais do interesse destes. Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o caráter da cooperativa, de sociedade simples, não lhe dá direitos similares aos de associações ou sindicatos.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, a “regra de ouro” da legitimidade para ingressar com ações judiciais é a de que o indivíduo não pode ser exposto a situação da qual não quer tomar parte, já que sofrerá as consequências da sentença. É o que prevê o Código de Processo Civil: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei” (artigo 6º).

A Cooperativa de Arroz de São Lourenço do Sul (RS) alega que tal poder era conferido pelo artigo 83 da Lei n. 5.764/71, que dispõe: “A entrega da produção do associado à sua cooperativa significa a outorga a esta de plenos poderes para a sua livre disposição, inclusive para gravá-la e dá-la em garantia de operações de crédito realizadas pela sociedade, salvo se, tendo em vista os usos e costumes relativos à comercialização de determinados produtos, sendo de interesse do produtor, os estatutos dispuserem de outro modo.”

Por isso, a cooperativa entende ter direito a agir como substituta processual de seus cooperados em ações que envolvem a comercialização dos produtos estocados em seus armazéns. Ela ingressou com ação na Justiça para discutir se os produtos comercializados pelo programa de preços mínimos do governo federal recebiam remuneração adequada ou se, por excluírem dos cálculos taxas de juros e custos de produção, os pagamentos acabavam por ficar abaixo do mínimo legal.

Conforme o voto do relator, a Lei n. 5.764/71, em seu artigo 4º, enquadra as cooperativas como sociedades de pessoas, tendo por característica a prestação de assistência aos associados. Assim, ponderou o ministro, “é possível que a cooperativa propicie a prestação de assistência jurídica aos seus cooperados – providência que em nada extrapola os objetivos das sociedades cooperativas”. Mas isso não significa que possa ajuizar ações coletivas, esclareceu.

Quanto ao artigo 83 da lei, o ministro Luis Felipe Salomão concluiu que nem mesmo em interpretação sistemática da lei seria permitido concluir que há autorização para a substituição processual pretendida pela cooperativa.


Fonte: STJ
Notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 901782
Data da publicação: 22.06.2011

Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

  Notícia originalmente publicada no site do STJ, em 09/11/2021. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em execução po...