CONSUMER DEFENSE IN BRAZILIAN E-COMMERCE CONFLICTS
Jéssyca Pereira de Araújo, bacharel em
Direito pela Faculdade CNEC/INESC de Unaí/MG, Brasil.
Giselle Borges Alves, advogada;
Especialista em Direito Processual Civil; professora no curso de Direito na
Faculdade CNEC/INESC de Unaí/MG.
Resumo
Em
razão do aumento de reclamações perante os órgãos de defesa do consumidor e do
Poder Judiciário advindos de conflitos do e-commerce,
o presente estudo procurou verificar a eficácia da aplicação do Código de
Defesa do Consumidor no comércio eletrônico brasileiro. A pesquisa aborda os
aspectos gerais, benefícios e prejuízos das aquisições realizadas via web, bem
como realiza um estudo sobre a legislação pátria de proteção e defesa do
consumidor com intuito de demonstrar as falhas e acertos legislativos, bem como
a necessária evolução das normas adotadas nestas práticas comerciais.
Palavras-chave:
comércio eletrônico, consumidor, direitos.
Abstract
Considering the
increase in complaints before the organs of consumer protection and the Judiciary
arising from conflicts of e-commerce, this study verified the efficacy of
applying the Consumer Protection Code in the Brazilian e-commerce. The research
deals with general aspects, benefits and losses from purchases made via web, as
well as conducts a study on homeland protection laws and consumer affairs with
the purpose of demonstrate the legislative flaws and successes, and the
necessary evolution of the standards adopted in these business practices.
Key-words: e-commerce, consumer, rights.
1.
INTRODUÇÃO
Com a evolução da sociedade e o crescimento tecnológico, o homem aprendeu a comercializar de outras formas inclusive através da rede mundial de computadores. A internet passa a ser uma ferramenta utilizada hodiernamente pelas pessoas em diversas tarefas de seu cotidiano para resolução de problemas simples e de situações mais complexas; ela trouxe também a possibilidade de realizar as práticas comerciais de fornecimento de produtos e serviços com rapidez e comodidade. Devido a esses fatores, a prática do comércio por meios eletrônicos está se expandindo a passos largos. Segundo dados da e-bit, empresa reconhecida como a mais respeitada fonte de informações do segmento de desenvolvimento do comércio eletrônico no Brasil, em 2012 o setor obteve um faturamento de R$ 22,5 bilhões ao longo do ano, 20% maior que o ano anterior, sendo R$ 66,7 milhões de pedidos de compras de produtos ou serviços. Estima-se que 42,2 milhões de consumidores utilizam do comércio eletrônico.
Na
data de criação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 11 de setembro
de 1990) não era popularizada na sociedade brasileira o uso da internet,
tampouco a prática de comércio eletrônico. Assim, não foram editadas normas
específicas sobre proteção e defesa do consumidor no comércio virtual que
englobassem problemas como vendas e aquisições, contratos, ofertas de produtos
e serviços, publicidade, pagamentos eletrônicos e serviços de pós-venda. A
vulnerabilidade do consumidor ficou maior com o advento do e-commerce, pois na maioria das vezes o interlocutor é leigo e não
consegue reconhecer precisamente as características de uma empresa que oferece
produtos e serviços pela internet. Constantemente ocorrem denúncias perante o
Serviço de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON) e ao Poder Judiciário que
envolve conflitos de interesses diante de relações travadas no comércio
eletrônico (e-commerce). Apesar do
conforto e comodidade de comprar sem sair de casa, o consumidor se vê diante de
várias dificuldades para ajustar seus interesses com o fornecedor, que muitas
vezes sequer possui uma sede física. O
sentimento do consumidor, na maioria das vezes, é de lesão aos seus interesses
quando o produto ou serviço não atende suas expectativas e eles não sabem como
agir nesses casos.
Diante
das situações delineadas nos conflitos diários que envolvem o e-commerce, surgem algumas questões que
nortearam esta pesquisa: quais os aspectos positivos e negativos nas relações
de comércio eletrônico? Até que ponto as normas do Código de Defesa do Consumidor
são suficientes para garantir os direitos dos consumidores perante os conflitos
no comércio eletrônico brasileiro? As respostas a estes questionamentos serão delineadas
no decorrer do estudo.
2. SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO
COMÉRCIO ELETRÔNICO
O comércio eletrônico é uma modalidade de compra diferenciada da tradicional, pois não há o deslocamento do consumidor até o estabelecimento físico para escolha do produto que melhor o satisfaça. Nesta modalidade, o consumidor irá comprar aquilo que lhe é descrito pela foto meramente ilustrativa ou determinado produto que é vinculado à marca de um fornecedor com bons preceitos de qualidade e garantia.
O
surgimento do e-commerce, segundo
Barbieri (2013) coincide com o aparecimento da internet, que foi desenvolvida nos Estados Unidos com a ideia de
conectividade entre computadores. A internet
surgiu devido à necessidade de manter a comunicação em meio à guerra entre
dirigentes políticos e comandantes militares. Em 1962, o governo americano
começou a desenvolver sistemas compostos por diversificados pontos
armazenadores de conteúdo, como forma de garantir, caso o Pentágono fosse
atingido, a integridade das rotas alternativas de transmissão.
Barbieri
(2013) elucida que no ano de 1967, universidades e institutos de pesquisa
norte-americanos, foram chamados para operacionalizar o projeto, dando então,
início à ARPAnet, precursora da internet. O e-mail
foi a primeira utilização da rede, seguido pelos grupos de discussão em
linha. Em 1983, a ARPAnet deixou seu caráter militar e passou a ter propósitos
de pesquisa. Em 1990 houve o encerramento da ARPAnet e o consequente nascimento
da internet, que passou a ser
explorada em todo o mundo. O primeiro provedor comercial no mundo, a World, foi inaugurado em 1990, e já no ano seguinte foi criado o primeiro programa que garantia a
privacidade na rede, o Preety Good
Privacy, e teve início a World Wide
Web, fato que deu início a era do comércio eletrônico.
De
acordo com Finkelstein (2011), a internet no Brasil surgiu em 1988, quando
bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP),
demonstraram a necessidade de utilizar a internet, depois de retornarem de
cursos nos Estados Unidos, pois sentiam a falta do intercâmbio mantido no
exterior com outras instituições científicas. Em 1991, uma linha internacional
foi ligada à rede da FAPESP, para então ser liberado o acesso à Internet a
instituições educacionais, fundações de pesquisa, entidades sem fins lucrativos
e órgãos governamentais. No ano de 1995, o Ministério das Comunicações e o
Ministério da Ciência e Tecnologia publicaram uma portaria que criou a figura
do provedor de aceso privado, liberando a operação comercial no Brasil. Em 25
de maio daquele ano, nasceu a internet comercial no país e foi o banco Bradesco
o responsável por lançar o primeiro site
“.com.br” (FINKESLTEIN, 2011).
Várias
são as definições jurídico-doutrinárias para o comércio eletrônico. Lorenzetti
(2004, p. 69) define o comércio eletrônico como “[...] todas as atividades que
tenham por fim o intercâmbio, por meios eletrônicos, de bens físicos e de bens
digitais ou imateriais, o resultado é que teremos relações jurídicas daí
oriundas”. Vidonho Júnior (2013) conceitua comércio eletrônico como uma forma
de comércio à distância, sem limite territorial, onde o estabelecimento e o
consumidor são interligados, através de uma rede de computadores que pode ser a
internet.
O
Brasil ocupa a terceira posição[1]
em quantidade de usuários ativos na internet, cerca de 52,5 milhões. No
primeiro e segundo lugares estão Estados Unidos com 198 milhões e Japão 60
milhões, respectivamente. Os internautas
brasileiros gastam em média 43 horas e 57 minutos navegando na net e grande parte deste tempo é
acesso a sites de e-commerce. O diretor geral da e-bit, Pedro Guasti (2013), afirma que
atualmente 43 milhões de consumidores já realizaram pelo menos uma compra on-line no Brasil, os dois principais fatores determinantes para esse
crescimento de e-consumidores no Brasil são o forte crescimento econômico do
país e o ritmo de entrada das classes C e D.
De forma ilustrativa, abaixo segue gráfico comparativo sobre a evolução do comércio eletrônico, no período de 2001 a 2012:
De forma ilustrativa, abaixo segue gráfico comparativo sobre a evolução do comércio eletrônico, no período de 2001 a 2012:
Fonte: www.e-commerce.org.br, ano 2013.
Os dados apresentados no gráfico acima trazem a significativa evolução nos últimos cinco anos. Entre 2008 e 2009 houve um crescimento de 4,3 milhões de consumidores no e-commerce; de 2009 para 2010 o crescimento foi de 5,5 milhões de consumidores; e de 2011 a 2012 o aumento foi de 11 milhões, alcançando o patamar de 43 milhões de consumidores no comércio eletrônico brasileiro. Bortoletto (2013) afirma que a rede mundial de computadores representou um novo ciclo para a humanidade com valorização das negociações on-line com aumento de investimentos no mundo virtual, inclusive de segmentos tradicionais como os setores ligados à área de educação e ensino, bem como as atividades de natureza bancária.
Para ilustrar os lucros advindos do avanço da comercialização de produtos e serviços on line, segue abaixo gráfico ilustrativo das arrecadações em bilhões de reais no período de 2001 a 2012 do e-commerce no Brasil:
Na
amostragem acima foi contabilizado faturamento de sites de vendas de produtos e serviços, com levantamento foi
realizado nos anos de 2001 a 2012, e apontou uma significativa variação no ano
de 2006 com 76% de aumento em comparação com o ano de 2005, totalizando em R$
4,40 bilhões de reais a arrecadação no e-commerce.
Entre 2007 a 2009 a variação foi de 33% e 43%; em 2010 a variação foi de 40%
atingindo mais de R$ 14 bilhões de reais em vendas; já em 2011, a variação foi
apenas de 26% que resultou em um faturamento de R$ 18 bilhões; o ano de 2012
obteve uma variação 20% maior que o ano anterior, totalizando em R$ 22,5 bilhões
em compras (e-BIT, 2013).
2.1 Pontos
positivos e negativos do comércio eletrônico
A
evolução do comércio eletrônico reflete diretamente na economia brasileira,
principalmente nas relações entre consumidores e fornecedores onde a
comunicação e visualização dos produtos e serviços oferecidos são diferentes da
forma tradicional de venda direta. Assim, é possível destacar vários pontos
positivos, contudo há sempre que se refletir sobre os aspectos negativos.
Salgarelli
(2010) destaca as principais vantagens para as empresas no comércio eletrônico,
quais sejam: aumento das margens de lucro devido a celeridade das transações
comerciais, redução no custo de processo que utiliza papéis (aquisição,
manuseio, postagem), fornecimento de serviço mais rápidos e eficientes, bem
como melhor divulgação da marca. No mesmo ínterim, o autor aponta como
vantagens para os consumidores virtuais a variedade produtos que são oferecidos
pela empresa, bem como a diversidade que se pode notar de um mesmo produto em
diferentes sites e a comodidade em se
adquiri-los: “[...] Basta navegar pelas páginas da web para realizar um verdadeiro passeio virtual entre prateleiras e
vitrines, com imensa gama de produtos que aguardam apenas um click para serem consumidos”.
Para
Lima (2010) as principais vantagens para o empreendedor ter seu próprio e-commerce são: funcionamento 24 horas
por dia, pois a loja virtual sempre estará aberta para receber o cliente
disponível para comprar em qualquer hora; vendas sem limites territoriais, pois
o fornecedor pode vender pra qualquer região do país ou mesmo em escala mundial,
aumentando a margem de divulgação e lucro; bem como o acompanhamento direto das vendas, através do próprio sistema. As vantagens
de acompanhamento de todos os passos da transação comercial pelo fornecedor (pedidos,
faturamento, satisfação do cliente, acompanhamento de estoque), traz comodidade
e maior controle ao empresário.
Lima (2010) aponta que o comércio eletrônico permite ao fornecedor
comerciante trabalhar com produtos de diversos segmentos, utilizando o depósito
do fornecedor industrial, produtor ou fabricante, sem a necessidade de um
depósito próprio que armazene tudo de uma só vez. Há também a flexibilidade
promocional, pois realizar a divulgação da loja on-line e das promoções relâmpagos é bem simples se forem
comparadas aos negócios tradicionais. Destaca-se também a igualdade de
oportunidade, pois empresas de grande, médio e pequeno porte tem a mesma
oportunidade de trabalhar a comunicação com o cliente. Há também o custo baixo,
em razão da empresa on-line ser
infinitamente mais barata a manutenção do que a abertura de uma loja física que
tem custos com aluguel, energia elétrica, água, maior número de funcionários e
outros encargos. A flexibilidade de horário de trabalho também é importante,
tendo em vista que não há necessidade de cumprir um esquema fixo de horários, o
que permite a conciliação com outro emprego, seja privado ou público.
Entretanto, é importante destacar que quanto mais dedicação os resultados, mais
rápido será o crescimento das vendas on-line
(LIMA, 2010).
São
notórios os pontos positivos que comércio eletrônico trouxe para os fornecedores,
que atingem um número enorme de clientes e, consequentemente, o alcance de
maior lucro se comparado a uma empresa física; também são claros os pontos
positivos para os consumidores diante da eficiência e agilidade do e-commerce. Contudo essa modalidade de
comercializar também apresenta pontos negativos. Salgarelli (2010) afirma que
as reclamações mais comuns dos consumidores quando adquirem produtos da
internet estão ligados a problemas de
vício, defeitos, atrasos no prazo de entrega, dificuldade na devolução da
mercadoria e falta de segurança no envio de dados para efetuar pagamento.
Reclamações como estas também estão diretamente ligadas à proteção do
consumidor quanto aos riscos de sua vulnerabilidade no mercado, quanto a publicidade
invasiva, a presença de cláusulas abusivas, a insegurança tecnológica e a
responsabilização por danos e problemas relacionados à informação.
Finkelstein
(2011, p.281) esclarece que a confiança deve ser um fator primordial para
minimizar os problemas que surgem no e-commerce:
“[...] cabe aos fornecedores e estudiosos da informática desenvolver níveis
cada vez mais seguros nas operações, eis que a confiança está intimamente ligada
à segurança das transações”. Desta forma, a segurança no comércio eletrônico
será alcançada pela regulação e adaptação de normas que disciplinam esta
prática comercial.
É
crescente também o número de golpes no comércio eletrônico, conforme foram
identificados na cartilha de segurança em internet da CERT.br[3]:
golpe de site falso (phishing), onde o golpista cria um site
similar ao original e induz clientes a fornecerem dados pessoais e financeiros
achando que são verdadeiros; golpe de site de comércio eletrônico fraudulento,
em que o golpista cria sites com
objetivo de enganar clientes, após efetuarem o pagamento não recebem a
mercadoria, bem como ofertas para compras coletivas, assim conseguem atingir um
grande número de pessoas; golpe em site de leilão de venda de produtos, onde o
golpista usa um site de leilão para oferecer produtos que nunca serão
entregues, podendo usar dados pessoais e de financeiras envolvidas na
transação.
Portanto, o e-commerce possui diversos pontos
negativos, contudo as vantagens que propõe aos fornecedores e consumidores são
imensuráveis, é uma inovação sem precedentes, o que
possibilitou uma nova espécie de contrato distinto dos já conhecidos. O acordo
de vontades oriundo desse tipo de relação jurídica passou a ser denominado pela
maioria da doutrina brasileira de contrato eletrônico.
2.2 Os
Contratos eletrônicos
Os
contratos surgiram das relações do homem na sociedade e advém dos negócios
realizados entre as pessoas, onde se percebeu a necessidade de criar normas com
capacidade de regular as relações privadas impondo limites para equilibrar as
partes. O contrato no âmbito civil, como ensina Gagliano (2006, p. 11), é
“negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos
princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos
patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias
vontades”, ou seja, as partes irão decidir os limites contratuais e o efeito
patrimonial que pretendem atingir com este negócio jurídico. Assim, o contrato
pode ser definido como um acordo de duas ou mais
vontades, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as
partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial (DINIZ,
2007).
O
contrato eletrônico diferencia-se do contrato tradicional pelo meio empregado
em sua celebração, pois os contratos celebrados por meio eletrônico têm sua
declaração de vontade expressa através do meio de transferência de dados
digitais. Assim, o lugar da contratação é a própria internet, e não o local da
formação conforme seria admitido se o contrato fosse realizado entre presentes.
A definição do local exato da formação do contrato eletrônico é imprescindível
para interpretação deste, uma vez que será fator determinante para ingressar
futuramente com uma ação judicial caso haja algum conflito de interesses entre
as partes (SALGARELLI, 2010).
Quanto
aos requisitos do contrato eletrônico, estes não diferem do contrato civil
comum realizado entre pessoas presentes fisicamente, deve estabelecer os
sujeitos da relação jurídica base, o objeto e a forma da negociação. Quanto ao
objeto do contrato, este é um acordo que regula interesses e, portanto, deve
ser lícito, possível, determinado uma vez que a ilicitude ocasiona a nulidade
do contrato. Quanto ao sujeito, deve haver a declaração de vontade das partes
contratantes, podendo ser verbal, escrita, direta ou indireta, expressa ou
tácita. A proposta deve ser completa, constituindo a aceitação do consumidor na
aquiescência da proposta, que só terá efeito se consistir em adesão plena.
A
normatização dos contratos de natureza consumerista possui singularidades, mas
em grande parte seus requisitos são comuns aos demais contratos de natureza
civil e mercantil. A clareza das informações e das propostas deve ser
sobressalente e também precisam ser adotadas estas características frente aos
pactos comerciais realizados na rede mundial de computadores. Entretanto, os
contratos eletrônicos comerciais também desafiam o legislador brasileiro,
diante das constantes inovações tecnológicas diárias. Alcançar por meio
legislativo a regulamentação pormenorizada das relações jurídicas travadas em
âmbito digital ainda é um dos grandes dilemas da atualidade, dadas as grandes e
rápidas mutações que ocorrem nos meios e formas de efetivação do comércio
eletrônico.
3. OS DESAFIOS DO DIREITO DO
CONSUMIDOR PERANTE O COMÉRCIO ELETRÔNICO
Diante
da falta de uma legislação específica para atos praticados na internet surgem
dificuldades de colocar em prática alguns direitos consagrados pelo Código de
Defesa do Consumidor. Assim, o comércio eletrônico desafia a legislação posta
para a defesa do consumidor. Os principais desafios a serem observados no e-commerce são relativos ao cumprimento
da oferta, à publicidade enganosa, às cláusulas abusivas nos contatos
eletrônicos, a efetivação da garantia do direito de arrependimento, entre
outros.
3.1 A
vulnerabilidade do consumidor no e-commerce
O
comércio eletrônico criou uma nova realidade para o mundo virtual com avanços e
possibilidades diversas sobre aquisição de produto e serviço via internet, mas
com ele temos condições de maior vulnerabilidade do consumidor em razão das
características das transações. O consumidor na medida em que não tem acesso ao
sistema produtivo e às condições de seu funcionamento, bem como não possui
facilidade em obter informações específicas sobre o produto e serviço
oferecidos, foi agraciado pelo legislador com o reconhecimento legislativo de
sua vulnerabilidade frente ao fornecedor, conforme previsto no art. 4º inciso
I, do CDC, tratando-se de princípio norteador de efetivação das normas de todo
o direito consumerista.
Nunes
(2007, p. 577) afirma que a vulnerabilidade está diretamente ligada à “escolha”
do consumidor: “[...] o consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi
oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo
fornecedor, visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, a
obtenção de lucro”. O fornecedor escolhe o quê e quando produzir, enquanto o
consumidor está a mercê daquilo que é produzido.
De
acordo com Marques (2009, apud Barros
de Lima, 2013, p.127), o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é de
vital importância para a efetiva tutela de seus direitos:
A vulnerabilidade é o princípio
base de toda a ordem consumerista, pois, é ele que dá sentido à proteção do
consumidor, porque de outra forma se poderia considerar inconstitucionais as
relações ocorridas atualmente sem a sua presença, haja vista o conflito que
passaria a existir com o principio da isonomia contido na Constituição Federal
(art. 5º, caput, CF).
Neste
sentido, Cavalieri Filho (2011, p. 47) afirma que “[...] a vulnerabilidade é um
estado da pessoa, uma situação permanente ou provisória que fragiliza o
consumidor. Há uma presunção absoluta de vulnerabilidade, iuris et iure em favor de todos os consumidores [...]”. Desta
forma, não se presume a vulnerabilidade da pessoa jurídica e do profissional
quando se tratar de consumo intermediário, sendo necessária a prova concreta
desta condição. A vulnerabilidade é uma qualidade intrínseca dos que se colocam
na posição de consumidor, ou seja, como destinatário final do produto ou
serviço adquirido.
É
importante destacar que a vulnerabilidade não se confunde com hipossuficiência,
como elucida Cavalieri Filho (2011), pois este trata de conceito ligado a
aspectos processuais, um critério a ser analisado pelo juiz em face do caso
concreto que prevê alguns tratamentos diferenciados, por exemplo, a inversão do
ônus da prova. Já a vulnerabilidade é uma qualidade intrínseca para todos
consumidores, sejam pobres, ricos, educados, ignorantes ou espertos. A grande
maioria da doutrina define três espécies de vulnerabilidade: fática, técnica e
jurídica.
A
vulnerabilidade fática se caracteriza pelo poder econômico que uma parte impõe
a outra, consiste no reconhecimento da fragilidade do consumidor frente ao
fornecedor que, por sua posição de monopólio, o coloca em uma situação de superioridade
em face do consumidor. A vulnerabilidade técnica se caracteriza quando o
consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço
adquirido, pois grande parte dos produtos ofertados no mercado possuem
complexas especificações técnicas de difícil compreensão para o consumidor. Já
a vulnerabilidade jurídica é caracterizada pela falta de informação do
consumidor a respeito dos seus direitos, dificuldade de acesso a assistência
jurídica, bem como a falta de conhecimentos jurídicos específicos dos direitos
e deveres inerentes à relação de consumo (CAVALIERI FILHO, 2011).
De
acordo com Marques (2010) a vulnerabilidade do consumidor no e-commerce é ampliada, o motivo seria o
meio utilizado, a internet. Na opinião
deste autor, a maioria dos sites de
vendas não oferece a mínima segurança ao consumidor. Morais Filho (2009, p. 28)
também adverte que é possível afirmar a criação de uma nova espécie de
vulnerabilidade, qual seja a eletrônica:
A criação do e-commerce não se insere como um mero desdobramento da
vulnerabilidade técnica, pois aqui não se trata apenas da questão da falta de
informação que todos os consumidores virtuais possuem, mas um verdadeiro
universo, um mundo virtual, repleto de peculiaridades que aumentam a
vulnerabilidade do consumidor.
Morais Filho
(2009, p.30) também afirma que o consumidor é naturalmente vulnerável em
qualquer relação de consumo devido à diversidade entre o consumidor e
fornecedor, entretanto “[...] caberá ao Poder Judiciário preencher as lacunas
existentes devido à falta de legislação específica, aplicando integralmente o
CDC afim de que o consumidor, verdadeiro leigo digital, não arque com as
armadilhas existentes na rede”. Assim, a vulnerabilidade é agravada pela
utilização práticas abusivas no mundo virtual, o que faz com que o princípio da
vulnerabilidade deva ser aplicado de maneira contínua nas questões referentes
às relações de consumo do e-commerce, devendo
o consumidor estar atento aos aspectos positivos e negativos que este meio
comercial oferece.
Há
que se discutir também o papel do legislador e dos dispositivos legais
existentes para uma regulamentação efetiva do comércio eletrônico. A análise
dos pontos positivos e negativos, bem como da eficácia das normas existentes é
que possibilitará dirimir os conflitos advindos dessa relação.
3.2
A aplicação das normas
do Código de Defesa do Consumidor
A
expansão do e-commerce despertou o
interesse dos juristas sobre a incidência das leis consumeristas no ambiente
virtual, principalmente quanto a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.
As transações comerciais realizadas por meio digital trouxeram tanto agilidade
para as partes, como também dificuldades no âmbito da defesa do consumidor em
matéria de jurisdição e aplicação das leis. Silva (2011) ensina que da mesma
forma que o e-commerce deixou mais
ágil as atividades empresariais e de consumo, também trouxe maior dificuldade
de ordem prática e jurídica, principalmente quanto à aplicação da legislação
existente:
Uma parte da doutrina entende que
o Código de Proteção e de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/90) é
totalmente aplicável a estas relações, enquanto outra parte admite a total
aplicabilidade do código, porém com carência de algumas modificações e
atualizações, e outros poucos acreditam que seria necessário a existência de
uma lei específica para regular as relações de consumo na internet.
Neste sentido, Silva (2011) afirma
que “[...] apesar do CDC não dispor de normas específicas sobre comércio
eletrônico, este se aplica integralmente às relações jurídicas de consumo
estabelecidas no ambiente digital [...]”. Assim, existem várias situações em
que se pode aplicar a normas do Código de Defesa do Consumidor nos conflitos de
comércio eletrônico. Em relação à oferta, por exemplo, Silva (2011) retrata o Art.
31 do CDC que assegura ao consumidor informações corretas, claras, precisas,
ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades,
quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre
outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos
consumidores.
A
oferta é uma proposta de celebração de um contrato que a pessoa faz à outra. Rodrigues
(1995, p.65 apud Cavalieri Filho
2011, p.145) ensina que “[...] a proposta é a oferta dos termos em negócio,
convidando a outra parte com eles concordar”. Constitui ato jurídico unilateral
aquele que faz a proposta, convida aquele que recebe a proposta a contratar,
apresentando os termos em se dispõe a fazê-lo. Cavalieri Filho (2011, p.168)
afirma no mesmo sentido que “[...] a proposta deve ser precisa, completa,
trazendo cláusulas essenciais do contrato, principalmente em relação à coisa e
ao preço; dirigida a seu destinatário [...]”. A oferta integra o contrato que,
conforme dispõe o Código de Defesa do Consumidor, obriga o fornecedor a cumpri-la
caso o contrato seja celebrado entre as partes. Este fenômeno é conhecido como
princípio da vinculação à oferta.
Portanto,
a oferta dirigida ao consumidor, conforme previsão do Art. 31 do diploma
consumerista, destaca o dever de assegurar informações corretas, claras,
precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre as características essenciais
e riscos de uso dos produtos e serviços. Segundo Finkelstein (2011), a oferta
precisa ser extremamente criteriosa com as informações veiculadas, sendo necessária
a realização de revisões constantes.
Quanto
à publicidade, aplicam-se os artigos 36 e 38 do CDC, assim, nos contratos
eletrônicos de consumo é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva, pois
não é permitido inserir informações que induzam o consumidor a erro, a
atividades de risco ou ao exercício de práticas ilegais, tais como a incitação
à violência ou discriminação de qualquer espécie (SILVA, 2011).
A
publicidade para Barreto (2012) pode ser definida como qualquer forma de
oferta, comercial e massificada tendo um patrocinador identificado, sendo um
instrumento de influência sobre as decisões do consumidor. Finkelstein (2011,
p.244) afirma que “[...] qualquer publicidade que contenha os elementos
essenciais de um contrato deve ser considerada como uma oferta vinculante
[...]”, ou seja, a publicidade configura uma oferta, o fornecedor tem que
cumprir seus termos, devendo ter atenção nas informações veiculadas.
Neste
sentido Barbieri (2013, p. 91) afirma que caso o ciberconsumidor aceite a
proposta contida na mensagem publicitária, ele e o fornecedor estarão
vinculados ao acordo:
Diante destes aspectos, tem-se
entendido no Brasil que a publicidade ao ciberconsumidor feita por e-mail, homepages, spam, entre outros,
caso apresente os elementos essenciais do contrato como a descrição sobre as
qualidades do ou serviço e o preço, configura oferta pública e verdadeira
proposta contratual.
Em relação à garantia, Silva
(2011) ensina que é plenamente aplicável o Art. 26, incisos I e II do CDC, que
estabelece o prazo de garantia legal de 30 dias para os produtos não-duráveis e
90 dias para os duráveis; em relação aos sistemas de bancos de dados e
cadastros, o consumidor tem direito a ter acesso a todos seus dados e registros,
sendo plenamente aplicável o Art. 43, caput
do CDC, que estabelece que o consumidor pode exigir a correção de qualquer
informação, total ou parcialmente, equivocada.
Em relação ao direito de
arrependimento sempre houve discussão na doutrina jurídica pátria sobre a
possibilidade de aplicação do disposto no artigo 49 do CDC para o comércio
eletrônico, tendo em vista que a norma garante ao consumidor o prazo de sete
dias a contar da assinatura do contrato ou recebimento da mercadoria, para a
troca do produto ou devolução da quantia paga. A título de exemplo Ulhôa (2011,
p. 252 apud Finkelstein, 2011, p.49)
não aceita a aplicação do direito de arrependimento ao comércio eletrônico,
porque não se trata de negócio concretizado fora do estabelecimento do
fornecedor: “[...] o consumidor está em casa ou no trabalho, mas acessa o
estabelecimento virtual do empresário; encontra-se por isso na mesma situação
de quem se dirige ao estabelecimento físico”.
Finkelstein
(2011), ao contrário, traz duas hipóteses em que o consumidor goza do direito
de arrependimento: a compra por impulso, quando é abordado por vendedores
ambulantes fora do estabelecimento comercial, em seu domicílio quando está
vulnerável a técnicas agressivas de vendas, e em compras realizadas a
distância, como pelo telefone em que o consumidor não tem contato com o bem que
está adquirindo.
Um
aspecto relevante do direito de arrependimento, que também suscita
controvérsia, são as despesas de devolução do produto ao fornecedor. Para Andrade
(2006) e a doutrina minoritária entendem que o consumidor deve arcar com o ônus
da devolução do produto já que foi ele que teve a iniciativa do contrato.
Contudo, de acordo com a doutrina majoritária e no entendimento de Nery Júnior
(2013), o ônus de arcar com as despesas de devolução é do fornecedor, sendo vedada
a transferência ao consumidor.
A
operação de processamento e remessa do produto no e-commerce gera custos, basicamente, como aponta Salgarelli (2010),
estes custos são referentes à infraestrutura e tecnologia, quais sejam:
apresentação eletrônica de bens e serviços, recebimento de pedidos na internet e faturamento, automatização
dos pedidos, pagamentos pela internet
e gerenciamento de transações e cadeia de abastecimento automatizada. Assim, os
custos decorrentes do direito de arrependimento serão arcados pelo fornecedor,
por se tratar de despesa natural da atividade, aplicando o principio da boa-fé
objetiva.
O
direito de arrependimento ganha enfoque ainda mais divergente, quando se trata
de produtos e serviços ligados a aquisição de software. Salgarelli (2010) questiona a aplicação do direito de
arrependimento neste caso, pois na aquisição de software há uso imediato do produto através da instalação no
computador assim que é efetuado o download.
Como o consumidor poderá desistir de algo que foi automaticamente
instalado, ou que garantia tem o fornecedor que o produto realmente foi
desinstalado? Em razão disto os fornecedores e a doutrina jurídica trabalharam
em uma solução:
O referido programa necessita de
constantes atualizações para que continue sendo útil ao consumidor, após o
tempo contratado gratuitamente (um ano), o consumidor precisa fazer uma
atualização (através de download), oportunidade na qual, se o software não
estiver regularizado, seu funcionamento será bloqueado. Portanto, soluções são criadas
para exercer certo controle sobre instalações imediatas, contudo incensurável
que, neste particular, os fornecedores encontram-se sujeitos a abusos que podem
ser facilmente praticados por consumidores que agem de má-fé (SALGARELLI, 2010,
p. 106).
A
finalidade das normas consumeristas é proteger a parte mais fraca da relação
jurídica de consumo de abusos que podem ser impostos pelo mercado ao consumidor
principalmente quando a compra for realizada fora do estabelecimento comercial.
Assim, com o advento do o Decreto-Lei nº 7.962 de 15 de março de 2013, foi
pacificada a controvérsia existente sobre o direito de arrependimento nos
contratos eletrônicos através do artigo 5º[4]
insculpido na referida norma. Por este dispositivo o fornecedor
deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o
exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.
Em continuidade à análise da
aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao comércio eletrônico, Silva
(2011) conclui que existem alguns conflitos que não possuem regulamentação
específica, como exemplo o fornecedor que tem sede em outro país, pois neste
caso o consumidor terá dificuldades para se resguardar, tendo em vista o
silêncio da lei consumerista na facilitação da defesa dos direitos do
prejudicado. Neste caso é notória a necessidade de normas específicas
conferindo maior garantia ao consumidor contratante.
Em 2010, com a comemoração de 20
anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, uma comissão de juristas
presidida pelo ministro Antônio Herman Benjamin, foi formada para discutir a
necessidade de atualização do código, com garantias para maior proteção do
consumidor:
A ideia da comissão é atualizar o Código, vale dizer
manter todos os direitos já previstos que estão lá e tratar de matérias que na
época não receberam atenção suficiente porque o tema não estava maduro ou
porque a tecnologia não existia. Vamos estar tratando de dois temas que não são
fáceis, são complexos, o crédito, que é um universo que envolve inúmeras
questões de toda ordem e o comércio eletrônico que envolve inclusive aspectos
da tecnologia (BENJAMIN, INFORMATIVO STJ, 2012).
Neste
sentido, o ministro Herman Benjamin faz referência à complexidade do comércio
eletrônico que era uma tecnologia que não existia ou não estava pronta para ser
discutida, atualmente a matéria merece uma atenção especial. É destaque que o Código
de Defesa do Consumidor é uma das leis mais modernas do mundo, mas nem por isso
é desnecessária sua atualização:
Esse código tem algumas lacunas que
estávamos precisando que elas fossem corrigidas, os organizadores, os relatores do Código, inclusive o ministro
Herman Benjamin, me alertou que é necessário que se faça algumas alterações que
são necessárias para que ele possa funcionar. Esse é um tema que muito
interessa diretamente a cidadania (JOSÉ SARNEY, INFORMATIVO STJ,
2012).
Desta forma,
desde o ano de 2010 começaram a tramitar projetos para traçar melhores
diretrizes para os direitos do consumidor, principalmente quanto ao comércio
eletrônico. Até
meados de agosto de 2012 foram realizadas 37 audiências públicas com Senadores,
Procuradores da República e especialistas em Direito do Consumidor, para
discutirem sobre três anteprojetos apresentados pela comissão de juristas
presidida pelo ministro Herman Benjamin, quais sejam: comércio eletrônico,
superendividamento do consumidor e ações coletivas. Entretanto, sabe-se que o
processo legislativo é moroso e deve ser discutido por especialistas. Assim, um acordo entre o Senado e o Governo Federal foi
firmado e resultou na sanção do Decreto-Lei nº 7.962, de 15 de março de 2013,
que dispõe sobre a contratação no comércio eletrônico, que entrou em vigor em
14 de maio de 2013 (MONTEIRO, 2013).
O Decreto-Lei nº 7.962/2013 é composto por nove artigos que
traçam diretrizes sobre: atendimento facilitado do consumidor com informações
claras e precisas do fornecedor; o dever das lojas virtuais disponibilizar sede
física e informações como o número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas (CNPJ), o nome empresarial, endereço, discriminação quanto às
ofertas, preços, prazos e disponibilidade de entrega, bem como descrever de
forma clara produtos serviços oferecidos; apresentar o contrato ao consumidor,
confirmar imediatamente o recebimento da oferta, manter um serviço de
atendimento de qualidade, utilizar mecanismos de
segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor (MONTEIRO, 2013).
A nova normatização também aponta diretrizes para compras
coletivas, para a elaboração do site/loja
virtual que deverá informar de forma explícita e simplificada a quantidade
mínima de consumidores para a efetivação do contrato; dever de informar a
garantia do direito de arrependimento que implica a possibilidade de rescisão
dos contratos sem qualquer ônus para o consumidor, sendo que o fornecedor deve
informar de forma clara e ostensiva os meios adequados e eficazes para o
exercício; os contratos eletrônicos também deverão observar o cumprimento das
condições da oferta como a entrega dos produtos e serviços contratados,
observados os prazos estipulados na negociação, a quantidade, qualidade e
adequação do produto ou serviço, sob pena de aplicação do disposto no Art.
56 do Código de Defesa do Consumidor (MONTEIRO,
2013).
As regras traçadas pelo Decreto-Lei nº 7.962/2013 tem a
finalidade dirimir os conflitos, aprimorar a segurança nas contratações,
ampliar o acesso à informação sobre os produtos
e serviços, bem como evidenciar as condições das contratações por meio da
internet. Segundo Araújo (2013), as novas regras determinam atendimento
facilitado ao consumidor e o respeito ao direito de arrependimento, regulamenta
contratações no comércio eletrônico quanto ao cumprimento das condições da
oferta, com a entrega dos produtos e serviços de acordo com prazos, quantidade,
qualidade e adequação. Entretanto, apesar do decreto trazer regras contidas em
projetos de lei que tramitam no Senado Federal, inclusive o anteprojeto de
atualização do CDC, estes continuarão em tramitação no Congresso (SENADO, 2013).
Ainda sobre a finalidade do Decreto-Lei nº 7.962/2013, afirma
o canal do Portal Brasil do Governo Federal:
A lei também complementa o Código de
Defesa do Consumidor (CDC), que não trazia essa proteção de maneira específica.
O não cumprimento desse decreto pelo e-commerce pode gerar as mesmas
penalidades, que são aplicadas pelo Código de Defesa do consumidor, aos
estabelecimentos comerciais físicos.
Desta forma, é inevitável a
discussão quanto à aplicabilidade do CDC para dirimir os conflitos no comércio
eletrônico, bem como a promulgação de novas leis de atualização deste código
que vigora há quase 25 anos no Brasil. Contudo, um dos escopos que deve ser
buscado pelos legisladores e especialistas em defesa e proteção do consumidor é
que o e-commerce seja uma modalidade
de compra e venda mais segura para o consumidor.
Para verificar a aplicabilidade do
CDC nos conflitos de comércio eletrônico, vejamos alguns julgados que
possibilitarão uma análise jurisprudencial. Inicialmente segue ementa de
julgado proveniente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios,
em que foi analisado um conflito de e-commerce
decorrente de compra de um computador que apresentou vício de qualidade:
DIREITO
DO CONSUMIDOR. COMPUTADOR QUE APRESENTA VÍCIO DE QUALIDADE. DEVOLUÇÃO DA QUANTIA
PAGA. DANO MORAL CONFIGURADO. NEGADA REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. NEGADO
PROVIMENTO AO RECURSO. A
controvérsia deve ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo
instituído pelo código de defesa do consumidor (Lei 8.078/1990), que por sua
vez regulamenta o direito fundamental de proteção do consumidor (art. 5º,
XXXII, da Constituição Federal) (TJDFT, Apelação
cível do Juizado Especial, Relator: Hector Valverde Santana. Processo nº
20110410238987. Julgado em 25/09/2012).
No julgado acima o recorrido alegou que adquiriu pelo site de comércio eletrônico da primeira
recorrente um computador fabricado pela segunda recorrente. Contudo, o produto
apresentou defeito com pouco tempo de uso. O litígio não foi solucionado pelos
recorrentes, o que levou o consumidor ao Poder Judiciário para solucionar o
conflito. O juiz de primeiro grau fundamentou sua decisão com base no Código de
Defesa do Consumidor, com fulcro no art. 18, § 1º onde estabelece que não sendo
o vício sanado, no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir a
substituição do produto por outro da mesma espécie, ou abatimento proporcional
do preço, bem como a restituição imediata da quantia paga, monetariamente
atualizada, condenando as fornecedoras do produto na restituição do valor pago e
em uma indenização por danos morais. Assim, verifica-se a plena aplicação do Código
de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) na resolução da controvérsia, o que
foi confirmado em segunda instância, julgando improcedente o recurso das empresas
fornecedoras.
No
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais também é recorrente o ajuizamento
de demandas que envolvem conflitos originários do comércio eletrônico. Abaixo
segue ementa de julgado que será analisado:
EMENTA: APELAÇÃO
CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR -COMPRA E VENDA PELA INTERNET - FALHA NA PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS - NÃO ENTREGA DOS PRODUTOS ADQUIRIDOS E QUITADOS - RESPONSABILIDADE DA
FORNECEDORA - CABIMENTO - DANO MORAL CONFIGURADO. (TJMG, Processo: Apelação cível nº
1.0284.10.004133-4/001, Relator: Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira. Data de
julgamento: 31/05/2012).
Trata-se de um
conflito de entrega do produto, onde o consumidor adquiriu dois produtos pelo site da recorrente e estes não lhe foram
entregues. O recorrente alegou que as mercadorias adquiridas não puderam ser
entregues no prazo contratado, por falha operacional da transportadora
encarregada das entregas e afirmou a culpa exclusiva de terceiro. O relator
Evandro Lopes da Costa Teixeira fundamentou que a
relação jurídica existente entre as partes litigantes é tipicamente de consumo,
aplicando-se o CDC no caso, respondendo o recorrente objetivamente, conforme
previsão do art. 14. O recurso foi julgado improcedente pelo relator que
afirmou, ainda, que a atitude das fornecedoras configuram um grave desrespeito para
com o consumidor que ficou meses impedido de utilizar as mercadorias compradas
no site da recorrente, causando-lhe frustrações e angústia diante da espera da
entrega dos produtos.
Portanto,
verifica-se a partir da amostragem dos julgados acima que o Código de Defesa do
Consumidor é aplicado cotidianamente pelos tribunais nos conflitos que envolvem
o comércio eletrônico, mesmo não havendo norma específica e clara sobre a
aplicação do diploma consumerista a este meio de comercialização. É norma de
aplicação lato sensu,
independentemente da forma e meio de contratação, bastando que a relação
jurídica enquadre-se como sendo de natureza consumerista.
4. CONCLUSÃO
O surgimento do comércio eletrônico impactou grandes
mudanças na economia, nas relações entre consumidores e fornecedores, no perfil
dos consumidores, nos contratos, expandiu-se nas redes sociais e sites de
relacionamentos, e hodiernamente abrange toda a sociedade sem limite
territorial.
O comércio eletrônico propõe
desafios perante os direitos do consumidor quanto à oferta e publicidade
enganosa, cláusulas abusivas nos contatos eletrônicos, direito de
arrependimento - que recentemente foi regulamentado pelo Decreto-Lei nº
7.962/13, tornando-o sem ônus ao consumidor. Há aspectos negativos que são
inerentes a esta prática comercial diante da insegurança em relação aos dados
pessoais que podem ser utilizados indevidamente ou quanto às dificuldades para
resolver qualquer controvérsia inerente às características intrínsecas do
produto ou serviço, por exemplo.
Entretanto, diante dos pontos
positivos como a comodidade e rapidez das compras, a facilidade de pesquisa de
preços e ofertas, a elasticidade de funcionamento das lojas on-line, entre outros, o consumidor não
deixará de utilizar esta modalidade comercial, que tende a ter expansão cada
vez maior nos próximos anos. Com as mudanças de hábito e perfil dos
consumidores é necessário que sejam adotadas medidas para regulamentar todos os
atos praticados no comércio eletrônico, de tal modo que as empresas
fornecedoras e os consumidores tenham a garantia de que suas transações
realizadas em meios eletrônicos sejam seguras e os direitos de ambas as partes
sejam respeitados. A confiança é condição prévia para que empresas e consumidores utilizem o comércio eletrônico.
A partir da análise doutrinária e
jurisprudencial empreendida, verificou-se que não é necessária a modificação
substancial do Código de Defesa do Consumidor para que possa efetivamente
aplicar este diploma legal aos conflitos de comércio eletrônico brasileiro. Porém, em virtude da constante evolução da
sociedade, é importante que o legislador estabeleça normas que tenham a
finalidade de proteger e defender exclusivamente o consumidor perante o e-commerce, e consequentemente que estas
normas possam agir em caráter preventivo aos conflitos, para assim desafogar o Judiciário
e os órgãos administrativos dos inúmeros litígios consumeristas provenientes de
práticas comerciais realizadas por meio eletrônico.
Assim,
conclui-se que o Código de Defesa do Consumidor é um diploma que consagra um
sistema completo, mesmo após 25 anos de sua criação, por possuir em seu corpo
regras, princípios, penalidades, defesa coletiva e individual para
consumidores, sendo aplicado há toda e qualquer relação de consumo,
independente de onde seja celebrado o contrato ou o meio utilizado para esta
celebração.
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http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=a68259547f3d25ab. Acesso em:
15/06/14.
[1] Os
dados são do Net Insight, estudo
sobre internet do IBOPE Media.
[3]CERT.br - O Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de
Incidentes de Segurança no Brasil é mantido pelo NIC.br, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, e atende a qualquer rede brasileira conectada à
Internet.
[4] Art. 5º. O fornecedor deve informar, de forma clara e
ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de
arrependimento pelo consumidor.§ 1º O consumidor poderá exercer seu direito de
arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo
de outros meios disponibilizados.§ 2º O exercício do direito de arrependimento
implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o
consumidor.§ 3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado
imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do
cartão de crédito ou similar, para que: I - a transação não seja lançada na
fatura do consumidor; ou - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento
na fatura já tenha sido realizado. [...] § 4o O fornecedor deve enviar ao consumidor
confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.
________________________________________________
Artigo originalmente publicado pela revista científica "Ampliando", v. 2. n. 2, ano 2015, da FACERB/RJ. Clique aqui para ter acesso ao texto original.
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