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terça-feira, 9 de novembro de 2021

Reforma Trabalhista e beneficiários da Justiça Gratuita - ADI 5766/DF



O Supremo Tribunal Federal julgou recentemente a ADI 5766/DF e reconheceu a inconstitucionalidade das normas da reforma trabalhista que impõem o pagamento de honorários periciais e advocatícios por beneficiários da justiça gratuita. Assim, o STF fixou novamente o entendimento de que o acesso a justiça, garantindo a gratuidade àqueles que não possuem condições financeiras, é um dos pilares mais básicos para assegurar direitos elementares do cidadão trabalhador.

Abaixo segue o texto publicado no Informativo 1035, publicado pela Corte, trazendo resumo da decisão.


RESUMO

São inconstitucionais as normas trabalhistas que determinam o pagamento de honorários periciais e advocatícios por beneficiários da justiça gratuita, caso percam a ação, mas obtenham créditos suficientes para o pagamento dessas despesas, ainda que em outra demanda.

As previsões violam o art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal (CF), o qual determina que o Estado preste assistência judicial, integral e gratuita, aos que comprovem insuficiência de recursos. 

Entender que o mero fato de alguém ser vencedor de um processo retira a sua hipossuficiência seria uma presunção absoluta da lei e representaria um obstáculo à efetiva aplicação da regra constitucional. 

Nesse aspecto, a reforma trabalhista estipulou restrições inconstitucionais a direito fundamental, pois não é razoável nem proporcional a imposição do pagamento de honorários periciais e de sucumbência pelo beneficiário da justiça gratuita sem que se prove que ele efetivamente deixou de ser hipossuficiente. 

É constitucional a imposição do pagamento de custas pelo beneficiário da justiça gratuita que faltar à audiência inicial e não apresentar justificativa legal no prazo de 15 dias.

A medida é razoável e trata apenas de mais um requisito para a gratuidade judicial, a qual depende não apenas da demonstração da hipossuficiência do reclamante, mas também de o beneficiário assumir o compromisso de comparecer a todos os atos processuais, salvo motivo legalmente justificável. 

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na redação dada pela Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), vencidos, nessa parte, os ministros Roberto Barroso (relator), Luiz Fux (presidente), Nunes Marques e Gilmar Mendes. 

Também por maioria, o Plenário julgou improcedente o pedido formulado na ação direta no tocante ao art. 844, § 2º (4), da CLT, na redação dada pela reforma trabalhista, declarando-o constitucional. Vencidos, no ponto, os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.  

(Fonte: STF, Informativo 1035. 2021, p. 12-13).


segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Fixação de tese sobre a inexistência de imunidade de jurisdição para ilícitos violadores de direitos humanos por Estados estrangeiros


Importante tese foi fixada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal no ARE 954858/RJ, entendendo que diante de atos violadores de direitos humanos os Estados estrangeiros não possuem imunidade de jurisdição. O acórdão é de relatoria do Ministro Edson Fachin e a fixação da tese foi realizada em repercussão geral. 


Selecionamos o resumo divulgado no Informativo 1026/2021:



DIREITO INTERNACIONAL – PROTEÇÃO INTERNACIONAL A DIREITOS HUMANOS DIREITO PROCESSUAL CIVIL – JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA


Imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro por ato ofensivo aos direitos humanos - ARE 954858/RJ (Tema 944 Repercussão Geral)


Tese fixada:

“Os atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos humanos não gozam de imunidade de jurisdição.”

Resumo do julgado:

A imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro não alcança atos de império ofensivos ao direito internacional da pessoa humana praticados no território brasileiro, tais como aqueles que resultem na morte de civis em período de guerra.

A imunidade de jurisdição de Estado soberano em razão de ato de império tem fonte no direito costumeiro. Este, ainda que tenha status elevado no direito internacional, nem sempre deve prevalecer. É que atos de império que resultem na morte de cidadãos brasileiros não combatentes, ainda que praticados num contexto de guerra, são atos ilícitos, seja por ofenderem as normas que regulamentam os conflitos armados (1), seja por ignorarem os princípios que regem os direitos humanos (2). Ademais, em hipóteses como essa, devem prevalecer os direitos humanos tal como determina o art. 4º, II, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) (3), quando se fez a explícita opção normativa por um paradigma novo nas relações internacionais, no qual são preponderantes, não mais a soberania dos Estados, mas os seres humanos. No caso, trata-se de ação de ressarcimento de danos materiais e morais de autoria de netos ou de viúvas de netos de cidadão brasileiro não combatente que morreu em decorrência de ataque feito por submarino alemão a barco pesqueiro localizado no mar territorial brasileiro, durante a II Guerra Mundial. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, apreciando o Tema 944 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para, afastando a imunidade de jurisdição da República Federal da Alemanha, anular a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito. Vencidos os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Luiz Fux (Presidente) e Marco Aurélio.


(ARE 954858/RJ, relator Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 20.8.2021).

 

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(1) Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg: “Artigo 6 - O Tribunal instituído pelo Acordo mencionado no Artigo 1 acima, para julgamento e punição dos principais criminosos de guerra dos países do Eixo Europeu, é competente para julgar e punir pessoas que, agindo no interesse dos países do Eixo Europeu tenham cometido, quer a título individual ou como membros de organizações, algum dos seguintes crimes: (...) b) Crimes de Guerra: nomeadamente, violações das leis ou costumes de guerra. Tais violações incluem, mas não se limitam a assassínio, maus-tratos ou deportação para trabalhos forçados ou qualquer outro fim, da população civil do ou no território ocupado, assassínio ou maus-tratos dos prisioneiros de guerra ou de pessoas no mar, execução de reféns, pilhagem dos bens públicos ou privados, destruição sem motivo de cidades, vilas ou aldeias ou devastação não justificada por necessidade militar;” (2) Decreto 592/1992 (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos): “ARTIGO 6 - 1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.” (3) CF/1988: “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...) II - prevalência dos direitos humanos;”


STF: incompatibilidade do instituto da “candidatura nata” com a Constituição Federal de 1988


O Supremo Tribunal Federal decidiu a ADI 2530/DF, estabelecendo a incompatibilidade do instituto da "candidatura nata" com o regime jurídico estabelecido pela Constituição Federal de 1988, uma vez que o instituto viola o princípio da isonomia e a autonomia partidária.


Selecionamos o resumo do julgado divulgado por meio do Informativo 1026/2021:


DIREITO ELEITORAL – ELEIÇÃO

Candidatura nata: violação à autonomia partidária e à isonomia entre postulantes a cargos eletivos - ADI 2530/DF


O instituto da “candidatura nata” é incompatível com a Constituição Federal de 1988 (CF), tanto por violar a isonomia entre os postulantes a cargos eletivos como, sobretudo, por atingir a autonomia partidária (CF, arts. 5º, “caput”, e 17) (1). A denominada “candidatura nata” — entendida como um direito potestativo de detentor de mandato eletivo à indicação pelo partido para as próximas eleições, independentemente de aprovação em convenção partidária — é absolutamente incompatível com a atual atmosfera de liberdade de ação partidária. A imunização pura e simples do detentor de mandato eletivo contra a vontade colegiada do partido acaba sendo um privilégio completamente injustificado, que contribui tão-só para a perpetuação de ocupantes de cargos eletivos, em detrimento de outros pré-candidatos, sem qualquer justificativa plausível para o funcionamento do sistema democrático, e sem que haja meios para que o partido possa fazer imperar os objetivos fundamentais inscritos no seu estatuto. Num contexto em que a fidelidade partidária é um princípio fundamental da dinâmica dos partidos políticos, especialmente no que diz respeito aos titulares de cargos eletivos obtidos pelo sistema proporcional (2), cabe ao candidato submeter-se à vontade coletiva do partido, e não o contrário. A “candidatura nata” contrasta profundamente com esse postulado e, por esse aspecto, esvazia toda a ideia de fidelidade partidária em favor de um suposto “direito adquirido” à candidatura dos detentores de mandato eletivo pelo sistema proporcional. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 8º da Lei 9.504/1997, com modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

 (ADI 2530/DF, relator Min. Nunes Marques, julgamento em 18.8.2021)


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(1) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...) Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional; II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III - prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.” (2) Precedente: ADI 3.999

 



Fixação de tese sobre a inconstitucionalidade da constrição do patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial


O Supremo Tribunal Federal estabeleceu recentemente a fixação da tese de inconstitucionalidade de atos de constrição do patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial, em razão do disposto no artigo 100 da Constituição Federal, bem como dos princípios da separação dos poderes, legalidade orçamentária e eficiência administrativa.

Selecionamos o resumo do Informativo 1026/2021 que segue abaixo:


DIREITO CONSTITUCIONAL – REGIME DE PRECATÓRIOS

Atos de constrição de patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial sem fins lucrativos - ADPF 789/MA

Tese fixada:

“Os recursos públicos vinculados ao orçamento de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, não podem ser bloqueados ou sequestrados por decisão judicial para pagamento de suas dívidas, em virtude do disposto no art. 100 da CF/1988, e dos princípios da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/1988), da separação dos poderes (arts. 2º, 60, § 4º, III, da CF/1988) e da eficiência da administração pública (art. 37, caput, da CF/1988).”

 Resumo do julgamento:

São inconstitucionais atos de constrição, por decisão judicial, do patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, para fins de quitação de suas dívidas. Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a inconstitucionalidade dos bloqueios e sequestros de verba pública de estatais por decisões judiciais, exatamente por estender o regime constitucional de precatórios às estatais prestadoras de serviço público em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo (1). Da mesma forma, a Corte já assentou orientação no sentido de que, salvo em situações excepcionais, não é possível que, por meio de decisões judiciais constritivas, se altere a destinação de recursos públicos previamente direcionados para a promoção de políticas públicas, sob pena de afronta ao art. 167, VI, da CF (2) (3). Ressalte-se que a exigência de lei para a modificação da destinação orçamentária de recursos públicos visa resguardar o planejamento chancelado pelos Poderes Executivo e Legislativo no momento de aprovação da lei orçamentária anual. Por isso, a interferência do Judiciário na organização orçamentária dos projetos da Administração Pública — salvo, excepcionalmente, como fiscalizador — ofende o princípio da separação dos Poderes (CF, art. 2º) (4) (5). Por fim, no caso analisado, o princípio da eficiência da Administração Pública (CF, art. 37, caput) (6) é igualmente relevante para a solução da controvérsia. Isso porque os atos jurisdicionais impugnados, ao bloquearem verbas orçamentárias da empresa pública estadual para o pagamento de suas dívidas, atuaram como obstáculo ao exercício eficiente da gestão pública, subvertendo o planejamento e a ordem de prioridades na execução de políticas públicas de saúde, em momento dramático de combate à pandemia da COVID-19. Com base nesse entendimento, o Plenário confirmou a cautelar anteriormente deferida e julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental para: (i) suspender as decisões judiciais nas quais se promoveram constrições patrimoniais por bloqueio, penhora, arresto, sequestro; (ii) determinar a sujeição da Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares – EMSERH ao regime constitucional de precatórios; e (iii) determinar a imediata devolução das verbas subtraídas dos cofres públicos, e ainda em poder do Judiciário, para as respectivas contas de que foram retiradas.

 (ADPF 789/MA, relator Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 20.8.2021 (sexta-feira), às 23:59)


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(1) Precedentes citados: ADPF 556; ADPF 485. (2) CF: “Art. 167. São vedados: (...) VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;” (3) Precedentes citados: ADPF 620; ADPF 275; ADPF 556. (4) CF: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” (5) Precedente citado: ADPF 114. (6) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)”



Medida provisória e projeto de lei com conteúdo semelhante - Posição do STF: inexistência de vedação pela CF/1988


Selecionamos posicionamento importante do STF no âmbito da ADI 2601/DF, que trata de inexistência de vedação pela Constituição Federal sobre a existência de medida provisória e projeto de lei com conteúdo semelhante. Transcrevemos o resumo divulgado no Informativo 1026/2021:


DIREITO CONSTITUCIONAL – PROCESSO LEGISLATIVO

Edição de medida provisória e projeto de lei com conteúdo semelhante - ADI 2601/DF

Não caracteriza afronta à vedação imposta pelo art. 62, § 1º, IV, da Constituição Federal (CF) (1) a edição de medida provisória no mesmo dia em que o Presidente da República sanciona ou veta projeto de lei com conteúdo semelhante. Isso porque projeto de lei — aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República — não mais se encontra “pendente de sanção ou veto”. São constitucionais os decretos presidenciais expedidos em conformidade com a competência privativa conferida ao chefe do Poder Executivo pelo art. 84, VI, “a”, da CF (2). No caso examinado, as alterações introduzidas pelo ato impugnado (3) não extrapolaram a competência privativa conferida ao chefe do Poder Executivo para disciplinar, por decreto, sobre a organização e funcionamento da Administração Federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal já concluiu que esse tipo de decreto possui natureza autônoma, revestindo-se de abstração, generalidade e impessoalidade, que possibilita seja desafiado por meio do controle concentrado de constitucionalidade (4). Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade. Vencido o ministro Edson Fachin, que julgou o pedido parcialmente procedente.

(ADI 2601/DF, relator Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 19.8.2021)

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(1) CF: art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela EC 32/2001) § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela EC 32/2001) (...) IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. (Incluído pela EC 32/2001) (2) CF: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela EC 32/2001) a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela EC 32/2001). (3) Decreto 3.995/2001: “Altera e acresce dispositivos à Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários, nas matérias reservadas a decreto.” (4) Precedentes: ADI 2.950 AgR e ADI 3.936 MC.

 



Informativo STF: Licenciamento ambiental de fase única e regulamentação de atividade garimpeira


O Supremo Tribunal Federal julgou recentemente a ADI 6672/RR, que trata de temas relacionados à organização do Estado e competência legislativa para tratar de licenciamento ambiental de fase única e regulamentação de atividade garimpeira. Transcrevemos abaixo o resumo divulgado pelo STF no Informativo 1029/2021.

 

É inconstitucional a legislação estadual que, flexibilizando exigência legal para o desenvolvimento de atividade potencialmente poluidora, cria modalidade mais simplificada de licenciamento ambiental (1). Considerada a predominância do interesse na uniformidade de tratamento da matéria em todo o território nacional (2), a regulação sobre a expedição de licenças ambientais específicas para as fases de planejamento, instalação e operacionalização de empreendimentos potencialmente poluidores se situa no âmbito de competência da União para a edição de normas gerais de proteção ao meio ambiente (3). Logo, salvo no que se relaciona ao estabelecimento de normas mais protetivas, é vedado aos estados-membros divergir da sistemática de caráter geral definida pelo ente central. Além disso, a norma estadual que permita a aplicação de procedimento de licenciamento ambiental menos eficaz para atividades de impacto significativo ao meio ambiente fragiliza o exercício do poder de polícia ambiental e caracteriza ofensa ao art. 225 da Constituição Federal (CF) (4). É inconstitucional lei estadual que regulamenta aspectos da atividade garimpeira, nomeadamente, ao estabelecer conceitos a ela relacionados, delimitar áreas para seu exercício e autorizar o uso de azougue (mercúrio) em determinadas condições. Na hipótese, há usurpação da competência legislativa privativa da União para legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia (5).

Com base nesses entendimentos, o Plenário julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 1.453/2021 do Estado de Roraima. 

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(1) Precedente: ADI 1.089. (2) Precedentes: ADI 5.475, ADI 5.312 e ADI 6.650. (3) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;” (4) CF: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (5) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;

(ADI 6672/RR, relator Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 14.9.2021, terça- -feira às 23:59)


segunda-feira, 2 de agosto de 2021

A JURISPRUDÊNCIA DO STJ ACERCA DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS COOPERATIVAS



Giselle Borges Alves
Advogada e Professora de Direito Privado e Direito Cooperativo
Mestra em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)



A ideia básica do Código de Defesa do Consumidor (CDC) é tutelar as relações de consumo que envolvam pessoas físicas ou jurídicas e fornecedores de produtos e serviços, bem como a proteção da coletividade dos abusos advindos do poder econômico. Neste sentido, muitas vezes, podem surgir dúvidas sobre a aplicação do CDC sobre as atividades realizadas pelas cooperativas no mercado de consumo, principalmente porque o objetivo principal das cooperativas é prestar serviço aos seus associados. Assim, as atividades que juridicamente são consideradas como fornecimento de bens e serviços no mercado de consumo, são realizadas precipuamente com os associados das cooperativas.

Os associados de cooperativas possuem no mínimo uma dupla qualidade: são donos e clientes do empreendimento, simultaneamente. Assim, além de utilizarem os serviços oferecidos, participam ativamente da gestão e das políticas que são aprovadas para o exercício social.

As cooperativas se obrigam a contribuir material e imaterialmente com o cooperado e dentro desta perspectiva é preciso realizar o seguinte questionamento: quando haverá a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em face das cooperativas? Para responder esta pergunta, a abordagem deve ocorrer quanto às relações jurídicas realizadas pelas cooperativas em duas frentes: serviços prestados diretamente aos cooperados (associados do empreendimento) e serviços prestados a terceiros (não associados) que travam relações com a cooperativa. Existe diferença de tratamento? Para responder também é necessário verificar quando esta relação jurídica pode ser considerada ou não uma relação de consumo. Veremos que os entendimentos do STJ ao longo dos anos não geram uma pacificação sobre o assunto.

A análise da aplicação do CDC pode variar conforme o ato praticado e o ramo do cooperativismo. Grande parte dos julgados do Tribunal se referem às cooperativas de crédito, cooperativas habitacionais, cooperativas de trabalho médico que fornecem serviços de plano e seguro saúde no mercado de consumo e cooperativas agrícolas e agroindustriais.

Quanto às cooperativas de crédito, as relações entre cooperativa e cooperado ocorrem precipuamente com oferta de empréstimos e subvenções (operações de crédito) com taxas de juros e outros encargos mais benéficos que os praticados por outras instituições financeiras. No entanto, acessoriamente as cooperativas de crédito também realizam estas mesmas operações com pessoas estranhas à sociedade.

Neste exemplo que retrata atos praticados por cooperativas de crédito, o STJ possui posicionamento corrente no sentido da aplicabilidade do CDC sempre que evidenciada uma típica relação de consumo dos produtos/serviços comuns às instituições financeiras, mesmo quando a relação for realizada entre cooperado e cooperativa. Assim, estaríamos diante de um ato de consumo, desconsiderando a existência de ato cooperativo típico. As decisões têm em comum a afirmação de que se aplica às cooperativas de crédito a Súmula 297, comum a todas instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional. Vejamos:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA AGRAVANTE. 1. 'Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, na hipótese em que a atividade da cooperativa se equipara àquelas típicas das instituições financeiras, são aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, a teor da Súmula 297/STJ.' (STJ, AgInt no AREsp 1361406/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 11/04/2019). 
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM AÇÃO MANDAMENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. REEXAME DE FATOS E PROVAS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. [...]. 7. O acórdão recorrido ao concluir que a cooperativa na espécie se equipara a instituição financeira e, por consequência, aplicável o CDC, alinhou-se ao entendimento do STJ. Precedentes. 8. O STJ possui a orientação de que as cooperativas, enquanto instituições financeiras, encontram-se obrigadas ao prolongamento de dívida oriunda de crédito rural, preenchidos os requisitos da Lei nº 9.138/95. Precedentes. 9. Agravo interno interposto por C-Vale Cooperativa Agroindustrial não provido" (AgInt no AREsp 1.292.032/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/5/2020, DJe 25/5/2020 - grifou-se). "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. COOPERATIVA AGRÍCOLA. EQUIPARAÇÃO ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, na hipótese em que a atividade da cooperativa se equipara àquelas típicas das instituições financeiras, são aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, a teor da Súmula 297/STJ. Precedentes. [...]. 3. Agravo interno a que se nega provimento" (STJ, AgInt no AREsp 1.361.406/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 11/4/2019).[1]

Entretanto, o referido entendimento não é imune a críticas, uma vez que nenhum dos julgados que deram ensejo à Súmula 297 analisaram casos relacionados às cooperativas de crédito, notadamente os requisitos de propriedade e controle e a natureza do ato cooperativo típico quando a relação ocorre entre cooperados e cooperativa[2].

Neste contexto, as cooperativas de crédito quando travam relações com pessoas estranhas à sociedade (não cooperados), mesmo que forneçam os mesmos serviços prestados aos cooperados, não existe discordância quanto à aplicação do CDC nas relações jurídicas caracterizadas como de consumo. Este é o entendimento consolidado e entendemos não ser refutável, uma vez que a cooperativa de crédito, neste caso, prestando serviço a terceiros (não cooperados), atua como agente de mercado convencional:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. SISTEMA NACIONAL DE COOPERATIVAS DE CRÉDITO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A CONSUMIDORES COMUNS NÃO-COOPERADOS. APLICAÇÃO DO CDC. RESPONSABILIDADE PELA CADEIA DE FORNECIMENTO DE PRODUTOS OU SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. AUSÊNCIA. [...] No entanto, quando a cooperativa de crédito busca consumidores no mercado, isto é, aqueles que não são cooperados, atua como se fosse uma instituição financeira ordinária. 4. A jurisprudência do STJ é há muito tempo pacífica no sentido da aplicação do CDC às relações entre consumidores e as instituições financeiras. [...]. 8. Recurso especial conhecido e provido (STJ, REsp 1468567/ES, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 07/08/2018).

Pelo CDC nem todas as pessoas físicas ou jurídicas podem ser consideradas ou equiparadas a consumidores. Se o produto ou serviço, adquirido ou utilizado, não for para destinação final, não estamos diante de uma relação de consumo. Esta é a inteligência do artigo 2º da norma consumerista que consagra a teoria finalista[3]. Aliás, este é um dos temas mais controvertidos da jurisprudência brasileira, principalmente quanto a caracterização do que vem a ser “relação de consumo” e “consumidor” frente aos contratos bancários.

Essa discussão, ganha enfoque frente aos contratos de crédito no setor agrícola, firmado por cooperativas agrícolas e agroindustriais, notadamente em situações em que o cooperado se beneficia do consumo de produtos agrícolas (insumos) ofertados pela cooperativa. Diante deste cenário, o STJ possui entendimento de inaplicabilidade do CDC. Citamos como exemplo o julgado recente proferido pelo Ministro Marco Buzzi, no AREsp 1868796, publicado em 23 de junho de 2021, em que não foi aplicado o CDC em contrato de compra e venda de insumos agrícolas, utilizados para o aumento de produtividade e viabilização do desenvolvimento. A decisão reconhece que a relação entre cooperativa e cooperado, neste caso, ocorre de forma servil, ou seja, o cooperado se serve da primeira para fomentar sua atividade produtiva. Para o Ministro, também não restava caracterizada qualquer hipossuficiência técnica.

Também é ressaltado no AREsp 1868796, que mesmo em se tratando de contrato de financiamento/empréstimo para aquisição de insumos, realizado entre cooperado e cooperativa, não se aplica o entendimento da Súmula 297 do STJ. No caso de cooperativas agrícolas e agroindustriais, não existe realização de ato típico de instituições financeiras, como é comum nas cooperativas de crédito. Mesmo em caso de empréstimo de valores feito aos associados de cooperativas agrícolas, estamos diante de ato cooperativo típico[4].

Quanto às cooperativas habitacionais, o STJ possui entendimento pacificado no sentido de aplicação do CDC às cooperativas, mesmo em situações em que as relações são estabelecidas entre cooperativa e cooperado. Vejamos:

COOPERATIVA HABITACIONAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. [...] As disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas. Precedentes. (STJ, AgInt no Ag em REsp 972.646/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 04/05/2017).
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COOPERATIVA HABITACIONAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. PERCENTUAL. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. REEXAME. SÚMULA Nº 7/STJ. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. SÚMULA Nº 5/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O Superior Tribunal de Justiça possui orientação no sentido de que as disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas. (...) 5. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no REsp 1715903/RS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 15/10/2018). 
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. [...] 3. O STJ possui firme o entendimento no sentido de que as disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas. Precedentes. [...] 6. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 1266376/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 04/06/2019).

O entendimento, inclusive, foi objeto da Súmula 602 no STJ, que afirma: “O código de defesa do consumidor é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas”.

Quanto às cooperativas de trabalho médico, como a Unimed, aplica-se corretamente o CDC para os usuários dos serviços de saúde prestados pelos profissionais cooperados, sendo cabível ação de natureza consumerista contra a cooperativa. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. SISTEMA UNIMED. RECUSA INDEVIDA DE COBERTURA. USUÁRIO EM INTERCÂMBIO. UNIMED EXECUTORA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. UNIMED DE ORIGEM. COOPERATIVAS DE TRABALHO MÉDICO. REDE INTERLIGADA. MARCA ÚNICA. ABRANGÊNCIA NACIONAL. TEORIA DA APARÊNCIA. CADEIA DE FORNECEDORES. CDC. INCIDÊNCIA. 1. Cinge-se a controvérsia a saber se a cooperativa de trabalho médico que atendeu, por meio do sistema de intercâmbio, usuário de plano de saúde de cooperativa de outra localidade possui legitimidade passiva ad causam na hipótese de negativa indevida de cobertura. 2. Apesar de os planos e seguros privados de assistência à saúde serem regidos pela Lei nº 9.656/1998, as operadoras da área que prestarem serviços remunerados à população enquadram-se no conceito de fornecedor, existindo, pois, relação de consumo, devendo ser aplicadas também, nesses tipos contratuais, as regras do Código de Defesa do Consumidor (art. 35-G da Lei nº 9.656/1998 e Súmula nº 469/STJ). 3. O Complexo Unimed do Brasil é constituído sob um sistema de cooperativas de saúde, independentes entre si e que se comunicam através de um regime de intercâmbio, o que possibilita o atendimento de usuários de um plano de saúde de dada unidade em outras localidades, ficando a Unimed de origem responsável pelo ressarcimento dos serviços prestados pela Unimed executora. Cada ente é autônomo, mas todos são interligados e se apresentam ao consumidor sob a mesma marca, com abrangência em todo território nacional, o que constitui um fator de atração de novos usuários. 4. Há responsabilidade solidária entre as cooperativas de trabalho médico que integram a mesma rede de intercâmbio, ainda que possuam personalidades jurídicas e bases geográficas distintas, sobretudo para aquelas que compuseram a cadeia de fornecimento de serviços que foram mal prestados (teoria da aparência). Precedente da Quarta Turma. 5. É transmitido ao consumidor a imagem de que o Sistema Unimed garante o atendimento à saúde em todo o território nacional, haja vista a integração existente entre as cooperativas de trabalho médico, a gerar forte confusão no momento da utilização do plano de saúde, não podendo ser exigido dele que conheça pormenorizadamente a organização interna de tal complexo e de suas unidades. 6. Tanto a Unimed de origem quanto a Unimed executora possuem legitimidade passiva ad causam na demanda oriunda de recusa injustificada de cobertura de plano de saúde.7. Recurso especial não provido (STJ, REsp 1665698, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 31/05/2017).

No entanto, na cooperativa de trabalho médico e sua relação com os cooperados, não se aplica o CDC se estes não são usuários dos serviços de saúde. A relação de trabalho médico é intermediadora, ou seja, a cooperativa detém a função de colocar o trabalho do cooperado em evidência para que este possa realizar os atendimentos aos usuários. Portanto, trata-se de arranjo societário e civil, diferente das relações jurídicas realizadas no âmbito de consumo de produtos e serviços. Estamos diante de dois atos diferentes de prestação de serviço: o ato fim e o ato meio. O ato fim da cooperativa é prestar serviço ao cooperado (ato cooperativo) e o ato meio é a prestação de serviço aos usuários não cooperados (ato não cooperativo). Apenas sobre o ato meio ocorre a incidência do CDC[5].

Desta forma, em análise à jurisprudência do STJ é possível concluir que o Tribunal não possui uma regra geral aplicável sobre a incidência do CDC sobre atos praticados por cooperativas. É sempre importante analisar caso a caso, inclusive o ramo da atividade cooperativista e se o serviço prestado pela cooperativa é ato típico cooperativo ou se é possível inseri-lo no âmbito de uma relação de consumo. Entretanto, mesmo em se tratando de ato cooperativo, poderá haver a aplicação do CDC, como nos atos praticados por cooperativas de crédito, por força da Súmula 297 do Tribunal.

O objetivo desta análise não é tecer os aspectos críticos em relação às decisões proferidas pelo STJ, uma vez que isso demanda uma análise mais aprofunda das características de propriedade, gestão e da natureza da sociedade cooperativa, que fogem ao escopo dessa publicação.

O presente texto apenas apresenta o estado da atual jurisprudência da Corte e serve para despertar a própria necessidade de aprofundamento sobre a temática do ato cooperativo típico e não-comercial para cada ramo do cooperativismo, uma vez que em razão da jurisprudência oscilante, não é mais possível sustentar uma análise generalista do conceito. É necessário abranger as especificidades para que os intérpretes e aplicadores das normas possam compreender as principais peculiaridades que envolvem o ato cooperativo de cada ramo cooperativista e seus reflexos. As generalizações do conceito de ato cooperativo não ajudam na compreensão de situações concretas e podem levar a prejuízos substanciais às cooperativas.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm. Acesso em 29 jul. 2021.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Revista súmulas 2011: Súmula 297. STJ. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_23_capSumula297.pdf. Acesso em: 28 jul. 2021.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Segunda seção aprova súmulas sobre CDC e contratos bancários. STJ. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-02-26_11-48_Segunda-Secao-aprova-sumulas-sobre-CDC-e-contratos-bancarios.aspx. Acesso em 29 jul. 2021.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Pesquisa de Jurisprudência. STJ Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/. Acesso em 27 jul. 2021.

FRANK, Walmor. Direito das sociedades cooperativas: direito cooperativo. São Paulo: USP, 1973.

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[1] Cite-se ainda o AgInt nos EAREsp 1302248/PR, de relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 20/10/2020; AgInt no Agravo em REsp 1292032/MT, sob relatoria da Min. Nancy Andrighi, j.18/05/2020; AgInt no REsp 1520390/ES, de autoria do Min. Marco Buzzi, j. 22.5.2018.
[2] Recomenda-se a leitura dos julgados que deram origem a súmula 297 do STJ.
[3] No entanto, é importante considerar o avanço da jurisprudência no sentido de verificar além do requisito “consumidor final” a atenção aos casos em que mesmo que o produto ou serviço não seja para o destinatário final e seja empregado na atividade produtiva, deve ser aplicado o CDC para pessoas físicas ou jurídicas consideradas vulneráveis ou hipossuficientes frente às características específicas do fornecedor, que o colocam em patamar muito superior ao adquirente do produto ou serviço. Neste sentido, ver o AgInt no AREsp 1712612/PR, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, publicado no DJe 10/12/2020, que não aplica o CDC para produtor rural, mas faz a ressalva de que uma vez comprovada a hipossuficiência técnica, jurídica e econômica, permite-se o abrandamento da teoria finalista.
[4] Importante ver ainda os acórdãos do AgInt no AREsp 947445/PR, REsp 1435979 / SP, AgRg no REsp 1.122.507/PR que também tratam inaplicabilidade do CDC sobre cooperativas agrícolas/agroindustriais quanto a relações típicas entre cooperativa e seus associados.
[5] A classificação entre ato fim e ato meio é dada por Walmor Frank, como “negócio-fim” (ou interno) e “negócio-meio” (ou de mercado). Na visão do doutrinador, ambos estão interligados e constituem o ciclo operacional.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Responsabilidade civil - parâmetros de indenização por dano moral e prazo prescricional de indenização por benfeitorias - Posições do STJ

Através da página "Pesquisa Pronta", o STJ divulgou dois novos entendimentos do Tribunal sobre parâmetro de indenização de dano moral e prazo prescricional para indenização por benfeitorias. Veja abaixo:


"Dano moral. Indenização. Valor estimado ou não indicado ou sugerido. Magistrado: arbítrio? Vinculação?

A Quarta Turma definiu que "o magistrado, ao arbitrar a indenização por danos morais, não fica vinculado ao valor meramente estimativo indicado na petição inicial, podendo fixá-lo ao seu prudente arbítrio sem que se configure, em princípio, julgamento extra petita".

O entendimento foi firmado no julgamento do AgInt no REsp 1.837.473, sob relatoria do ministro Raul Araújo.


Indenização por benfeitorias. Prazo prescricional. Termo inicial.

A Terceira Turma definiu que "a pretensão da indenização por benfeitorias é decorrência lógica da procedência do pedido de resolução do contrato, cujo resultado prático é o retorno das partes ao estado anterior. O prazo prescricional do pedido de indenização por benfeitorias tem início com o trânsito em julgado do acórdão da ação de rescisão do contrato".

O entendimento foi firmado no julgamento do REsp 1.791.837, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi."


(Extrato da publicação: "Arbitramento de danos morais e plano de recuperação judicial estão na Pesquisa Pronta", no link - clique aqui).

segunda-feira, 12 de abril de 2021

STF - Informativo nº 1011/2021: Publicidade infantil em escolas. Restrição legal a liberdade de expressão comercial. Bem-estar da criança.

 


Regulamentação de publicidade dirigida às crianças em estabelecimentos de educação básica - ADI 5631/BA


Os estados federados têm competência legislativa para restringir o alcance da publicidade dirigida à criança enquanto estiverem nos estabelecimentos de educação básica. Essa restrição promove a proteção da saúde de crianças e adolescentes, dever que a própria Constituição Federal (CF) define como sendo de absoluta prioridade. A limitação, tal como disposta na legislação estadual impugnada [Lei 13.582/2016 do estado da Bahia (1), alterada pela Lei 14.045/2018 (2)], implica restrição muito leve à veiculação de propaganda, porquanto circunscrita ao local para o qual é destinada, delimitada apenas a alguns produtos e a um público ainda mais reduzido.


As restrições à liberdade de expressão comercial podem ser aplicadas especialmente no ambiente escolar. Ademais, a Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio da Resolução 63.14/2010, adotou uma série de recomendações dirigidas aos Estados, a fim de que regulem a publicidade de bebidas não-alcoólicas e de alimentos ricos em gorduras e açúcares. As recomendações, baseadas em evidências científicas, foram acompanhadas de um relatório técnico para auxiliar os Estados. Nele, a OMS recomenda, por exemplo, que os locais onde as crianças se reúnem devem ser livres de todas as formas de publicidade de alimentos ricos em gorduras saturadas, gorduras trans, açúcares ou sódio. Esses locais incluem, mas não se limitam a eles, escolas e suas mediações, clínicas e serviços pediátricos, eventos esportivos e atividades culturais.


A racionalidade trazida pela recomendação é evidente: essas instituições agem como in loco parentis, ou seja, no lugar dos pais. Não existe nesses locais a possibilidade de os pais ou os responsáveis pelas crianças desligarem a televisão ou o rádio. Os pais não estão presentes fisicamente. Por isso, como afirma a recomendação, “dentro da escola, o bem-estar nutricional das crianças deve ser a pedra angular”.


Com base nesse entendimento, o Plenário julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei 13.582/2016 do estado da Bahia, com as alterações implementadas pela Lei 14.045/2018.


(1) Lei 13.582/2016 do estado da Bahia: “Art. 1º - Fica proibida no Estado da Bahia a publicidade, dirigida a crianças, de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio. § 1º - A vedação se estenderá no período compreendido entre 06 (seis) e 21 (vinte e uma) horas, no rádio e televisão, e em qualquer horário nas escolas públicas e privadas. § 2º - Fica impedida a utilização de celebridades ou personagens infantis na comercialização, bem como a inclusão de brindes promocionais, brinquedos ou itens colecionáveis associados à compra do produto. Art. 2º - A publicidade durante o horário permitido deverá vir seguida de advertência pública sobre os males causados pela obesidade. Art. 3º - Em caso de descumprimento das restrições apresentadas nos artigos antecedentes, o infrator estará sujeito às penas de: I – multa; II - suspensão da veiculação da publicidade; III - imposição de contrapropaganda. § 1º - O Estado providenciará, na forma do regulamento, a graduação da pena de multa de acordo com a gravidade. § 2º - A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente, no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício e informar as crianças sobre o mal ocasionado pelo consumo dos alimentos indicados no artigo 1º. § 3º - A pena de multa, suspensão da veiculação da publicidade e imposição de contrapropaganda será aplicada pela administração, mediante procedimento administrativo, assegurados o contraditório e ampla defesa. § 4º - As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar antecedente ou incidente de procedimento administrativo. Art. 4º - Entende-se por publicidade qualquer forma de veiculação do produto ou marca, seja de forma ostensiva ou implícita em programas dirigidos ao público infantil. Art. 5º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

 

(2) Lei 14.045/2018 do estado da Bahia: “Art. 1º   - Esta Lei altera a Lei nº 13.582, de 14 de setembro de 2016, para dispor sobre a publicidade infantil nos estabelecimentos de ensino de educação básica no Estado da Bahia. Art. 2º   - A Lei nº 13.582, de 14 de setembro de 2016, passa a vigorar com as seguintes alterações: ‘Art. 1º - Fica proibida, no Estado da Bahia, a comunicação mercadológica dirigida às crianças nos estabelecimentos de educação básica. Art. 3º - ... § 3º - A pena de multa e a suspensão da veiculação da publicidade serão aplicadas pela administração, mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa e contraditório; Art. 4º - Por comunicação mercadológica entende-se toda e qualquer atividade de comunicação comercial, inclusive publicidade, para a divulgação de produtos, serviços, marcas e empresas independentemente do suporte, da mídia ou do meio utilizado.’Art. 3º   - Ficam revogados o § 1º do artigo 1º; o artigo 2º; o inciso III do artigo 3º e os §§ 2º do artigo 3º; da Lei nº 13.582, de 14 de setembro de 2016. Art. 4º   - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. ”


Processo relacionado: ADI 5631/BA, relator Min. Edson Fachin, julgamento em 25.3.2021




REFERÊNCIA: 

INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, n. 1011/2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF. Data de divulgação: 9 de abril de 2021.

Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais: fixação de tese sobre crime permanente envolvendo construções em áreas de proteção ambiental

 

Imagem da internet


Notícia publicada originalmente no site do Conselho da Justiça Federal (link)



Turma Nacional fixa tese sobre crime permanente envolvendo construções em áreas de proteção ambiental

Decisão TNU

O tema foi julgado pelo Colegiado como representativo da controvérsia na sessão de 25 de março

Em sessão ordinária, realizada no dia 25 de março, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) firmou seguinte tese jurídica: "O crime previsto no art. 48 da Lei n. 9.605/1998, precedido, sem solução de continuidade, da contravenção penal do art. 26, 'g', da Lei n. 4.771/1965, inclusive para fins de aplicação da Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal (STF), tem natureza permanente, alcançando a conduta daquele que mantém edificação em área de proteção ambiental, ainda que construída antes da sua vigência, desde que não se trate de construção realizada legalmente à época ou legalizada posteriormente" (Tema 237). 

O Pedido de Interpretação de Uniformização de Lei Federal (Pedilef) foi interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra acórdão proferido pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio Grande do Norte (RN), sob a justificativa de que a decisão não é compatível com a jurisprudência fixada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).  

A ação diz respeito à invasão de 2.81 hectares de área de proteção permanente, com a construção de edificações que impedem a regeneração natural da vegetação nativa. O réu na ação, Caicó Iate Clube, foi denunciado pelo MPF e condenado a pagar multa no valor de R$ 20 mil por fazer funcionar estabelecimento, potencialmente poluidor, sem prévia licença ou autorização dos órgãos ambientais. Mas foi absolvido na forma do art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal (CPP), por não ter sido comprovado o resultado naturalístico, ou seja, a possibilidade de restauração da vegetação. 

Para o MPF, o acórdão questionado ia contra a jurisprudência já pacificada pelo STJ, ao entender que o delito previsto no art. 48 da Lei n. 9.605/1998  que trata sobre condutas lesivas ao meio ambiente, como impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação, é instantâneo de efeitos permanentes, ou seja, quando o crime tem efeitos indeletáveis, imediatos e sua execução se prolonga no tempo até que haja cessação da atividade tida por danosa.  


Voto vencedor 

Por maioria, venceu o voto do juiz Ivanir César Ireno Júnior. O magistrado sustentou que, independentemente da data de edificação, a manutenção de uma construção ilegal, que impede ou dificulta a regeneração da vegetação, tipifica, em tese, o crime previsto no art. 48 da Lei n. 9.605/1998, antecedido pela contravenção penal do art. 26, 'g', da Lei n. 4.771/1965.  

Por outro lado, o juiz alegou que, “se a construção foi realizada legalmente ou legalizada posteriormente, a sua manutenção não caracteriza o crime do art. 48 da Lei n. 9.605/1998, sem prejuízo de que, nas esferas administrativa e/ou cível e diante da proteção constitucional reforçada do meio ambiente (art. 225), possa o poder público, em tese, adotar medidas que levem à perda ou retirada da construção”.  

Dessa forma, o relator deu provimento ao pedido interposto pelo MPF e determinou o retorno dos autos à Turma de origem, na forma da Questão de Ordem n. 20 da TNU, para adequação à tese fixada.  


Voto da relatora  

Em seu voto vencido, a relatora do processo na TNU, juíza federal Isadora Segalla Afanasieff, argumentava que a jurisprudência do STF e do STJ é plenamente dominante no sentido de que o crime do art. 48 da Lei n. 9.605/98 é permanente. Para ela, por se tratar de delito permanente, não há que se falar de atipicidade por ausência de previsão legal do tipo quando da edificação, uma vez que a lei penal aplicável é a do momento em que se encerrar a permanência, ainda que mais gravosa ao réu”.  

De acordo com a relatorao entendimento resumido na Súmula 711 do STF é claro e diz que: "A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência." Apoiada nesses fundamentos, a juíza federal votou por dar provimento ao incidente do MPF e propôs que a Turma Nacional de Uniformização fixasse a tese de que o delito previsto no artigo 48 da Lei n. 9.605/1998 configurava crime permanente.  


Votos-vista 

Ao longo do processo, outros dois votos-vista foram apresentados na TNU. O primeiro deles pelo juiz Atanair Nasser Ribeiro Lopes, e, o segundo, pelo juiz federal Luis Eduardo Bianchi Cerqueira. 

Pedilef n. 0000138-48.2013.4.05.8402/RN 

 

Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

  Notícia originalmente publicada no site do STJ, em 09/11/2021. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em execução po...