sábado, 23 de janeiro de 2021

ASPECTOS PRÁTICOS E JURÍDICOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE COOPERATIVAS

 

Giselle Borges Alves

Professora, advogada e servidora pública

Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)

 

As cooperativas possuem grande importância no contexto humano, social e de diminuição das desigualdades, além de representarem importante componente para o desenvolvimento econômico brasileiro. Amoldam-se aos objetivos da República, conforme estabelecidos pela Carta Política de 1988, sobretudo por promoverem o trabalho humano como aspecto primordial de um capitalismo mais sustentável em todos os sentidos.

No entanto, muitas vezes pairam dúvidas sobre como constituir uma cooperativa e quais seriam os atos formais necessários. Assim, com o intuito de esclarecer de forma simplificada os aspectos expostos na Lei nº 5764/1971, que traz a Política Nacional do Cooperativismo, abaixo seguem algumas notas importantes.

 

1. Atos formais de constituição

 

Podemos definir alguns caminhos para a constituição e formalização das atividades de um empreendimento cooperativo, da seguinte forma:

1º) Reunião de todos os interessados na constituição da cooperativa: inicialmente, é pressuposto necessário que exista um número mínimo de associados para a constituição da cooperativa (20 membros conforme a Lei nº 5.764/1971 ou 07 membros em se tratando de cooperativa de trabalho, conforme a Lei nº 12.690/2012). Os interessados devem se reunir – ainda informalmente – e decidir questões preliminares como forma da cooperativa, objeto social, termos do estatuto, como se dará a organização, entre outros aspectos relacionados a gestão do empreendimento.

2º) Convocação dos interessados para a Assembleia Geral de Constituição: após reunir os interessados e decidir as questões prévias anteriormente informadas, estes devem se reunir em uma Assembleia Geral de Constituição, que será a primeira assembleia formal da cooperativa. Todos os interessados devem ser convocados para participar dessa assembleia com antecedência mínima de 10 (dez) dias.

A publicação dessa convocação deve seguir o que está estabelecido no artigo 38, §1º da Lei 5764/71, com as devidas adaptações, posto que é a primeira assembleia da cooperativa, e a norma traz os aspectos gerais que devem ser obedecidos por todas as assembleias, desde a primeira até as subsequentes após a criação da cooperativa.

Assim, o edital de convocação deve ser afixado em locais frequentados pelos pretensos associados do empreendimento, bem como também devem ser publicados em jornal local ou por meio de circulares. O objetivo da norma é ofertar a maior publicidade possível à realização da assembleia, para que todo os interessados tenham ciência da sua realização.

3º) Reunião dos interessados na Assembleia Geral de Constituição: uma vez convocados os interessados, será realizada a Assembleia de Constituição em que se deve deliberar sobre a constituição da cooperativa, a aprovação do Estatuto e a eleição dos cooperados que irão compor o Conselho de Administração, Conselho Fiscal e Diretoria.

É sempre importante que todos os membros sejam informados sobre os aspectos relacionados ao desempenho das atividades nos órgãos que compõem a cooperativa.

4º) Elaboração do Estatuto Social: conforme visto anteriormente, o estatuto da cooperativa deve ser aprovado na assembleia de constituição. Assim, é importante que nele esteja incluso o objeto social, bem como as regras que nortearão as atividades das cooperativas e seu relacionamento com os cooperados.

5º) Arquivamento dos atos constitutivos da sociedade: após a finalização da Assembleia Geral de Constituição com todas as aprovações necessárias, a ata da assembleia juntamente com o Estatuto Social são os atos que devem ser arquivados na Junta Comercial da localidade onde ela funcionará. Apenas após o arquivamento a cooperativa poderá adquirir personalidade jurídica.

6º) Registro da cooperativa: outro aspecto importante da constituição das cooperativas é o registro perante à OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) ou na entidade estadual correspondente. Essa exigência está contida no art. 107 da Lei nº 5.764/1971).

É importante esclarecer que as cooperativas possuem representação de todos os segmentos de suas atividades, tanto a nível nacional, como em todos os Estados da Federação e no Distrito Federal. Em Minas Gerais, por exemplo, esta entidade é a OCEMG – Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais.

Uma vez seguido este caminho e realizados todos os arquivamentos e registros, sem esquecer das licenças de funcionamento, inclusive perante os órgãos ambientais, e mediante obtenção dos alvarás e autorizações estaduais e municipais, conforme o ramo cooperativo e o desempenho das atividades, a cooperativa estará autorizada a iniciar suas atividades.

 

2. Aspectos específicos da denominação social

 

As sociedades cooperativas, como um tipo sui generis de sociedade, podem atribuir responsabilidade limitada ou ilimitada aos associados, conforme dispuser seu estatuto. Além disso, o nome comercial da sociedade deve constituir-se em denominação social, sendo obrigado o uso da expressão “cooperativa” em sua denominação, conforme dispõem os artigos 5º caput, 15 inciso I, 21 inciso I, todos da Lei nº 5.764/1971 e o art. 1.159 do Código Civil de 2002.

Em relação as cooperativas que desejam atuar no ramo crédito, é importante ressaltar que é vedado às cooperativas de crédito o uso da denominação “banco”, conforme estabelecido expressamente no parágrafo único do Art. 5°, Lei nº 5.764/1971. As cooperativas de crédito são instituições financeiras que pertencem ao sistema financeiro nacional, mas para elas são aplicadas normas regulatórias específicas, diversas das normas aplicáveis em caráter geral aos bancos.

É importante ressaltar, ainda, que de acordo com a Lei nº 5764/1971, a responsabilidade dos sócios da cooperativa pode ser limitada ou ilimitada. Caso seja limitada, a sociedade cooperativa poderá acrescentar em sua denominação social a expressão “Ltda”.

 

3. Considerações finais

 

A constituição de cooperativas apesar de muita similaridade com a constituição de sociedades de natureza empresária, encontra na Lei Geral – 5.764/1971 – algumas especificidades que devem ser obedecidas para que não sejam confundidas com empresas convencionais.

As normas jurídicas ofertam ao cooperativismo uma regulação diferenciada, em alguns casos mais protetiva do que para empresas convencionais, e a identificação correta de uma cooperativa, que adere aos princípios fundamentais deste movimento secular, inicia desde os seus primeiros passos. Por este motivo, é sempre importante proceder corretamente com os registros e a obtenção das licenças necessárias ao funcionamento, evitando problemas com órgãos reguladores e também possibilitando que as cooperativas, após constituídas regularmente, tenham acesso às prerrogativas fiscais, tributárias e de acesso a crédito, tão importantes ao seu desenvolvimento.

 

REFERÊNCIAS


BRASIL. Lei nº 5.764 de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.htm>. Acesso em 23 jan. 2021.


 ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 23 jan. 2021.

 

______. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 23 jan. 2021.

______. Lei 12.690 de 19 de julho de 2012. Organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONACOOP; e revoga o parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12690.htm>. Acesso em: 23 jan. 2021.

 

 

 

domingo, 10 de janeiro de 2021

Itaipu Binacional: supranacionalidade definida pela STF

 

O STF em decisão nas Ações Cíveis Originárias 1904, 1905 e 1957 deliberou pela natureza jurídica supranacional da Itaipu Binacional, afirmando que a hidrelétrica não integra a administração pública brasileira. De acordo com a Corte Suprema Brasileira, prevalece o Tratado firmado entre Brasil e Paraguai, como norma regente das relações e contratos firmados pela Itaipu Binacional.

Segue abaixo a notícia sobre a decisão. Para mais informações, recomenda-se a leitura das decisões das ações originárias.

-------------------

Itaipu Binacional se submete apenas a tratado firmado entre Brasil e Paraguai

A natureza transnacional afasta a possibilidade de a hidrelétrica integrar a administração pública brasileira.

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a natureza jurídica da Itaipu Binacional impede sua submissão à legislação brasileira, devendo prevalecer o tratado firmado em 26/4/1973 entre Brasil e Paraguai para o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do Rio Paraná. A decisão foi tomada no julgamento conjunto das Ações Cíveis Originárias (ACOs) 1904, 1905 e 1957, em sessão virtual do Plenário finalizada em 4/9, nos termos do voto do relator, ministro Marco Aurélio. Nas ações, o Ministério Público Federal (MPF) pretendia a aplicação à Itaipu da legislação nacional sobre hidrelétricas para tomada de contas, contratação de obras, serviços e bens e gestão de pessoal. Mas, de acordo com o relator, nos termos do tratado constitutivo da empresa, "não há como fugir à configuração supranacional da hidrelétrica, no que afastada qualquer tentativa de tê-la como integrante da administração pública brasileira".


Licitações e concurso público

Na ACO 1904, o relator observou que os contratos de Itaipu para a execução de obras, serviços, compras, locações e alienações se submetem à Norma Geral de Licitação, aprovada pelo Conselho de Administração da Itaipu Binacional mediante a Resolução RCS – 002/2001. A norma estabelece, salvo exceções, que todos os procedimentos de contratação de serviços e afins são precedidos por licitação, destinada a selecionar a proposta mais vantajosa para a empresa.

Na ACO 1957, o MPF defendia que Itaipu pertence à administração pública brasileira e deveria seguir os preceitos constitucionais em relação à seleção de empregados por concurso públicos. No entanto, o relator afirmou que não se aplica à empresa o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, mas o artigo XX do tratado constitutivo. Ele observou que não consta do instrumento internacional firmado entre Brasil e Paraguai "nenhuma menção à necessidade de seleção de empregados mediante concurso público" e que consulta ao sítio eletrônico da hidrelétrica, em 11/7/2017, revelou a realização de 19 processos seletivos entre 2005 e 2014.


Controle externo

Sobre o objeto da ACO 1905, que pretendia atribuir ao Tribunal de Contas da União (TCU) poder de controle externo sobre contas nacionais de Itaipu, o ministro Marco Aurélio reafirmou o caráter supranacional da empresa. Segundo o relator, a Constituição Federal inciso V do artigo 71) dispõe que o controle externo a ser exercido pelo TCU sobre contas nacionais de empresa supranacional, com capital social da União, deve ser feito nos termos do tratado que a constituiu. No caso de Itaipu, o tratado e seus anexos, segundo o relator, não deixam dúvidas da natureza unitária da diretoria da empresa, sendo incabível qualquer tentativa de cisão. "Itaipu Binacional é ente único, indivisível", afirmou.

O ministro Marco Aurélio afirmou, ainda, que eventual fiscalização pelo TCU só poderá ocorrer nos termos acordados com a República do Paraguai e materializados em instrumento diplomaticamente firmado entre os dois Estados soberanos. O ministro acrescentou que, nesse sentido, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou a criação da Comissão Binacional de Contas, competente para exercer o controle externo.


Competência do STF

A competência do STF para julgar ações envolvendo interesse da Itaipu Binacional frente à União ou a Estado estrangeiro foi decidida pelo Plenário no julgamento da Reclamação (Rcl) 2937, ajuizada pela República do Paraguai. Nela, o governo paraguaio, por meio de medida liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio, conseguiu suspender a tramitação de ações civis públicas ajuizadas contra Itaipu na Seção Judiciária do Paraná.


Igualdade de condições

Há 47 anos, Brasil e Paraguai firmaram um tratado para o aproveitamento dos recursos hídricos do Rio Paraná, pertencentes, em condomínio, aos dois países. Esse tratado foi instituído em igualdade de condições, direitos e obrigações. Nascia, ali, a entidade binacional denominada Itaipu, constituída pela Eletrobras e pela paraguaia Ande, com igual participação no capital, regida pelas normas estabelecidas no tratado, no estatuto e nos demais anexos. As normas que cuidam da matéria foram incorporadas ao sistema jurídico brasileiro por meio do Decreto Legislativo 23/1973 e do Decreto 72.707/1973.

Segundo o ministro Marco Aurélio, o quadro, no que tange aos negócios jurídicos realizados pela hidrelétrica, "não é de anomia”, e a empresa, desde sua constituição, “tem atuado como previsto nos documentos que a regem". Por unanimidade, o Plenário julgou improcedentes os pedidos do MPF nas três ações.


Fonte: STF (link)

Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

  Notícia originalmente publicada no site do STJ, em 09/11/2021. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em execução po...