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segunda-feira, 20 de setembro de 2021

STF: incompatibilidade do instituto da “candidatura nata” com a Constituição Federal de 1988


O Supremo Tribunal Federal decidiu a ADI 2530/DF, estabelecendo a incompatibilidade do instituto da "candidatura nata" com o regime jurídico estabelecido pela Constituição Federal de 1988, uma vez que o instituto viola o princípio da isonomia e a autonomia partidária.


Selecionamos o resumo do julgado divulgado por meio do Informativo 1026/2021:


DIREITO ELEITORAL – ELEIÇÃO

Candidatura nata: violação à autonomia partidária e à isonomia entre postulantes a cargos eletivos - ADI 2530/DF


O instituto da “candidatura nata” é incompatível com a Constituição Federal de 1988 (CF), tanto por violar a isonomia entre os postulantes a cargos eletivos como, sobretudo, por atingir a autonomia partidária (CF, arts. 5º, “caput”, e 17) (1). A denominada “candidatura nata” — entendida como um direito potestativo de detentor de mandato eletivo à indicação pelo partido para as próximas eleições, independentemente de aprovação em convenção partidária — é absolutamente incompatível com a atual atmosfera de liberdade de ação partidária. A imunização pura e simples do detentor de mandato eletivo contra a vontade colegiada do partido acaba sendo um privilégio completamente injustificado, que contribui tão-só para a perpetuação de ocupantes de cargos eletivos, em detrimento de outros pré-candidatos, sem qualquer justificativa plausível para o funcionamento do sistema democrático, e sem que haja meios para que o partido possa fazer imperar os objetivos fundamentais inscritos no seu estatuto. Num contexto em que a fidelidade partidária é um princípio fundamental da dinâmica dos partidos políticos, especialmente no que diz respeito aos titulares de cargos eletivos obtidos pelo sistema proporcional (2), cabe ao candidato submeter-se à vontade coletiva do partido, e não o contrário. A “candidatura nata” contrasta profundamente com esse postulado e, por esse aspecto, esvazia toda a ideia de fidelidade partidária em favor de um suposto “direito adquirido” à candidatura dos detentores de mandato eletivo pelo sistema proporcional. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 8º da Lei 9.504/1997, com modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

 (ADI 2530/DF, relator Min. Nunes Marques, julgamento em 18.8.2021)


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(1) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...) Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional; II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III - prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.” (2) Precedente: ADI 3.999

 



quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Processos com repercussão geral foram destaque no STF em 2013

Texto publicado originalmente no Portal do STF (link)


Os processos com repercussão geral reconhecida foram destaque nos julgamentos do STF no ano de 2013, em que 46 temas tiveram decisão final da Corte, com impacto em, pelo menos, 116.449 processos que estavam sobrestados em 15 tribunais. Entre esses casos estão julgamentos, pelo Plenário, que envolvem matérias tributárias referentes a ICMS, ITCD, Pis/Cofins, Simples e o que determinou a correção de diferenças monetárias decorrentes da conversão da moeda de Cruzeiro Real para a URV (Unidade Real de Valor), com base na Lei federal 8.880/1994.
 
A conversão para a URV foi tratada no Recurso Extraordinário (RE) 561836, interposto pelo Estado do Rio Grande do Norte contra decisão do Tribunal de Justiça potiguar que garantiu a correção a uma servidora estadual. O ministro Luiz Fux, relator do recurso, informou que há mais de 10 mil processos semelhantes que deverão seguir os parâmetros estabelecidos pelo STF.
 
Simples – Também com repercussão geral foi julgado o RE 627543, que discutia a exigência de regularidade fiscal para inclusão de empresa no Simples. O STF entendeu que é preciso estar em situação regular com o Fisco para que as micro e pequenas empresas possam aderir ao regime tributário.
 
Quintos – No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 587371, o STF vedou a incorporação de quintos ao vencimento de magistrados. A decisão foi tomada por maioria, em novembro de 2013.
 
ITCD – Por maioria de votos, o STF reconheceu a possibilidade de cobrança progressiva do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCD), ao prover o Recurso Extraordinário (RE) 562045, julgado em conjunto com outros nove processos sobre a mesma matéria. Os recursos foram trazidos à Corte pelo governo do Rio Grande do Sul, que contestou decisão do Tribunal de Justiça estadual que havia considerado inconstitucional a progressividade da alíquota do ITCD (de 1% a 8%).
 
PIS/Cofins – O STF julgou inconstitucional a inclusão de ICMS, PIS/Pasep e Cofins na base de cálculo dessas mesmas contribuições sociais incidentes sobre a importação de bens e serviços, contida na segunda parte do inciso I do artigo 7º da Lei 10.865/2004. A decisão foi tomada por unanimidade no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 559937, interposto pela União. Para o STF, a norma extrapolou os limites previstos no artigo 149, parágrafo 2º, inciso III, letra ‘a’, da Constituição Federal, nos termos definidos pela Emenda Constitucional 33/2001, que prevê o “valor aduaneiro” como base de cálculo para as contribuições sociais.
 
ICMS – E ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 607056, o Plenário entendeu, por maioria, que o ICMS não pode incidir no fornecimento de água canalizada. O Estado do Rio de Janeiro questionava decisão do Tribunal de Justiça fluminense (TJ-RJ) favorável a um condomínio. Segundo o TJ-RJ, o fornecimento de água potável é serviço essencial, o que afasta a cobrança de ICMS das empresas concessionárias. O STF rejeitou o recurso do Estado do Rio e manteve a decisão do TJ-RJ.
 
INSS – O reconhecimento do prazo de dez anos para revisão de benefícios do INSS anteriores à Medida Provisória (MP 1.523-9/1997), que o instituiu, também foi caso de repercussão geral. O Plenário deu provimento ao RE 626489, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e estabeleceu também que, no caso, o prazo passa a contar da vigência da MP, e não da data da concessão do benefício.
 
Hediondos – O STF confirmou requisito para progressão de regime prisional em condenações por crimes hediondos antes de 2007 ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 579167, com repercussão geral. Para o STF, a exigência de cumprimento de um sexto da pena para a progressão de regime se aplica aos crimes hediondos praticados antes da vigência da Lei 11.464/2007. A decisão foi unânime e ratificou o que o Plenário já havia decidido em processos anteriores.
 
Benefício ao idoso – O STF considerou defasado o critério de caracterização de miserabilidade para concessão de benefício assistencial a idoso e, por maioria de votos, declarou inconstitucional o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS(Lei 8.742/1993), que prevê como critério a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, bem como o parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso). A maioria dos ministros entendeu que as regras, da forma como são aplicadas, geram problemas de isonomia na distribuição dos benefícios. A questão foi apreciada no julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários (REs) 567985 e 580963, com repercussão geral reconhecida.
 
Planos Econômicos – Em dezembro, o Plenário iniciou o julgamento dos processos que discutem o direito a diferenças de correção monetária de depósitos em caderneta de poupança decorrentes dos planos econômicos. Foram realizadas as sustentações orais das partes e interessados em quatro recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida (REs 626307, 591797, 631363 e 632212) e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 165) sobre os planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II. O julgamento desses casos influenciará a solução de mais de 390 mil processos que se encontram sobrestados nos tribunais de origem.
 
 
 
Outros casos relevantes
 
Precatórios – Em março, o Plenário considerou parcialmente inconstitucional a Emenda Constitucional 62/2009, que instituiu o novo regime especial de pagamento de precatórios. Com a decisão, tomada por maioria no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4357 e 4425, foram declarados inconstitucionais dispositivos do artigo 100 da Constituição Federal, que institui regras gerais para precatórios, e integralmente o artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que cria o regime especial de pagamento. Prevaleceu o entendimento de que o artigo 97 do ADCT afronta cláusulas pétreas, como a de garantia de acesso à Justiça, a independência entre os Poderes e a proteção à coisa julgada. Em outubro, o redator do acórdão, ministro Luiz Fux, propôs a modulação dos efeitos da decisão no sentido de prorrogar o regime por mais cinco anos e de declarar nulas, retroativamente, apenas as regras acessórias relativas à correção monetária e aos juros moratórios. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Roberto Barroso.
 
Controladas/Coligadas – Por maioria, o Plenário decidiu que a incidência do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) nos resultados de empresas controladas ou coligadas no exterior, na data do balanço no qual tiverem sido apurados, também se aplica às empresas controladas situadas em países considerados “paraísos fiscais”, mas não às coligadas localizadas em países sem tributação favorecida. A decisão, com eficácia erga omnes (para todos) e efeito vinculante, foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2588, que questionava regra prevista no caput do artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001. Também por maioria, o colegiado declarou inconstitucional a retroatividade da cobrança tanto para controladas e coligadas situadas em paraísos fiscais, quanto para aquelas instaladas em países de tributação não favorecida. Sobre o mesmo tema foram analisados dois casos concretos nos Recursos Extraordinários (REs) 611586 e 541090, interpostos, respectivamente, pela Coamo Agroindustrial Cooperativa e Embraco (Empresa Brasileira de Compressores).
 
Degravação integral – O STF confirmou, por maioria de votos, decisão do ministro Marco Aurélio que garantiu ao deputado federal Sebastião Bala Rocha (SDD-AP) o direito à degravação integral das interceptações telefônicas feitas no âmbito da Ação Penal (AP) 508, a que responde pela suposta prática de crimes de corrupção e formação de quadrilha.  Segundo o Plenário, a formalidade é essencial à validação da interceptação telefônica como prova, uma vez que a Lei 9.296/96, que regulamenta o procedimento, determina que sempre que houver a gravação da comunicação, será determinada sua transcrição.
 
Dosimetria – As circunstâncias relativas à natureza e à quantidade de drogas apreendidas com um condenado por tráfico de entorpecentes só podem ser usadas, na fase da dosimetria da pena, na primeira ou na terceira etapa do cálculo, e sempre de forma não cumulativa. Esse entendimento foi adotado pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de dois Habeas Corpus (HCs 112776 e 109193), que discutiam em qual momento da fixação da pena a informação referente à quantidade e à natureza da droga apreendida em poder do condenado deve ser levada em consideração. Os processos foram encaminhados ao Plenário pela Segunda Turma da Corte, uma vez que havia divergência entre as posições adotadas pelas duas Turmas do Supremo com relação ao artigo 42 da Lei 11.343/2006. Com a pacificação da matéria, os ministros poderão analisar monocraticamente os pedidos de habeas corpus que versem sobre o tema.
 
Naturalização – Por maioria de votos, o Plenário decidiu que ato de naturalização de estrangeiro radicado no Brasil só pode ser anulado por via judicial, e não por mero ato administrativo. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 27840, em que o austríaco naturalizado brasileiro Werner Rydl contestava a anulação de sua naturalização por ato administrativo do Ministério da Justiça, que considerou que o estrangeiro omitiu informações sobre seus antecedentes criminais para obter cidadania brasileira.
 
Raposa Serra do Sol – Em outubro, o Plenário, ao julgar embargos de declaração na Petição (PET) 3388, manteve a validade das 19 salvaguardas adotadas no processo que decidiu pela manutenção da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Entretanto, a decisão tomada na PET 3388 é restrita ao caso e não se estende a outros litígios sobre terras indígenas. Os ministros também decidiram que os índios podem realizar formas tradicionais de extrativismo mineral, mas o garimpo depende de autorização do Congresso Nacional. No mesmo julgamento, o STF esclareceu a decisão, sem entretanto modificá-la,  quanto à situação de índios e não índios que vivam maritalmente e à permanência de autoridades religiosas e templos na área da reserva, bem como a prestação de serviços públicos e o acesso de não índios às rodovias que cortam a reserva.
 
Matérias eleitorais
 
 
Os ministros do STF consideraram inconstitucional o artigo 5º da Lei 12.034/2009, que instituiu voto impresso a partir das eleições de 2014. Para o Plenário, o dispositivo compromete o sigilo e a inviolabilidade do voto, assegurados pelo artigo 14 da Constituição Federal. A decisão foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4543, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR), e confirmou, em definitivo, liminar concedida pela Corte em outubro de 2011.
 
Em outra decisão sobre matéria eleitoral, o Plenário entendeu que o Ministério Público Eleitoral (MPE) pode questionar registro de candidatura mesmo sem impugnar o pedido inicial, conforme julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 728188. Contudo, para garantia da segurança jurídica, tendo em vista a existência de mais de 1,4 mil decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesse sentido, referentes às eleições de 2012, assentou-se que esse entendimento só valerá para as próximas eleições.
 
Ainda em 2013, o STF deu início ao julgamento sobre financiamento de campanhas eleitorais, objeto da ADI 4650, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Teori Zavascki. A ação questiona dispositivos da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995) que tratam de contribuições de pessoas jurídicas e pessoas físicas para partidos e campanhas eleitorais.
 
O Plenário negou mandado de segurança (MS 32033) que questionava a tramitação, no Congresso Nacional, do PLC 14/2013, que estabelece restrições para a criação de novos partidos políticos. O relator da ação, ministro Gilmar Mendes, havia deferido liminar, sustentando que as regras propostas pelo projeto de lei não podem ser aplicadas às eleições de 2014, por criarem situações desiguais entre os partidos.  Por maioria, entretanto, o Pleno cassou a liminar, entendendo que não cabe ao STF julgar a constitucionalidade de meras propostas legislativas: é necessário que estas se transformem em leis para, só então, o Supremo se manifestar sobre elas, mediante provocação.
 
Condenações – No início de agosto, o STF condenou o senador Ivo Cassol (PP/RO) a 4 anos, 8 meses e 26 dias de detenção, perda dos direitos políticos e multa pelo crime de fraude a licitações ocorridas quando foi prefeito da cidade de Rolim de Moura, entre 1998 e 2002. Em junho de 2013, ao julgar os segundos embargos de declaração apresentados na Ação Penal (AP) 396, o Plenário considerou-os protelatórios e determinou o imediato cumprimento da pena do deputado federal Natan Donadon, condenado à pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, e 66 dias-multa, pela prática dos crimes de formação de quadrilha e peculato.
 
AP 470
 
No início do segundo semestre de 2013, o Plenário do STF voltou a analisar a Ação Penal (AP) 470, processo que teve seu mérito julgado em 2012, no curso de 53 sessões plenárias – considerado o mais longo julgamento da história da Corte. Em 2013, os ministros analisaram 26 embargos de declaração, dez segundos embargos de declaração, seis agravos regimentais, além de uma questão de ordem.
 
O Plenário decidiu, por seis votos a cinco, pelo cabimento dos chamados embargos infringentes – recurso que pode mudar o resultado do julgamento, mas permitido apenas para condenados que tiveram ao menos quatro votos a favor de sua absolvição. Os ministros decidiram, ainda, que as partes das penas que não podiam mais ser questionadas podiam começar a ser executadas.
 
Após o julgamento dos diversos recursos e da decisão de inadmissibilidade de alguns dos embargos infringentes apresentados por réus que não obtiveram quatro votos a seu favor, o relator do caso e presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, começou a decretar a execução das partes irrecorríveis das penas de vários réus. Até o final de 2013, 21 condenados já estavam cumprindo penas – tanto privativas de liberdade como restritivas de direitos.
 
A partir das condenações dos réus na AP 470, foi necessário criar uma nova classe processual no STF para sistematizar o cumprimento das penas. Surgiu então a classe Execução Penal (EP) para os procedimentos de execução penal de cada um dos réus na AP 470, como pedidos de transferência de unidade prisional e outros casos excepcionais.
 
 
Os embargos infringentes considerados cabíveis – apresentados por condenados que obtiveram quatro votos a seu favor – estão sob relatoria do ministro Luiz Fux.
 
 
 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A decisão do caso Ficha Limpa contrariou a Constituição?

por Georges Louis Hage Humbert




Toda a sociedade quer políticos honestos. A Lei da Ficha Limpa é a mais nítida comprovação desta máxima. De iniciativa popular, a nova regra impede que qualquer cidadão condenado por um colegiado, possa disputar mandato eletivo, inclusive para os casos anteriores à nova lei. Para a opinião pública de momento, mereceu aplauso a recente decisão do STF que declarou a sua total constitucionalidade. Mas, e do ponto de vista constitucional?

A Constituição prevê claramente: ninguém será considerado culpado, salvo sentença judicial transitada em julgado e que a lei não pode retroagir, salvo para beneficiar ao réu. Estas são garantias constitucionais, insculpidas na base de nosso sistema jurídico em vigor, que têm por finalidade assegurar os direitos fundamentais à segurança jurídica e à liberdade, ambos positivados como cláusulas pétreas, portanto intangíveis por ato derivado ao poder constituinte originário. 

Decorrem da premente necessidade de se evitar abusos e perseguições, na exata medida em que impedem que qualquer um sofra a mão pesada do Estado sem que se tenha a certeza jurídica de sua culpa, além de deixar claras as regras do jogo. Protegem, a um só tempo, a vida, a liberdade, a segurança, a legalidade, a propriedade, a moralidade, impessoalidade, sendo integrante do conteúdo mínimo, do que se convencionou denominar núcleo rígido de um dos fundamentos do nosso estado democrático de direito: a dignidade da pessoa humana.

Com base nessas garantias todos tem a certeza de não cumpriram penas que poderão ser revistas e quais as leis estão valendo, o que podem ou não podem fazer, antes de praticarem os seus atos. Consubstanciam normas pétreas da nossa Carta Magna, situadas no mais alto grau de nosso sistema normativo e insuscetíveis a mutações, salvo por uma revolução que resulte na legítima substituição da Constituição Federal em vigor. Protegem o Estado Democrático de Direito.

O que a Lei Ficha Limpa dita e o STF acaba de ratificar é: mesmo que a sua condenação ainda possa ser modificada por um Tribunal, você já sofrerá a sanção de não poder se eleger para cargo público. E mais: vou te pegar de surpresa, pois essa regra vale mesmo para o que você fez no passado, sem saber que se um dia isso seria possível. Conseqüentemente, a troco de um clamor social e duma caça as bruxas, foram sacrificadas a segurança jurídica e a liberdade de se fazer tudo que não se encontra proibido, que nos protegem dos abusos do todo poderoso Estado e dos políticos que agem em seu nome.

No caso, impunha-se a nossa Corte Suprema uma decisão que não evitasse a colisão de direito. Pontes de Miranda já sustentava que atos restritivos à direito se interpretam restritivamente. Portanto, cabia declarar que a Ficha Limpa é norma válida sim, mas desde que sejam considerados políticos com ficha suja aqueles manchados por decisão sob o manto da coisa julgada, e que essas novas regras se aplicam para imundices cometidas após a publicação da mencionada lei. Dar-se-ia, desta forma, o equilíbrio razoável entre moralidade, segurança e liberdade, mantendo-se todos estes valores postos em harmônica convivência e não em choque, como ocorreu na espécie. 

Inequívoco que se deve ser vigoroso nas investigações e punição aos maus políticos. Isto é fato social e jurídico. Mas de possível materialização sem atingir princípios constitucionais tão caros. Num país em que é aceita a prisão ou inelegibilidade, mesmo ainda sem condenação final dos penalizados, e onde é possível mudar as regras do jogo aos quarenta do segundo tempo, tudo com base nas conveniências de momento, insofismável que a sociedade fica em risco e ditadores de plantão se sentem acolhidos.

Indubitável que o direito, como fato social, não é estanque. Por isso mesmo, possível a permanente realização de mudanças, a ponderação de princípios e a influência de valores sociais sobre as decisões. Contudo, isso tudo somente será válido e coerente com o ordenamento jurídico em vigor, se respeitado o adequado processo constitucional e desde que nenhum direito basilar acabe por absolutamente anulado. Ao endossar que nova lei aplique sanção a alguém, mesmo sem uma decisão final e com espeque em fatos anteriores a ela, o STF olvidou estes limites dos quais é, a um só tempo, subjugado e último guardião.

Resta forçoso concluir que, ao potencializar valores positivados como a moralidade no exercício de cargo público em detrimento da segurança jurídica e da liberdade, a decisão final do caso Ficha Limpa contrariou a Constituição. 

_________
* Georges Louis Hage Humbert é doutorando e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Salvador e sócio do escritório Brandão e Tourinho Dantas Advogados Associados

Texto publicado originalmente no portal "Migalhas", em 24 de fevereiro de 2012 (link


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

STF decide pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa


Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) concluíram nesta quinta-feira (16) a análise conjunta das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs 29 e 30) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4578) que tratam da Lei Complementar 135/2010, a Lei da Ficha Limpa. Por maioria de votos, prevaleceu o entendimento em favor da constitucionalidade da lei, que poderá ser aplicada nas eleições deste ano, alcançando atos e fatos ocorridos antes de sua vigência.

A Lei Complementar 135/10, que deu nova redação à Lei Complementar 64/90, instituiu outras hipóteses de inelegibilidade voltadas à proteção da probidade e moralidade administrativas no exercício do mandato, nos termos do parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição Federal.

Em seu voto, o ministro relator, Luiz Fux, declarou a parcial constitucionalidade da norma, fazendo uma ressalva na qual apontou a desproporcionalidade na fixação do prazo de oito anos de inelegibilidade após o cumprimento da pena (prevista na alínea “e” da lei). Para ele, esse tempo deveria ser descontado do prazo entre a condenação e o trânsito em julgado da sentença (mecanismo da detração). A princípio, foi seguido pela ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, mas, posteriormente, ela reformulou sua posição.

A lei prevê que serão considerados inelegíveis os candidatos que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão da prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; e contra o meio ambiente e a saúde pública.

Serão declarados inelegíveis ainda os candidatos que tenham cometido crimes eleitorais para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual; e praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.

As ADCs, julgadas procedentes, foram ajuizadas pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Já a ADI 4578 – ajuizada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), que questionava especificamente o dispositivo que torna inelegível por oito anos quem for excluído do exercício da profissão, por decisão do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional –, foi julgada improcedente, por maioria de votos.

Divergência 

A divergência foi aberta pelo ministro Dias Toffoli que, baseando seu voto no princípio da presunção de inocência, salientou que só pode ser considerado inelegível o cidadão que tiver condenação transitada em julgado (quando não cabe mais recurso). A Lei da Ficha Limpa permite que a inelegibilidade seja declarada após decisão de um órgão colegiado. O ministro invocou o artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, que somente admite a suspensão de direitos políticos por sentença condenatória transitada em julgado. Com relação à retroatividade da lei, o ministro Dias Toffoli votou pela sua aplicação a fatos ocorridos anteriores à sua edição.

O ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli, mas em maior extensão. Para ele, a lei não pode retroagir para alcançar candidatos que já perderam seus cargos eletivos (de governador, vice-governador, prefeito e vice-prefeito) por infringência a dispositivo da Constituição estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica dos municípios. Segundo o ministro Gilmar Mendes, a lei não pode retroagir para alcançar atos e fatos passados, sob pena de violação ao princípio constitucional da segurança jurídica (art. 5º, inciso XXXVI).

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, votou pela inconstitucionalidade da regra da Lei Complementar 135/10, a Lei da Ficha Limpa, que prevê a suspensão de direitos políticos sem decisão condenatória transitada em julgado. “Não admito possibilidade que decisão ainda recorrível possa gerar hipótese de inelegibilidade”, disse.

Ele também entendeu, como o ministro Marco Aurélio, que a norma não pode retroagir para alcançar fatos pretéritos, ou seja, fatos ocorridos antes da entrada em vigor da norma, em junho de 2010. Para o decano, isso ofende o inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, que determina o seguinte: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Segundo o ministro Celso de Mello, esse dispositivo é parte do “núcleo duro” da Constituição e tem como objetivo impedir formulações casuísticas de lei.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, votou no sentido de que a Lei Complementar 135/2010, ao dispor sobre inelegibilidade, não pode alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência. Isso porque, para o presidente a inelegibilidade seria, sim, uma restrição de direitos.

O ministro Peluso disse concordar com o argumento de que o momento de aferir a elegibilidade de um candidato é o momento do pedido de registro de candidatura. Ele frisou que o juiz eleitoral tem que estabelecer qual norma vai aplicar para fazer essa avaliação. Para o ministro, deve ser uma lei vigente ao tempo do fato ocorrido, e não uma lei editada posteriormente.

Twitter

Nas sessões desta quarta e quinta-feira, o tema Ficha Limpa esteve entre os dez assuntos mais comentados no país (top trends brazil) no microblog Twitter. No perfil do STF (twitter.com/stf_oficial), que já conta com mais de 198 mil seguidores, os interessados puderam acompanhar informações em tempo real do julgamento e dos votos dos ministros, cujos nomes se revezavam nos top trends Brazil à medida em que se manifestavam sobre a matéria.

Veja mais detalhes do voto de cada um dos ministros:




(Fonte: STF. Notícia publicada em 16/02/2012).

 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Parceria entre TSE e AGU facilitará cobrar de políticos cassados as despesas com novas eleições

11/01/2012 - 19:45 | Fonte: TSE
Nelson Jr./ASICS/TSE
(Notícia disponível no site Âmbito Jurídico)


O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Ricardo Lewandowski, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, firmarão nesta quinta-feira (12) parceria que facilitará a recuperação judicial de recursos gastos pelo erário com as chamadas eleições suplementares, que são realizadas sempre que a eleição regular é anulada, em razão do indeferimento do registro da candidatura do eleito ou da cassação do seu mandato.

A partir de informações do TSE, o custo será cobrado pela AGU do candidato que deu causa à anulação do pleito. Por meio do convênio a ser assinado, o TSE informará à AGU o gasto extra com cada eleição suplementar e fornecerá cópia do processo que levou à anulação do pleito, o que permitirá a identificação do candidato que teve o registro indeferido ou o mandato cassado, além dos motivos que levaram à condenação.

Com os dados encaminhados pela Justiça Eleitoral, a Advocacia Geral da União pretende responsabilizar judicialmente aqueles que deram causa a anulação da eleição e cobrar destes candidatos os valores gastos.

Desde as eleições municipais de 2008, foram realizadas 176 eleições suplementares e outras quatro estão marcadas para os três primeiros meses deste ano.

O acordo será assinado pelo presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, e pelo Advogado-Geral da União, Luis Inácio Adams, nesta quinta-feira, às 16h30, no gabinete da Presidência do TSE, localizado no 9º andar da nova sede da Corte, no Setor de Administração Federal Sul.

Eleições suplementares

A Justiça Eleitoral realiza eleições suplementares sempre que o candidato eleito com mais de 50% dos votos tiver o registro indeferido ou o mandato cassado por prática de alguma irregularidade ou crime eleitoral. Alguns exemplos são compra de votos, abuso de poder político ou econômico e utilização indevida dos meios de comunicação, entre outros. Isso porque a condenação gera anulação do próprio resultado do pleito.

A realização desse novo pleito resulta em custos para a Justiça Eleitoral, que tem seus recursos provenientes do erário da União. É necessário o pagamento de despesas com auxílio alimentação dos mesários e transporte de urnas eletrônicas, entre outras medidas.

Recursos protelatórios

Desde 2009, é grande o numero de eleições suplementares. No ano anterior, o TSE alterou o seu entendimento acerca da invalidação dos votos do candidato que teve o registro indeferido, o que tornou mais difícil a permanência do político no cargo por meio de recursos protelatórios.

Em sessão plenária realizada no dia 19 de dezembro de 2008, ao analisar uma consulta do TRE do Piauí, a Corte entendeu que não seria necessário aguardar o julgamento de todos os recursos apresentados pelos candidatos contra o indeferimento do registro de sua candidatura. Ou seja, no momento da totalização, esses votos seriam desprezados e tidos como inválidos, estivesse o candidato com algum recurso pendente ou não. Caso esses votos representem mais de 50% dos votos válidos, uma nova eleição deve ser convocada.

O entendimento anterior, que foi aplicado às Eleições 2004, era no sentido de aguardar o trânsito em julgado, ou seja, somente após o julgamento de todos os recursos apresentados pelo candidato é que seus votos poderiam ser invalidados.



quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Dias Toffoli reafirma jurisprudência de que a vaga de suplente pertence à coligação


                                                                                            Texto publicado originalmente no site Migalhas




 









O ministro Dias Toffoli, do STF, negou o pedido feito em dois mandados de segurança impetrados por suplentes que pretendiam assumir cargos na Câmara Federal devido à licença dos titulares dos quais seriam os primeiros suplentes pelos partidos aos quais são filiados. O primeiro MS se refere ao deputado Federal João Destro do PPS/PR e o segundo pedido é da deputada Federal Romanna Giulia Ceccon Leandro Remor, do DEM/SC.


MS 30317

João Destro alegava na inicial que é o oitavo suplente na coligação partidária pela qual concorreu ao cargo de deputado Federal nas eleições de 2010. Com relação ao partido ao qual ele é filiado (PPS/PR), informava ser o primeiro suplente para a Câmara Federal. João Destro argumentou também que em razão da licença do deputado Federal Cezar Silvestri (também filiado ao PPS/PR) para tomar posse como Secretário Estadual do Desenvolvimento Urbano do Paraná (SEDU), a Mesa da Casa Legislativa deveria proceder à sua convocação conforme a ordem de suplentes da coligação.

MS 30391

Neste MS, a deputada Federal, Romanna Giulia Ceccon Leandro Remor alegava que se classificou como primeira suplente para o cargo de deputado Federal se considerado o seu partido (DEM), isoladamente. Na lista de suplentes da coligação partidária, sustentou ter alcançado a quarta posição. E disse, ainda, que dois dos candidatos mais votados do seu partido (DEM) encontram-se na iminência de pedir licença do mandato para assumir cargos políticos no governo do Estado de SC.

Ambos os parlamentares pediam o deferimento das liminares para que o Supremo determinasse ao Presidente da Câmara dos Deputados as imediatas posses nos cargos vagos. No mérito, pediam a confirmação da liminar para garantir a vaga no cargo de deputado Federal enquanto perdurasse a licença dos primeiros colocados.

Decisão

Para o ministro Dias Toffoli, as pretensões dos deputados Federais estão fundamentadas na alegação de que o mandato pertence ao partido político pelo qual concorreram e foram eleitos os candidatos, o que, em tese, geraria direito líquido e certo ao primeiro suplente do mesmo partido a ocupar eventual vaga surgida no curso do período em que deveria ser exercido o mandato eletivo.

Porém, em sua decisão, o ministro Dias Toffoli lembrou que em abril deste ano, quando a Corte analisou um mandado de segurança sobre o mesmo tema, ficou firmada jurisprudência no sentido de que a vaga de suplente pertence à coligação e não ao partido político.

Por fim, o ministro disse que "as vagas pertencem às coligações eleitorais e hão de ser preenchidas respeitando-se a ordem das listas apresentadas pelo conjunto dos partidos que disputaram o pleito eleitoral". Dessa forma, negou a segurança.
  • Processos Relacionados : MS 30317 - clique aqui.
                                          MS 30391 - clique aqui.
__________
 MS 30317
DECISÃO:

Vistos.

Cuida-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, impetrado por JOÃO DESTRO em face do PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Deputado Marco Maia.

Os argumentos exarados na peça vestibular podem ser assim sintetizados:

a) apesar de o impetrante encontrar-se na posição de oitavo suplente na coligação partidária pela qual concorreu ao cargo de deputado federal nas eleições de 2010 (PRB/PP/PPS/DEM/PSDB), quando observado apenas o partido a que é filiado (PPS/PR), encontra-se na condição de primeiro suplente para a Câmara Federal;

b) em razão da licença do Deputado Federal CEZAR SILVESTRI (também filiado ao PPS/PR) para tomar posse como Secretário Estadual do Desenvolvimento Urbano do Paraná – SEDU, existe interesse jurídico do autor na concessão da ordem, ante a orientação da Mesa da Casa Legislativa no sentido de proceder à convocação conforme a ordem de suplentes da coligação, encaminhada à Câmara dos Deputados pela Justiça Eleitoral;

c) o STF possui jurisprudência recente favorável à pretensão deduzida nos autos, no sentido de que a coligação partidária é figura jurídica transitória, limitada ao período eleitoral; deve, assim, as vagas surgidas no curso do exercício do mandato serem preenchidas pelos candidatos ao cargo pelo mesmo partido do titular (MS nº 29.988/DF-MC);

d) requer seja deferida medida liminar preventiva para, em caso de licença do Deputado Federal CEZAR SILVESTRINI, determinar ao Presidente da Câmara dos Deputados que proceda à imediata posse do impetrante no cargo vago;

e) ao final, seja confirmado o provimento cautelar a fim de garantir o direito líquido e certo do impetrante de ocupar a vaga no cargo de Deputado Federal, “enquanto perdurar a licença do titular no PPS”.

O impetrante juntou documentos por meio eletrônico, de entre eles cópia de certidão expedida pelo Tribunal Regional Eleitora do Paraná em que consta ter, nas eleições de 2010, obtido a oitava suplência para o cargo de Deputado Federal pela coligação partidária, mas a primeira suplência pelo PPS/PR.

Despachei a inicial a fim de requisitar informações à autoridade impetrada e cientificar a AGU para se manifestar quanto ao interesse de ingressar na lide, reservada a análise do pedido liminar após o recebimento destas.

A autoridade impetrada apresentou informações::

“(...)
Cumpre informar, pois, que o deputado pedro Cesar Silvestri (PPS/PR), eleito pela coligação DEM/PPS/PP/PRB/PSDB, licenciou-se do exercício do mandato em 2 de fevereiro de 2011, nos termos do art. 56, I, da Constituição Federal, para assumir o cargo de Secretário de Estado.
No dia 4 de fevereiro de 2011, tomou posse o suplente Luiz Carlos Setim (DEM/GO), nos termos da ordem de suplência da Coligação DEM/PPS/PP/PRB/PSDB, enviada a esta Casa pela Justiça Eleitoral do Paraná (quadros anexos).”

A União, por meio de petição, requereu seu ingresso na lide. Em suas razões, sustenta (i) a ilegitimidade do impetrante para ajuizar o writ, pois a pretensão conflita com interesse do partido; (ii) que o processo deve ser extinto pela perda do objeto, por já haver posse no cargo pretendido, desde fevereiro de 2011, o que impossibilita o Presidente da Câmara desfazer o ato perfeito da investidura; (iii) que a matéria está positivada de forma clara e contrária à tese do impetrante, no sentido de haver distinção entre a coligação e os efeitos jurídicos dela decorrentes na relação entre os partidos coligados, seus suplentes e candidatos eleitos; (iv) que o caso em questão é distinto do evocado na inicial – MS 29.988/DF-MC.

É o relatório.

I. A moldura fático-jurídica do objeto da ação

O mandamus foi impetrado com o objetivo de se obter a posse no cargo de Deputado Federal, vago em virtude da licença obtida pelo parlamentar CEZAR SILVESTRI, em 02/02/2011.

A pretensão do autor está fundamentada na alegação de que o mandato pertence ao partido político pelo qual concorreu e foi eleito o candidato, o que, em tese, geraria direito líquido e certo ao primeiro suplente do mesmo partido a ocupar eventual vaga surgida no curso do período em que deveria ser exercido o mandato eletivo.

II. A JURISPRUDÊNCIA DO STF ACERCA DO TEMA

Sobre o tema, quando do julgamento do MS nº 30.260/DF, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, sessão plenária de 27/4/2011, acompanhei a maioria, formada no sentido de denegar a segurança, nos termos do voto da Ministra Relatora. Veja-se o que publicado no Informativo STF nº 624:

“O afastamento temporário de deputados federais deve ser suprido pela convocação dos suplentes mais votados da coligação, e não daqueles que pertençam aos partidos, aos quais filiados os parlamentares licenciados, que compõem a coligação, de acordo com a ordem de suplência indicada pela Justiça Eleitoral. Essa a conclusão do Plenário ao denegar, por maioria, mandados de segurança em que discutida a titularidade dessa vaga, se do partido do parlamentar licenciado ou da coligação partidária. Na espécie, os impetrantes, em virtude de serem os primeiros suplentes dos partidos políticos aos quais vinculados os deputados federais licenciados, alegavam possuir direito líquido e certo ao preenchimento das vagas. De início, indeferiu-se a admissão de amicus curiae ao fundamento de se tratar de mandado de segurança, em que envolvido direito personalíssimo. Em seguida, rejeitaram-se as preliminares de ilegitimidade ativa dos impetrantes e de perda de objeto da ação. Reputou-se demonstrada a existência de utilidade ou de interesse na impetração do writ, tendo em conta que o interesse de agir, na sede eleita, evidenciar-se-ia quando o autor da ação precisaria dela se valer para alcançar a sua pretensão jurídica, obstada pela autoridade apontada como coatora. Ademais, quanto à perda de objeto da ação pela impetração preventiva do mandamus e a circunstância de já haver ocorrido a efetivação do ato, afirmou-se que isso robusteceria a necessidade de julgamento do feito para o exame de eventual afronta a direito dos impetrantes.

No mérito, denegou-se a ordem ante a ausência de direito líquido e certo dos impetrantes e, por conseguinte, determinou-se que fosse mantida a seqüência de sucessão estabelecida pela Justiça Eleitoral relativamente aos candidatos eleitos e aos suplentes das coligações. Enfatizou-se que estas seriam instituições jurídicas autônomas — distintas dos partidos que a compõem e a eles sobrepondo-se temporariamente — com previsão constitucional e com capacidade jurídica para representar o todo, inclusive judicialmente. Aduziu-se, nessa perspectiva, que o § 1º do art. 6º da Lei 9.504/97 equipararia essa instituição aos partidos políticos — sobre ela incidindo os preceitos do art. 17 da CF — e lhe atribuiria, ainda que por determinado tempo, prerrogativas e obrigações partidárias, tornando-a apta a lançar candidatos às eleições. Desse modo, apontou-se que a coligação passaria a funcionar, até o fim das eleições, como um superpartido ou uma superlegenda, haja vista que resultaria da união de esforços e da combinação de ideologias e de projetos que se fundiriam na campanha para potencializar a competitividade dos partidos na luta eleitoral — especialmente dos pequenos — e, portanto, poderia ser considerada uma instituição que representaria a conjugação indissociável das agremiações para os efeitos específicos eleitorais na disputa e nas conseqüências que essa aliança traria. Asseverou-se que o reconhecimento da coligação como uma instituição partidária titular de direitos, atuando autonomamente no lugar de cada partido no período de sua composição, asseguraria a harmonia do sistema de eleições proporcionais, prestigiaria a soberania popular e, em última instância, propiciaria a estabilidade das alianças firmadas durante a campanha eleitoral.

Realçou-se que essa instituição criada pela fusão temporária de algumas agremiações formaria quociente partidário próprio. Destacou-se, também, que a figura jurídica nascida com a coalizão transitória, estabelecida desde as convenções partidárias, não findaria seus efeitos no dia do pleito ou, menos ainda, os apagaria de sua existência quando esgotada a sua finalidade inicial. Ressaltou-se, no ponto, que o Tribunal Superior Eleitoral – TSE admite a atuação das coligações após a apuração do resultado das eleições, a exemplo do reconhecimento de sua legitimidade para pedir recontagem de votos e para ajuizar ação de impugnação de mandato. Frisou-se, ainda, que a suplência ficaria estabelecida no momento da proclamação dos resultados, com a definição dos candidatos eleitos, conforme o cálculo dos quocientes das coligações, e que não poderia haver mudança na regra do jogo após as eleições, no que concerne aos suplentes, de modo a desvirtuar a razão de ser das coligações. Enfatizou-se, não obstante, as reiteradas práticas da Justiça Eleitoral por todo país, no sentido de que o resultado das eleições levaria em conta os quocientes das coligações e dos partidos, quando estes tiverem atuado isoladamente.

Por outro lado, observou-se que a situação em apreço não guardaria relação de pertinência com os precedentes invocados sobre a temática da infidelidade partidária como causa de perda do mandato parlamentar (MS 26602/DF, DJe de 17.10.2008; MS 26603/DF, DJe de 19.12.2008 e MS 26604/DF, DJe de 3.10.2008). Apesar disso, ao distinguir que a presente causa diria respeito à sucessão de cargos vagos no parlamento, salientou-se não haver óbice para que as premissas e as soluções daqueles casos pudessem ser adotadas no tocante às coligações, já que se coligar seria uma escolha autônoma do partido. Consignou-se que, embora esta se exaurisse após as eleições, os efeitos e os resultados por ela alcançados não findariam com o seu termo formal, projetando-se tanto na definição da ordem de ocupação das vagas de titulares e suplentes, definidas a partir do quociente da coligação, quanto no próprio exercício dos mandatos, abrangendo toda a legislatura. Ademais, registrou-se que o princípio da segurança jurídica garantiria e resguardaria o ato da diplomação, que qualificaria o candidato eleito, titular ou suplente, habilitando-o e legitimando-o para o exercício do cargo parlamentar, obtido a partir dos votos atribuídos à legenda dos partidos ou à superlegenda da coligação de partidos pelos quais tivesse concorrido. Assim, a diplomação certificaria o cumprimento do devido processo eleitoral e por ela se consubstanciaria o ato jurídico aperfeiçoado segundo as normas vigentes e pelo qual a Justiça Eleitoral declararia os titulares e os suplentes habilitados para o exercício do mandato eletivo, na ordem por ela afirmada. Acrescentou-se, outrossim, que a problemática, no Brasil, concernente às coligações estaria vinculada à falta de ideologia nos partidos políticos, que se uniriam e se desligariam de acordo com as conveniências. O Min. Gilmar Mendes entendeu que a situação de coligação estaria em processo de inconstitucionalidade, em decorrência da escolha feita pela fidelidade partidária.”

O entendimento desta Corte, portanto, firmou-se no sentido de ser mantida a sequência de sucessão parlamentar expressa nos diplomas exarados pela Justiça Eleitoral após a proclamação do resultado apurado nas urnas, de acordo com a vontade popular e a normas jurídicas vigentes no ordenamento Pátrio.

Na oportunidade, ainda, foi expressamente autorizado aos Ministros decidirem monocraticamente e de forma definitiva casos idênticos.

III. O CASO DOS AUTOS

Transcrevo, em parte, os argumentos exarados pelo autor na peça vestibular, a fim de bem delinear a matéria em debate nos autos:

“Com efeito, apesar de o Impetrante encontrar-se como oitavo suplente da coligação PRB/PP/PPS/DEM/PSDB, verificado apenas o partido (sic) ostenta a condição de primeiro suplente do PPS na coligação para a Câmara Federal (Anexo II).

(...)

É exatamente o ato ilegal e abusivo de direito que se anuncia contra o direito líquido e certo do Impetrante – primeiro suplente que é do partido político. O Mandado de Segurança preventivo pretende evitar a consumação da lesão já antecipada pela Autoridade Impetrara – de que já consignou a desatenção à nova orientação do Supremo para os casos de vacância.

(...)

A coligação é transitória. Só tem vigência no período eleitoral; não pode ficar moribunda, ditando o preenchimento de vagas que são, no período pós eleitoral, dos partidos políticos, independentemente consideradas. (...)”

Está claro, portanto, que o caso em questão apresenta identidade com a situação colocada em discussão no MS nº 30260/DF, razão pela qual passo a decidir monocraticamente o mandamus.

Em consonância com voto escrito que elaborei quando do julgamento do aludido paradigma, entendo que a solução da controvérsia está no reconhecimento da existência de situação jurídica consolidada, insusceptível de reversão por mudança de entendimento pretoriano ex post facto.

O processo sufrágico organizou-se com base em atos administrativos e judiciais praticados no âmbito da Justiça Eleitoral. O suplente foi efetivamente diplomado por aquela Justiça especializada, com base em critérios e quocientes ali fixados. Não pode o Supremo Tribunal Federal reverter esse status quo, que se reveste, a depender do tipo de proteção magna incidente, do caráter de ato jurídico perfeito ou de coisa julgada.

A Resolução TSE nº 19.319 é uma prova inequívoca desse estado de coisas, porquanto ali se definiu que “ocorrendo vaga, será convocado o suplente, na ordem rigorosa da votação nominal e de acordo com sua classificação (art. 50, par. Único, Resolução nº 13.266/86), passando a exercer o mandato sob a legenda do Partido no qual estiver filiado, mesmo que com isso seja diminuída a representação de outro, integrante da mesma Coligação, mas respeitado o princípio da votação majoritária e a vontade do eleitor.”

O Tribunal Superior Eleitoral e sua respectiva jurisprudência deram guarida e consolidaram posições jurídicas que a autoridade impetrada, neste e em mandados de segurança similares, pode vir, perplexa, a ter de desconstituir.

Essa alteração importaria o confronto direto com o art. 4º, caput, da Lei nº 7.454/1985, que estabelece a regra de convocação de suplentes, e que vem sendo empregada há mais de duas décadas no País.

As vagas pertencem às coligações eleitorais e hão de ser preenchidas respeitando-se a ordem das listas apresentadas pelo conjunto dos partidos que disputaram o pleito eleitoral.

IV. DISPOSITIVO

Ante o exposto, denego a segurança. Julgo prejudicada a análise do pedido liminar.

Publique-se. Int..
Brasília, 1º de setembro de 2011.
Ministro DIAS TOFFOLI
Relator
Documento assinado digitalmente
__________
MS 30391
DECISÃO:

Vistos.

Cuida-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, impetrado por ROMANNA GIULIA CECCON LEANDRO REMOR em face do PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Deputado Marco Maia.

Os argumentos exarados na peça vestibular podem ser assim sintetizados:

a) embora tenha alcançado a quarta posição na lista de suplentes da coligação partidária (PMDB/PSL/PSC/PPS/DEM/PTC/PRP/PSDB), a impetrante classificou-se como primeira suplente para o cargo de deputado federal se considerado o seu partido (DEM), isoladamente;

b) dois dos candidatos mais votados do DEM encontram-se na iminência de pedir licença do mandato para assumir as cargo político no governo do Estado de Santa Catarina;

c) “(...) esse col. Tribunal Supremo tem reiterado o entendimento de que '... o mandado eletivo pertence ao partido político, sendo que havendo vacância, o partido tem direito de manter a representação obtida nas eleições...'. Diante disso, independentemente da oedem (sic) de suplência estabelecida pela coligação que disputou o pleito de 2010, a iminente vaga que será aberta com a assunção de um dos dois Deputados Federais do Democratas deverão ser preenchidas pelo próprio partido”;

d) embora o STF tenha consolidado o entendimento acima exposto, o Presidente da Câmara dos Deputados “tem rechaçado a tese e declarado seu entendimento próprio de que a assunção ao cargo deve ser feita pela ordem de suplência estabelecida pela coligação (...)”;

e) requer seja deferida liminar a fim de garantir sua posse no cargo de deputado federal após deferida a licença ao titular eleito pelo DEM;

f) ao final, pede seja confirmada a medida liminar, garantindo-se direito líquido e certo da impetrante em ocupar o cargo enquanto perdurar o afastamento.

A impetrante juntou documentos por meio eletrônico, de entre eles cópia de certidão expedida pelo Tribunal Regional Eleitora de Santa Catarina em que consta ter a autora, nas eleições de 2010, obtido a quarta suplência para o cargo de Deputado Federal pela coligação PMDB/PSL/PSC/PPS/DEM/PTC/PRP/PSDB, sendo a candidata mais votada entre os suplente de seu partido, o DEM.

Despachei a inicial a fim de requisitar informações à autoridade impetrada e cientificar a AGU para se manifestar quanto ao interesse de ingressar na lide, reservada a análise do pedido liminar após o recebimento destas.

A autoridade impetrada apresentou informações nos termos:

“(...)

Cumpre informar, pois, que os Deputados Paulo Bornhausen e João Rodrigues, ambos do Democratas, eleitos pela coligação PMDB/DEM/PSL/PPS/PTC/PRP/PSDB, licenciaram-se do exercício do mandato em 1º de março de 2011, nos termos do art. 56, I, da Constituição federal, para assumirem o cargo de Ministro de Estado.

Tomaram posse então, o suplente Valdir Colatto (PPMDB/SC), em 1º de março de 2011, e Carmen Zanotto (PPS/SC), em 2 de março de 2011, nos termos da ordem de suplência da Coligação PMDB/DEM/PSL/PPS/PTC/PRP/PSDB, enviada a esta Casa pela Justiça Eleitoral de Santa Catarina (quadros anexos).”

A União, por meio de petição, requereu seu ingresso na lide. Em suas razões, sustenta (i) a ilegitimidade da impetrante para ajuizar o writ, pois a pretensão conflita com interesse do partido; (ii) que a matéria está positivada de forma clara e contrária à tese da impetrante, no sentido de haver distinção entre a coligação e os efeitos jurídicos dela decorrentes na relação entre os partidos coligados, seus suplentes e candidatos eleitos; (iii) que o caso em questão é distinto do evocado na inicial – MS 29.988/DF-MC.

É o relatório.

I. A MOLDURA FÁTICO-JURÍDICA DO OBJETO DA AÇÃO

O mandamus foi impetrado com o objetivo de se obter a posse no cargo de deputado federal frente vacância em virtude das licenças dos parlamentares PAULO BORNHAUSEN e JOÃO RODRIGUES, obtidas em 1º de março de 2011.

A pretensão da autora está fundamentada na alegação de que o mandato pertence ao partido político pelo qual concorreu e foi eleito o candidato, o que, em tese, geraria direito líquido e certo ao primeiro suplente do mesmo partido a ocupar eventual vaga surgida no curso do período em que deveria ser exercido o mandato eletivo.

II. A JURISPRUDÊNCIA DO STF ACERCA DO TEMA

Sobre o tema, quando do julgamento do MS nº 30.260/DF, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, sessão plenária de 27/4/2011, acompanhei a maioria, formada no sentido de denegar a segurança, nos termos do voto da Ministra Relatora. Veja-se o que publicado no Informativo STF nº 624:

“O afastamento temporário de deputados federais deve ser suprido pela convocação dos suplentes mais votados da coligação, e não daqueles que pertençam aos partidos, aos quais filiados os parlamentares licenciados, que compõem a coligação, de acordo com a ordem de suplência indicada pela Justiça Eleitoral. Essa a conclusão do Plenário ao denegar, por maioria, mandados de segurança em que discutida a titularidade dessa vaga, se do partido do parlamentar licenciado ou da coligação partidária. Na espécie, os impetrantes, em virtude de serem os primeiros suplentes dos partidos políticos aos quais vinculados os deputados federais licenciados, alegavam possuir direito líquido e certo ao preenchimento das vagas. De início, indeferiu-se a admissão de amicus curiae ao fundamento de se tratar de mandado de segurança, em que envolvido direito personalíssimo. Em seguida, rejeitaram-se as preliminares de ilegitimidade ativa dos impetrantes e de perda de objeto da ação. Reputou-se demonstrada a existência de utilidade ou de interesse na impetração do writ, tendo em conta que o interesse de agir, na sede eleita, evidenciar-se-ia quando o autor da ação precisaria dela se valer para alcançar a sua pretensão jurídica, obstada pela autoridade apontada como coatora. Ademais, quanto à perda de objeto da ação pela impetração preventiva do mandamus e a circunstância de já haver ocorrido a efetivação do ato, afirmou-se que isso robusteceria a necessidade de julgamento do feito para o exame de eventual afronta a direito dos impetrantes.

No mérito, denegou-se a ordem ante a ausência de direito líquido e certo dos impetrantes e, por conseguinte, determinou-se que fosse mantida a seqüência de sucessão estabelecida pela Justiça Eleitoral relativamente aos candidatos eleitos e aos suplentes das coligações. Enfatizou-se que estas seriam instituições jurídicas autônomas — distintas dos partidos que a compõem e a eles sobrepondo-se temporariamente — com previsão constitucional e com capacidade jurídica para representar o todo, inclusive judicialmente. Aduziu-se, nessa perspectiva, que o § 1º do art. 6º da Lei 9.504/97 equipararia essa instituição aos partidos políticos — sobre ela incidindo os preceitos do art. 17 da CF — e lhe atribuiria, ainda que por determinado tempo, prerrogativas e obrigações partidárias, tornando-a apta a lançar candidatos às eleições. Desse modo, apontou-se que a coligação passaria a funcionar, até o fim das eleições, como um superpartido ou uma superlegenda, haja vista que resultaria da união de esforços e da combinação de ideologias e de projetos que se fundiriam na campanha para potencializar a competitividade dos partidos na luta eleitoral — especialmente dos pequenos — e, portanto, poderia ser considerada uma instituição que representaria a conjugação indissociável das agremiações para os efeitos específicos eleitorais na disputa e nas conseqüências que essa aliança traria. Asseverou-se que o reconhecimento da coligação como uma instituição partidária titular de direitos, atuando autonomamente no lugar de cada partido no período de sua composição, asseguraria a harmonia do sistema de eleições proporcionais, prestigiaria a soberania popular e, em última instância, propiciaria a estabilidade das alianças firmadas durante a campanha eleitoral.

Realçou-se que essa instituição criada pela fusão temporária de algumas agremiações formaria quociente partidário próprio. Destacou-se, também, que a figura jurídica nascida com a coalizão transitória, estabelecida desde as convenções partidárias, não findaria seus efeitos no dia do pleito ou, menos ainda, os apagaria de sua existência quando esgotada a sua finalidade inicial. Ressaltou-se, no ponto, que o Tribunal Superior Eleitoral – TSE admite a atuação das coligações após a apuração do resultado das eleições, a exemplo do reconhecimento de sua legitimidade para pedir recontagem de votos e para ajuizar ação de impugnação de mandato. Frisou-se, ainda, que a suplência ficaria estabelecida no momento da proclamação dos resultados, com a definição dos candidatos eleitos, conforme o cálculo dos quocientes das coligações, e que não poderia haver mudança na regra do jogo após as eleições, no que concerne aos suplentes, de modo a desvirtuar a razão de ser das coligações. Enfatizou-se, não obstante, as reiteradas práticas da Justiça Eleitoral por todo país, no sentido de que o resultado das eleições levaria em conta os quocientes das coligações e dos partidos, quando estes tiverem atuado isoladamente.

Por outro lado, observou-se que a situação em apreço não guardaria relação de pertinência com os precedentes invocados sobre a temática da infidelidade partidária como causa de perda do mandato parlamentar (MS 26602/DF, DJe de 17.10.2008; MS 26603/DF, DJe de 19.12.2008 e MS 26604/DF, DJe de 3.10.2008). Apesar disso, ao distinguir que a presente causa diria respeito à sucessão de cargos vagos no parlamento, salientou-se não haver óbice para que as premissas e as soluções daqueles casos pudessem ser adotadas no tocante às coligações, já que se coligar seria uma escolha autônoma do partido. Consignou-se que, embora esta se exaurisse após as eleições, os efeitos e os resultados por ela alcançados não findariam com o seu termo formal, projetando-se tanto na definição da ordem de ocupação das vagas de titulares e suplentes, definidas a partir do quociente da coligação, quanto no próprio exercício dos mandatos, abrangendo toda a legislatura. Ademais, registrou-se que o princípio da segurança jurídica garantiria e resguardaria o ato da diplomação, que qualificaria o candidato eleito, titular ou suplente, habilitando-o e legitimando-o para o exercício do cargo parlamentar, obtido a partir dos votos atribuídos à legenda dos partidos ou à superlegenda da coligação de partidos pelos quais tivesse concorrido. Assim, a diplomação certificaria o cumprimento do devido processo eleitoral e por ela se consubstanciaria o ato jurídico aperfeiçoado segundo as normas vigentes e pelo qual a Justiça Eleitoral declararia os titulares e os suplentes habilitados para o exercício do mandato eletivo, na ordem por ela afirmada. Acrescentou-se, outrossim, que a problemática, no Brasil, concernente às coligações estaria vinculada à falta de ideologia nos partidos políticos, que se uniriam e se desligariam de acordo com as conveniências. O Min. Gilmar Mendes entendeu que a situação de coligação estaria em processo de inconstitucionalidade, em decorrência da escolha feita pela fidelidade partidária.”

O entendimento desta Corte, portanto, firmou-se no sentido de ser mantida a sequência de sucessão parlamentar expressa nos diplomas exarados pela Justiça Eleitoral após a proclamação do resultado apurado nas urnas, de acordo com a vontade popular e a normas jurídicas vigentes no ordenamento Pátrio.

Na oportunidade, ainda, foi expressamente autorizado aos Ministros decidirem monocraticamente e de forma definitiva casos idênticos.

III. O CASO DOS AUTOS

Transcrevo, em parte, os argumentos exarados pela autora na peça vestibular, a fim de bem delinear a matéria em debate nos autos:

“(...)

A impetrante concorreu ao cargo de deputada federal pelo Estado de Santa Catarina nas eleições de 2010. Por ter sufragado 59.672 (cinquenta e nove mil e sescentos (sic) e setenta e dois) votos, restou classificada como a primeira suplente de seu partido, o Democratas – DEM, e a quarta mais votada da coligação formada pelos partidos PMDB/PSL/PSC/PPS/DEM/PTC/PRP/PSDB.

(...)

Diante disso, a Impetrante ingressa com o presente pedido, pois na linha do quanto tem decidido esse eg. Tribunal – conforme será espedido a seguir -, ela deverá ser investida no cargo por se posicionar em primeiro lugar na linha sucessória do Democratas – DEM.”

Está claro, portanto, que o caso em questão apresenta identidade com a situação colocada em discussão no MS nº 30260/DF, razão pela qual passo a decidir monocraticamente o mandamus.

Em consonância com voto escrito que elaborei quando do julgamento do aludido paradigma, entendo que a solução da controvérsia está no reconhecimento da existência de situação jurídica consolidada, insusceptível de reversão por mudança de entendimento pretoriano ex post facto.

O processo sufrágico organizou-se com base em atos administrativos e judiciais praticados no âmbito da Justiça Eleitoral. O suplente foi efetivamente diplomado por aquela Justiça especializada, com base em critérios e quocientes ali fixados. Não pode o Supremo Tribunal Federal reverter esse status quo, que se reveste, a depender do tipo de proteção magna incidente, do caráter de ato jurídico perfeito ou de coisa julgada.

A Resolução TSE nº 19.319 é uma prova inequívoca desse estado de coisas, porquanto ali se definiu que “ocorrendo vaga, será convocado o suplente, na ordem rigorosa da votação nominal e de acordo com sua classificação (art. 50, par. Único, Resolução nº 13.266/86), passando a exercer o mandato sob a legenda do Partido no qual estiver filiado, mesmo que com isso seja diminuída a representação de outro, integrante da mesma Coligação, mas respeitado o princípio da votação majoritária e a vontade do eleitor.”

O Tribunal Superior Eleitoral e sua respectiva jurisprudência deram guarida e consolidaram posições jurídicas que a autoridade impetrada, neste e em mandados de segurança similares, pode vir, perplexa, a ter de desconstituir.

E essa alteração importaria o confronto direto com o art. 4º, caput, da Lei nº 7.454/1985, que estabelece a regra de convocação de suplentes, e que vem sendo empregada há mais de duas décadas no País.

As vagas pertencem às coligações eleitorais e hão de ser preenchidas respeitando-se a ordem das listas apresentadas pelo conjunto dos partidos que disputaram o pleito eleitoral.

IV. DISPOSITIVO

Ante o exposto, denego a segurança. Julgo prejudicada a análise do pedido liminar.

Publique-se. Int..
Brasília, 1º de setembro de 2011.
MINISTRO DIAS TOFFOLI
Relator
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