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sexta-feira, 9 de julho de 2021

É possível limitação de ingresso de associados em cooperativas? - Análise da posição do STJ

 

Giselle Borges Alves¹


Questão recorrente nos julgados do STJ é a possibilidade da cooperativa limitar o número de ingresso de associados. 

Inicialmente, uma vez analisado o princípio cooperativo da adesão livre e voluntária, também conhecido como princípio da porta-aberta, chega-se à conclusão que não existe limitação para número máximo de associados como regra geral, sendo esta também a posição externada pela Lei Geral do Cooperativismo - Lei nº 5.764/1971. No entanto, a regra comporta exceções.

Para se associar em uma cooperativa deve a pessoa física ou jurídica comprovar que realiza individualmente o mesmo objeto social da cooperativa ou que possui atividade com ela relacionada. Por exemplo, não pode ser associado de uma cooperativa agropecuária, quem não realiza qualquer atividade do ramo. Isso se deve ao próprio objetivo da cooperativa, que é prestar serviço aos associados no ramo de sua atuação. Portanto, não faz sentido que alguém que não atue no segmento agropecuário, integre sociedade cooperativa deste ramo.

Além disso, deve-se levar em conta a possibilidade técnica de atendimento pela cooperativa. Inobstante ser um tipo societário com livre entrada de associados, a cooperativa deve garantir um atendimento equânime à todos e deve estar atenta aos limites de atendimento profissional. Tal exceção está relacionada aos recursos financeiros, territoriais e de infraestrutura da própria cooperativa, uma vez que não pode a sociedade ter milhares de associados se não consegue atender as necessidades elementares destes, prestando serviço adequadamente. Um número muito acentuado de associados pode levar à inviabilidade técnica e financeira da cooperativa.

Uma vez inexistentes as referidas exceções, prevalece o princípio da porta-aberta ou livre admissão de novos associados.

Neste sentido, segue a jurisprudência do STJ, que em julgamento recente reafirmou o entendimento de que "salvo impossibilidade técnica do profissional para exercer os serviços propostos pela cooperativa, deve-se considerar ilimitado o número de associados que podem se juntar ao quadro associativo, diante da aplicação do princípio da adesão livre e voluntária que rege o sistema cooperativista (portas abertas)" (Relator: Min. Villas Bôas Cueva, AgInt no AgInt no REsp 1.849.327).



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¹ Advogada. Professora de Direito Privado e Direito Cooperativo. Mestra em Direito pela Universidade de Brasília.



sábado, 8 de maio de 2021

Artigo publicado pela Revista de Estudos Cooperativos da Universidade de Deusto (Espanha) - n.17/2021 - "Incidência de Normas Concorrenciais sobre Cooperativas: a intervenção estatal sobre cooperativas no Brasil"

 


No dia 06 de maio de 2021 foi publicada a edição de número 17 (2021) da Revista Deusto Estudios Cooperativos da Universidade de Deusto (Espanha), com ampla visão sobre aspectos relacionados ao cooperativismo brasileiro e tive a grata satisfação de ter sido convidada a participar do periódico.

Na pesquisa publicada, cujo título é "Incidência de Normas Concorrenciais sobre Cooperativas: a intervenção estatal sobre cooperativas no Brasil", traço um panorama do cenário de defesa da concorrência no Brasil, particularmente a atuação do CADE sobre cooperativas em casos de controle de condutas.

O artigo traz alguns dados coletados em pesquisa que realizei para dissertação no âmbito do Mestrado em Direito na Universidade de Brasília, no ano de 2017/2018, com as devidas atualizações até 2020, e tem o intuito de esclarecer as características que individualizam o cooperativismo, bem como justificar uma maior aproximação entre autoridade reguladora (CADE) e regulados (cooperativas e órgãos representativos do cooperativismo), buscando uma melhor adequação dos mercados para evitar ou minimizar efeitos negativos decorrentes de condutas que possam ser caracterizadas como ilícitos concorrenciais. A pesquisa apresenta, ainda, uma necessidade de pensar a adequação das sanções às próprias peculiaridades do cooperativismo.

Trata-se, portanto, de um ensaio inicial que pode render boas pesquisas e debates sobre uma melhor regulação concorrencial incidente em cooperativas. Longe de ofertar respostas exatas, acredito que muito ainda pode ser feito visando congregar o interesse público quanto a higidez dos mercados e o interesse dos cooperados.

O artigo pode ser acessado no link abaixo:

Incidência de normas concorrenciais em cooperativas: a intervenção estatal sobre Cooperativas no Brasil | Deusto Estudios Cooperativos


Espero que gostem da leitura e que ela contribua para o aprimoramento do debate tanto dentro do cooperativismo como na aplicação da legislação antitruste brasileira.

Agradeço imensamente aos editores da Revista pelo convite e espero ter contribuído para a disseminação do conhecimento e pesquisa do cooperativismo brasileiro no meio jurídico internacional.


Giselle Borges Alves

Advogada, servidora pública e professora de graduação em disciplinas relacionadas ao Direito Privado e Direitos Difusos e ColetivosMestra em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Editora do Blog New Juris.


sábado, 20 de fevereiro de 2021

A BASE PRINCIPIOLÓGICA DO COOPERATIVISMO

 

Logomarca mundial do Cooperativismo. Fonte: ACI.


Giselle Borges Alves

Professora de Direito Cooperativo e Direito Privado

Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)

 

O cooperativismo antes de ser compreendido como forma de desenvolvimento de atividades econômicas, precisa ser vislumbrando também como movimento que possui uma base filosófica secular. Neste sentido, a doutrina cooperativista ressalta a importância de conhecer o cooperativismo antes de empreender ponderações sobre a forma de atuação de uma cooperativa[1].

Enquanto movimento e filosofia, o cooperativismo nasceu em meio às revoluções operárias da Europa, inicialmente pensado sobre bases solidaristas inspirados pelos ideais franceses. Teve berço nos movimentos socialistas europeus, mas se fortaleceu e expandiu sobre a égide do capitalismo, no entanto, sem abandonar os pilares de união de forças sobre o prisma democrático de gestão, melhor remuneração do trabalho e fortalecimento do olhar comunitário, para além da simples geração de lucro (NAMORADO, 2013; MEINEN et al., 2002).

Mesmo diante do cenário da globalização de mercados, as cooperativas continuam tendo como alicerces de formação e atuação sete princípios básicos fundamentais[2], cunhados pela primeira cooperativa do mundo – a Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, criada em 1844 na Inglaterra (CENZI, 2009).

Os sete princípios cooperativistas, em verdade traçam não apenas a base filosófica do movimento, mas sobretudo, pautam a forma de organização e gestão dos empreendimentos cooperativistas em todo o mundo. Ofertam, assim, identidade ao movimento, tendo em vista que são comuns a todos os ramos de atividades e funcionam como normas básicas.

O primeiro princípio cooperativista é o princípio da adesão livre e voluntária, comumente conhecido também como “princípio da porta aberta”. Este princípio estabelece que as cooperativas são organizações voluntárias abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e assumir as responsabilidades do empreendimento como membros, proibindo a discriminação sexual, social, racial, política ou religiosa.

O segundo princípio cooperativista é o princípio da gestão democrática pelos membros. Esse princípio consagra a base democrática do empreendimento cooperativista, que possui controle realizado por todos os membros, que participam ativamente na formulação de suas políticas e na tomada de decisões. Os membros eleitos como representantes dos demais associados são responsáveis perante estes.

Nas cooperativas singulares, os membros, independemente da quantidade de capital que possuem na cooperativa, possuem igual direito de voto (um membro, um voto). Nas cooperativas Centrais, Federações e Confederações também existe uma organização proporcional de direito de voto em base democrática.

A gestão democrática, portanto, traduz-se em um sistema de decisões majoritárias e não no poder de decisão do capital investido, o que é muito comum nas sociedades de natureza mercantil. Nas cooperativas não temos a figura do sócio majoritário, mas sim uma gestão participativa e democrática como um dos eixos desse movimento, consagrando o sistema de autogestão. Aliás, a submissão das decisões estratégicas da cooperativa à assembleia é o pressuposto básico da autogestão como forma de governança (ALVES, 2017).

O terceiro princípio é o princípio da participação econômica dos membros. Por ele é estabelecida a forma de contribuição equitativa dos membros para o capital das cooperativas, bem como, novamente, ressalta o controle democrático. Parte do capital aportado na cooperativa é propriedade comum, no entanto, os membros recebem habitualmente, se houver sobras, uma remuneração como condição de adesão.

Nas cooperativas está estabelecido o retorno das sobras líquidas proporcional ao trabalho realizado pelo cooperado junto à cooperativa durante o exercício social com divisão pro rata de suas operações[3], o que difere profundamente do retorno dos lucros numa sociedade de natureza mercantil, onde há estreita relação com o capital investido pelo sócio ou acionista, pouco importando se este trabalhou na empresa durante qualquer período (PINHO, 1977).

As sobras e resultados de um exercício social de uma cooperativa também podem ser destinados aos objetivos desta, mediante as políticas aprovadas pelos seus membros em deliberações nas assembleias gerais. Por exemplo, os cooperados podem destinar sobras e resultados ao desenvolvimento de suas cooperativas, mediante a criação de fundos de reserva, podem deliberar pelo rateio das sobras e resultados entre os cooperados ou apoiar outras atividades em prol dos cooperados, funcionários e da comunidade – concessão de bolsas de estudos, apoio a ações e projetos sociais, entre outros –, bem como realizar investimentos externos com o objetivo de captação de recursos em benefício geral da cooperativa.

O quarto princípio cooperativista trata da autonomia e independência destas, ou seja, estabelece as cooperativas como organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Decorre deste princípio a conclusão de que as cooperativas, mesmo se firmarem acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas, ou se recorrerem a capital externo, devem fazê-lo de forma a preservar o controle democrático pelos membros da cooperativa, mantendo sua autonomia e independência quanto a ingerências externas.

O quinto princípio cooperativista é o princípio da educação, formação e informação para o cooperativismo. As cooperativas devem promover a educação e formação técnico-profissional dos seus associados, dos representantes por eles eleitos, dos seus trabalhadores e também da sociedade em geral. A educação, formação e informação cooperativista contribui de forma eficaz para o desenvolvimento das próprias cooperativas e para a continuidade do movimento. Informa ao público em geral, incluindo jovens e líderes comunitários, sobre a natureza e vantagens da cooperação, auxilia no crescimento e fortalecimento do cooperativismo ao longo do tempo.

O sexto princípio é a intercooperação, que se traduz no trabalho conjunto e coeso das cooperativas entre si, servindo de forma mais eficaz aos seus membros e ofertando mais força ao cooperativismo enquanto movimento. O princípio incentiva que as cooperativas trabalhem em conjunto por intermédio de estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais. No Brasil, temos a intercooperação realizada mediante relações contratuais, por exemplo, de compra e venda de insumos entre cooperativas, prestação de serviços, entre outros. Mas também temos a verticalização das atividades que fornecem melhor estrutura para que as cooperativas singulares prestem seus serviços aos associados. Estamos falando da constituição de Centrais, Federações e Confederações de Cooperativas, cujas normas gerais estão traçadas na Lei nº 5.764/1971.

O sétimo – e último – princípio cooperativista é o princípio do interesse pela comunidade. Esse princípio destaca que as cooperativas devem trabalhar para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades, mediante políticas aprovadas pelos seus membros.

Desta forma, é possível identificar o movimento cooperativo como grande agregador do prisma da função social da propriedade e da empresa, na medida em que realiza a atividade econômica com preponderância de melhora da qualidade de vida de seus associados, funcionários e com uma preocupação central com o desenvolvimento sustentável das regiões onde a atividade está inserida (ALVES, 2017).

O Cooperativismo, em si, é um movimento que está intimamente relacionado ao desenvolvimento sustentável, tendo em vista que está voltado para a realização de uma economia humanizada, cujo valor maior reside no indivíduo, antecedendo ao capital, com nítida conciliação entre solidariedade e individualidade.

É importante ressaltar que os princípios cooperativistas, com o passar dos anos foram estabelecidos dentro das legislações dos países que traçam normas gerais sobre o cooperativismo[4], ofertando assim a força necessária para a compreensão de sua aplicação. No Brasil, tanto a Lei nº 5.764/1971 - Lei Geral do Cooperativismo -, como o Código Civil brasileiro de 2002, trazem entre nas características gerais do cooperativismo essa inserção dos princípios correlacionados.

 

 


REFERÊNCIAS

ALVES, Giselle Borges. Poder compensatório, função social e concorrência: um olhar individualizado sobre o cooperativismo. In: Constituição, Empresa e Mercado. Ana Frazão (Org.). Faculdade de Direito-UnB, 2017, pp. 69-93.

BRASIL. Lei nº 5.764 de 16 de dezembro de 1971Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.htm>. Acesso em 20 fev. 2021.

 _______. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 20 fev. 2021.

CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde às origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo brasileiro. 1. ed. (2009), 1ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2011.

MEINEN, Ênio; NERCOLINI DOMINGUES, Jefferson; DOMINGUES, Jane Aparecida Stefanes. Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2002.

NAMORADO, Rui. O mistério do cooperativismo: da cooperação ao movimento cooperativo. Coimbra: Almedina, 2013.

ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS (OCB). O que é cooperativismo?. Somos Cooperativismo. Disponível em: < http://www.somoscooperativismo.coop.br/o-que-e-cooperativismo>. Acesso em: 20 fev. 2021.

PINHO, Diva Benevides. Economia e cooperativismo. São Paulo: Saraiva, 1977.

STÖBERL, Paulo Roberto. Conceito de sociedade cooperativa. In: Sociedades cooperativas. Alfredo de Assis Gonçalves Neto (coord). 1. ed. São Paulo: Lex, 2018, pp. 25-56.

 

 



[1] Paulo Roberto Stöberl (2018, p. 25) é um dos pesquisadores que ressalta a importância de compreender a distinção entre cooperativismo e cooperativa, informando que o cooperativismo é “um conjunto de valores orientativos de ação individual e também uma doutrina de sistema econômico e social” e a cooperativa, nada mais é, que “o braço econômico deste sistema”.

[2] Sobre os princípios cooperativistas e dados atuais do cooperativismo no Brasil e no mundo, acesse a página da Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB: <http://www.somoscooperativismo.coop.br/o-que-e-cooperativismo>.

[3] Conforme estabelecido no Art. 4º, inciso VII da Lei nº 5.764/1971.

[4] Em um próximo texto serão feitas algumas considerações sobre as normas do cooperativismo e a correlação dos princípios com as características traçadas na legislação.

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