Giselle Borges Alves
A
atual conjuntura institucional brasileira prescreve um maior cuidado no combate
aos desvios de dinheiro público e com a promoção da concorrência nas
contratações públicas. A temática relativa ao combate às fraudes em licitações
e contratos administrativos, incluindo as coordenações horizontais como a
formação de cartéis, vem ganhando enfoque dos órgãos de defesa da concorrência,
dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, que, em coordenação,
tentam promover a fiscalização e o combate desta situação endêmica no Brasil.
Ressalte-se
que a existência de um arcabouço normativo importante, tal qual a Lei
Anticorrupção, a Lei de Licitações e a Lei de Defesa da Concorrência, trazem
importantes sancionamentos aos cartéis em licitações, combatendo a má
utilização dos recursos públicos, com medidas que podem, inclusive, levar a
extinção da pessoa jurídica (MARRARA, 2013).
No
entanto, as discussões sobre a aplicação das sanções previstas na legislação
nacional, notadamente a suspensão de participação em licitações, a inidoneidade
para licitar ou a extinção da pessoa jurídica[1],
podem acarretar um paradoxo, conforme destacado por Marrara (2013), tendo em
vista que elas diminuem o número de concorrentes no mercado, conduzindo a
concentração do market share em poder
de menos agentes, possibilitando com mais facilidade a ocorrência de
cartelização. Assim, o Estado ao impor qualquer uma das três sanções
destacadas, conduz um efeito negativo contra si mesmo, sendo importante o cuidado na aplicação de sanções para coibir ilícitos concorrenciais,
pois o excesso na aplicação (overenforcement)
pode acarretar menor concorrência entre empresas[2].
Entretanto,
Marrara (2013) destaca que as sanções são necessárias, desde que sejam
aplicadas com outras medidas que fortaleçam a concorrência, principalmente, em
setores cujas as barreiras à entrada sejam maiores e que tradicionalmente o
número de competidores é menor[3].
Dentro
da prática de combate aos cartéis, outro método importante são os acordos de
leniência, que permitem a obtenção de informações importantes para início de
investigações pelos órgãos de defesa da concorrência, bem como também a
possibilidade de assinatura de Termos de Compromisso de Cessação, o que
evidencia que soluções negociadas em determinados casos, também podem ser uma
saída sadia para o mercado.
Neste
prisma, há a importância de se adotar também medidas preventivas à ocorrência
de cartéis em contratações públicas e, neste sentido, o Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (CADE) recomenda entre outros, (I) a realização de leilões
simultâneos na concessão de projetos complementares para evitar etapas
diferidas, removendo a previsibilidade decorrente da sequência de leilões e
dificultando a divisão prévia de projetos entre concorrentes; (II) o sigilo em
relação aos participantes e aos lances apresentados; (III) cuidados para evitar
que os candidatos se encontrem durante o processo de disputa; (IV) a utilização
de critérios para o controle e cadastro de subcontratadas, com registro
obrigatório, o que permite o mapeamento desta empresas facilitando possíveis
investigações; entre outros[4].
Assim,
é imperioso compreender que a promoção da competitividade na realização de
contratações públicas, possibilita uma melhora nos serviços ofertados à
população, protegem o erário, e também são capazes de promover o
desenvolvimento econômico e social. Entretanto, a prática dos cartéis, ao
contrário, gera aumento de gastos, consubstanciam uma má aplicação de dinheiro
público, principalmente, em razão do sobrepreço e, em contrapartida, conforme
amplamente consagrado na doutrina e na prática dos órgãos de defesa da
concorrência, flagrar e punir um cartel não é simples, o que requer uma análise
econômica minuciosa[5].
Portanto,
o combate ao cartel em contratações públicas está longe de ser, em todos os
seus aspectos, um ato simples, sendo indispensável a coordenação entre todas as
esferas de poder da Federação para que o desafio chegue ao final possibilitando
um ganho de mercado e com a melhoria do bem-estar da coletividade diante de uma
melhor aplicação dos recursos públicos.
[1] Conforme penalidades descritas no
artigo 38, incisos II, V, VI e VII da Lei de Defesa da Concorrência (Lei
12.529/2011).
[2] Neste prisma é importante
estabelecer que o objetivo primordial da defesa da concorrência hoje, inclusive
no âmbito das contratações públicas, é sempre estabelecer uma concorrência
praticável, que conforme destaca Frazão (2006, p. 182): “uma concorrência que
pudesse assegurar, ao mesmo tempo, a livre iniciativa e a proteção do
consumidor”.
[3] Neste sentido, Marrara (2013)
ressalta como alternativa para promover uma maior competição em mercados com
menor número de competidores, que podem ser propícios a cartelização, a adoção
de técnicas de abertura do mercado brasileiro a fornecedores estrangeiros, com
a aderência ao Tratado da Organização Mundial do Comércio sobre Contratações
Públicas (Public Procurement Agreement),
o que - apesar dos demais efeitos jurídicos que acarreta - , parece ser uma
estratégia possível.
[4] Estas são apenas
algumas das medidas expostas no documento intitulado “Medidas para
estimular o ambiente concorrencial dos processos licitatórios: contribuições do
CADE”.
[5] Neste sentido, Oliveira &
Rodas (2013, p. 59) destacam que não se pode agir por presunção no combate aos
cartéis. Existe a real necessidade de que realizar uma investigação minuciosa
para verificação dos indícios de infração e muita cautela das autoridades
durante todo o processo, em que dois elementos devem ser combinados: 1º) a
enumeração de todas as evidências indicativas de combinação entre os
concorrentes, ou seja, a exposição de que o comportamento é caracterizado como
um acordo artificial entre os membros do cartel; 2º) a instrução processual com
provas de diferentes naturezas de que houve um acordo entre os concorrentes.
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REFERÊNCIAS
CORDOVIL,
Leonor; CARVALHO, Vinícius Marques de; BAGNOLI, Vicente; ANDERS, Eduardo
Caminati. Nova Lei de Defesa da
Concorrência Comentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
FRAZÃO, Ana. Empresa e propriedade: função social e
abuso de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
MARRARA, Thiago.
Corrupção em licitações: chegou a hora de aderir ao tratado da OMC sobre
contratações públicas?. Direito do
Estado. 2015. n. 46. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/thiago-marrara/corrupcao-em-licitacoes-chegou-a-hora-de-aderir-ao-tratado-da-omc-sobre-contratacoes-publicas>. Acesso em: 24 Out. 2018.
OLIVEIRA, Gesner;
RODAS, João Grandino. Direito e economia
da concorrência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2013.
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*Sobre a autora:
Giselle Borges Alves, é Mestra em Direito pela Universidade de Brasília, pela linha de pesquisa "Transformações da Ordem Social e Econômica e Regulação"; Professora no curso de Direito da Faculdade CNEC Unaí; Advogada e servidora pública no Estado de Minas Gerais.
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