sexta-feira, 10 de maio de 2019

Cartéis em contratações públicas: entre o combate e o desafio

Giselle Borges Alves





A atual conjuntura institucional brasileira prescreve um maior cuidado no combate aos desvios de dinheiro público e com a promoção da concorrência nas contratações públicas. A temática relativa ao combate às fraudes em licitações e contratos administrativos, incluindo as coordenações horizontais como a formação de cartéis, vem ganhando enfoque dos órgãos de defesa da concorrência, dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, que, em coordenação, tentam promover a fiscalização e o combate desta situação endêmica no Brasil.

Ressalte-se que a existência de um arcabouço normativo importante, tal qual a Lei Anticorrupção, a Lei de Licitações e a Lei de Defesa da Concorrência, trazem importantes sancionamentos aos cartéis em licitações, combatendo a má utilização dos recursos públicos, com medidas que podem, inclusive, levar a extinção da pessoa jurídica (MARRARA, 2013).

No entanto, as discussões sobre a aplicação das sanções previstas na legislação nacional, notadamente a suspensão de participação em licitações, a inidoneidade para licitar ou a extinção da pessoa jurídica[1], podem acarretar um paradoxo, conforme destacado por Marrara (2013), tendo em vista que elas diminuem o número de concorrentes no mercado, conduzindo a concentração do market share em poder de menos agentes, possibilitando com mais facilidade a ocorrência de cartelização. Assim, o Estado ao impor qualquer uma das três sanções destacadas, conduz um efeito negativo contra si mesmo, sendo importante o cuidado na aplicação de sanções para coibir ilícitos concorrenciais, pois o excesso na aplicação (overenforcement) pode acarretar menor concorrência entre empresas[2].

Entretanto, Marrara (2013) destaca que as sanções são necessárias, desde que sejam aplicadas com outras medidas que fortaleçam a concorrência, principalmente, em setores cujas as barreiras à entrada sejam maiores e que tradicionalmente o número de competidores é menor[3].

Dentro da prática de combate aos cartéis, outro método importante são os acordos de leniência, que permitem a obtenção de informações importantes para início de investigações pelos órgãos de defesa da concorrência, bem como também a possibilidade de assinatura de Termos de Compromisso de Cessação, o que evidencia que soluções negociadas em determinados casos, também podem ser uma saída sadia para o mercado.

Neste prisma, há a importância de se adotar também medidas preventivas à ocorrência de cartéis em contratações públicas e, neste sentido, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) recomenda entre outros, (I) a realização de leilões simultâneos na concessão de projetos complementares para evitar etapas diferidas, removendo a previsibilidade decorrente da sequência de leilões e dificultando a divisão prévia de projetos entre concorrentes; (II) o sigilo em relação aos participantes e aos lances apresentados; (III) cuidados para evitar que os candidatos se encontrem durante o processo de disputa; (IV) a utilização de critérios para o controle e cadastro de subcontratadas, com registro obrigatório, o que permite o mapeamento desta empresas facilitando possíveis investigações; entre outros[4].

Assim, é imperioso compreender que a promoção da competitividade na realização de contratações públicas, possibilita uma melhora nos serviços ofertados à população, protegem o erário, e também são capazes de promover o desenvolvimento econômico e social. Entretanto, a prática dos cartéis, ao contrário, gera aumento de gastos, consubstanciam uma má aplicação de dinheiro público, principalmente, em razão do sobrepreço e, em contrapartida, conforme amplamente consagrado na doutrina e na prática dos órgãos de defesa da concorrência, flagrar e punir um cartel não é simples, o que requer uma análise econômica minuciosa[5].

Portanto, o combate ao cartel em contratações públicas está longe de ser, em todos os seus aspectos, um ato simples, sendo indispensável a coordenação entre todas as esferas de poder da Federação para que o desafio chegue ao final possibilitando um ganho de mercado e com a melhoria do bem-estar da coletividade diante de uma melhor aplicação dos recursos públicos.



[1] Conforme penalidades descritas no artigo 38, incisos II, V, VI e VII da Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011).
[2] Neste prisma é importante estabelecer que o objetivo primordial da defesa da concorrência hoje, inclusive no âmbito das contratações públicas, é sempre estabelecer uma concorrência praticável, que conforme destaca Frazão (2006, p. 182): “uma concorrência que pudesse assegurar, ao mesmo tempo, a livre iniciativa e a proteção do consumidor”.
[3] Neste sentido, Marrara (2013) ressalta como alternativa para promover uma maior competição em mercados com menor número de competidores, que podem ser propícios a cartelização, a adoção de técnicas de abertura do mercado brasileiro a fornecedores estrangeiros, com a aderência ao Tratado da Organização Mundial do Comércio sobre Contratações Públicas (Public Procurement Agreement), o que - apesar dos demais efeitos jurídicos que acarreta - , parece ser uma estratégia possível.
[4] Estas são apenas algumas das medidas expostas no documento intitulado “Medidas para estimular o ambiente concorrencial dos processos licitatórios: contribuições do CADE”.
[5] Neste sentido, Oliveira & Rodas (2013, p. 59) destacam que não se pode agir por presunção no combate aos cartéis. Existe a real necessidade de que realizar uma investigação minuciosa para verificação dos indícios de infração e muita cautela das autoridades durante todo o processo, em que dois elementos devem ser combinados: 1º) a enumeração de todas as evidências indicativas de combinação entre os concorrentes, ou seja, a exposição de que o comportamento é caracterizado como um acordo artificial entre os membros do cartel; 2º) a instrução processual com provas de diferentes naturezas de que houve um acordo entre os concorrentes.

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REFERÊNCIAS



CORDOVIL, Leonor; CARVALHO, Vinícius Marques de; BAGNOLI, Vicente; ANDERS, Eduardo Caminati. Nova Lei de Defesa da Concorrência Comentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

FRAZÃO, Ana. Empresa e propriedade: função social e abuso de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

MARRARA, Thiago. Corrupção em licitações: chegou a hora de aderir ao tratado da OMC sobre contratações públicas?. Direito do Estado. 2015. n. 46. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/thiago-marrara/corrupcao-em-licitacoes-chegou-a-hora-de-aderir-ao-tratado-da-omc-sobre-contratacoes-publicas>. Acesso em: 24 Out. 2018.

OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

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*Sobre a autora:
Giselle Borges Alves, é Mestra em Direito pela Universidade de Brasília, pela linha de pesquisa "Transformações da Ordem Social e Econômica e Regulação"; Professora no curso de Direito da Faculdade CNEC Unaí; Advogada e servidora pública no Estado de Minas Gerais.


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