Texto publicado originalmente no Jornal do Brasil (link) em 01/02/2012.
Não há e não
pode haver país democrático e desenvolvido cuja magistratura careça do
respeito e da consideração de seus nacionais. Com efeito, na clássica
tripartição, o Judiciário, dentre os órgãos do Poder, notoriamente é o
menos exposto às intemperanças que desacreditam o equilíbrio e a firmeza
das instituições tanto como a serenidade de seus membros. Possivelmente
por estar eqüidistante das paixões políticas, naturais no Legislativo e
no Executivo,
o braço estatal encarregado de resolver as contendas, de promover a
pacificação dos conflitos sociais, necessita funcionar como um
repositório de tranqüilidade, devendo inspirar confiança na cidadania e
esperança em desenvolvimento conduzido com a menor turbulência possível.
Se isto não acontecer, haverá, à toda evidência, um desgaste do próprio
Estado, uma perda de credibilidade nas instituições e, como previsível
conseqüência, até mesmo uma ameaça para a democracia.
Infelizmente,
já estão surgindo entre nós sinais de que o respeito ao papel a ser
cumprido pelo Judiciário começa a sofrer um perigoso desgaste. O
desacordo entre o Conselho Nacional de Justiça e o Judiciário
brasileiro, centrado que estava em um tema jurídico que, ante os termos
constitucionais, era perfeitamente suscetível de propiciar divergências
de entendimento sobre a extensão da competência do primeiro, assumiu uma
feição absolutamente descabida. Descambou para uma linguagem imprópria,
exacerbada, muito longe do comedimento inerente aos órgãos de cúpula
daquela instituição, daí derivando, como costuma acontecer nestes casos,
a irrupção de reações férvidas que terminam por abicar, segundo a
lógica própria dos confrontos, em exageros que em nada concorrem para a busca de soluções temperantes.
É claro que tais eventos proporcionaram aos meios de comunicação da chamada grande imprensa, como sempre mais interessados
em capturar o interesse do público do que em qualquer outra coisa, a
oportunidade de incendiar o ambiente, de buscar escândalos e, pois, de
concorrer para o acirramento de ânimos.
Diante
destes episódios, a única atitude sensata é a de não permitir que a
imprescindível correção de quaisquer desmandos ocorridos ou passíveis de
ocorrer na intimidade do Poder Judiciário e com os quais não se pode
ter qualquer leniência ou contemplação, se converta-se em motivo para
colocar em questão a autoridade das decisões daquele Poder ou do
Ministro tal ou qual do Supremo Tribunal Federal. Certamente há, no
Judiciário, como em qualquer organização, indivíduos indesejáveis e que
devem ser dele escorraçados, nos termos da Constituição e das leis, mas
isto não significa que este Poder seja um particular abrigo de “bandidos
de toga”. Minha experiência pessoal de militância há mais de cinqüenta
anos na área jurídica e embora seja um crítico duro das mazelas do
Judiciário, não é a de que suas falhas mais comuns ou a dos magistrados
justifiquem qualificá-los de modo tão desprimoroso. Conquanto também me
encarte entre os adeptos de atuação intensa do Conselho da Magistratura,
creio que não se deve colocar lenha nesta fogueira já ateada. Não tem
qualquer cabimento a elevação do tom e sobretudo as críticas apaixonadas
a posições jurídicas assumidas por Ministros do Supremo cuja história
de incensurável dignidade honra a magistratura do País e inadmite tal
atitude, mesmo quando se discorde do teor de decisões suas.
Considerando-se que nem Legislativo nem Executivo costumam ser, entre
nós, depositários de grande confiança
popular, que restará às instituições se também o Judiciário passar a
sofrer o mesmo descrédito ? Onde se apoiará a democracia ?
Celso Antônio Bandeira de Mello é professor emérito da PUC de São Paulo.