As
questões mais polêmicas envolvendo a propriedade intelectual e as
decisões judiciais, ainda não pacificadas, quando o assunto são os
direitos autorais dos músicos, intérpretes e outros personagens ligados
ao fenômeno da criação musical. Esse será um dos temas abordados pelo
ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal e ex-juiz da Corte da
Haia, o advogado Franciso Rezek, no painel sobre o Direito de
Propriedade, que integra a programação da XXI Conferência Nacional dos
Advogados. O evento será realizado de 20 a 24 de novembro deste ano na
cidade de Curitiba.
Em entrevista na qual antecipou alguns dos pontos que pretende
abordar na palestra "Questões Controvertidas da Propriedade
Intelectual", Rezek afirmou que, atualmente, já é de conhecimento amplo
as lições dadas pelo Supremo Tribunal Federal com relação ao domínio
envolvendo a criação literária, as artes plásticas e a fotografia. A
polêmica reside, no entanto, com relação ao direito autoral relacionado à
música, aquele que, segundo o advogado, o Poder Judiciário mais comete
erros.
"Ainda se vê, a todo momento, decisões judiciais disparatadas, que
parecem ignorar o direito autoral do músico e parecem acreditar que o
músico, dotado pelo Deus da arte e da criação, deveria compartilhar isso
gratuitamente", afirmou Rezek, acrescentando que a polêmica reside em
saber se os exploradores empresariais da música vão amealhar todo esse
dinheiro sozinhos ou se vão dar uma parcela digna ao criador musical.
O painel do qual Francisco Rezek participará será realizado das 8h30
às 12h30 do dia 23 de novembro no Centro de Convenções Expo Unimed
Positivo, onde acontecerá a Conferência. A expectativa da OAB Nacional é
reunir 7 mil participantes, entre advogados, juristas, professores e
estudantes de Direito. Serão 120 palestrantes, entre especialistas
brasileiros e estrangeiros. As inscrições para a Conferência podem ser
feitas no banner do evento no site www.oab.org.br.
A seguir a entrevista concedida por Francisco Rezek:
P - O que é propriedade intelectual, o tema que o senhor abordará durante a XXI Conferência Nacional dos Advogados?
R - A propriedade intelectual é aquilo que resulta,
para o criador, da obra de criação artística, literária, musical, da
criação científica ou da criação no domínio da Medicina e da tecnologia.
Tudo isso tem, hoje, sido corretamente coberto pelo Direito das
diversas nações. Uma ou outra vez vemos algum confronto político
transnacional se travar quando se fala na propriedade intelectual
relacionada a produtos farmacêuticos, muito elementares no socorro à
saúde de grandes massas humanas. Esses são produtos que resultaram da
pesquisa feita por laboratórios internacionais muito bem dotados para a
finalidade da pesquisa, porque isso também é da criação científica no
domínio da Medicina, que querem auferir lucros muitas vezes
desproporcionais. Países como o Brasil têm hoje, na cena internacional,
desafiado abertamente, e com razão, certos abusos praticados não
exatamente pelos criadores do produto científico patenteado, mas por
grandes laboratórios. Por conta da criação que patrocinaram, essas
empresas muitas vezes pretendem auferir um lucro exageradamente elevado
se se considera que são medicamentos necessários no rigor da vida
cotidiana de pessoas enfermas na maioria dos países.
P - Qual a questão mais controvertida atualmente quando se fala em propriedade intelectual?
R - O domínio que mais de perto nos diz respeito
hoje como mais sensível em matéria de propriedade intelectual é o que
tem a ver com os direitos autorais da música, envolvendo todo o fenômeno
da criação musical: o compositor, a letra e a partitura, o arranjador e
o intérprete. Esse direito autoral no campo da música vai até um certo
número de décadas após a morte do autor. Depois disso a obra cai em
domínio público. Quando falamos, por exemplo, na música contemporânea do
Brasil, estamos falando não só nos compositores, arranjadores e
intérpretes, mas também nas famílias dos sucessores daqueles que
morreram nas últimas décadas e cujas obras ainda não caíram no domínio
público. É a inspiração desse tipo de criação artística que mais dá
dinheiro a todos aqueles que exploram empresarialmente a criação
musical. Esse é o domínio onde mais circulam riquezas e é também o
domínio em que o proprietário da sua criação é mais explorado, pirateado
e aviltado de todas as maneiras.
P - O Supremo e as Cortes superiores tem apreciado processos envolvendo esse tipo de controvérsia corretamente, em sua opinião?
R - É exatamente esse domínio do direito autoral
relacionado com a música aquele em que o Poder Judiciário comete mais
erros. Aliás o único, eu creio. Em matéria de criação literária, no
domínio das artes plásticas e da fotografia, o Supremo Tribunal Federal
ensinou certas lições há tantas décadas que, hoje, não se identifica
mais ninguém que não as tenha prendido e que já não proceda corretamente
nesses domínios. No meio da música não. Ainda se vê, a todo momento,
decisões judiciais disparatadas, que parecem ignorar o direito autoral
do músico e parecem acreditar que o músico, dotado pelo Deus da arte e
da criação, deveria compartilhar isso gratuitamente.
P - Qual o argumento que tem sido usado para ignorar o direito do autor?
R - O do acesso do povo à cultura. Mas a questão não
é essa porque o povo terá de qualquer maneira esse acesso. A questão é
saber se os exploradores empresariais da música vão amealhar todo esse
dinheiro sozinhos ou vão dar uma parcela digna ao criador musical. É
isso o que mais se discute hoje nas várias instâncias da Justiça. É isso
que tem produzido em juízo as decisões mais calamitosas à base da idéia
extremamente arcaica de que o músico não tem o direito de ser
corretamente remunerado pela sua criação e interpretação. Portanto, esse
é o domínio mais polêmico e mais interessante que a Conferência de
Curitiba vai discutir em novembro próximo.
P - Qual a importância de se discutir esse tema para o país?
R - Não acho que as diversas decisões erradas que
foram tomadas até hoje no Poder Judiciário no tocante à propriedade
intelectual no campo da música tenham resultado de alguma coisa mais
sórdida do que a simples ignorância. A simples visão obtusa do fenômeno
da criação musical e dos direitos que tem o autor não se dá exatamente
em face do público, uma vez que este está sempre pagando para assistir e
ouvir os espetáculos, mas em face dos empresários. Estes, em contato
direto com o respectivo público, arrecadam somas que, no domínio da
música, são muito mais significativas do que aquelas relacionadas à
literatura escrita, à poesia, à arte gráfica e a outros domínios da
criação. Em todos os níveis aconteceram erros nos últimos anos. O único
especialista notório em matéria de direitos autorais que, vestido numa
toga, já pisou em Brasília, foi o ministro do STJ, Carlos Alberto
Menezes Direito. Ele ensinou lições incomparáveis a quem dela precisava.
Ele foi para ao Supremo Tribunal Federal e, para a nossa extrema
tristeza morreu precocemente. De modo que perdemos o único grande farol
de conhecimento profundo da matéria do direito autoral relacionado á
música e ficamos, hoje, sem ninguém especializado no assunto, contando
apenas com o bom senso, a clarividência e o bom esclarecimento das
cabeças dos juízes do Brasil.
Fonte: Conselho Federal da OAB (link para a postagem original)