Por Maria Berenice Dias*
Artigo publicado originalmente no site Atualidades do Direito (link)
Antes não havia nada.
Até parece que amor entre iguais não existia.
Na vã tentativa de varrer para baixo do
tapete os homossexuais e seus vínculos afetivos, a Constituição Federal
admite a conversão em casamento somente à união estável entre um homem e
uma mulher.
Diante da total omissão do legislador,
que insiste em não aprovar qualquer lei que assegure direitos à
população LGBT, o jeito foi socorrer-se da justiça.
Assim, há uma década o Poder Judiciário,
ao reconhecer que a falta de lei não quer dizer ausência de direito,
passou a admitir a possibilidade de os vínculos afetivos, independente
da identidade sexual do par, terem consequências jurídicas. No começo o
relacionamento era identificado como mera sociedade de fato, como se os
parceiros fossem sócios. Quando da dissolução da sociedade, pela
separação ou em decorrência da morte, dividiam-se lucros. Ou seja, os
bens adquiridos durante o período de convivência eram partilhados,
mediante a prova da participação de cada um na constituição do “capital
social”. Nada mais.
Apesar da nítida preocupação de evitar o
enriquecimento sem causa, esta solução continuava provocando
injustiças enormes. Como não havia o reconhecimento de direitos
sucessórios, quando do falecimento de um do par o outro restava sem
nada, sendo muitas vezes expulso do lar comum por parentes distantes que
acabavam titulares da integralidade do patrimônio.
Mas, finalmente, a justiça arrancou a
venda dos olhos, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) consagrou a
inserção das uniões homoafetivas no conceito de união estável.
Por tratar-se de decisão com efeito
vinculante – isto é, nenhum juiz pode negar seu reconhecimento – os
magistrados passaram a autorizar a conversão da união em casamento,
mediante a prova da existência da união estável homoafetiva, por meio
de um instrumento particular ou escritura pública. Assim, para casar,
primeiro era necessária a elaboração de um documento comprobatório do
relacionamento para depois ser buscada sua conversão em casamento, o
que dependia de uma sentença judicial.
Agora o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) acabou de admitir que os noivos, mesmo sendo do mesmo sexo, podem
requerer a habilitação para o casamento diretamente junto ao Registro
Civil, sem precisar antes comprovar a união para depois transformá-la em
casamento.
Ou seja, a justiça passou a admitir casamento sem escala!
Só se espera que, diante de todos esses
avanços, o legislador abandone sua postura omissiva e preconceituosa e
aprove o Estatuto da Diversidade Sexual, projeto de lei elaborado pela
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que traz o reconhecimento de todos
os direitos à comunidade LGBT e seus vínculos afetivos.
Com certeza é o passo que
falta para eliminar de vez com a homofobia, garantir o direito à
igualdade e consagrar o respeito à dignidade, independente da orientação
sexual ou identidade de gênero.
Enfim, é chegada a hora de assegurar a todos o direito fundamental à felicidade!
* Advogada. Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM. Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual da OAB
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