Entrevista publicada no site Instituto Humanitas Unisinus - IHU, em
09/11/11. (link)
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"Está declinando a ideia da democracia como igualdade, e isso é
muito perigoso. O culto da criatividade individual pode minar o vínculo entre
as pessoas". Em seu último livro, Pierre Rosanvallon explica por que a promoção
das diferenças econômicas é um risco.
A
reportagem é de Fabio Gambaro, publicada no jornal La Repubblica,
08-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Somente
uma sociedade fundamentada na verdadeira igualdade pode garantir a coesão
social necessária para enfrentar as difíceis provas do nosso tempo. Para Pierre
Rosanvallon, essa é uma certeza. O célebre estudioso das formas da política
reforça essa ideia em seu último livro, La société des egaux (Ed.
Seuil), recém-lançado na França e que já está sendo traduzido para
muitas línguas.
O
intelectual francês que leciona no Collège de France e dirige La
Republique des idées analisa nessa obra a crise do conceito de
igualdade em uma sociedade, como a nossa, dominada por diferenças sociais mais
acentuadas. Análise a partir da qual nasce, depois, a proposta da
"sociedade dos iguais", que soa quase como uma contribuição teórica
ao movimento dos indignados.
"O
indignados são apenas a ponta do iceberg de um protesto social generalizado que
denuncia o desvio intolerável das desigualdades. Um desvio que, além de ser um
desastre moral, favorece a "desconstrução social", explica Rosanvallon.
"Infelizmente, no entanto, a indignação não se traduz quase nunca em
escolhas concretas de reforma. Ou melhor, enquanto nos indignamos, as rupturas
sociais aumentam. A consciência política cresce, mas a coesão social
retrocede".
Eis a
entrevista.
Como isso
se explica?
A
sociedade condena fatos produzidos por mecanismos que, no entanto, são
parcialmente aceitos. Por exemplo, denunciam-se as retribuições escandalosas
dos traders, mas não nos surpreendemos diante das compensações muito
superiores dos jogadores de futebol ou dos artistas. Ou aceitamos, sem muitos
problemas, a ideia de que o mérito pode produzir enormes diferenças econômicas.
Tudo isso é um sinal do descompasso entre a democracia como regime político e a
democracia como forma social. No plano político, as democracias são globalmente
mais fortes e críticas hoje do que há 30 anos, podem contar com contrapoderes
mais organizados e uma maior informação. Mas a democracia como vínculo social
baseado na igualdade está diminuindo perigosamente.
No
passado, a dimensão social da democracia contava mais?
Certamente.
Para as revoluções americana e francesa, mais do que o regime político, contava
a ideia de uma sociedade sem privilégios e diferenças sociais. Por isso a
palavra "igualdade" era tão importante, como Tocqueville logo
entendeu. Hoje, ela retrocede em toda a parte. Mas uma democracia certamente
não pode continuar progredindo se entre os indivíduos falta o sentido de
pertença a uma sociedade comum e compartilhada. Na ruptura social, corremos o
risco de que o populismo se insinue, ou seja, a patologia da democracia-regime
que explora a desconstrução da democracia-sociedade. Diante da crise do sentido
de pertença, o populismo responde com a exaltação de um sentimento de
comunidade fictício, baseado em uma ideologia nacionalista feita de exclusão,
xenofobia e ilusória homogeneidade. Para responder ao populismo, é preciso,
portanto, promover uma sociedade em que a palavra igualdade tenha novamente
sentido.
Por que
nos últimos 20 anos a igualdade social retrocedeu?
A
sociedade abandonou progressivamente o modelo redistributivo que, durante quase
todo o século passado, atenuou gradualmente as desigualdades sociais. A escolha
da redistribuição estava ligada à recordação das grandes provas vividas
coletivamente, sobretudo as duas guerras mundiais e ao medo do comunismo que
levou até os regimes mais conservadores rumo às reformas sociais. Hoje, a
vivência coletiva e o reformismo do medo não atuam mais, contribuindo assim
para tornar muito mais frágil o impulso à solidariedade.
Qual foi
o peso do triunfo do individualismo?
Foi um fator
estrutural determinante, além do mais, favorecido pelo advento do novo
capitalismo da inovação, que valoriza a produtividade e a criatividade
individuais. A partir dos anos 1980, a meritocracia e a igualdade de
oportunidades tornaram-se cada vez mais importantes, sustentadas por uma
transformação quase antropológica do individualismo.
Em que
sentido?
No
alvorecer da democracia, o individualismo era universalizante. Ser um indivíduo
significava sobretudo ser como os outros, com os mesmos direitos e a mesma
liberdade. Daí a ideia de uma sociedade de indivíduos semelhantes e iguais.
Hoje, ao contrário, prevalece a demanda por singularidade, o individualismo que
nos distingue dos outros, a necessidade de nos sentirmos únicos que ganha
espaço de escolha na sociedade de consumo. Temos a impressão de ter um poder
suplementar sobre a nossa vida só porque nos consideramos consumidores
conscientes, mas escolher entre cinco operadoras de telefonia não faz de nós
cidadãos responsáveis. A verdadeira singularidade é construir a própria vida
como indivíduos autônomos, existir como pessoas. O neoliberalismo, ao
contrário, respondeu à necessidade de singularidade sacralizando consumidor e
indicando como ideal da sociedade a concorrência generalizada.
Como
fazer para colocar a igualdade novamente no centro da sociedade?
Insistir
sobre o mérito e a igualdade de oportunidades não é suficiente. É preciso
elaborar uma verdadeira filosofia da igualdade, que naturalmente não significa
igualitarismo. Da igualdade como método de redistribuição, é preciso passar
para a igualdade como relação, que deve se tornar a espinha dorsal de uma
sociedade de iguais, articulando-a, porém, com a necessidade de singularidade.
Hoje, de fato, não podemos mais pensar na igualdade como homogeneidade e nivelamento.
É preciso dar a cada um os meios da sua própria singularidade, sem
discriminações. Mas, ao lado dessa igualdade "de posição", deve ser
promovida a igualdade "de interação", da qual depende o sentimento de
reciprocidade, que é fundamental para a coesão
social.
Por que a
reciprocidade é tão importante?
Há
reciprocidade quando cada um contribui de modo equivalente com uma sociedade em
que o equilíbrio dos direitos e dos deveres é o mesmo para todos. A ausência de
reciprocidade produz a desconfiança social e a falta de confiança com relação à
coletividade. Quanto mais se perde confiança, mais os cidadãos se afastam uns
dos outros. A reciprocidade está na base das chamadas "instituições
invisíveis" que regulam a vida social: a saber, a confiança, a
legitimidade, o respeito à autoridade. Hoje, as instituições invisíveis custam
a manter o seu status e a sua eficácia. É por isso que é necessário colocar a
igualdade no centro do espaço social, tornando possível, dentre outras coisas,
aquela igualdade "de participação" que está no cerne da vida política
democrática. A possibilidade para todos de intervir na vida pública, mesmo para
além do exercício do voto. Favorecer esse tipo de igualdade, da qual também
depende, depois, a redistribuição econômica, é do interesse de todos. Um mundo
de desigualdades, de fato, além de ser um insulto aos mais pobres, também é um
mundo dominado pela insegurança, pela violência e por custos sociais cada vez
mais elevados. A sociedade da desigualdade não é apenas injusta, mas também uma
ameaça para todos.
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"Só o bem neste mundo é durável, e o bem, politicamente, é todo justiça e liberdade, formas soberanas da autoridade e do direito, da inteligência e do progresso." (Rui Barbosa)
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quarta-feira, 9 de novembro de 2011
O culto da criatividade individual e da meritocracia. Riscos para a democracia.
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