Por Giselle Borges Alves
Recentemente
o STJ julgou recurso especial sedimentando o entendimento sobre o conceito de
consumidor por equiparação e sua abrangência.
O
Código de Defesa do Consumidor trouxe para as relações jurídicas de consumo a
figura do consumidor por equiparação (“bystander”),
que amplia o conceito de consumidor para além da pessoa que adquire o produto
ou utiliza o serviço disponibilizado pelo fornecedor.
O
parágrafo único do artigo 2º do CDC informa que é equiparado a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo na
relação de consumo.
O
artigo 17, informa que para efeitos responsabilização por fato de consumo,
equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Assim, em caso de
acidente com a utilização do produto ou serviço, são consideradas consumidoras
todas as pessoas que sofrem consequências jurídicas decorrentes do fato, mesmo
que não tenham adquirido diretamente o produto ou serviço.
O
Recurso Especial 1787318/RJ, tem dois aspectos fundamentais para análise: (I)
quando reconhece que a vítima do evento é consumidora, notadamente, porque
reconhece também uma especificidade dos direitos do consumidor em relação ao
prazo para a busca da reparação civil dos danos, ou seja, (II) um prazo
prescricional elastecido se comparado ao prazo prescricional de outra relação
jurídica não consumerista.
O
REsp 1787318/RJ, trata de acidente de trânsito, atropelamento sofrido pela
vítima/recorrente.
Em
segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não reconheceu a
existência de relação de consumo e aplicou o prazo prescricional trienal do
Art. 206, §3º, inciso V do Código Civil, retirando a pretensão da vítima,
quanto ao direito a indenização pelos danos sofridos. Destaque-se que a vítima
teve sentença desfavorável em primeira instância e também em sede de apelação
cível, na segunda instância estadual, conforme trecho abaixo, citado no acórdão
do REsp 178318/RJ (BRASIL, STJ, 2020):
“APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. ATROPELAMENTO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DE NATUREZA EXTRACONTRATUAL. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL DO ARTIGO 206, §3º, INCISO V, DO CÓDIGO CIVIL E NÃO O PRAZO DE CINCO ANOS PREVISTO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. DESPROVIMENTO DO RECURSO.”
No
entanto, o assunto relacionado a acidente de consumo em prestação de serviços
de transporte por concessionária de serviço público e a consideração de
consumidores por equiparação como sendo todas as vítimas do evento danoso, não
é assunto novo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
Conforme
informado pelo Ministro relator do acordão do REsp 178318/RJ, Paulo de Tarso
Sanseverino, há entendimento sedimentado no STJ. O relator cita no acórdão
trechos de julgados proferidos pela Corte desde o ano de 2010, destacando o AgRg
no REsp 1000329/SC, julgado em 10/08/2010, sob relatoria do Min. João Otávio de
Noronha, o REsp 1288008/MG, julgado em 04/04/2013, sob relatoria do próprio Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, e o REsp 1125276/RJ, julgado em 28/02/2012, sob
relatoria da Min. Nancy Andrighi.
Neste
sentido, verificamos que a vítima do acidente possui razão para o inconformismo
com relação as decisões das instâncias ordinárias. Assim, destacamos alguns
trechos do voto do relator, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
O
Direito do Consumidor não define restrição ao conceito de consumidor, quando se
trata de fato decorrente de atividade negocial que estava sendo realizada,
apenas pelo fato do indivíduo não ter adquirido o produto ou serviço. O
conceito de consumidor do caput do art. 2º da Lei 8078/90, é apenas um conceito
básico, conforme destaca o relator:
“A circunstância de o único vitimado pelo acidente alegadamente causado pelo ônibus de propriedade da recorrida, quando da prestação de serviços de transporte de pessoas no Rio de Janeiro, ser terceiro à relação de consumo não afasta a sua condição de consumidor por equiparação, senão concretiza exatamente a hipótese do art. 17 do CDC, que ampliou o conceito básico de consumidor do art. 2º da Lei 8078/90” (BRASIL, STJ, 2020, p. 5).
A
decisão relembra ainda que mesmo os intermediários da cadeia de fornecimento de
produtos ou serviços, podem ser considerados como consumidores, caso venham a
sofrer acidente de consumo. O relator, destaca inclusive, trecho da obra do
Ministro Herman Benjamin, que traz exemplo fático sobre o assunto:
“O eminente Ministro Herman Benjamin, em seus Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, fornece exatamente o exemplo do dono de um supermercado que, ao inspecionar sua seção de enlatados, sofre ferimentos pela explosão de uma lata com defeito de fabricação, reconhecendo que ele pode pleitear, do mesmo modo que o consumidor que está a seu lado, reparação pelos danos sofridos em decorrência do produto defeituoso. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Comentários ao código de proteção do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 81).” (BRASIL, STJ, 2020, p. 6).
O
Min. Paulo de Tarso, ressalta ainda que existe exceção na aplicação do CDC,
quando realmente não se trata de exercício de atividade econômica direta como
prestação de serviço em geral. Cita como exemplo o transporte fornecido por uma
empresa aos seus funcionários, o que é abrangido, em caso de acidente e
responsabilidade decorrente, pelas regras do Direito do Trabalho.
“Haverá hipótese em que o acidente ocorrerá em contexto em que o transporte não seja de consumidores, na forma do art. 2º do CDC, e nem seja prestado por fornecedor, na forma do art. 3º do CDC, como, por exemplo, no transporte de empregados pelo empregador, o que, certamente, afastaria a incidência do CDC, por inexistir, indubitavelmente, uma relação disciplinada pelo CDC, uma relação de consumo” (BRASIL, STJ, 2020, p. 8).
Assim,
o STJ, por meio do REsp 1787318/RJ, mais uma vez reconhece a figura do
consumidor por equiparação e da necessidade de interpretação do Código de Defesa
do Consumidor de modo a garantir o verdadeiro resguardo do cidadão-consumidor.
No
caso em análise, conforme se verá da ementa que segue abaixo, foi reconhecido
que a vítima era consumidor por equiparação, abrangido pela regra do artigo 17
do CDC e que, por esse motivo, era inaplicável o prazo prescricional do artigo
206, §3º, inciso V do Código Civil, sendo reconhecido, por consequência, que
seria aplicado ao presente caso a regra do prazo quinquenal, previsto no artigo
27 do Código de Defesa do Consumidor.
Vale
a leitura atenta do acordão integral no site do STJ, e abaixo segue a ementa do
julgado com o resumo do voto do relator.
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGADO ACIDENTE DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE DE PESSOAS. ATROPELAMENTO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INCIDÊNCIA DO CDC. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Demanda indenizatória ajuizada por pedestre atropelado por ônibus durante a prestação do serviço de transporte de pessoas. 2. Enquadramento do demandante atropelado por ônibus coletivo, enquanto vítima de um acidente de consumo, no conceito ampliado de consumidor estabelecido pela regra do art. 17 do CDC ("bystander"), não sendo necessário que os consumidores, usuários do serviço, tenham sido conjuntamente vitimados. 3. A incidência do microssistema normativo do CDC exige apenas a existência de uma relação de consumo sendo prestada no momento do evento danoso contra terceiro (bystander). 4. Afastamento da prescrição trienal do art. 206, §3º, inciso V, do CCB, incidindo o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC. 5. Não implementado o lapso prescricional quinquenal, determinação de retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição para que lá se continue no exame da pretensão indenizatória. 6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO”. (BRASIL, STJ, REsp 1787318/RJ, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, Data de Julgamento: 18/06/2020).
Referência:
BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso
Especial 1787318/RJ. Relator
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Terceira Turma. Data de julgamento: 18
jun. 2020. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 05 jun. 2020.