Importante tese foi fixada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal no ARE 954858/RJ, entendendo que diante de atos violadores de direitos humanos os Estados estrangeiros não possuem imunidade de jurisdição. O acórdão é de relatoria do Ministro Edson Fachin e a fixação da tese foi realizada em repercussão geral.
Selecionamos o resumo divulgado no Informativo 1026/2021:
DIREITO
INTERNACIONAL – PROTEÇÃO INTERNACIONAL A DIREITOS HUMANOS DIREITO PROCESSUAL CIVIL
– JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA
Imunidade
de jurisdição de Estado estrangeiro por ato ofensivo aos direitos humanos - ARE
954858/RJ (Tema 944 Repercussão Geral)
Tese
fixada:
“Os
atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos
humanos não gozam de imunidade de jurisdição.”
Resumo
do julgado:
A
imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro não alcança atos de império
ofensivos ao direito internacional da pessoa humana praticados no território
brasileiro, tais como aqueles que resultem na morte de civis em período de
guerra.
A
imunidade de jurisdição de Estado soberano em razão de ato de império tem fonte
no direito costumeiro. Este, ainda que tenha status elevado no direito
internacional, nem sempre deve prevalecer. É que atos de império que resultem
na morte de cidadãos brasileiros não combatentes, ainda que praticados num
contexto de guerra, são atos ilícitos, seja por ofenderem as normas que
regulamentam os conflitos armados (1), seja por ignorarem os princípios que
regem os direitos humanos (2). Ademais, em hipóteses como essa, devem
prevalecer os direitos humanos tal como determina o art. 4º, II, da
Constituição Federal de 1988 (CF/1988) (3), quando se fez a explícita opção
normativa por um paradigma novo nas relações internacionais, no qual são preponderantes,
não mais a soberania dos Estados, mas os seres humanos. No caso, trata-se de
ação de ressarcimento de danos materiais e morais de autoria de netos ou de
viúvas de netos de cidadão brasileiro não combatente que morreu em decorrência
de ataque feito por submarino alemão a barco pesqueiro localizado no mar
territorial brasileiro, durante a II Guerra Mundial. Com base nesse
entendimento, o Plenário, por maioria, apreciando o Tema 944 da repercussão
geral, deu provimento ao recurso extraordinário para, afastando a imunidade de
jurisdição da República Federal da Alemanha, anular a sentença que extinguiu o
processo sem resolução de mérito. Vencidos os ministros Gilmar Mendes,
Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Luiz Fux (Presidente) e Marco Aurélio.
(ARE
954858/RJ, relator Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em
20.8.2021).
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(1)
Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg: “Artigo 6 - O Tribunal
instituído pelo Acordo mencionado no Artigo 1 acima, para julgamento e punição
dos principais criminosos de guerra dos países do Eixo Europeu, é competente
para julgar e punir pessoas que, agindo no interesse dos países do Eixo Europeu
tenham cometido, quer a título individual ou como membros de organizações,
algum dos seguintes crimes: (...) b) Crimes de Guerra: nomeadamente, violações
das leis ou costumes de guerra. Tais violações incluem, mas não se limitam a
assassínio, maus-tratos ou deportação para trabalhos forçados ou qualquer outro
fim, da população civil do ou no território ocupado, assassínio ou maus-tratos
dos prisioneiros de guerra ou de pessoas no mar, execução de reféns, pilhagem
dos bens públicos ou privados, destruição sem motivo de cidades, vilas ou
aldeias ou devastação não justificada por necessidade militar;” (2) Decreto
592/1992 (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos): “ARTIGO 6 - 1.
O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido
pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.” (3) CF/1988:
“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos seguintes princípios: (...) II - prevalência dos direitos
humanos;”