Texto publicado originalmente no portal Agência Senado (link)
Filho de migrantes cearenses, Francisco Alves Mendes Filho nasceu em 1944 num lugar pobre e esquecido pelo poder público: Xapuri, uma região de seringal, no interior do Acre. Aprendeu a ler só por volta dos 19 anos de idade. E teve uma vida curta: morreu assassinado, aos 44 anos de idade. Mesmo assim, tornou-se conhecido internacionalmente, e nesta segunda-feira (16), a uma semana de se completarem 25 anos de sua morte, é lembrado com honras pelo Senado. O que o fez singular? Chico Mendes foi capaz de, com todas as limitações que o cercavam, fazer conhecida sua voz, arriscando a vida pela defesa dos trabalhadores extrativistas e da preservação da floresta amazônica.
Sua coragem e capacidade de articulação chamou a atenção do país e do mundo para a dura realidade de seu povo e para a grande ameaça de destruição, já naquela época, da Amazônia. Chico Mendes pagou com a vida para que o olhar do mundo se voltasse àquela região do país, alvo constante de interesses poderosos, para os quais a vida tradicional e a própria existência da floresta amazônica são apenas entraves ao lucro sem medida. Sua morte havia muito anunciada, por fim, deu ainda mais notoriedade a uma luta cuja importância vai muito além das fronteiras do Acre.
Em 22 de dezembro de 1988, uma semana após completar 44 anos, Chico Mendes foi assassinado com tiros de escopeta no peito, ao sair pela porta dos fundos de sua casa, em Xapuri. Passados 25 anos do crime que comoveu o país, o nome do seringalista e ativista ambiental permanece como símbolo da luta pela preservação das florestas e em alternativas sustentáveis de aproveitamento de seus recursos em favor dos povos nativos.
Sob sua liderança, a luta dos seringueiros pela preservação do seu modo de vida adquiriu grande repercussão mundial. Ele atuou na organização de sindicatos e na fundação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). Entendeu, no entanto, que a defesa da Floresta Amazônica dependia de união mais ampla dos povos cuja sobrevivência está associada às florestas. Por isso, já em 1985, participou da proposta da União dos Povos da Floresta.
O objetivo da aliança era unir os interesses de indígenas, seringueiros, castanheiros, pequenos pescadores e populações ribeirinhas, entre outros povos tradicionais. Buscou convencer o governo federal e as administrações estaduais a criar reservas para a colheita não predatória de produtos como látex, a castanha do Pará e o coco do babaçu. Além de contribuir para a preservação das áreas indígenas e da floresta, essas reservas extrativistas seriam também um instrumento de reforma agrária.
Atuando desde antes na luta pela posse da terra contra os grandes proprietários, numa região marcada por irregularidades fundiárias, Chico Mendes já vinha em conflito com os donos de madeireiras, de seringais e de fazendas de gado. Sem se dobrar, ele liderou os famosos “empates”, uma forma de luta não violenta, na qual os seringueiros se dirigiam às áreas que seriam desmatadas, impedindo a destruição. Felizmente, Chico Mendes chegou a assistir a criação das primeiras reservas extrativistas em seu estado.
Também garantiu a desapropriação do Seringal Cachoeira, do fazendeiro Darly Alves da Silva, em Xapuri. A partir de então as ameaças de morte se tornaram mais constantes. Chico denunciou a situação às autoridades, indicou nomes e pediu proteção. A essa altura, já com largo trânsito no exterior, ele foi convidado a levar as denúncias ao Congresso americano. Mesmo assim, nada foi feito pelas autoridades de seu estado.
Casado com Ilzamar e pai de dois filhos, Sandino e Elenira, Chico Mendes não teve chance de escapar da emboscada armada contra ele em 1988. A Justiça condenou Darly Alves da Silva, como mandante, e seu filho, Darci Alves Pereira, como executor. Depois de fugirem da prisão e serem recapturados, eles finalmente cumpriram a pena de 19 anos de cadeia.
Pouco mais de dois anos depois de sua morte, foi criada a primeira reserva extrativista federal, a Reserva Chico Mendes. Identificadas como Resex, essas unidades de conservação já chegam hoje a 59 e somam mais de 12 milhões de hectares. As populações que nelas vivem têm contrato de concessão de direito real de uso, tendo em vista que a área é de domínio público.
O líder ambientalista dá nome, hoje, ao Instituto Chico Mendes de Preservação de Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. O órgão foi criado durante o primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva, na gestão de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente. Enquanto, nos anos 80, Lula deu apoio a Chico Mendes na articulação de seu movimento sindical, Marina, também do Acre, deu seus primeiros passos na defesa do meio ambiente sob a liderança do líder seringueiro.
O ICMBio integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e a ele cabe executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as Unidades de Conservação instituídas pela União.
O legado de Chico Mendes, porém, vai muito além. Tornou-se referência persistente, por vezes incômoda até, para a consciência ambiental do país. E inspiração para a nem sempre vencedora luta pela preservação dos ativos ambientais do Brasil.