Artigo:
Moratória Legal: benefício ao devedor e o cumprimento de sentença.
Giselle Borges Alves
Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Cenecista - INESC, em Unaí/MG.
Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Rede de Ensino Luís Flávio Gomes em parceria com o IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e Universidade Anhanghera Uniderp.
Resumo: O estudo ressalta o instituto da moratória legal, advindo da reforma legislativa processada pela Lei 11.382/2006, constante do artigo 745-A do Código de Processo Civil. Discussão doutrinária e jurisprudencial de um tema que não está pacificado pelos tribunais brasileiros e gera divergência entre os que defendem seus requisitos e os que acham que o silêncio da lei quanto a necessidade da aceitação do credor importa em imposição arbitrária deste instituto pelo Estado-juiz.
1. Considerações acerca da ausência da anuência do credor
A moratória legal está definida no artigo 745-A do Código de Processo Civil Brasileiro e representa um novo avanço introduzido pela Lei 11.382/2006 na busca pela celeridade e efetividade da pretensão do credor. Merecem destaque as linhas mestras deste dispositivo (BRASIL, 1973, pag. 296):
Art. 745-A. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovando o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 1o Sendo a proposta deferida pelo juiz, o exeqüente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 2o O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
Conforme depreende-se da análise do dispositivo não há entre os requisitos elencados pelos legislador a aceitação do exequente. O § 1° do artigo 745-A declara que a proposta de parcelamento deve ser deferida ou indeferida pelo juiz da execução, não vinculando o beneficio a nenhum tipo de aceitação pelo credor.
Por ser silente quanto à aceitação ou não do exequente sobre o deferimento da moratória legal, muitos são os questionamentos doutrinários sobre a possibilidade de contraditório. Muitas vezes o credor poderá não aceitar o parcelamento da dívida, diante de qualquer fato onde o recebimento parcelado inviabilize a satisfação real da pretensão. As discussões surgem da aceitação ou não da natureza potestativa do instituto.
Pinto (2008) destaca que a intenção da Lei 11.382/2006 foi incentivar a adimplência voluntária da obrigação e de forma menos onerosa para o devedor, compatibilizando os princípios da efetividade da execução e o princípio da menor onerosidade ao devedor. Destaca neste ponto que qualquer interferência no que dispõe a literalidade do artigo 745-A poderá gerar um desequilíbrio na relação, pendendo para algum dos lados, ou seja, priorizando um princípio em detrimento do outro.
Sendo assim, Pinto (2008) ressalta que submeter o requerimento do devedor a aceitação do credor é desequilibrar a igualdade da relação estabelecida, mas não nega a possibilidade da oitiva do exequente, respeitando o princípio do contraditório. Para tanto, segue a justificativa do autor:
Em face do exposto, é inevitável concluir que o credor tem, sim, direito a se manifestar sobre o pedido de parcelamento, mas seus argumentos devem se limitar à desconstituição dos requisitos erigidos pela Lei. Desta forma, poderão ser argüidas, verbi gratia, a insuficiência do depósito prévio, a intempestividade do requerimento, a prévia oposição de embargos à execução, etc.
Pinto (2008) destaca que o jurista Elpídio Donizzeti e o professor José Maria Tesheiner, discordam de tal posicionamento, destacando que o deferimento da moratória legal sem a concordância do devedor fere direito líquido e certo do exeqüente de receber o pagamento à vista, sendo que somente o titular do direito tem a prerrogativa de apreciar a conveniência ou não do parcelamento, já que o título executivo devidamente formado, não aceita modificação da obrigação que nele está representada ao arbítrio do juiz da execução.
Theodoro Júnior (2008, p. 466) declara expressamente que o parcelamento beneficia tanto o devedor como o credor, podendo ser vislumbrado o posicionamento contrário a concordância do devedor, já que tal benefício é igualitário:
O devedor se beneficia com o prazo de espera e com o afastamento dos riscos e custos da expropriação executiva; e o credor, por sua vez, recebe uma parcela do crédito, desde logo, e fica livre dos percalços dos embargos do executado. Demais a mais, a espera é pequena – apenas seis meses, no máximo - , um prazo que não seria suficiente para solucionar os eventuais embargos do executado e chegar, normalmente, à expropriação dos bens penhorados e à efetiva satisfação do crédito ajuizado.
2. A moratória nas execuções de títulos judiciais
Outro assunto que vem merecendo profundo debate doutrinário e jurisprudencial é a aplicabilidade da moratória legal as execuções de títulos judiciais; os tribunais brasileiros divergem.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais possui posicionamentos diferentes entre seus desembargadores, nos poucos julgados que empreendeu. A título de exemplo, a Desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade da 1ª Câmara Cível do TJMG, em julgamento do dia 26/05/2009 do Agravo de Instrumento n° 1.0024.00.015026-8/001, expôs argumentação consistente e favorável a aplicação da moratória legal ao cumprimento de sentença, justificando a interpretação com base no artigo 475-R conjugado com os artigos 620 e 126, todos do CPC, mas sempre com atenção ao equilíbrio processual para não prejudicar nenhuma das partes. Mas ressaltou, na oportunidade, que seu posicionamento é minoritário no Tribunal.
No mesmo julgamento os outros Desembargadores Armando Freire e Alberto Vilas Boas, posicionaram-se contrariamente e não aplicaram o Art. 745-A ao cumprimento de sentença. Importante destacar as razões expostas pelo Desembargador Alberto Vilas Boas para a inaplicabilidade:
O benefício estabelecido pela Lei Processual, no art. 745-A do CPC, deve ser estendido, unicamente, ao devedor no processo de execução por título extrajudicial, porque isso é uma forma de abreviar a satisfação da obrigação. Não é aceitável que no âmbito do processo de conhecimento, com a oportunidade de interpor um número bastante considerável de recursos para impedir, legitimamente, a formação da coisa julgada material, ainda queira o devedor parcelar o cumprimento da obrigação de igual modo àquele que, pela primeira vez, foi chamado no processo de execução por título extrajudicial a compor-se com o credor.
Amaral (2009) defende a não incidência da moratória ao cumprimento de sentença, justificando sua posição com base nos procedimentos diferenciados de cada título executivo. Os títulos judiciais possuem mecanismos que induzem o devedor a pagar a dívida integralmente, como a multa coercitiva do Art. 475-J. Aplicar subsidiariamente a moratória é cumular mais um método para pagamento. Ressalta, ainda, que na moratória há o reconhecimento da dívida pelo devedor, natureza que não pode ser extraída no cumprimento de sentença, haja vista que a sentença tem natureza de coisa julgada material e é ela que reconhece o direito do exeqüente. Conceder o parcelamento seria o mesmo que afrontar a coisa julgada. Mas, nada impediria que por um acordo de vontades, as partes ajustassem o parcelamento, o que por óbvio não resultaria de uma imposição estatal e nem prejudicaria nenhum dos pólos da relação processual.
3. Considerações finais
Com a análise dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais conclui-se que a moratória legal ao ser deferida no cumprimento de sentença prejudica demasiadamente o credor, que não obstante o longo caminho travado durante o processo de conhecimento vê-se tolhido de receber a dívida, por mais uma artimanha favorecendo o devedor, e nem ao menos poderá questionar o deferimento, tendo em vista que o benefício é concedido de ofício pelo juiz.
Aceitar tais arbitrariedades é o mesmo que perpetrar a conivência do Estado com a mora do devedor e a insatisfação de quem pleiteia um direito já abrangido pela coisa julgada.
Referências:
AMARAL, Paulo Osternack. O direito ao parcelamento do débito (art. 745-A do CPC) incide no cumprimento de sentença?. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 28, junho 2009, disponível em http://www.justen.com.br/informativo. Acesso em 15 maio 2010.
BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Lei n° 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Vade Mecum Acadêmico de Direito. Anne Joyce Angher. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.
BRASIL. TJMG. Agravo de Instrumento n° 1.0024.00.015026-8/001. Relatora: Desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade. TJMG. 2009. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=24&ano=0&txt_processo=15026&complemento=1&sequencial=0&palavrasConsulta=parcelamento 745-A&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=. Acesso em 15 maio 2010.
PINTO, Bruno Ítalo Sousa. Artigo 745-A do CPC: a natureza jurídica do parcelamento da dívida e outras polêmicas . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1897, 10 set. 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2010.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.Processo de execução e cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 42ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
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