DIREITO PENAL. ELEMENTO
SUBJETIVO DO CRIME DE CALÚNIA.
A
manifestação do advogado em juízo para defender seu cliente não configura crime
de calúnia se emitida sem a intenção de ofender a honra. Isso porque, nessa situação,
não se verifica o elemento subjetivo do tipo penal. Com efeito, embora a
imunidade do advogado no exercício de suas funções incida somente sobre os
delitos de injúria e de difamação (art. 142, I, do CP), para a configuração de
quaisquer das figuras típicas dos crimes contra a honra – entre eles, a calúnia
– faz-se necessária a intenção de ofender o bem jurídico tutelado. Nesse
contexto, ausente a intenção de caluniar (animus
caluniandi), não pode ser imputado ao advogado a prática de
calúnia. Rcl 15.574-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 9/4/2014.
DIREITO CONSTITUCIONAL E
PROCESSUAL PENAL. RHC QUE CONSISTA EM MERA REITERAÇÃO DE HC.
A
análise pelo STJ do mérito de habeas
corpus com o
objetivo de avaliar eventual possibilidade de concessão da ordem de ofício,
ainda que este tenha sido considerado incabível por inadequação da via eleita,
impede a posterior apreciação de recurso ordinário em habeas corpus que também esteja tramitando no
Tribunal, e que consista em mera reiteração domandamus já impetrado
(com identidade de partes, objeto e causa de pedir). Isso porque, nessa hipótese,
estaria configurada a litispendência, instituto que visa precipuamente à
economia processual e ao propósito de evitar a ocorrência de decisões
contraditórias. Vale ressaltar que, de um lado, não se veda à defesa do
paciente a impetração de mandamus incabível, na busca da sorte da
concessão de ordem de habeas corpus de ofício. De outro lado, porém, caso
o habeas corpus seja analisado, pode-se ter de arcar
com o ônus de o recurso ordinário também impetrado não ter seu pedido de mérito
apreciado pelo Tribunal, embora se trate da correta via de impugnação. Nesse
contexto, deve-se ter em conta que o acesso ao Judiciário não pode acontecer de
forma indiscriminada e deve ser conduzido com ética e lealdade, sendo
consectário do princípio da lealdade processual a impossibilidade de a defesa
pleitear pretensões descabidas, inoportunas, tardias ou já decididas, que contribuam
com o abarrotamento dos tribunais. RHC 37.895-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado
em 27/3/2014.
DIREITO PENAL. TIPICIDADE DA
CONDUTA DESIGNADA COMO "ROUBO DE USO".
É
típica a conduta denominada “roubo de uso”. De início, cabe esclarecer que o crime de
roubo (art. 157 do CP) é um delito complexo que possui como objeto jurídico
tanto o patrimônio como a integridade física e a liberdade do indivíduo.
Importa assinalar, também, que o ânimo de apossamento – elementar do crime de
roubo – não implica, tão somente, o aspecto de definitividade, pois se apossar
de algo é ato de tomar posse, de dominar ou de assenhorar-se do bem subtraído,
que pode trazer o intento de ter o bem para si, de entregar para outrem ou
apenas de utilizá-lo por determinado período. Se assim não fosse, todos os
acusados de delito de roubo, após a prisão, poderiam afirmar que não pretendiam
ter a posse definitiva dos bens subtraídos para tornar a conduta atípica.
Ressalte-se, ainda, que o STF e o STJ, no que se refere à consumação do crime
de roubo, adotam a teoria da apprehensio, também
denominada de amotio, segundo a qual se
considera consumado o delito no momento em que o agente obtém a posse da res
furtiva, ainda que não seja mansa e pacífica ou haja perseguição
policial, sendo prescindível que o objeto do crime saia da esfera de vigilância
da vítima. Ademais, a grave ameaça ou a violência empregada para a realização
do ato criminoso não se compatibilizam com a intenção de restituição, razão
pela qual não é possível reconhecer a atipicidade do delito “roubo de uso”. REsp 1.323.275-GO, Rel. Min. Laurita Vaz,
julgado em 24/4/2014.
DIREITO PENAL. FALSIFICAÇÃO DE
DOCUMENTO PÚBLICO POR OMISSÃO DE ANOTAÇÃO NA CTPS.
A
simples omissão de anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)
não configura, por si só, o crime de falsificação de documento público (art.
297, § 4º, do CP). Isso
porque é imprescindível que a conduta do agente preencha não apenas a
tipicidade formal, mas antes e principalmente a tipicidade material, ou seja,
deve ser demonstrado o dolo de falso e a efetiva possibilidade de vulneração da
fé pública. Com efeito, o crime de falsificação de documento público trata-se
de crime contra a fé pública, cujo tipo penal depende da verificação do dolo, consistente
na vontade de falsificar ou alterar o documento público, sabendo o agente que o
faz ilicitamente. Além disso, a omissão ou alteração deve ter concreta
potencialidade lesiva, isto é, deve ser capaz de iludir a percepção daquele que
se depare com o documento supostamente falsificado. Ademais, pelo princípio da
intervenção mínima, o Direito Penal só deve ser invocado quando os demais ramos
do Direito forem insuficientes para proteger os bens considerados importantes
para a vida em sociedade. Como corolário, o princípio da fragmentariedade
elucida que não são todos os bens que têm a proteção do Direito Penal, mas
apenas alguns, que são os de maior importância para a vida em sociedade. Assim,
uma vez verificado que a conduta do agente é suficientemente reprimida na
esfera administrativa, de acordo com o art. 47 da CLT, a simples omissão de
anotação não gera consequências que exijam repressão pelo Direito Penal. REsp 1.252.635-SP, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 24/4/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL.
COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.
O fato
de a vítima ser figura pública renomada não afasta a competência do Juizado de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para processar e julgar o
delito. Isso
porque a situação de vulnerabilidade e de hipossuficiência da mulher, envolvida
em relacionamento íntimo de afeto, revela-se ipso facto, sendo
irrelevante a sua condição pessoal para a aplicação da Lei Maria da Penha. Com efeito, a presunção de
hipossuficiência da mulher é pressuposto de validade da referida lei, por isso
o Estado deve oferecer proteção especial para reequilibrar a
desproporcionalidade existente. Vale ressaltar que, em nenhum momento, o
legislador condicionou esse tratamento diferenciado à demonstração desse
pressuposto – presunção de hipossuficiência da mulher –, que, aliás, é ínsito à
condição da mulher na sociedade hodierna. Além disso, não é desproporcional ou
ilegítimo o uso do sexo como critério de diferenciação, visto que a mulher é
vulnerável no tocante a constrangimentos físicos, morais e psicológicos
sofridos em âmbito privado (STF, ADC 19-DF, Tribunal Pleno, DJe 29/4/2014).
Desse modo, as denúncias de agressões, em razão do gênero, que porventura
ocorram neste contexto, devem ser processadas e julgadas pelos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nos termos do art. 14 da Lei
11.340/2006. REsp 1.416.580-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz,
julgado em 1º/4/2014.
DIREITO PENAL. PRÁTICA DE CRIME
DURANTE LIVRAMENTO CONDICIONAL.
O
cometimento de crime durante o período de prova do livramento condicional não
implica a perda dos dias remidos.Isso porque o livramento
condicional possui regras distintas da execução penal dentro do sistema progressivo
de penas. Assim, no caso de revogação do livramento condicional que seja
motivada por infração penal cometida na vigência do benefício, aplica-se o
disposto nos arts. 142 da Lei 7.210/1984 (LEP) e 88 do CP, os quais determinam
que não se computará na pena o tempo em que esteve solto o liberado e não se
concederá, em relação à mesma pena, novo livramento. A cumulação dessas sanções
com os efeitos próprios da prática da falta grave não é possível, por
inexistência de disposição legal nesse sentido. Desse modo, consoante o
disposto no art. 140, parágrafo único, da LEP, as penalidades para o
sentenciado no gozo de livramento condicional consistem em revogação do
benefício, advertência ou agravamento das condições. Precedentes citados: REsp
1.101.461-RS, Sexta Turma, DJe 19/2/2013; e AgRg no REsp 1.236.295-RS, Quinta
Turma, DJe 2/10/2013. HC 271.907-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 27/3/2014.
DIREITO PENAL E PROCESSUAL
PENAL. INAPLICABILIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL ÀS CONTRAVENÇÕES PENAIS PRATICADAS
CONTRA MULHER NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
A
transação penal não é aplicável na hipótese de contravenção penal praticada com
violência doméstica e familiar contra a mulher. De fato, a interpretação
literal do art. 41 da Lei Maria da Penha ("Aos crimes praticados com
violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista,
não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.") viabilizaria, em
apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei
9.099/1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções
penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher.
Entretanto, o legislador, ao editar a Lei 11.340/2006, conferiu concretude ao
texto constitucional (art. 226, § 8°, da CF) e aos tratados e as convenções
internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher,
a fim de mitigar, tanto quanto possível, qualquer tipo de violência doméstica e
familiar contra a mulher, abrangendo não só a violência física, mas, também, a
psicológica, a sexual, a patrimonial, a social e a moral. Desse modo, à luz da
finalidade última da norma (Lei 11.340/2006) e do enfoque da ordem
jurídico-constitucional, considerando, ainda, os fins sociais a que a lei se destina, a
aplicação da Lei 9.099/1995 é afastada pelo art. 41 da Lei 11.340/2006, tanto
em relação aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres
no âmbito doméstico e familiar. Ademais, o STJ e o STF já se posicionaram no
sentido de que os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, entre eles a
transação penal, não se aplicam a nenhuma prática delituosa contra a mulher no
âmbito doméstico e familiar, ainda que configure contravenção penal. Precedente
citado do STJ: HC 196.253-MS, Sexta Turma, DJe 31/5/2013. Precedente citado do
STF: HC 106.212-MS, Tribunal Pleno, DJe 13/6/2011. HC 280.788-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 3/4/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL.
DESCOBERTA FORTUITA DE DELITOS QUE NÃO SÃO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO.
O fato
de elementos indiciários acerca da prática de crime surgirem no decorrer da
execução de medida de quebra de sigilo bancário e fiscal determinada para
apuração de outros crimes não impede, por si só, que os dados colhidos sejam utilizados
para a averiguação da suposta prática daquele delito. Com efeito, pode ocorrer o que
se chama de fenômeno da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de
delitos que não são objeto da investigação. Precedentes citados: HC 187.189-SP,
Sexta Turma, DJe 23/8/2013; e RHC 28.794-RJ, Quinta Turma, DJe 13/12/2012. HC 282.096-SP, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, julgado em 24/4/2014.
DIREITO PENAL. REGIME INICIAL
DE CUMPRIMENTO DE PENA NO CRIME DE TORTURA.
Não é
obrigatório que o condenado por crime de tortura inicie o cumprimento da pena
no regime prisional fechado. Dispõe
o art. 1º, § 7º, da Lei 9.455/1997 – lei que define os crimes de tortura e dá
outras providências – que “O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a
hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”.
Entretanto, cumpre ressaltar que o Plenário do STF, ao julgar o HC 111.840-ES
(DJe 17.12.2013), afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os
condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a
fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33 c/c o
art. 59, ambos do CP. Assim, por ser equiparado a crime hediondo, nos termos do
art. 2º, caput e § 1º, da Lei 8.072/1990, é
evidente que essa interpretação também deve ser aplicada ao crime de tortura,
sendo o caso de se desconsiderar a regra disposta no art. 1º, § 7º, da Lei
9.455/1997, que possui a mesma disposição da norma declarada inconstitucional.
Cabe esclarecer que, ao adotar essa posição, não se está a violar a Súmula
Vinculante n.º 10, do STF, que assim dispõe: "Viola a cláusula de reserva
de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que,
embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".
De fato, o entendimento adotado vai ao encontro daquele proferido pelo Plenário
do STF, tornando-se desnecessário submeter tal questão ao Órgão Especial desta
Corte, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC: "Os órgãos
fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a
arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do
plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão". Portanto, seguindo
a orientação adotada pela Suprema Corte, deve-se utilizar, para a fixação do
regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33 c/c o art. 59,
ambos do CP e as Súmulas 440 do STJ e 719 do STF. Confiram-se, a propósito, os
mencionados verbetes sumulares: "Fixada a pena-base no mínimo legal, é
vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em
razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito."
(Súmula 440 do STJ) e "A imposição do regime de cumprimento mais severo do
que a pena aplicada permitir exige motivação idônea." (Súmula 719 do STF).
Precedente citado: REsp 1.299.787-PR, Quinta Turma, DJe 3/2/2014. HC 286.925-RR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado
em 13/5/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL.
COMPATIBILIDADE ENTRE A PRISÃO CAUTELAR E O REGIME PRISIONAL SEMIABERTO FIXADO
NA SENTENÇA.
Há
compatibilidade entre a prisão cautelar mantida pela sentença condenatória e o
regime inicial semiaberto fixado nessa decisão, devendo o réu, contudo, cumprir
a respectiva pena em estabelecimento prisional compatível com o regime inicial
estabelecido. Precedentes
citados: HC 256.535-SP, Quinta Turma, DJe 20/6/2013; e HC 228.010-SP, Quinta
Turma, DJe 28/5/2013. HC 289.636-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro,
julgado em 20/5/2014.
DIREITO PENAL. ATIPICIDADE
MATERIAL DA CONDUTA NO CRIME DE FURTO.
Aplica-se
o princípio da insignificância à conduta formalmente tipificada como furto
consistente na subtração, por réu primário, de bijuterias avaliadas em R$ 40
pertencentes a estabelecimento comercial e restituídas posteriormente à vítima. De início, há possibilidade de,
a despeito da subsunção formal de um tipo penal a uma conduta humana,
concluir-se pela atipicidade material da conduta, por diversos motivos, entre
os quais a ausência de ofensividade penal do comportamento verificado. Vale lembrar
que, em atenção aos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade, o
Direito Penal apenas deve ser utilizado contra ofensas intoleráveis a
determinados bens jurídicos e nos casos em que os demais ramos do Direito não
se mostrem suficientes para protegê-los. Dessa forma, entende-se que o Direito
penal não deve ocupar-se de bagatelas. Nesse contexto, para que o magistrado
possa decidir sobre a aplicação do princípio da insignificância, faz-se
necessária a ponderação do conjunto de circunstâncias que rodeiam a ação do
agente para verificar se a conduta formalmente descrita no tipo penal afeta
substancialmente o bem jurídico tutelado. Nessa análise, no crime de furto,
avalia-se notadamente: a) o valor do bem ou dos bens furtados; b) a situação econômica
da vítima; c) as circunstâncias em que o crime foi perpetrado, é dizer, se foi
de dia ou durante o repouso noturno, se teve o concurso de terceira pessoa,
sobretudo adolescente, se rompeu obstáculo de considerável valor para a
subtração da coisa, se abusou da confiança da vítima etc.; e d) a personalidade
e as condições pessoais do agente, notadamente se demonstra fazer da subtração
de coisas alheias um meio ou estilo de vida, com sucessivas ocorrências
(reincidente ou não). Assim, caso seja verificada a inexpressividade do
comportamento do agente, fica afastada a intervenção do Direito Penal.
Precedentes citados do STJ: AgRg no REsp 1.400.317-MG, Sexta Turma, DJe
13/12/2013; HC 208.770-RJ, Sexta Turma, DJe 12/12/2013. Precedentes citados do
STF: HC 115.246-MG, Segunda Turma, DJe 26/6/2013; HC 109.134-RS, Segunda Turma,
DJe 1º/3/2012. HC 208.569-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 22/4/2014.
DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA NO CASO DE CRIMES RELACIONADOS A TRIBUTOS QUE NÃO SEJAM DA
COMPETÊNCIA DA UNIÃO.
É
inaplicável o patamar estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, no valor de
R$ 10 mil, para se afastar a tipicidade material, com base no princípio da
insignificância, de delitos concernentes a tributos que não sejam da
competência da União. De
fato, o STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.112.748-TO, Terceira Seção,
DJe 13/10/2009, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, consolidou o
entendimento de que deve ser aplicado o princípio da insignificância aos crimes
referentes a débitos tributários que não excedam R$ 10 mil, tendo em vista o
disposto no art. 20 da Lei 10.522/2002. Contudo, para a aplicação desse
entendimento aos delitos tributários concernentes a tributos que não sejam da
competência da União, seria necessária a existência de lei do ente federativo
competente, porque a arrecadação da Fazenda Nacional não se equipara à dos
demais entes federativos. Ademais, um dos requisitos indispensáveis à aplicação
do princípio da insignificância é a inexpressividade da lesão jurídica
provocada, que pode se alterar de acordo com o sujeito passivo, situação que
reforça a impossibilidade de se aplicar o referido entendimento de forma
indiscriminada à sonegação dos tributos de competência dos diversos entes
federativos. Precedente citado: HC 180.993-SP, Quinta Turma, DJe 19/12/2011. HC 165.003-SP, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, julgado em 20/3/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL.
INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE EM AÇÃO PÚBLICA.
Na ação
penal pública, o MP não está obrigado a denunciar todos os envolvidos no fato
tido por delituoso, não se podendo falar em arquivamento
implícito em relação a quem não foi denunciado. Isso porque, nessas demandas,
não vigora o princípio da indivisibilidade. Assim, oParquet é
livre para formar sua convicção incluindo na increpação as pessoas que entenda
terem praticados ilícitos penais, mediante a constatação de indícios de autoria
e materialidade. Ademais, há possibilidade de se aditar a denúncia até a
sentença. Precedentes citados: REsp
1.255.224-RJ, Quinta Turma, DJe 7/3/2014; APn 382-RR, Corte Especial, DJe
5/10/2011; e RHC 15.764-SP, Sexta Turma, DJ 6/2/2006. RHC 34.233-SP, Rel. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, julgado em 6/5/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL.
UTILIZAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA EM DESFAVOR DE
INTERLOCUTOR NÃO INVESTIGADO.
As
comunicações telefônicas do investigado legalmente interceptadas podem ser
utilizadas para formação de prova em desfavor do outro interlocutor, ainda que
este seja advogado do investigado. A interceptação telefônica, por
óbvio, abrange a participação de quaisquer dos interlocutores. Ilógico e
irracional seria admitir que a prova colhida contra o interlocutor que recebeu
ou originou chamadas para a linha legalmente interceptada é ilegal. No mais,
não é porque o advogado defendia o investigado que sua comunicação com ele foi
interceptada, mas tão somente porque era um dos interlocutores. Precedente
citado: HC 115.401/RJ, Quinta Turma, DJe 1º/2/2011. RMS 33.677-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado
em 27/5/2014.
DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA
HIPÓTESE DE REITERAÇÃO DA PRÁTICA DE DESCAMINHO.
A reiterada omissão no pagamento do tributo devido nas importações de
mercadorias de procedência estrangeira impede a incidência do princípio da
insignificância em caso de persecução penal por crime de descaminho (art. 334
do CP), ainda que o valor do tributo suprimido não ultrapasse o limite previsto
para o não ajuizamento de execuções fiscais pela Fazenda Nacional. Com efeito, para
que haja a incidência do princípio da insignificância, não basta que seja
considerado, isoladamente, o valor econômico do bem jurídico tutelado, mas,
também, todas as circunstâncias que envolvem a prática delitiva, ou seja, “é
indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao
bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão
e nenhuma periculosidade social” (STF, HC 114.097-PA, Segunda Turma, DJe
14/4/2014). Nessa linha, o princípio da insignificância revela-se, segundo
entendimento doutrinário, importante instrumento que objetiva restringir a
aplicação literal do tipo formal, exigindo-se, além da contrariedade normativa,
a ocorrência efetiva de ofensa relevante ao bem jurídico tutelado (tipicidade
material). A par disso, se de um lado a omissão no pagamento de tributo
relativo à importação de mercadorias é suportada como irrisória pelo Estado,
nas hipóteses em que uma conduta omissiva do agente (um deslize) não ultrapasse
o valor de R$ 10 mil, de outro lado não se pode considerar despida de
lesividade (sob o aspecto valorativo) a conduta de quem, reiteradamente, omite
o pagamento de tributos sempre em valor abaixo da tolerância estatal,
amparando-se na expectativa sincera de inserir-se nessa hipótese de exclusão da
tipicidade. Nessas circunstâncias, o desvalor da ação suplanta o desvalor do
resultado, rompendo-se, assim, o equilíbrio necessário para a perfeita
adequação do princípio bagatelar, principalmente se considerada a possibilidade
de que a aplicação desse instituto, em casos de reiteração na omissão do
pagamento de tributos, serve, ao fim, como verdadeiro incentivo à prática do
descaminho. Desse modo, quanto à aplicação do princípio da insignificância é
preciso considerar que, “se de um lado revela-se evidente a necessidade e a
utilidade da consideração da insignificância, de outro é imprescindível que sua
aplicação se dê de maneira criteriosa. Isso para evitar que a tolerância
estatal vá além dos limites do razoável em função dos bens jurídicos
envolvidos. Em outras palavras, todo cuidado é preciso para que o princípio não
seja aplicado de forma a estimular condutas atentatórias aos legítimos
interesses dos supostos agentes passivos e da sociedade” (STJ, AgRg no REsp
1.406.355-RS, Quinta Turma, DJe 7/4/2014). Ante o exposto, a reiteração na
prática de supressão ou de elisão de pagamento de tributos justifica a continuidade
da persecução penal. Precedente citado do STJ: RHC 41.752-PR, Sexta Turma, DJe
7/4/2014. Precedente citado do STF: HC 118.686-PR, Primeira Turma, DJe
3/12/2013. RHC 31.612-PB, Rel.
Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014.
DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME
DE PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO.
Não é possível afastar a tipicidade material do porte de substância
entorpecente para consumo próprio com base no princípio da insignificância,
ainda que ínfima a quantidade de droga apreendida. A despeito da
subsunção formal de determinada conduta humana a um tipo penal, é possível se
vislumbrar atipicidade material da referida conduta, por diversos motivos,
entre os quais a ausência de ofensividade penal do comportamento em análise.
Isso porque, além da adequação típica formal, deve haver uma atuação seletiva,
subsidiária e fragmentária do Direito Penal, conferindo-se maior relevância à
proteção de valores tidos como indispensáveis à ordem social, a exemplo da
vida, da liberdade, da propriedade, do patrimônio, quando efetivamente
ofendidos. A par disso, frise-se que o porte ilegal de drogas é crime de perigo
abstrato ou presumido, visto que prescinde da comprovação da existência de
situação que tenha colocado em risco o bem jurídico tutelado. Assim, para a
caracterização do delito descrito no art. 28 da Lei 11.343/2006, não se faz
necessária a ocorrência de efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a
realização da conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado.
Isso porque, ao adquirir droga para seu consumo, o usuário realimenta o comércio
ilícito, contribuindo para difusão dos tóxicos. Ademais, após certo tempo e
grau de consumo, o usuário de drogas precisa de maiores quantidades para
atingir o mesmo efeito obtido quando do início do consumo, gerando, assim, uma
compulsão quase incontrolável pela próxima dose. Nesse passo, não há como negar
que o usuário de drogas, ao buscar alimentar o seu vício, acaba estimulando
diretamente o comércio ilegal de drogas e, com ele, todos os outros crimes
relacionados ao narcotráfico: homicídio, roubo, corrupção, tráfico de armas
etc. O consumo de drogas ilícitas é proibido não apenas pelo mal que a
substância faz ao usuário, mas, também, pelo perigo que o consumidor dessas
gera à sociedade. Essa ilação é corroborada pelo expressivo número de relatos de
crimes envolvendo violência ou grave ameaça contra pessoa, associados aos
efeitos do consumo de drogas ou à obtenção de recursos ilícitos para a
aquisição de mais substância entorpecente. Portanto, o objeto jurídico tutelado
pela norma em comento é a saúde pública, e não apenas a saúde do
usuário, visto que sua conduta atinge não somente a sua esfera pessoal, mas
toda a coletividade, diante da potencialidade ofensiva do delito de porte de
entorpecentes. Além disso, a reduzida quantidade de drogas integra a própria
essência do crime de porte de substância entorpecente para consumo
próprio, visto que, do contrário, poder-se-ia estar diante da hipótese do
delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006. Vale
dizer, o tipo previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006 esgota-se, simplesmente,
no fato de o agente trazer consigo, para uso próprio, qualquer substância
entorpecente que possa causar dependência, sendo, por isso mesmo, irrelevante
que a quantidade de drogas não produza, concretamente, danos ao bem jurídico
tutelado. Por fim, não se pode olvidar que o legislador, ao editar a Lei
11.343/2006, optou por abrandar as sanções cominadas ao usuário de drogas,
afastando a possibilidade de aplicação de penas privativas de liberdade e
prevendo somente as sanções de advertência, de prestação de serviços à
comunidade e de medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo, conforme os incisos do art. 28 do referido diploma legal, a fim de
possibilitar a sua recuperação. Dessa maneira, a intenção do legislador foi a
de impor ao usuário medidas de caráter educativo, objetivando, assim, alertá-lo
sobre o risco de sua conduta para a sua saúde, além de evitar a reiteração do
delito. Nesse contexto, em razão da política criminal adotada pela Lei 11.343/2006,
há de se reconhecer a tipicidade material do porte de substância entorpecente
para consumo próprio, ainda que ínfima a quantidade de droga apreendida.
Precedentes citados: HC 158.955-RS, Quinta Turma, DJe 30/5/2011; e RHC
34.466-DF, Sexta Turma, DJe 27/5/2013. RHC 35.920-DF, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014.
DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DE AGRAVANTE GENÉRICA NO CASO DE CRIME
PRETERDOLOSO.
É possível a aplicação da agravante genérica do art. 61, II, “c”, do CP
nos crimes preterdolosos, como o delito de lesão corporal seguida de morte
(art. 129, § 3º, do CP). De início, nos termos do art. 61, II,
“c”, do CP, são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem
ou qualificam o crime, ter o agente cometido o crime à traição, de emboscada,
ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível
a defesa do ofendido. De fato, apesar da existência de controvérsia doutrinária
e jurisprudencial, entende-se que não há óbice legal ou incompatibilidade
qualquer na aplicação da citada agravante genérica aos crimes preterdolosos.
Isso porque, nos crimes qualificados pelo resultado na modalidade preterdolosa,
a conduta-base dolosa preenche autonomamente o tipo legal e o resultado culposo
denota mera consequência que, assim sendo, constitui elemento relevante em sede
de determinação da medida da pena. Ademais, o art. 129, § 3º, do CP descreve
conduta dolosa que autonomamente preenche o tipo legal de lesões corporais,
ainda que dessa conduta exsurja resultado diverso mais grave a título de culpa,
consistente na morte da vítima. Assim, no crime de lesão corporal seguida de
morte, a ofensa intencional à integridade física da vítima constitui crime
autônomo doloso, cuja natureza não se altera com a produção do resultado mais
grave previsível mas não pretendido (morte), resolvendo-se a maior
reprovabilidade do fato no campo da punibilidade. Além do mais, entende a
doutrina que nos casos de lesões qualificadas pelo resultado, o tipo legal de
crime é o mesmo (lesão corporal dolosa), não se alterando o tipo fundamental,
apenas se lhe acrescentando um elemento de maior punibilidade. REsp 1.254.749-SC, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/5/2014.