terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Artigo: PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR NOS CONFLITOS DE COMÉRCIO ELETRÔNICO BRASILEIRO

CONSUMER DEFENSE IN BRAZILIAN E-COMMERCE CONFLICTS

Jéssyca Pereira de Araújo, bacharel em Direito pela Faculdade CNEC/INESC de Unaí/MG, Brasil.
Giselle Borges Alves, advogada; Especialista em Direito Processual Civil; professora no curso de Direito na Faculdade CNEC/INESC de Unaí/MG.

Resumo
Em razão do aumento de reclamações perante os órgãos de defesa do consumidor e do Poder Judiciário advindos de conflitos do e-commerce, o presente estudo procurou verificar a eficácia da aplicação do Código de Defesa do Consumidor no comércio eletrônico brasileiro. A pesquisa aborda os aspectos gerais, benefícios e prejuízos das aquisições realizadas via web, bem como realiza um estudo sobre a legislação pátria de proteção e defesa do consumidor com intuito de demonstrar as falhas e acertos legislativos, bem como a necessária evolução das normas adotadas nestas práticas comerciais.
Palavras-chave: comércio eletrônico, consumidor, direitos.
Abstract
Considering the increase in complaints before the organs of consumer protection and the Judiciary arising from conflicts of e-commerce, this study verified the efficacy of applying the Consumer Protection Code in the Brazilian e-commerce. The research deals with general aspects, benefits and losses from purchases made via web, as well as conducts a study on homeland protection laws and consumer affairs with the purpose of demonstrate the legislative flaws and successes, and the necessary evolution of the standards adopted in these business practices.
Key-words: e-commerce, consumer, rights.

1.                  INTRODUÇÃO

Com a evolução da sociedade e o crescimento tecnológico, o homem aprendeu a comercializar de outras formas inclusive através da rede mundial de computadores. A internet passa a ser uma ferramenta utilizada hodiernamente pelas pessoas em diversas tarefas de seu cotidiano para resolução de problemas simples e de situações mais complexas; ela trouxe também a possibilidade de realizar as práticas comerciais de fornecimento de produtos e serviços com rapidez e comodidade. Devido a esses fatores, a prática do comércio por meios eletrônicos está se expandindo a passos largos. Segundo dados da e-bit, empresa reconhecida como a mais respeitada fonte de informações do segmento de desenvolvimento do comércio eletrônico no Brasil, em 2012 o setor obteve um faturamento de R$ 22,5 bilhões ao longo do ano, 20% maior que o ano anterior, sendo R$ 66,7 milhões de pedidos de compras de produtos ou serviços. Estima-se que 42,2 milhões de consumidores utilizam do comércio eletrônico.
Na data de criação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990) não era popularizada na sociedade brasileira o uso da internet, tampouco a prática de comércio eletrônico. Assim, não foram editadas normas específicas sobre proteção e defesa do consumidor no comércio virtual que englobassem problemas como vendas e aquisições, contratos, ofertas de produtos e serviços, publicidade, pagamentos eletrônicos e serviços de pós-venda. A vulnerabilidade do consumidor ficou maior com o advento do e-commerce, pois na maioria das vezes o interlocutor é leigo e não consegue reconhecer precisamente as características de uma empresa que oferece produtos e serviços pela internet. Constantemente ocorrem denúncias perante o Serviço de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON) e ao Poder Judiciário que envolve conflitos de interesses diante de relações travadas no comércio eletrônico (e-commerce). Apesar do conforto e comodidade de comprar sem sair de casa, o consumidor se vê diante de várias dificuldades para ajustar seus interesses com o fornecedor, que muitas vezes sequer possui uma sede física.  O sentimento do consumidor, na maioria das vezes, é de lesão aos seus interesses quando o produto ou serviço não atende suas expectativas e eles não sabem como agir nesses casos.
Diante das situações delineadas nos conflitos diários que envolvem o e-commerce, surgem algumas questões que nortearam esta pesquisa: quais os aspectos positivos e negativos nas relações de comércio eletrônico? Até que ponto as normas do Código de Defesa do Consumidor são suficientes para garantir os direitos dos consumidores perante os conflitos no comércio eletrônico brasileiro? As respostas a estes questionamentos serão delineadas no decorrer do estudo.

2. SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO

O comércio eletrônico é uma modalidade de compra diferenciada da tradicional, pois não há o deslocamento do consumidor até o estabelecimento físico para escolha do produto que melhor o satisfaça. Nesta modalidade, o consumidor irá comprar aquilo que lhe é descrito pela foto meramente ilustrativa ou determinado produto que é vinculado à marca de um fornecedor com bons preceitos de qualidade e garantia.
O surgimento do e-commerce, segundo Barbieri (2013) coincide com o aparecimento da internet, que foi desenvolvida nos Estados Unidos com a ideia de conectividade entre computadores. A internet surgiu devido à necessidade de manter a comunicação em meio à guerra entre dirigentes políticos e comandantes militares. Em 1962, o governo americano começou a desenvolver sistemas compostos por diversificados pontos armazenadores de conteúdo, como forma de garantir, caso o Pentágono fosse atingido, a integridade das rotas alternativas de transmissão.
Barbieri (2013) elucida que no ano de 1967, universidades e institutos de pesquisa norte-americanos, foram chamados para operacionalizar o projeto, dando então, início à ARPAnet, precursora da internet. O e-mail foi a primeira utilização da rede, seguido pelos grupos de discussão em linha. Em 1983, a ARPAnet deixou seu caráter militar e passou a ter propósitos de pesquisa. Em 1990 houve o encerramento da ARPAnet e o consequente nascimento da internet, que passou a ser explorada em todo o mundo. O primeiro provedor comercial no mundo, a World, foi inaugurado em 1990, e já no ano seguinte foi criado o primeiro programa que garantia a privacidade na rede, o Preety Good Privacy, e teve início a World Wide Web, fato que deu início a era do comércio eletrônico.
De acordo com Finkelstein (2011), a internet no Brasil surgiu em 1988, quando bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP), demonstraram a necessidade de utilizar a internet, depois de retornarem de cursos nos Estados Unidos, pois sentiam a falta do intercâmbio mantido no exterior com outras instituições científicas. Em 1991, uma linha internacional foi ligada à rede da FAPESP, para então ser liberado o acesso à Internet a instituições educacionais, fundações de pesquisa, entidades sem fins lucrativos e órgãos governamentais. No ano de 1995, o Ministério das Comunicações e o Ministério da Ciência e Tecnologia publicaram uma portaria que criou a figura do provedor de aceso privado, liberando a operação comercial no Brasil. Em 25 de maio daquele ano, nasceu a internet comercial no país e foi o banco Bradesco o responsável por lançar o primeiro site “.com.br” (FINKESLTEIN, 2011).
Várias são as definições jurídico-doutrinárias para o comércio eletrônico. Lorenzetti (2004, p. 69) define o comércio eletrônico como “[...] todas as atividades que tenham por fim o intercâmbio, por meios eletrônicos, de bens físicos e de bens digitais ou imateriais, o resultado é que teremos relações jurídicas daí oriundas”. Vidonho Júnior (2013) conceitua comércio eletrônico como uma forma de comércio à distância, sem limite territorial, onde o estabelecimento e o consumidor são interligados, através de uma rede de computadores que pode ser a internet.
​O Brasil ocupa a terceira posição[1] em quantidade de usuários ativos na internet, cerca de 52,5 milhões. No primeiro e segundo lugares estão Estados Unidos com 198 milhões e Japão 60 milhões, respectivamente. Os internautas brasileiros gastam em média 43 horas e 57 minutos navegando na net e grande parte deste tempo é acesso a sites de e-commerce. O diretor geral da e-bit, Pedro Guasti (2013), afirma que atualmente 43 milhões de consumidores já realizaram pelo menos uma compra on-line no Brasil, os dois principais fatores determinantes para esse crescimento de e-consumidores no Brasil são o forte crescimento econômico do país e o ritmo de entrada das classes C e D.

De forma ilustrativa, abaixo segue gráfico comparativo sobre a evolução do comércio eletrônico, no período de 2001 a 2012:



Fonte: www.e-commerce.org.br, ano 2013.

Os dados apresentados no gráfico acima trazem a significativa evolução nos últimos cinco anos. Entre 2008 e 2009 houve um crescimento de 4,3 milhões de consumidores no e-commerce; de 2009 para 2010 o crescimento foi de 5,5 milhões de consumidores; e de 2011 a 2012 o aumento foi de 11 milhões, alcançando o patamar de 43 milhões de consumidores no comércio eletrônico brasileiro. Bortoletto (2013) afirma que a rede mundial de computadores representou um novo ciclo para a humanidade com valorização das negociações on-line com aumento de investimentos no mundo virtual, inclusive de segmentos tradicionais como os setores ligados à área de educação e ensino, bem como as atividades de natureza bancária.

Para ilustrar os lucros advindos do avanço da comercialização de produtos e serviços on line, segue abaixo gráfico ilustrativo das arrecadações em bilhões de reais no período de 2001 a 2012 do e-commerce no Brasil:



Fonte: e-Bit - www.e-commerce.org.br.2013[2]
Na amostragem acima foi contabilizado faturamento de sites de vendas de produtos e serviços, com levantamento foi realizado nos anos de 2001 a 2012, e apontou uma significativa variação no ano de 2006 com 76% de aumento em comparação com o ano de 2005, totalizando em R$ 4,40 bilhões de reais a arrecadação no e-commerce. Entre 2007 a 2009 a variação foi de 33% e 43%; em 2010 a variação foi de 40% atingindo mais de R$ 14 bilhões de reais em vendas; já em 2011, a variação foi apenas de 26% que resultou em um faturamento de R$ 18 bilhões; o ano de 2012 obteve uma variação 20% maior que o ano anterior, totalizando em R$ 22,5 bilhões em compras (e-BIT, 2013).

2.1  Pontos positivos e negativos do comércio eletrônico

A evolução do comércio eletrônico reflete diretamente na economia brasileira, principalmente nas relações entre consumidores e fornecedores onde a comunicação e visualização dos produtos e serviços oferecidos são diferentes da forma tradicional de venda direta. Assim, é possível destacar vários pontos positivos, contudo há sempre que se refletir sobre os aspectos negativos.
Salgarelli (2010) destaca as principais vantagens para as empresas no comércio eletrônico, quais sejam: aumento das margens de lucro devido a celeridade das transações comerciais, redução no custo de processo que utiliza papéis (aquisição, manuseio, postagem), fornecimento de serviço mais rápidos e eficientes, bem como melhor divulgação da marca. No mesmo ínterim, o autor aponta como vantagens para os consumidores virtuais a variedade produtos que são oferecidos pela empresa, bem como a diversidade que se pode notar de um mesmo produto em diferentes sites e a comodidade em se adquiri-los: “[...] Basta navegar pelas páginas da web para realizar um verdadeiro passeio virtual entre prateleiras e vitrines, com imensa gama de produtos que aguardam apenas um click para serem consumidos”.
Para Lima (2010) as principais vantagens para o empreendedor ter seu próprio e-commerce são: funcionamento 24 horas por dia, pois a loja virtual sempre estará aberta para receber o cliente disponível para comprar em qualquer hora; vendas sem limites territoriais, pois o fornecedor pode vender pra qualquer região do país ou mesmo em escala mundial, aumentando a margem de divulgação e lucro; bem como o acompanhamento direto das vendas, através do próprio sistema. As vantagens de acompanhamento de todos os passos da transação comercial pelo fornecedor (pedidos, faturamento, satisfação do cliente, acompanhamento de estoque), traz comodidade e maior controle ao empresário.
Lima (2010) aponta que o comércio eletrônico permite ao fornecedor comerciante trabalhar com produtos de diversos segmentos, utilizando o depósito do fornecedor industrial, produtor ou fabricante, sem a necessidade de um depósito próprio que armazene tudo de uma só vez. Há também a flexibilidade promocional, pois realizar a divulgação da loja on-line e das promoções relâmpagos é bem simples se forem comparadas aos negócios tradicionais. Destaca-se também a igualdade de oportunidade, pois empresas de grande, médio e pequeno porte tem a mesma oportunidade de trabalhar a comunicação com o cliente. Há também o custo baixo, em razão da empresa on-line ser infinitamente mais barata a manutenção do que a abertura de uma loja física que tem custos com aluguel, energia elétrica, água, maior número de funcionários e outros encargos. A flexibilidade de horário de trabalho também é importante, tendo em vista que não há necessidade de cumprir um esquema fixo de horários, o que permite a conciliação com outro emprego, seja privado ou público. Entretanto, é importante destacar que quanto mais dedicação os resultados, mais rápido será o crescimento das vendas on-line (LIMA, 2010).
São notórios os pontos positivos que comércio eletrônico trouxe para os fornecedores, que atingem um número enorme de clientes e, consequentemente, o alcance de maior lucro se comparado a uma empresa física; também são claros os pontos positivos para os consumidores diante da eficiência e agilidade do e-commerce. Contudo essa modalidade de comercializar também apresenta pontos negativos. Salgarelli (2010) afirma que as reclamações mais comuns dos consumidores quando adquirem produtos da internet estão ligados a problemas de vício, defeitos, atrasos no prazo de entrega, dificuldade na devolução da mercadoria e falta de segurança no envio de dados para efetuar pagamento. Reclamações como estas também estão diretamente ligadas à proteção do consumidor quanto aos riscos de sua vulnerabilidade no mercado, quanto a publicidade invasiva, a presença de cláusulas abusivas, a insegurança tecnológica e a responsabilização por danos e problemas relacionados à informação.
Finkelstein (2011, p.281) esclarece que a confiança deve ser um fator primordial para minimizar os problemas que surgem no e-commerce: “[...] cabe aos fornecedores e estudiosos da informática desenvolver níveis cada vez mais seguros nas operações, eis que a confiança está intimamente ligada à segurança das transações”. Desta forma, a segurança no comércio eletrônico será alcançada pela regulação e adaptação de normas que disciplinam esta prática comercial.
É crescente também o número de golpes no comércio eletrônico, conforme foram identificados na cartilha de segurança em internet da CERT.br[3]: golpe de site falso (phishing), onde o golpista cria um site similar ao original e induz clientes a fornecerem dados pessoais e financeiros achando que são verdadeiros; golpe de site de comércio eletrônico fraudulento, em que o golpista cria sites com objetivo de enganar clientes, após efetuarem o pagamento não recebem a mercadoria, bem como ofertas para compras coletivas, assim conseguem atingir um grande número de pessoas; golpe em site de leilão de venda de produtos, onde o golpista usa um site de leilão para oferecer produtos que nunca serão entregues, podendo usar dados pessoais e de financeiras envolvidas na transação.
Portanto, o e-commerce possui diversos pontos negativos, contudo as vantagens que propõe aos fornecedores e consumidores são imensuráveis, é uma inovação sem precedentes, o que possibilitou uma nova espécie de contrato distinto dos já conhecidos. O acordo de vontades oriundo desse tipo de relação jurídica passou a ser denominado pela maioria da doutrina brasileira de contrato eletrônico.

2.2  Os Contratos eletrônicos

Os contratos surgiram das relações do homem na sociedade e advém dos negócios realizados entre as pessoas, onde se percebeu a necessidade de criar normas com capacidade de regular as relações privadas impondo limites para equilibrar as partes. O contrato no âmbito civil, como ensina Gagliano (2006, p. 11), é “negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades”, ou seja, as partes irão decidir os limites contratuais e o efeito patrimonial que pretendem atingir com este negócio jurídico. Assim, o contrato pode ser definido como um acordo de duas ou mais vontades, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial (DINIZ, 2007).
O contrato eletrônico diferencia-se do contrato tradicional pelo meio empregado em sua celebração, pois os contratos celebrados por meio eletrônico têm sua declaração de vontade expressa através do meio de transferência de dados digitais. Assim, o lugar da contratação é a própria internet, e não o local da formação conforme seria admitido se o contrato fosse realizado entre presentes. A definição do local exato da formação do contrato eletrônico é imprescindível para interpretação deste, uma vez que será fator determinante para ingressar futuramente com uma ação judicial caso haja algum conflito de interesses entre as partes (SALGARELLI, 2010).
Quanto aos requisitos do contrato eletrônico, estes não diferem do contrato civil comum realizado entre pessoas presentes fisicamente, deve estabelecer os sujeitos da relação jurídica base, o objeto e a forma da negociação. Quanto ao objeto do contrato, este é um acordo que regula interesses e, portanto, deve ser lícito, possível, determinado uma vez que a ilicitude ocasiona a nulidade do contrato. Quanto ao sujeito, deve haver a declaração de vontade das partes contratantes, podendo ser verbal, escrita, direta ou indireta, expressa ou tácita. A proposta deve ser completa, constituindo a aceitação do consumidor na aquiescência da proposta, que só terá efeito se consistir em adesão plena.
A normatização dos contratos de natureza consumerista possui singularidades, mas em grande parte seus requisitos são comuns aos demais contratos de natureza civil e mercantil. A clareza das informações e das propostas deve ser sobressalente e também precisam ser adotadas estas características frente aos pactos comerciais realizados na rede mundial de computadores. Entretanto, os contratos eletrônicos comerciais também desafiam o legislador brasileiro, diante das constantes inovações tecnológicas diárias. Alcançar por meio legislativo a regulamentação pormenorizada das relações jurídicas travadas em âmbito digital ainda é um dos grandes dilemas da atualidade, dadas as grandes e rápidas mutações que ocorrem nos meios e formas de efetivação do comércio eletrônico.

3. OS DESAFIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR PERANTE O COMÉRCIO ELETRÔNICO

Diante da falta de uma legislação específica para atos praticados na internet surgem dificuldades de colocar em prática alguns direitos consagrados pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, o comércio eletrônico desafia a legislação posta para a defesa do consumidor. Os principais desafios a serem observados no e-commerce são relativos ao cumprimento da oferta, à publicidade enganosa, às cláusulas abusivas nos contatos eletrônicos, a efetivação da garantia do direito de arrependimento, entre outros.

3.1  A vulnerabilidade do consumidor no e-commerce

O comércio eletrônico criou uma nova realidade para o mundo virtual com avanços e possibilidades diversas sobre aquisição de produto e serviço via internet, mas com ele temos condições de maior vulnerabilidade do consumidor em razão das características das transações. O consumidor na medida em que não tem acesso ao sistema produtivo e às condições de seu funcionamento, bem como não possui facilidade em obter informações específicas sobre o produto e serviço oferecidos, foi agraciado pelo legislador com o reconhecimento legislativo de sua vulnerabilidade frente ao fornecedor, conforme previsto no art. 4º inciso I, do CDC, tratando-se de princípio norteador de efetivação das normas de todo o direito consumerista.
Nunes (2007, p. 577) afirma que a vulnerabilidade está diretamente ligada à “escolha” do consumidor: “[...] o consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, a obtenção de lucro”. O fornecedor escolhe o quê e quando produzir, enquanto o consumidor está a mercê daquilo que é produzido.
De acordo com Marques (2009, apud Barros de Lima, 2013, p.127), o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é de vital importância para a efetiva tutela de seus direitos:
A vulnerabilidade é o princípio base de toda a ordem consumerista, pois, é ele que dá sentido à proteção do consumidor, porque de outra forma se poderia considerar inconstitucionais as relações ocorridas atualmente sem a sua presença, haja vista o conflito que passaria a existir com o principio da isonomia contido na Constituição Federal (art. 5º, caput, CF).
Neste sentido, Cavalieri Filho (2011, p. 47) afirma que “[...] a vulnerabilidade é um estado da pessoa, uma situação permanente ou provisória que fragiliza o consumidor. Há uma presunção absoluta de vulnerabilidade, iuris et iure em favor de todos os consumidores [...]”. Desta forma, não se presume a vulnerabilidade da pessoa jurídica e do profissional quando se tratar de consumo intermediário, sendo necessária a prova concreta desta condição. A vulnerabilidade é uma qualidade intrínseca dos que se colocam na posição de consumidor, ou seja, como destinatário final do produto ou serviço adquirido.
É importante destacar que a vulnerabilidade não se confunde com hipossuficiência, como elucida Cavalieri Filho (2011), pois este trata de conceito ligado a aspectos processuais, um critério a ser analisado pelo juiz em face do caso concreto que prevê alguns tratamentos diferenciados, por exemplo, a inversão do ônus da prova. Já a vulnerabilidade é uma qualidade intrínseca para todos consumidores, sejam pobres, ricos, educados, ignorantes ou espertos. A grande maioria da doutrina define três espécies de vulnerabilidade: fática, técnica e jurídica.
A vulnerabilidade fática se caracteriza pelo poder econômico que uma parte impõe a outra, consiste no reconhecimento da fragilidade do consumidor frente ao fornecedor que, por sua posição de monopólio, o coloca em uma situação de superioridade em face do consumidor. A vulnerabilidade técnica se caracteriza quando o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço adquirido, pois grande parte dos produtos ofertados no mercado possuem complexas especificações técnicas de difícil compreensão para o consumidor. Já a vulnerabilidade jurídica é caracterizada pela falta de informação do consumidor a respeito dos seus direitos, dificuldade de acesso a assistência jurídica, bem como a falta de conhecimentos jurídicos específicos dos direitos e deveres inerentes à relação de consumo (CAVALIERI FILHO, 2011).
De acordo com Marques (2010) a vulnerabilidade do consumidor no e-commerce é ampliada, o motivo seria o meio utilizado, a internet. Na opinião deste autor, a maioria dos sites de vendas não oferece a mínima segurança ao consumidor. Morais Filho (2009, p. 28) também adverte que é possível afirmar a criação de uma nova espécie de vulnerabilidade, qual seja a eletrônica:
A criação do e-commerce não se insere como um mero desdobramento da vulnerabilidade técnica, pois aqui não se trata apenas da questão da falta de informação que todos os consumidores virtuais possuem, mas um verdadeiro universo, um mundo virtual, repleto de peculiaridades que aumentam a vulnerabilidade do consumidor.
Morais Filho (2009, p.30) também afirma que o consumidor é naturalmente vulnerável em qualquer relação de consumo devido à diversidade entre o consumidor e fornecedor, entretanto “[...] caberá ao Poder Judiciário preencher as lacunas existentes devido à falta de legislação específica, aplicando integralmente o CDC afim de que o consumidor, verdadeiro leigo digital, não arque com as armadilhas existentes na rede”. Assim, a vulnerabilidade é agravada pela utilização práticas abusivas no mundo virtual, o que faz com que o princípio da vulnerabilidade deva ser aplicado de maneira contínua nas questões referentes às relações de consumo do e-commerce, devendo o consumidor estar atento aos aspectos positivos e negativos que este meio comercial oferece.
Há que se discutir também o papel do legislador e dos dispositivos legais existentes para uma regulamentação efetiva do comércio eletrônico. A análise dos pontos positivos e negativos, bem como da eficácia das normas existentes é que possibilitará dirimir os conflitos advindos dessa relação.

3.2            A aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor

A expansão do e-commerce despertou o interesse dos juristas sobre a incidência das leis consumeristas no ambiente virtual, principalmente quanto a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. As transações comerciais realizadas por meio digital trouxeram tanto agilidade para as partes, como também dificuldades no âmbito da defesa do consumidor em matéria de jurisdição e aplicação das leis. Silva (2011) ensina que da mesma forma que o e-commerce deixou mais ágil as atividades empresariais e de consumo, também trouxe maior dificuldade de ordem prática e jurídica, principalmente quanto à aplicação da legislação existente:
Uma parte da doutrina entende que o Código de Proteção e de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/90) é totalmente aplicável a estas relações, enquanto outra parte admite a total aplicabilidade do código, porém com carência de algumas modificações e atualizações, e outros poucos acreditam que seria necessário a existência de uma lei específica para regular as relações de consumo na internet.
Neste sentido, Silva (2011) afirma que “[...] apesar do CDC não dispor de normas específicas sobre comércio eletrônico, este se aplica integralmente às relações jurídicas de consumo estabelecidas no ambiente digital [...]”. Assim, existem várias situações em que se pode aplicar a normas do Código de Defesa do Consumidor nos conflitos de comércio eletrônico. Em relação à oferta, por exemplo, Silva (2011) retrata o Art. 31 do CDC que assegura ao consumidor informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
A oferta é uma proposta de celebração de um contrato que a pessoa faz à outra. Rodrigues (1995, p.65 apud Cavalieri Filho 2011, p.145) ensina que “[...] a proposta é a oferta dos termos em negócio, convidando a outra parte com eles concordar”. Constitui ato jurídico unilateral aquele que faz a proposta, convida aquele que recebe a proposta a contratar, apresentando os termos em se dispõe a fazê-lo. Cavalieri Filho (2011, p.168) afirma no mesmo sentido que “[...] a proposta deve ser precisa, completa, trazendo cláusulas essenciais do contrato, principalmente em relação à coisa e ao preço; dirigida a seu destinatário [...]”. A oferta integra o contrato que, conforme dispõe o Código de Defesa do Consumidor, obriga o fornecedor a cumpri-la caso o contrato seja celebrado entre as partes. Este fenômeno é conhecido como princípio da vinculação à oferta.
Portanto, a oferta dirigida ao consumidor, conforme previsão do Art. 31 do diploma consumerista, destaca o dever de assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre as características essenciais e riscos de uso dos produtos e serviços. Segundo Finkelstein (2011), a oferta precisa ser extremamente criteriosa com as informações veiculadas, sendo necessária a realização de revisões constantes.
Quanto à publicidade, aplicam-se os artigos 36 e 38 do CDC, assim, nos contratos eletrônicos de consumo é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva, pois não é permitido inserir informações que induzam o consumidor a erro, a atividades de risco ou ao exercício de práticas ilegais, tais como a incitação à violência ou discriminação de qualquer espécie (SILVA, 2011).
A publicidade para Barreto (2012) pode ser definida como qualquer forma de oferta, comercial e massificada tendo um patrocinador identificado, sendo um instrumento de influência sobre as decisões do consumidor. Finkelstein (2011, p.244) afirma que “[...] qualquer publicidade que contenha os elementos essenciais de um contrato deve ser considerada como uma oferta vinculante [...]”, ou seja, a publicidade configura uma oferta, o fornecedor tem que cumprir seus termos, devendo ter atenção nas informações veiculadas.
Neste sentido Barbieri (2013, p. 91) afirma que caso o ciberconsumidor aceite a proposta contida na mensagem publicitária, ele e o fornecedor estarão vinculados ao acordo:
Diante destes aspectos, tem-se entendido no Brasil que a publicidade ao ciberconsumidor feita por e-mail, homepages, spam, entre outros, caso apresente os elementos essenciais do contrato como a descrição sobre as qualidades do ou serviço e o preço, configura oferta pública e verdadeira proposta contratual.
Em relação à garantia, Silva (2011) ensina que é plenamente aplicável o Art. 26, incisos I e II do CDC, que estabelece o prazo de garantia legal de 30 dias para os produtos não-duráveis e 90 dias para os duráveis; em relação aos sistemas de bancos de dados e cadastros, o consumidor tem direito a ter acesso a todos seus dados e registros, sendo plenamente aplicável o Art. 43, caput do CDC, que estabelece que o consumidor pode exigir a correção de qualquer informação, total ou parcialmente, equivocada.
Em relação ao direito de arrependimento sempre houve discussão na doutrina jurídica pátria sobre a possibilidade de aplicação do disposto no artigo 49 do CDC para o comércio eletrônico, tendo em vista que a norma garante ao consumidor o prazo de sete dias a contar da assinatura do contrato ou recebimento da mercadoria, para a troca do produto ou devolução da quantia paga. A título de exemplo Ulhôa (2011, p. 252 apud Finkelstein, 2011, p.49) não aceita a aplicação do direito de arrependimento ao comércio eletrônico, porque não se trata de negócio concretizado fora do estabelecimento do fornecedor: “[...] o consumidor está em casa ou no trabalho, mas acessa o estabelecimento virtual do empresário; encontra-se por isso na mesma situação de quem se dirige ao estabelecimento físico”.
Finkelstein (2011), ao contrário, traz duas hipóteses em que o consumidor goza do direito de arrependimento: a compra por impulso, quando é abordado por vendedores ambulantes fora do estabelecimento comercial, em seu domicílio quando está vulnerável a técnicas agressivas de vendas, e em compras realizadas a distância, como pelo telefone em que o consumidor não tem contato com o bem que está adquirindo. 
Um aspecto relevante do direito de arrependimento, que também suscita controvérsia, são as despesas de devolução do produto ao fornecedor. Para Andrade (2006) e a doutrina minoritária entendem que o consumidor deve arcar com o ônus da devolução do produto já que foi ele que teve a iniciativa do contrato. Contudo, de acordo com a doutrina majoritária e no entendimento de Nery Júnior (2013), o ônus de arcar com as despesas de devolução é do fornecedor, sendo vedada a transferência ao consumidor.
A operação de processamento e remessa do produto no e-commerce gera custos, basicamente, como aponta Salgarelli (2010), estes custos são referentes à infraestrutura e tecnologia, quais sejam: apresentação eletrônica de bens e serviços, recebimento de pedidos na internet e faturamento, automatização dos pedidos, pagamentos pela internet e gerenciamento de transações e cadeia de abastecimento automatizada. Assim, os custos decorrentes do direito de arrependimento serão arcados pelo fornecedor, por se tratar de despesa natural da atividade, aplicando o principio da boa-fé objetiva.
O direito de arrependimento ganha enfoque ainda mais divergente, quando se trata de produtos e serviços ligados a aquisição de software. Salgarelli (2010) questiona a aplicação do direito de arrependimento neste caso, pois na aquisição de software há uso imediato do produto através da instalação no computador assim que é efetuado o download. Como o consumidor poderá desistir de algo que foi automaticamente instalado, ou que garantia tem o fornecedor que o produto realmente foi desinstalado? Em razão disto os fornecedores e a doutrina jurídica trabalharam em uma solução:
O referido programa necessita de constantes atualizações para que continue sendo útil ao consumidor, após o tempo contratado gratuitamente (um ano), o consumidor precisa fazer uma atualização (através de download), oportunidade na qual, se o software não estiver regularizado, seu funcionamento será bloqueado. Portanto, soluções são criadas para exercer certo controle sobre instalações imediatas, contudo incensurável que, neste particular, os fornecedores encontram-se sujeitos a abusos que podem ser facilmente praticados por consumidores que agem de má-fé (SALGARELLI, 2010, p. 106).
A finalidade das normas consumeristas é proteger a parte mais fraca da relação jurídica de consumo de abusos que podem ser impostos pelo mercado ao consumidor principalmente quando a compra for realizada fora do estabelecimento comercial. Assim, com o advento do o Decreto-Lei nº 7.962 de 15 de março de 2013, foi pacificada a controvérsia existente sobre o direito de arrependimento nos contratos eletrônicos através do artigo 5º[4] insculpido na referida norma. Por este dispositivo o fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.
Em continuidade à análise da aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao comércio eletrônico, Silva (2011) conclui que existem alguns conflitos que não possuem regulamentação específica, como exemplo o fornecedor que tem sede em outro país, pois neste caso o consumidor terá dificuldades para se resguardar, tendo em vista o silêncio da lei consumerista na facilitação da defesa dos direitos do prejudicado. Neste caso é notória a necessidade de normas específicas conferindo maior garantia ao consumidor contratante.
Em 2010, com a comemoração de 20 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, uma comissão de juristas presidida pelo ministro Antônio Herman Benjamin, foi formada para discutir a necessidade de atualização do código, com garantias para maior proteção do consumidor:
A ideia da comissão é atualizar o Código, vale dizer manter todos os direitos já previstos que estão lá e tratar de matérias que na época não receberam atenção suficiente porque o tema não estava maduro ou porque a tecnologia não existia. Vamos estar tratando de dois temas que não são fáceis, são complexos, o crédito, que é um universo que envolve inúmeras questões de toda ordem e o comércio eletrônico que envolve inclusive aspectos da tecnologia (BENJAMIN, INFORMATIVO STJ, 2012).
Neste sentido, o ministro Herman Benjamin faz referência à complexidade do comércio eletrônico que era uma tecnologia que não existia ou não estava pronta para ser discutida, atualmente a matéria merece uma atenção especial. É destaque que o Código de Defesa do Consumidor é uma das leis mais modernas do mundo, mas nem por isso é desnecessária sua atualização:
Esse código tem algumas lacunas que estávamos precisando que elas fossem corrigidas, os organizadores, os relatores do Código, inclusive o ministro Herman Benjamin, me alertou que é necessário que se faça algumas alterações que são necessárias para que ele possa funcionar. Esse é um tema que muito interessa diretamente a cidadania (JOSÉ SARNEY, INFORMATIVO STJ, 2012).
Desta forma, desde o ano de 2010 começaram a tramitar projetos para traçar melhores diretrizes para os direitos do consumidor, principalmente quanto ao comércio eletrônico. Até meados de agosto de 2012 foram realizadas 37 audiências públicas com Senadores, Procuradores da República e especialistas em Direito do Consumidor, para discutirem sobre três anteprojetos apresentados pela comissão de juristas presidida pelo ministro Herman Benjamin, quais sejam: comércio eletrônico, superendividamento do consumidor e ações coletivas. Entretanto, sabe-se que o processo legislativo é moroso e deve ser discutido por especialistas. Assim, um acordo entre o Senado e o Governo Federal foi firmado e resultou na sanção do Decreto-Lei nº 7.962, de 15 de março de 2013, que dispõe sobre a contratação no comércio eletrônico, que entrou em vigor em 14 de maio de 2013 (MONTEIRO, 2013).
O Decreto-Lei nº 7.962/2013 é composto por nove artigos que traçam diretrizes sobre: atendimento facilitado do consumidor com informações claras e precisas do fornecedor; o dever das lojas virtuais disponibilizar sede física e informações como o número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), o nome empresarial, endereço, discriminação quanto às ofertas, preços, prazos e disponibilidade de entrega, bem como descrever de forma clara produtos serviços oferecidos; apresentar o contrato ao consumidor, confirmar imediatamente o recebimento da oferta, manter um serviço de atendimento de qualidade, utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor (MONTEIRO, 2013).
A nova normatização também aponta diretrizes para compras coletivas, para a elaboração do site/loja virtual que deverá informar de forma explícita e simplificada a quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato; dever de informar a garantia do direito de arrependimento que implica a possibilidade de rescisão dos contratos sem qualquer ônus para o consumidor, sendo que o fornecedor deve informar de forma clara e ostensiva os meios adequados e eficazes para o exercício; os contratos eletrônicos também deverão observar o cumprimento das condições da oferta como a entrega dos produtos e serviços contratados, observados os prazos estipulados na negociação, a quantidade, qualidade e adequação do produto ou serviço, sob pena de aplicação do disposto no Art. 56 do Código de Defesa do Consumidor (MONTEIRO, 2013).
As regras traçadas pelo Decreto-Lei nº 7.962/2013 tem a finalidade dirimir os conflitos, aprimorar a segurança nas contratações, ampliar o acesso à informação sobre os produtos e serviços, bem como evidenciar as condições das contratações por meio da internet. Segundo Araújo (2013), as novas regras determinam atendimento facilitado ao consumidor e o respeito ao direito de arrependimento, regulamenta contratações no comércio eletrônico quanto ao cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produtos e serviços de acordo com prazos, quantidade, qualidade e adequação. Entretanto, apesar do decreto trazer regras contidas em projetos de lei que tramitam no Senado Federal, inclusive o anteprojeto de atualização do CDC, estes continuarão em tramitação no Congresso (SENADO, 2013).
Ainda sobre a finalidade do Decreto-Lei nº 7.962/2013, afirma o canal do Portal Brasil do Governo Federal:
A lei também complementa o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que não trazia essa proteção de maneira específica. O não cumprimento desse decreto pelo e-commerce pode gerar as mesmas penalidades, que são aplicadas pelo Código de Defesa do consumidor, aos estabelecimentos comerciais físicos.
Desta forma, é inevitável a discussão quanto à aplicabilidade do CDC para dirimir os conflitos no comércio eletrônico, bem como a promulgação de novas leis de atualização deste código que vigora há quase 25 anos no Brasil. Contudo, um dos escopos que deve ser buscado pelos legisladores e especialistas em defesa e proteção do consumidor é que o e-commerce seja uma modalidade de compra e venda mais segura para o consumidor.
Para verificar a aplicabilidade do CDC nos conflitos de comércio eletrônico, vejamos alguns julgados que possibilitarão uma análise jurisprudencial. Inicialmente segue ementa de julgado proveniente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em que foi analisado um conflito de e-commerce decorrente de compra de um computador que apresentou vício de qualidade:
DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPUTADOR QUE APRESENTA VÍCIO DE QUALIDADE. DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA. DANO MORAL CONFIGURADO. NEGADA REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. A controvérsia deve ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo código de defesa do consumidor (Lei 8.078/1990), que por sua vez regulamenta o direito fundamental de proteção do consumidor (art. 5º, XXXII, da Constituição Federal) (TJDFT, Apelação cível do Juizado Especial, Relator: Hector Valverde Santana. Processo nº 20110410238987. Julgado em 25/09/2012).
No julgado acima o recorrido alegou que adquiriu pelo site de comércio eletrônico da primeira recorrente um computador fabricado pela segunda recorrente. Contudo, o produto apresentou defeito com pouco tempo de uso. O litígio não foi solucionado pelos recorrentes, o que levou o consumidor ao Poder Judiciário para solucionar o conflito. O juiz de primeiro grau fundamentou sua decisão com base no Código de Defesa do Consumidor, com fulcro no art. 18, § 1º onde estabelece que não sendo o vício sanado, no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir a substituição do produto por outro da mesma espécie, ou abatimento proporcional do preço, bem como a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, condenando as fornecedoras do produto na restituição do valor pago e em uma indenização por danos morais. Assim, verifica-se a plena aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) na resolução da controvérsia, o que foi confirmado em segunda instância, julgando improcedente o recurso das empresas fornecedoras.
No Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais também é recorrente o ajuizamento de demandas que envolvem conflitos originários do comércio eletrônico. Abaixo segue ementa de julgado que será analisado:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR -COMPRA E VENDA PELA INTERNET - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - NÃO ENTREGA DOS PRODUTOS ADQUIRIDOS E QUITADOS - RESPONSABILIDADE DA FORNECEDORA - CABIMENTO - DANO MORAL CONFIGURADO. (TJMG, Processo: Apelação cível nº 1.0284.10.004133-4/001, Relator: Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira. Data de julgamento: 31/05/2012).
Trata-se de um conflito de entrega do produto, onde o consumidor adquiriu dois produtos pelo site da recorrente e estes não lhe foram entregues. O recorrente alegou que as mercadorias adquiridas não puderam ser entregues no prazo contratado, por falha operacional da transportadora encarregada das entregas e afirmou a culpa exclusiva de terceiro. O relator Evandro Lopes da Costa Teixeira fundamentou que a relação jurídica existente entre as partes litigantes é tipicamente de consumo, aplicando-se o CDC no caso, respondendo o recorrente objetivamente, conforme previsão do art. 14. O recurso foi julgado improcedente pelo relator que afirmou, ainda, que a atitude das fornecedoras configuram um grave desrespeito para com o consumidor que ficou meses impedido de utilizar as mercadorias compradas no site da recorrente, causando-lhe frustrações e angústia diante da espera da entrega dos produtos.
Portanto, verifica-se a partir da amostragem dos julgados acima que o Código de Defesa do Consumidor é aplicado cotidianamente pelos tribunais nos conflitos que envolvem o comércio eletrônico, mesmo não havendo norma específica e clara sobre a aplicação do diploma consumerista a este meio de comercialização. É norma de aplicação lato sensu, independentemente da forma e meio de contratação, bastando que a relação jurídica enquadre-se como sendo de natureza consumerista.

4. CONCLUSÃO

O surgimento do comércio eletrônico impactou grandes mudanças na economia, nas relações entre consumidores e fornecedores, no perfil dos consumidores, nos contratos, expandiu-se nas redes sociais e sites de relacionamentos, e hodiernamente abrange toda a sociedade sem limite territorial.
O comércio eletrônico propõe desafios perante os direitos do consumidor quanto à oferta e publicidade enganosa, cláusulas abusivas nos contatos eletrônicos, direito de arrependimento - que recentemente foi regulamentado pelo Decreto-Lei nº 7.962/13, tornando-o sem ônus ao consumidor. Há aspectos negativos que são inerentes a esta prática comercial diante da insegurança em relação aos dados pessoais que podem ser utilizados indevidamente ou quanto às dificuldades para resolver qualquer controvérsia inerente às características intrínsecas do produto ou serviço, por exemplo.
Entretanto, diante dos pontos positivos como a comodidade e rapidez das compras, a facilidade de pesquisa de preços e ofertas, a elasticidade de funcionamento das lojas on-line, entre outros, o consumidor não deixará de utilizar esta modalidade comercial, que tende a ter expansão cada vez maior nos próximos anos. Com as mudanças de hábito e perfil dos consumidores é necessário que sejam adotadas medidas para regulamentar todos os atos praticados no comércio eletrônico, de tal modo que as empresas fornecedoras e os consumidores tenham a garantia de que suas transações realizadas em meios eletrônicos sejam seguras e os direitos de ambas as partes sejam respeitados. A confiança é condição prévia para que empresas e consumidores utilizem o comércio eletrônico.
A partir da análise doutrinária e jurisprudencial empreendida, verificou-se que não é necessária a modificação substancial do Código de Defesa do Consumidor para que possa efetivamente aplicar este diploma legal aos conflitos de comércio eletrônico brasileiro.  Porém, em virtude da constante evolução da sociedade, é importante que o legislador estabeleça normas que tenham a finalidade de proteger e defender exclusivamente o consumidor perante o e-commerce, e consequentemente que estas normas possam agir em caráter preventivo aos conflitos, para assim desafogar o Judiciário e os órgãos administrativos dos inúmeros litígios consumeristas provenientes de práticas comerciais realizadas por meio eletrônico.
Assim, conclui-se que o Código de Defesa do Consumidor é um diploma que consagra um sistema completo, mesmo após 25 anos de sua criação, por possuir em seu corpo regras, princípios, penalidades, defesa coletiva e individual para consumidores, sendo aplicado há toda e qualquer relação de consumo, independente de onde seja celebrado o contrato ou o meio utilizado para esta celebração.

5. REFERENCIAL

ANDRADE, Ronaldo Alves. Curso de direito do Consumidor. 1º Ed., Manole: Tamboré – São Paulo, 2006.

ARAÚJO, Janaína. O Comércio eletrônico já tem regulamentação. 2013. Senado. Disponível em: http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2013/05/21/comercio-eletronico-ja-tem-regulamentacao. Acesso em: 16/11/2014.

BARBIERI, Diovana. A proteção do consumidor no Comércio Eletrônico, estudo comparado à luz dos ordenamentos jurídicos brasileiro e português. 1. ed., Juruá: Curitiba, 2013.

BARRETO, Ricardo de Macedo Menna. Redes sociais na internet e direito, a proteção do consumidor no Comércio Eletrônico. 1. Ed., Juruá, Curitiba, 2012.

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BRASIL. Decreto-lei nº 7.962 de 15 de março de 2013. Regulamenta a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Câmara dos Deputados. DOU 15. 03. 2013. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2013/decreto-7962-15-marco-2013-775557-norma-pe.html. Acesso em 06/11/2014.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo: 20110410238987. Apelação cível do juizado especial. Relator Hector Valverde Santana. Julgado em: 25/09/2012. Disponível em: <http://pesquisajuris.tjdft.jus.br>. Acesso em: 30/11/14.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo: 1.0284.10.004133-4/001 0041334-52.2010.8.13.0284. Apelação cível. Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira. Data de julgamento: 31/05/2012. Disponível em: . Acesso em: 30/11/14.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.

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[1] Os dados são do Net Insight, estudo sobre internet do IBOPE Media.
[2] A pesquisa não contabilizou vendas de automóveis, passagens aéreas e leilões on-line.
[3]CERT.br - O Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil é mantido pelo NIC.br, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, e atende a qualquer rede brasileira conectada à Internet. 
[4] Art. 5º.  O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.§ 1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.§ 2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.§ 3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que: I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado. [...] § 4o O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.

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Artigo originalmente publicado pela revista científica "Ampliando", v. 2. n. 2, ano 2015, da FACERB/RJ. Clique aqui para ter acesso ao texto original.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Concurso público: Juiz pode anular questão de concurso da área jurídica, diz TRF-2

Notícia originalmente publicada no site Conjur (link)

Considerando que o juiz é um conhecedor do Direito, ele pode analisar pedidos de anulação de questões de concurso público na área jurídica. Seguindo esse entendimento, a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região considerou correta a decisão de um juiz que determinou a anulação de duas questões de um concurso da Advocacia-Geral da União e que a banca organizadora desse os pontos das questões somente ao candidato que questionou na Justiça.
A União e a Fundação Universidade de Brasília (FUB) alegaram que a liminar concedida ao candidato viola os princípios da isonomia entre os concorrentes — porque todos os candidatos devem ser vinculados ao instrumento convocatório — e o da separação dos poderes — uma vez que o Judiciário, segundo os apelantes, ao alterar o gabarito das provas objetivas, substituiu a banca examinadora, interferindo no mérito administrativo.
Entretanto, o desembargador federal Ricardo Perlingeiro, relator do processo no TRF-2, apesar de reafirmar que as normas do edital devem ser as mesmas para todos os candidatos, ressaltou que o eventual acolhimento da impugnação judicial proposta por um único candidato não viola o princípio da isonomia. “Não há como subtrair do cidadão o direito de invocar do Estado a prestação jurisdicional para satisfazer um direito subjetivo público qualquer ou, ainda, condicionar essa prestação jurisdicional à propositura de uma ação coletiva de iniciativa de terceiros”, esclareceu.
Em relação à possibilidade de questionamento em juízo de provas de concurso, Perlingeiro destacou que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento com repercussão geral reconhecida, firmou entendimento de que não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reapreciar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, mas ressalvou a ocorrência de inconstitucionalidade e ilegalidade (RE 632.853).
Para o relator, a orientação do STF é compatível com o entendimento doutrinário, mas se refere a situações em que o magistrado não tem habilitação ou não tem maior habilitação (em relação às autoridades) para controlar o conteúdo (de discricionariedade e de apreciação) das decisões administrativas. O que não se aplica aos casos em que o pedido de anulação refere-se a questões de concurso público da área jurídica, pois, nesses casos, o juiz tem conhecimento técnico do assunto, de modo que pode apreciar matéria de Direito, dispensando, inclusive, a produção de prova pericial.
Dessa forma, os dez itens questionados pelo candidato foram analisados pelo juízo da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que acolheu o pedido com relação a dois deles. A análise foi confirmada no TRF-2, bem como a determinação de que os pontos referentes a esses itens fossem atribuídos ao candidato. Feito isso, se o acréscimo fosse suficiente para habilitá-lo às fases seguintes do concurso, foi previsto que isso fosse providenciado.
Assim, a 5ª Turma Especializada do TRF-2, por unanimidade, negou a apelação e manteve a decisão da primeira instância, favorável ao candidato. O único reparo à sentença foi com relação ao dispositivo da sentença que previa o pagamento retroativo de salários atrasados, caso o candidato chegasse a assumir o cargo. Segundo o relator, os tribunais superiores já firmaram entendimento em sentido diverso. 
“O STJ entende que ‘nas hipóteses de nomeação de candidatos aprovados em concurso público por força de decisão judicial, mostra-se inviável a retroação dos efeitos quanto ao período compreendido entre a data em que deveriam ter sido nomeados e a efetiva investidura no serviço público, para fins de pagamento de vencimentos atrasados ou, mesmo, de indenização’ (STJ, MS 19.227)”, destacou o relator em seu voto. 
Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-2
Processo nº 0010703-16.2003.4.02.5101

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Processo Civil: quem não faz parte do processo tem cinco dias para ação incidente após decisão final


Fonte: STJ (link)

Antes de uma decisão final da Justiça, não há prazo para que uma pessoa que não faz parte da ação judicial, mas que se sinta prejudicada pela sentença, possa se manifestar no processo (embargos de terceiros). Esse foi o entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar um recurso envolvendo decisão que determinava o envio para um depósito dos móveis de uma casa alugada pela Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) devido a uma ação de despejo.
Na primeira instância, o juiz não reconheceu o prazo máximo de cinco dias, fixado no artigo 1.048 do Código de Processo Civil (CPC), alegando que esse limite não se aplica nos casos em que se discute execução provisória de decisão na carta de sentença (documento emitido pelo Judiciário que contém as determinações de uma sentença a ser cumprida e outros documentos do processo). No recurso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a decisão do juiz. No STJ, o relator, ministro Moura Ribeiro, considerou também que, enquanto não há uma sentença definitiva – o chamado trânsito em julgado –, a ação pode ser proposta “a qualquer tempo”.
Moura Ribeiro salientou que o STJ, em outras decisões, já admitiu que o embargo de terceiro pode ser ajuizado até mesmo após o trânsito em julgado da sentença, “sob o fundamento de que a coisa julgada é fenômeno que só diz respeito aos sujeitos do processo, não atingindo terceiros”.
No voto, o ministro relator ressaltou ainda que a determinação judicial de enviar os móveis da TFP para um depósito não significava uma decisão definitiva. “No caso, não houve a transferência dos bens, que se encontram sob custódia judicial, no aguardo da solução da demanda”, disse.


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O estabelecimento de garantias e prioridades para o processo justo e efetivo: análise dos artigos 1º a 15 do Código de Processo Civil de 2015.


Estudos do Novo Código de Processo Civil:

O estabelecimento de garantias e prioridades para o processo justo e efetivo: análise dos artigos 1º a 15 do Código de Processo Civil de 2015.

Giselle Borges Alves
Advogada em Minas Gerais e professora no curso de Direito da Faculdade CNEC Unaí
Texto elaborado e publicado em 10/12/2015.

O novo Código de Processo Civil - Lei 13.105 de 06 de março de 2015 -, abre o Livro I trazendo normas de conteúdo hermenêutico que irão nortear a aplicação de todas as demais normas contidas no Código. O título único trata das normas fundamentais e traça diretrizes de aplicação das normas processuais civis.
No artigo 1º é possível perceber que o novo Código de Processo Civil consagra a visão constitucional do processo, ao estabelecer que todo o processo civil deverá ser ordenado, disciplinado e interpretado de acordo com o valores supremos estabelecidos pela Carta Política nacional, consagrando a visão de que o processo civil não é uma seara estanque ou desvinculada dos fundamentos da República e das garantias individuais e coletivas.
O artigo 2º traz disposição conhecida pelos operadores do direito: o princípio da inércia da jurisdição. Assim, continua a regra processual que estabelece que o processo apenas inicia por provocação da parte, mas que deverá se desenvolver por impulso oficial, ressalvadas apenas as exceções legalmente previstas. Assim, a jurisdição inicialmente é inerte, mas uma vez provocada os atos processuais deverão ser impulsionados pelo Estado-juiz sem a necessária insistência das partes, estas deverão se pronunciar apenas quando necessário ao deslinde dos fatos ou quando provocadas pela própria jurisdição.
O artigo 3º traça a garantia fundamental estabelecida pela Constituição Federal de 1988, quanto a inafastabilidade da prestação jurisdicional, ou seja, por literalidade do artigo que retrata norma já insculpida na Carta Suprema no artigo 5º inciso XXV, não será excluída da apreciação do Poder Judiciário ameaça ou lesão a direito.
Nos parágrafos 1º a 3º do artigo 3º da nova norma processual há a consolidação dos meios alternativos de resolução de conflitos, como aptos a prestar satisfatoriamente o amparo esperado pelo cidadão na resolução de controvérsias. Assim, o Código de Processo Civil de 2015, admite a arbitragem e prioriza a realização da conciliação, onde esta, por sua vez, deverá de todas as formas ser estimulada, por todas as partes e intervenientes no processo (juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público).
O artigo 4º trouxe o dever do Estado-juiz de oferecer aos jurisdicionados uma rápida e efetiva solução dos litígios, mediante um prazo razoável de duração do trâmite processual. Temos, portanto, o princípio da celeridade processual de forma explícita no novo texto processual.
O princípio da boa-fé de eficácia processual também veio insculpido no artigo 5º, estabelecendo que todas as partes e intervenientes no processo devem agir imbuídos de ética na produção dos atos, contribuindo para a resolução efetiva do conflito, praticando os atos necessários sem qualquer abuso no seu exercício. Assim, o princípio da boa-fé processual está também diretamente ligado ao princípio cooperativo ou princípio de colaboração processual plena, estabelecido no artigo 6º da norma processual. Pelo princípio colaborativo, as partes devem realizar os atos de forma a obter em tempo razoável uma decisão justa e efetiva. Neste sentido, os atos praticados com boa-fé pelas partes, visando ao deslinde satisfativo, colaboram para que o processo chegue ao seu final priorizando a verdade processual.
O artigo 7º do novo Código de Processo, em sua primeira parte, consagra o princípio da isonomia processual, determinando a necessidade de paridade de tratamento das partes no exercício de direitos e faculdades processuais, como também na utilização de mecanismos de defesa, na distribuição equânime e legal dos ônus e deveres processuais. Em sua última parte o artigo 7º estabelece que a isonomia processual também equivale ao zelo do magistrado pelo contraditório efetivo. Aliás, os princípios do contraditório e da ampla defesa, possuem enorme ênfase no novo texto processual civil pátrio. Ambos os princípios ganham destaque no artigo 7º ao 10º, sempre priorizando a possibilidade das partes pronunciarem-se e o direito de serem ouvidas previamente.
O artigo 8º traz diretrizes para a aplicação da lei processual pelo magistrado, instruindo quando a sua atuação para priorizar os fins sociais, o bem comum e a promoção da dignidade da pessoa humana. Afirma, ainda, na parte final, a necessidade de observância dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência, lembrando-o que o magistrado faz parte da administração pública, e como ente do Estado deve proporcionar um processo justo.
O artigo 9º garante à parte o direito de ser ouvido previamente às decisões (possibilidade do contraditório e ampla defesa plenos), e as únicas exceções ao mandamento seriam a tutela provisória de urgência e a tutela de evidência, esta última apenas nas situações descritas no artigo 311, incisos II e III, que trazem respectivamente, a concessão da tutela de evidência na hipótese das alegações de fato serem fundadas em provas documentais e houver tese firmada em julgamento de recursos repetitivos ou em súmula vinculante; bem como, na situação do pedido de tutela de evidência ser reipersecutório fundado em prova documental adequada ao contrato de depósito.
O artigo 10 do diploma processual de 2015, conforme afirmado anteriormente, traz normatizado também o princípio do contraditório pleno, estabelecendo a proibição para os magistrados de proferirem decisões, em qualquer grau de jurisdição, com base em fundamento que não tenha dado as partes a opção de pronúncia, ou seja, o uso de fundamentação decisória “surpresa”, mesmo que seja sobre matéria que caiba ao magistrado decidir de ofício, como por exemplo, a prescrição. Portanto, o novo Código de Processo Civil traz o dever do contraditório efetivo em todas as instâncias e não só com relação aos fatos e fundamentos apresentados pela parte contrária, mas também quanto aos fundamentos não alegados por nenhuma das partes, mas que fatalmente podem ser utilizados pelo juiz em sua decisão. É dever do magistrado também agir com boa-fé e apresentar às partes todas as situações jurídicas que podem ter influência relevante no processo.
O artigo 11 também segue como corolário do dever de lealdade processual não só das partes, mas também do Estado-juiz, com a consagração plena do princípio da publicidade dos atos processuais, ressalvado os casos que envolvam segredo de justiça, e o princípio da motivação substantiva das decisões judiciais, de forma que as partes consigam compreender todas as razões fáticas e jurídicas que ampararam as deliberações interlocutórias ou finais dos feitos.
Uma das grandes novidades do diploma processual de 2015 em relação ao de 1939 é a normatização descrita no artigo 12 que consagra o julgamento cronológico por meio de listas. A novidade visa dar concretude aos princípios explícitos da celeridade e eficiência processuais. Por este regramento tanto os juízes de primeira instância como os tribunais de segundo grau e tribunais superiores, deverão guardar observância à ordem cronológica para proferir sentenças e acórdãos, sendo que estas listas de processos devem ser públicas e os meros requerimentos formulados pelas partes, que não impliquem reabertura de instrução ou conversão do julgamento em diligência, não estão aptos a retirar o processo da ordem em que se encontram na lista cronológica.
No entanto, vários atos estão excluídos da regra do julgamento cronológico. Para conhecimento destes atos é imperiosa a leitura do §2º do artigo 12 do novo código de processo, o que se recomenda ao leitor.
O §6º do artigo 12 também traz a necessidade de observância de prioridade de julgamento para os processos que tiverem sua sentença ou acórdão anulado, salvo quando houver necessidade de realização de diligências ou complementação da instrução, bem como também deve ser dada prioridade aos processos que se enquadrem na situação descrita pelo artigo 1040, inciso II, ou seja, quando uma vez publicado acórdão paradigma por outra instância, o órgão que proferiu a decisão recorrida, na origem, reexaminar o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior.

Portanto, na análise das disposições iniciais do novo Código de Processo Civil é possível verificar que o diploma pede uma interpretação pautada em normas principiológicas e que os operadores do Direito, bem como as partes e qualquer interveniente no processo, devem estar abertos para um novo modo de pensar o processo de modo a evitar abusos e a priorizar as garantias processuais, ao mesmo tempo garantindo uma duração razoável de todos os procedimentos com vistas a um processo justo e efetivo.




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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

STJ define prazo prescricional para restituição de tributos pagos indevidamente

Fonte: STJ (link)

O prazo prescricional das ações de restituição de tributos pagos indevidamente, sujeitos a lançamento por homologação, é de cinco anos, contado a partir do pagamento, quando a ação for ajuizada após a Lei Complementar 118/05. Para as ações propostas antes da lei, aplica-se a tese dos cinco anos mais cinco.
O entendimento foi firmado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento de um recurso que tramita sob o rito dos repetitivos, conforme artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC). Cadastrado como Tema 169, o recurso discutiu a incidência de Imposto de Renda sobre verbas pagas a título de auxílio-condução.
Os ministros da seção confirmaram a posição do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que afirmou não incidir Imposto de Renda sobre verba paga a título de ajuda de custo pelo uso de veículo próprio no exercício das funções profissionais.

Recomposição

O auxílio-condução é uma compensação pelo desgaste do patrimônio dos servidores, que utilizam veículos próprios para o exercício da sua atividade. Não há acréscimo patrimonial no caso, mas uma mera recomposição ao estado anterior sem o incremento líquido necessário à qualificação de renda.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do recurso, afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o RE 566.621, sob o regime da repercussão geral, confirmou a inconstitucionalidade do artigo 4º da Lei Complementar 118/05. Com isso, ele reafirmou o entendimento de que nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, quando não houver homologação expressa, o prazo para a repetição de indébito (devolução) é de dez anos a contar do fato gerador.
Entretanto, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo é de cinco anos para as ações ajuizadas após a LC 118/05. Para as demandas ajuizadas antes da vigência da lei, aplica-se a tese dos cinco mais cinco anos, firmada no REsp 1.269.570, de a relatoria do ministro Mauro Campbell Marques.



terça-feira, 17 de novembro de 2015

STF: Direito de Resposta - Natureza Jurídica - Autonomia Constitucional – Funções - RE 683.751/RS



EMENTA: DIREITO DE RESPOSTA. AUTONOMIA CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, INCISO V). CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO INDEPENDENTEMENTE DE REGULAÇÃO LEGISLATIVA. ESSENCIALIDADE DESSA PRERROGATIVA FUNDAMENTAL, ESPECIALMENTE SE ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA SOCIEDADE QUE VALORIZA O CONCEITO DE “LIVRE MERCADO DE IDEIAS” (“FREE MARKETPLACE OF IDEAS”). O SENTIDO DA EXISTÊNCIA DO “MERCADO DE IDEIAS”: UMA METÁFORA DA LIBERDADE? A QUESTÃO DO DIREITO DIFUSO À INFORMAÇÃO HONESTA, LEAL E VERDADEIRA: O MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. “A PLURIFUNCIONALIDADE DO DIREITO DE RESPOSTA” (VITAL MOREIRA, “O DIREITO DE RESPOSTA NA COMUNICAÇÃO SOCIAL”) OU AS DIVERSAS ABORDAGENS POSSÍVEIS QUANTO À DEFINIÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DESSA PRERROGATIVA FUNDAMENTAL: (a) garantia de defesa dos direitos de personalidade, (b) direito individual de expressão e de opinião, (c) instrumento de pluralismo informativo e de acesso de seu titular aos órgãos de comunicação social, inconfundível, no entanto, com o direito de antena, (d) garantia do “dever de verdade” e (e) forma de sanção ou de indenização em espécie. A FUNÇÃO INSTRUMENTAL DO DIREITO DE RESPOSTA (DIREITO-GARANTIA?): (1) NEUTRALIZAÇÃO DE EXCESSOS DECORRENTES DA PRÁTICA ABUSIVA DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE COMUNICAÇÃO JORNALÍSTICA; (2) PROTEÇÃO DA AUTODETERMINAÇÃO DAS PESSOAS EM GERAL; E (3) PRESERVAÇÃO/RESTAURAÇÃO DA VERDADE PERTINENTE AOS FATOS REPORTADOS PELOS MEIOS DE DIFUSÃO E DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. O DIREITO DE RESPOSTA/RETIFICAÇÃO COMO TÓPICO SENSÍVEL E DELICADO DA AGENDA DO SISTEMA INTERAMERICANO: A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 14) E A OPINIÃO CONSULTIVA Nº 7/86 DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. A OPONIBILIDADE DO DIREITO DE RESPOSTA A PARTICULARES: A QUESTÃO DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. NECESSÁRIA SUBMISSÃO DAS RELAÇÕES PRIVADAS AO ESTATUTO JURÍDICO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DIREITOS DA PERSONALIDADE: ESPAÇO DE POTENCIAL CONFLITUOSIDADE. TENSÃO DIALÉTICA ENTRE POLOS CONSTITUCIONAIS CONTRASTANTES. SUPERAÇÃO DESSE ANTAGONISMO MEDIANTE PONDERAÇÃO CONCRETA DOS VALORES EM COLISÃO. RESPONSABILIZAÇÃO SEMPRE “A POSTERIORI” PELOS ABUSOS COMETIDOS NO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITO À INTEGRIDADE MORAL (HONRA, INTIMIDADE, PRIVACIDADE E IMAGEM) E AO RESPEITO À VERDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 220, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CLÁUSULA QUE CONSAGRA HIPÓTESE DE “RESERVA LEGAL QUALIFICADA”. O PAPEL DO DIREITO DE RESPOSTA EM UM CONTEXTO DE LIBERDADES EM CONFLITO. ACÓRDÃO QUE CONDENOU O RECORRENTE, COM FUNDAMENTO NA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL (E NÃO NA LEI DE IMPRENSA), A EXECUTAR OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA PUBLICAÇÃO DE SENTENÇA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA (“ASTREINTE”). DECISÃO RECORRIDA QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.

DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário contra decisão que, emanada do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e confirmada em sede de embargos de declaração, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INTRUMENTO. AÇÃO PENAL PRIVADA. CRIME CONTRA A HONRA. LEI Nº 5.250/67. PUBLICAÇÃO DE SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM JORNAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. BENEFICIÁRIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. FIXAÇÃO DE ‘ASTREINTE’. COMINAÇÃO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. POSSIBILIDADE.
O fato de ser o agravante beneficiário da assistência judiciária gratuita não o isenta do custo do cumprimento da obrigação de fazer, consistente na publicação de sentença de improcedência proferida em ação penal privada.
A sentença contrária ao pedido do querelante faz nascer para o querelado, que foi o vencedor, a faculdade de exigir do querelante que a sentença seja publicada em jornal pela parte perdedora. Assim, embora não seja um efeito imediato da sentença, sendo requerido pelo querelado, deve o autor da queixa proceder à publicação, independentemente de ser ou não beneficiário de assistência judiciária gratuita.
Tratando-se, a publicação de sentença, de obrigação de fazer, é cabível a fixação de multa, nos termos do art. 461, § 4º, do CPC, que faculta ao juiz a imposição de multa diária quando da imposição do cumprimento da obrigação de fazer, não sendo abusivo o valor da ‘astreinte’, de R$ 50,00 por dia de descumprimento.
Viável também a determinação da Magistrada de submeter o agravante às sanções pertinentes ao crime de desobediência, em caso de descumprimento.
Precedente do E. STJ.

REVOGAÇÃO DA LEI DE IMPRENSA. DIREITO DE RESPOSTA. ‘STATUS’ CONSTITUCIONAL.
Considerando que o direito de resposta possui ‘status’ constitucional (artigo 5º, V, da CRFB), eventual ausência de lei, diante da revogação da Lei de Imprensa pelo STF, não impede o exercício dessa prerrogativa.
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AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO EM DECISÃO UNÂNIME.”
(AGRAVO REGIMENTAL nº 70032900326, Rel. Des. JOSÉ ANTÔNIO HIRT PREISS – grifei)
A parte ora recorrente sustenta, neste apelo extremo, que o acórdão recorrido teria violado diversos preceitos inscritos na Constituição da República.
O E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao proferir a decisão objeto do presente recurso extraordinário, bem sintetizou a questão básica a ser examinada por esta Suprema Corte, assinalando que “o fato de o E. STF haver revogado a Lei de Imprensa não significa que se tenha tornado inviável o direito de resposta. Ocorre que o direito de resposta no Brasil já ganhou ‘status’ constitucional (artigo 5º, V, da CRFB). Por essa razão, eventual ausência de lei, diante da revogação da Lei de Imprensa pelo STF, não impedirá o exercício daquela prerrogativa” (grifei).
Sendo esse o contexto, cabe reconhecer que o presente recurso extraordinário revela-se inviável, eis que a pretensão de direito material nele deduzida encontra, ela mesma, óbice na orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou no exame da matéria.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, na decisão final da ADPF 130/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO, ao julgar procedente o pedido formulado naquela sede processual, o fez sem prejuízo do regular exercício do direito de resposta previsto no art. 5º, inciso V, da própria Constituição:

“11. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, ‘de eficácia plena e de aplicabilidade imediata’, conforme classificação de José Afonso da Silva. ‘Norma de pronta aplicação’, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta.” (grifei)

O direito de resposta, como se sabe, foi elevado à dignidade constitucional, no sistema normativo brasileiro, a partir da Constituição de 1934, não obstante a liberdade de imprensa já constasse da Carta Política do Império do Brasil de 1824.
O art. 5º, inciso V, da Constituição brasileira, ao prever o direito de resposta, qualifica-se como regra impregnada de suficiente densidade normativa, revestida, por isso mesmo, de aplicabilidade imediata, a tornar desnecessária, para efeito de sua pronta incidência, a “interpositio legislatoris”, o que dispensa, por tal razão, ainda que não se lhe vede, a intervenção concretizadora do legislador comum.
Isso significa que a ausência de regulação legislativa, motivada por transitória situação de vácuo normativo, não se revela obstáculo ao exercício da prerrogativa fundada em referido preceito constitucional, que possui densidade normativa suficiente para atribuir, a quem se sentir prejudicado por publicação inverídica ou incorreta, direito, pretensão e ação cuja titularidade bastará para viabilizar, em cada situação ocorrente, a prática concreta da resposta e/ou da retificação.
É interessante assinalar, por oportuno, que o direito de resposta somente constituiu objeto de regulação legislativa, no Brasil, com o advento da Lei Adolpho Gordo (Decreto nº 4.743, de 31/10/1923, arts. 16 a 19), eis que – consoante observa SOLIDONIO LEITE FILHO (“Comentários à Lei de Imprensa”, p. 188, item n. 268, 1925, J. Leite Editores) – “Não havia na legislação anterior à lei de imprensa nenhum dispositivo regulando o direito de resposta” (grifei).
O que me parece relevante acentuar, neste ponto, é que a ausência de qualquer disciplina ritual regedora do exercício concreto do direito de resposta não impede que o Poder Judiciário, quando formalmente provocado, profira decisões em amparo e proteção àquele atingido por publicações inverídicas ou inexatas.

É que esse direito de resposta/retificação não depende, para ser exercido, da existência de lei, ainda que a edição de diploma legislativo sobre esse tema específico possa revelar-se útil e, até mesmo, conveniente.

Vale insistir na asserção de que o direito de resposta/retificação tem por base normativa a própria Constituição da República, cujo art. 5º, inciso V, estabelece os parâmetros necessários à invocação dessa prerrogativa de ordem jurídica, tal como o decidiu, na espécie, o E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao enfatizar “que o direito de resposta possui status constitucional”, razão pela qual, presente o contexto em exame, mostrava-se desnecessária a “interpositio legislatoris”.

Correto esse julgamento, pois sempre caberá ao Poder Judiciário, observados os parâmetros em questão, garantir à pessoa lesada (ainda que se cuide do próprio jornalista) o exercício do direito de resposta.
De qualquer maneira, no entanto, a ausência, momentânea ou não, de regramento legislativo não autoriza nem exonera o Juiz, sob pena de transgressão ao princípio da indeclinabilidade da jurisdição, do dever de julgar o pedido de resposta, quando formulado por quem se sentir ofendido ou, então, prejudicado por publicação ofensiva ou inverídica.
Não se pode desconhecer que é ínsito à atividade do Juiz o dever de julgar conforme os postulados da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade, em respeito ao que está previsto no art. 126 do Código de Processo Civil (“O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”), consoante assinala, sem maiores disceptações, o magistério da doutrina (ANTÔNIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO, “Código de Processo Civil Interpretado e Anotado”, p. 405, 2ª ed., 2008, Manole; LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO, “Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo”, p. 174/175, 2008, RT; HUMBERTO THEODORO JUNIOR, “Curso de Direito Processual Civil”, vol. I/38 e 40, itens ns. 35 e 38, 50ª ed., 2009, Forense, v.g.).
Isso significa, portanto, considerado o que prescreve o art. 126 do CPC, que, em situação de “vacuum legis” (tal como sucede na espécie), o magistrado poderá valer-se de dispositivos outros – tais como aqueles existentes, p. ex., na Lei nº 9.504/97 (art. 58 e parágrafos) –, aplicando-os, no que couber, por analogia, ao caso concreto, viabilizando-se, desse modo, o efetivo exercício, pelo interessado, do direito de resposta e/ou de retificação.
O fato é que o reconhecimento da incompatibilidade da Lei de Imprensa com a vigente Constituição da República não impede, consideradas as razões que venho de expor, que qualquer interessado, injustamente atingido por publicação inverídica ou incorreta, possa exercer, em juízo, o direito de resposta, apoiando tal pretensão em cláusula normativa inscrita na própria Lei Fundamental, cuja declaração de direitos assegura, em seu art. 5º, inciso V, em favor de qualquer pessoa, “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (grifei).
O exame do contexto fático, tal como foi este soberanamente delineado pelo Tribunal de Justiça local (RTJ 152/612 – RTJ 153/1019 – RTJ 158/693, v.g.), permite-me reconhecer a compatibilidade da decisão recorrida com o texto da Constituição, notadamente no ponto em que o julgamento em causa põe em destaque a circunstância de que uma das funções subjacentes ao direito de resposta reside, primariamente, no restabelecimento e/ou na preservação da verdade, o que se pode viabilizar, entre os diversos meios de sua concreta realização, mediante publicação da sentença cujo conteúdo revele a veracidade e a correção dos fatos veiculados pelos meios de comunicação social.

O direito de resposta/retificação traduz, como sabemos, expressiva limitação externa, impregnada de fundamento constitucional, que busca neutralizar as consequências danosas resultantes do exercício abusivo da liberdade de expressão, especialmente a de imprensa, pois tem por função precípua, de um lado, conter os excessos decorrentes da prática irregular da liberdade de informação e de comunicação jornalística (CF, art. 5º, IV e IX, e art. 220, § 1º) e, de outro, restaurar e preservar a verdade pertinente aos fatos reportados pelos meios de comunicação social.

Vê-se, daí, que a proteção jurídica ao direito de resposta permite identificar, nele, uma dupla vocação constitucional, pois visa a preservar tanto os direitos da personalidade quanto assegurar, a todos, o exercício do direito à informação exata e precisa.
Mostra-se inquestionável que o direito de resposta compõe o catálogo das liberdades fundamentais, tanto que formalmente positivado na declaração constitucional de direitos e garantias individuais e coletivos, o que lhe confere uma particular e especial qualificação de índole político-juridíca.

Se é certo que o ordenamento constitucional brasileiro ampara a liberdade de expressão, protegendo-a contra indevidas interferências do Estado ou contra injustas agressões emanadas de particulares, não é menos exato que essa modalidade de direito fundamental – que vincula não só o Poder Público como, também, os próprios particulares – encontra, no direito de resposta (e na relevante função instrumental que ele desempenha), um poderoso fator de neutralização de excessos lesivos decorrentes da liberdade de comunicação, além de representar um significativo poder jurídico deferido a qualquer interessado “para se defender de qualquer notícia ou opinião inverídica, ofensiva ou prejudicial (…)” (SAMANTHA RIBEIRO MEYER-PFLUG, “Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio”, p. 86, item n. 3.2, 2009, RT).

Cabe relembrar, neste ponto, que a oponibilidade do direito de resposta a particulares sugere reflexão em torno da inteira submissão das relações privadas aos direitos fundamentais, o que permite estender, com força vinculante, ao plano das relações de direito privado, a cláusula de proteção das liberdades e garantias constitucionais, pondo em destaque o tema da eficácia horizontal dos direitos básicos e essenciais assegurados pela Constituição da República, tal como tem acentuado o magistério da doutrina (WILSON STEINMETZ, “A Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais”, 2004, Malheiros; THIAGO LUÍS SANTOS SOMBRA, “A Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Jurídico-Privadas”, 2004, Fabris Editor; ANDRÉ RUFINO DO VALE, “Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas”, 2004, Fabris Editor; INGO WOLFGANG SARLET, “A Constituição Concretizada: Construindo Pontes entre o Público e o Privado”, 2000, Livraria do Advogado, Porto Alegre; CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, “Aplicação dos Direitos Fundamentais às Relações Privadas”, “in” “Cadernos de Soluções Constitucionais”, p. 32/47, 2003, Malheiros; DANIEL SARMENTO, “Direitos Fundamentais e Relações Privadas”, p. 301/313, item n. 5, 2004, Lumen Juris; PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Associações, Expulsão de Sócios e Direitos Fundamentais”, “in” “Direito Público”, ano I, nº 2, p. 170/174, out/dez de 2003, v.g.), em lições que possuem o beneplácito da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (RTJ 164/757-758, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RTJ 209/821-822, Red. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES – AI 346.501- -AgR/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 161.243/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.).
Cabe insistir na afirmação de que qualquer pessoa (tanto quanto a própria coletividade) tem o direito de obter e de ter acesso a informações verazes, honestas e confiáveis, de tal modo que a violação desse direito, se e quando consumada, poderá justificar, plenamente, o exercício do direito de resposta.
Desse modo, longe de configurar indevido cerceamento à liberdade de expressão, o direito de resposta, considerada a multifuncionalidade de que se acha impregnado, qualifica-se como instrumento de superação do estado de tensão dialética entre direitos e liberdades em situação de conflituosidade.

O exercício dessa prerrogativa fundamental, de extração eminentemente constitucional – que pode ser identificada tanto no plano individual quanto no da metaindividualidade (GUSTAVO BINENBOJM, “Meios de Comunicação de Massa, Pluralismo e Democracia Deliberativa”) –, permite qualificá-la (examinado o tema sob uma perspectiva pluralística) como instrumento concretizador do convívio harmonioso entre as liberdades de informação e de expressão do pensamento e o direito à integridade moral e ao respeito à verdade, o que se mostra compatível com padrões que distinguem sociedades democráticas.

Torna-se importante salientar, bem por isso, que a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais – como aqueles concernentes à liberdade de informação, de um lado, e à preservação da honra e da verdade, de outro – há de resultar da utilização, pelo Poder Judiciário, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar em cada caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistério da doutrina (DANIEL SARMENTO, “A Ponderação de Interesses na Constituição Federal” p. 193/203, “Conclusão”, itens ns. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; LUÍS ROBERTO BARROSO, “Temas de Direito Constitucional”, tomo I/363-366, 2001, Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 220/224, item n. 2, 1987, Almedina; FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ, “Direito à Intimidade. Liberdade de Imprensa. Danos por Publicação de Notícias”, “in” “Constituição Federal de 1988 – Dez Anos (1988-1998)”, p. 230/231, item n. 5, 1999, Editora Juarez de Oliveira; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p. 661, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina; EDILSOM PEREIRA DE FARIAS, “Colisão de Direitos”, p. 94/101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor; WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, “Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade”, p. 139/172, 2001, Livraria do Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, “O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais”, p. 216, “Conclusão”, 2ª ed., 2000, Brasília Jurídica).
Cabe reconhecer que os direitos da personalidade (como os pertinentes à incolumidade da honra e à preservação da dignidade pessoal dos seres humanos) representam limitações constitucionais externas à liberdade de expressão, “verdadeiros contrapesos à liberdade de informação” (L. G. GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO, “Liberdade de Informação e o Direito Difuso à Informação Verdadeira”, p. 137, 2ª ed., 2003, Renovar), que não pode – e não deve – ser exercida de modo abusivo (GILBERTO HADDAD JABUR, “Liberdade de Pensamento e Direito à Vida Privada”, 2000, RT), mesmo porque a garantia constitucional subjacente à liberdade de informação não afasta, por efeito do que determina a própria Constituição da República, o direito do lesado à resposta e à indenização por danos materiais, morais ou à imagem (CF, art. 5º, incisos V e X, c/c o art. 220, § 1º).

Na realidade, a própria Carta Política, depois de garantir o exercício da liberdade de informação, inclusive jornalística, impõe-lhe parâmetros – entre os quais avulta, por sua inquestionável importância, o necessário respeito aos direitos da personalidade (CF, art. 5º, V e X) – cuja observância não pode ser desconsiderada pelos órgãos de comunicação social, tal como expressamente determina o texto constitucional (art. 220, § 1º), cabendo ao Poder Judiciário, mediante ponderada avaliação das prerrogativas constitucionais em conflito (direito de informar, de um lado, e direitos da personalidade, de outro), definir, em cada situação ocorrente, uma vez configurado esse contexto de tensão dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso concreto.

Lapidar, sob tal aspecto, o douto magistério do eminente Desembargador SÉRGIO CAVALIERI FILHO (“Programa de Responsabilidade Civil”, p. 129/131, item n. 19.11, 6ª ed., 2005, Malheiros):

“(...) ninguém questiona que a Constituição garante o direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica, ‘e de comunicação’, independentemente de censura ou licença (arts. 5º, IX, e 220, §§ 1º e 2º). Essa mesma Constituição, todavia, logo no inciso X do seu art. 5º, dispõe que ‘são invioláveis a intimidade’, a vida privada, a ‘honra’ e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’. Isso evidencia que, na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, esses dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. É tarefa do intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais em aparente conflito, porquanto, em face do ‘princípio da unidade constitucional’, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém (…).
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À luz desses princípios, é forçoso concluir que, sempre que direitos constitucionais são colocados em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela própria Lei Maior para impedir excessos e arbítrios. Assim, se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o direito à inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem, segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro.

Os nossos melhores constitucionalistas, baseados na jurisprudência da Suprema Corte Alemã, indicam o princípio da ‘proporcionalidade’ como sendo o meio mais adequado para se solucionarem eventuais conflitos entre a liberdade de comunicação e os direitos da personalidade. Ensinam que, embora não se deva atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito, no processo de ponderação desenvolvido para a solução do conflito, o direito de noticiar há de ceder espaço sempre que o seu exercício importar sacrifício da intimidade, da honra e da imagem das pessoas.
Ademais, o constituinte brasileiro não concebeu a liberdade de expressão como direito absoluto, na medida em que estabeleceu que o exercício dessa liberdade deve-se fazer com observância do disposto na Constituição, consoante seu art. 220, ‘in fine’. Mais expressiva, ainda, é a norma contida no § 1º desse artigo ao subordinar, expressamente, o exercício da liberdade jornalística à ‘observância do disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV’. Temos aqui verdadeira ‘reserva legal qualificada’, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos de personalidade em geral. Do contrário, não haveria razão para que a própria Constituição se referisse aos princípios contidos nos incisos acima citados como limites imanentes ao exercício da liberdade de imprensa.
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Em conclusão: os direitos individuais, conquanto previstos na Constituição, não podem ser considerados ilimitados e absolutos, em face da natural restrição resultante do ‘princípio da convivência das liberdades’, pelo quê não se permite que qualquer deles seja exercido de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias. Fala-se, hoje, não mais em direitos individuais, mas em direitos do homem inserido na sociedade, de tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas com enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado Social de Direito, tanto os direitos como as suas limitações.” (grifei)

Daí a procedente observação feita pelo eminente Ministro GILMAR FERREIRA MENDES, em trabalho concernente à colisão de direitos fundamentais (liberdade de expressão e de comunicação, de um lado, e direito à honra e à imagem, de outro), em que expendeu, com absoluta propriedade, o seguinte magistério (“Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional”, p. 89/96, 2ª ed., 1999, Celso Bastos Editor):
“No processo de ‘ponderação’ desenvolvido para solucionar o conflito de direitos individuais não se deve atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito. Ao revés, esforça-se o Tribunal para assegurar a aplicação das normas conflitantes, ainda que, no caso concreto, uma delas sofra atenuação. (…).
Como demonstrado, a Constituição brasileira (…) conferiu significado especial aos direitos da personalidade, consagrando o princípio da dignidade humana como postulado essencial da ordem constitucional, estabelecendo a inviolabilidade do direito à honra e à privacidade e fixando que a liberdade de expressão e de informação haveria de observar o disposto na Constituição, especialmente o estabelecido no art. 5.º, X.
Portanto, tal como no direito alemão, afigura-se legítima a outorga de tutela judicial contra a violação dos direitos de personalidade, especialmente do direito à honra e à imagem, ameaçados pelo exercício abusivo da liberdade de expressão e de informação.” (grifei)

Inquestionável, desse modo, como anteriormente já enfatizado, que o exercício concreto da liberdade de expressão pode fazer instaurar situações de tensão dialética entre valores essenciais igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, dando causa ao surgimento de verdadeiro estado de colisão de direitos, caracterizado pelo confronto de liberdades revestidas de idêntica estatura jurídica, a reclamar solução que, tal seja o contexto em que se delineie, torne possível conferir primazia a uma das prerrogativas básicas em relação de antagonismo com determinado interesse fundado em cláusula inscrita na própria Constituição.
Cabe observar, bem por isso, que a responsabilização “a posteriori” (sempre “a posteriori”), em regular processo judicial, daquele que comete abuso no exercício da liberdade de informação não traduz ofensa ao que dispõem os §§ 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República, pois é o próprio estatuto constitucional que estabelece, em favor da pessoa injustamente lesada, a possibilidade de receber indenização “por dano material, moral ou à imagem” ou, então, de exercer, em plenitude, o direito de resposta (CF, art. 5º, incisos V e X).
Se é certo que o direito de informar, considerado o que prescreve o art. 220 da Carta Política, tem fundamento constitucional (HC 85.629/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE), não é menos exato que o exercício abusivo da liberdade de informação, que deriva do desrespeito aos vetores subordinantes referidos no § 1º do art. 220 da própria Constituição, “caracteriza ato ilícito e, como tal, gera o dever de indenizar”, consoante observa, em magistério irrepreensível, o ilustre magistrado ENÉAS COSTA GARCIA (“Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação”, p. 175, 2002, Editora Juarez de Oliveira), inexistindo, por isso mesmo, quando tal se configurar, situação evidenciadora de indevida restrição à liberdade de imprensa, tal como pude decidir em julgamento proferido no Supremo Tribunal Federal:

“LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL QUE NÃO SE REVESTE DE CARÁTER ABSOLUTO. SITUAÇÃO DE ANTAGONISMO ENTRE O DIREITO DE INFORMAR E OS POSTULADOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA INTEGRIDADE DA HONRA E DA IMAGEM. A LIBERDADE DE IMPRENSA EM FACE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS, QUE SE RESOLVE, EM CADA CASO, PELO MÉTODO DA PONDERAÇÃO CONCRETA DE VALORES. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. O EXERCÍCIO ABUSIVO DA LIBERDADE DE INFORMAR, DE QUE RESULTE INJUSTO GRAVAME AO PATRIMÔNIO MORAL/MATERIAL E À DIGNIDADE DA PESSOA LESADA, ASSEGURA, AO OFENDIDO, O DIREITO À REPARAÇÃO CIVIL, POR EFEITO DO QUE DETERMINA A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (CF, ART. 5º, INCISOS V E X). INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE INDEVIDA RESTRIÇÃO JUDICIAL À LIBERDADE DE IMPRENSA. NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 52 E DO ART. 56, AMBOS DA LEI DE IMPRENSA, POR INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988. DANO MORAL. AMPLA REPARABILIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXAME SOBERANO DOS FATOS E PROVAS EFETUADO PELO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. MATÉRIA INSUSCETÍVEL DE REVISÃO EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.
– O reconhecimento ‘a posteriori’ da responsabilidade civil, em regular processo judicial de que resulte a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e à imagem da pessoa injustamente ofendida, não transgride os §§ 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República, pois é o próprio estatuto constitucional que estabelece, em cláusula expressa (CF, art. 5º, V e X), a reparabilidade patrimonial de tais gravames, quando caracterizado o exercício abusivo, pelo órgão de comunicação social, da liberdade de informação. Doutrina.
– A Constituição da República, embora garanta o exercício da liberdade de informação jornalística, impõe-lhe, no entanto, como requisito legitimador de sua prática, a necessária observância de parâmetros – dentre os quais avultam, por seu relevo, os direitos da personalidade – expressamente referidos no próprio texto constitucional (CF, art. 220, § 1º), cabendo, ao Poder Judiciário, mediante ponderada avaliação das prerrogativas constitucionais em conflito (direito de informar, de um lado, e direitos da personalidade, de outro), definir, em cada situação ocorrente, uma vez configurado esse contexto de tensão dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso concreto. Doutrina. (…).”
(AI 595.395/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A discussão em torno da natureza jurídica do direito de resposta, por sua vez, tem estimulado a formulação de abordagens diferenciadas a propósito dessa prerrogativa fundamental, como o evidencia a reflexão que VITAL MOREIRA faz sobre esse instituto, concebido como reação ao abuso do poder informativo de que são titulares os detentores dos “mass media” e autores de livros em geral.
Em obra monográfica (“O Direito de Resposta na Comunicação Social”, p. 24/32, item n. 2.6, 1994, Coimbra Editora), esse ilustre Professor da Universidade de Coimbra e antigo Juiz do Tribunal Constitucional português (1983-1989) expõe as diversas concepções que buscam justificar, doutrinária e dogmaticamente, o direito de resposta, advertindo, no entanto, sobre a insuficiência de uma “explicação unifuncional”, por vislumbrar, no direito de resposta, uma pluralidade de funções, por ele assim identificadas: (a) o direito de resposta como “defesa dos direitos de personalidade”, (b) o direito de resposta como “direito individual de expressão e de opinião”, (c) o direito de resposta como “instrumento de pluralismo informativo”, (d) o direito de resposta como “dever de verdade da imprensa” e, finalmente, (e) o direito de resposta como “uma forma de sanção ‘sui generis’, ou de indenização em espécie”.
Ao sumariar as múltiplas funções que se mostram inerentes ao direito de resposta, esse Autor destaca-lhe, no contexto dessa “plurifuncionalidade”, duas características que reputa mais expressivas (“op. cit.”, p. 32):
“(...) a defesa dos direitos de personalidade (ou, mais genericamente, de um ‘direito à identidade’) e a promoção do contraditório e do pluralismo da comunicação social.
Esquematicamente, o direito de resposta satisfaz dois objectivos: (a) proporciona a todos os que se considerem afectados por uma notícia de imprensa um meio expedito, simples e não dispendioso de defender a sua reputação ou de fazer a valer a sua verdade acerca de si mesmo; (b) permite a difusão de versões alternativas, facultando desse modo ao público o acesso a pontos de vista divergentes ou contraditórios sobre o mesmo assunto. Nas palavras de um especialista italiano são dois os ‘interesses tutelados pelo direito de resposta: por um lado, um interesse eminentemente privatístico – o direito à identidade pessoal, isto é, o direito a não ver deformado o próprio património moral, cultural, político, ideal, etc.; por outro lado, um interesse publicístico – a pluralidade de fontes de informação, permitindo ao leitor julgar depois de ter ouvido também ‘a outra parte’ (…).” (grifei)

Cabe referir, por oportuno, quanto à amplitude e à própria titularidade ativa do direito constitucional de resposta (cujo exercício nem sempre supõe a prática de ato ilícito), o valioso entendimento doutrinário exposto por GUSTAVO BINENBOJM, que ressalta o caráter transindividual dessa prerrogativa jurídica, na medida em que o exercício do direito de resposta propicia, em favor de um número indeterminado de pessoas (mesmo daquelas não diretamente atingidas pela publicação inverídica ou incorreta), a concretização do próprio direito à informação correta, precisa e exata (“Meios de Comunicação de Massa, Pluralismo e Democracia Deliberativa. As Liberdades de Expressão e de Imprensa nos Estados Unidos e no Brasil”, p. 12/15, “in” Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico – REDAE, Número 5 – fevereiro/março/abril de 2006, IDPB):

“Ocorre que, de parte sua preocupação com a dimensão individual e defensiva da liberdade de expressão (entendida como proteção contra ingerências indevidas do Estado na livre formação do pensamento dos cidadãos), o constituinte atentou também para a sua dimensão transindividual e protetiva, que tem como foco o enriquecimento da qualidade e do grau de inclusividade do discurso público. É interessante notar que, ao contrário da Constituição dos Estados Unidos, a Constituição brasileira de 1988 contempla, ela mesma, os princípios que devem ser utilizados no sopesamento das dimensões defensiva e protetiva da liberdade de expressão. É nesse sentido que Konrad Hesse se refere à natureza dúplice da liberdade de expressão.
Importam-nos mais diretamente, para os fins aqui colimados, os dispositivos constitucionais que cuidam de balancear o poder distorsivo das empresas de comunicação social sobre o discurso público, que devem ser compreendidos como intervenções pontuais que relativizam a liberdade de expressão em prol do fortalecimento do sistema de direitos fundamentais e da ordem democrática traçados em esboço na Constituição. No vértice de tal sistema se encontra a pessoa humana, como agente moral autônomo em suas esferas privada e pública, capaz de formular seus próprios juízos morais acerca da sua própria vida e do bem comum.
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Além das normas constitucionais mencionadas logo no intróito deste capítulo, alguns direitos individuais relacionados no art. 5º também mitigam a dimensão puramente negativa da liberdade de imprensa (art. 220, § 1º). Dentre eles, o direito de resposta (art. 5º, inciso V) e o direito de acesso à informação (art. 5º, XIV) guardam pertinência mais direta com o ponto que se deseja demonstrar.
O direito de resposta não pode ser compreendido no Brasil como direito puramente individual, nem tampouco como exceção à autonomia editorial dos órgãos de imprensa. De fato, além de um conteúdo tipicamente defensivo da honra e da imagem das pessoas, o direito de resposta cumpre também uma missão informativa e democrática, na medida em que permite o esclarecimento do público sobre os fatos e questões do interesse de toda a sociedade. Assim, o exercício do direito de resposta não deve estar necessariamente limitado à prática de algum ilícito penal ou civil pela empresa de comunicação, mas deve ser elastecido para abarcar uma gama mais ampla de situações que envolvam fatos de interesse público. Com efeito, algumas notícias, embora lícitas, contêm informação incorreta ou defeituosa, devendo-se assegurar ao público o direito de conhecer a versão oposta.
A meu ver, portanto, o direito de resposta deve ser visto como um instrumento de mídia colaborativa (‘collaborative media’) em que o público é convidado a colaborar com suas próprias versões de fatos e a apresentar seus próprios pontos de vista. A autonomia editorial, a seu turno, seria preservada desde que seja consignado que a versão ou comentário é de autoria de um terceiro e não representa a opinião do veículo de comunicação.
Na Argentina, a Suprema Corte acolheu esta utilização mais ampla do direito de resposta em caso no qual um famoso escritor concedeu entrevista em programa de televisão na qual emitiu conceitos considerados ofensivos a figuras sagradas da religião católica. A Corte assegurou o direito de resposta a um renomado constitucionalista, com a leitura de uma carta no mesmo canal de TV, baseando-se em um direito da comunidade cristã de apresentar o seu próprio ponto de vista sobre as mencionadas figuras. Considerou-se, na espécie, que o requerente atuou como substituto processual daquela coletividade.” (grifei)

Posiciona-se, no mesmo sentido, L. G. GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO (“Liberdade de Informação e o Direito Difuso à Informação Verdadeira”, p. 121/122, item n. 7, 2ª ed., 2003, Renovar):

“Nesse contexto, já vimos que o direito de informação, com esta nova ótica constitucional, importa no direito à informação verdadeira, e que esta constitui um direito difuso da sociedade.
Sendo assim, o direito de resposta deve, por sua vez, reajustar-se para adaptar-se a esta nova ordem jurídica.
É primordial que se abandone a concepção do direito de resposta que o configura, apenas, como uma ação de reparação de dano, ou como um instituto afim à legítima defesa. Ele é tudo isso, mas deve ser mais que isso. Ele deve ser deslocado do particular, ofendido pessoalmente, titular de um direito à indenização, para a sociedade, credora de uma informação verdadeira, imparcial, autêntica.
Aceita a concepção, forçoso é admitir que o direito de resposta, integrante do direito de informação, é também um direito difuso, que pode ser exercido por qualquer legitimado com o fim de preservar a verdade de um fato.
Não mais vigerá a estreita via da indenização e da legitimação exclusiva do lesado para opor-se à matéria inexata. O ofendido cederá parte de seu lugar para o ‘interessado’ na exatidão da notícia – a sociedade.” (grifei)

Essa mesma percepção do tema é revelada por FÁBIO KONDER COMPARATO (“A Democratização dos Meios de Comunicação de Massa”, “in” “Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides”, p. 165/166, item n. IV, 2001, Malheiros):

“O direito de resposta, tradicionalmente, visa a garantir a defesa da verdade e da honra individual. Legitimado a exercê-lo, portanto, é sempre o indivíduo em relação ao qual haja sido difundida uma mensagem inverídica ou desabonadora. Ainda que se não possa nele enxergar um direito potestativo, como quer uma parte da doutrina, é inegável que ele se apresenta como um meio de defesa particularmente vigoroso, em geral garantido pela cominação de pesada multa em caso de descumprimento pelo sujeito passivo.
É, sem dúvida, necessário estender a utilização desse mecanismo jurídico também à defesa de bens coletivos ou sociais, que a teoria moderna denomina ‘interesses difusos’. Os defensores do bem comum ou interesse social acham-se sempre em posição jurídica subalterna em relação aos controladores dos meios de comunicação social, só tendo acesso garantido a esses veículos nos raros casos previstos em lei.
A legitimação para o exercício do direito coletivo de retificação deveria caber, analogamente ao previsto no chamado Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990): 1) ao Ministério Público; 2) a órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que despidos de personalidade jurídica, quando especificamente criados para a defesa de interesses difusos ou coletivos; 3) a organizações não-governamentais, existentes sob a forma de associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre suas finalidades estatutárias a defesa desses interesses.” (grifei)

A razão subjacente a tais propostas parece resultar, segundo preconizam esses eminentes autores, da necessidade de intensificar, fortalecendo-o, o processo de democratização dos meios de comunicação de massa (“mass media”), uma vez que o antigo conceito liberal do “livre mercado de ideias” (“free marketplace of ideas”) – defendido por pensadores e intelectuais tão diversos como JOHN MILTON (“Areopagitica”), JOHN STUART MILL (“On Liberty”), THOMAS JEFFERSON (“Letter to William Roscoe”), FRED S. SIEBERT (“The Libertarian Theory”), OLIVER WENDELL HOLMES, JR. (voto vencido em “Abrams v. United States”, “in” 250 U.S. 616, proferido em 1919), WILLIAM BRENNAN, JR. (voto vencedor em “Keyishian v. Board of Regents of the University of the State of New York”, in 385 U.S. 589, proferido em 1967), v.g. – achar-se-ia gravemente comprometido por uma progressiva concentração da propriedade dos meios de comunicação social, a ponto de autores como JEROME A. BARRON (“Access to the Media – A Contemporary Appraisal” e “Access to the Media – A New First Amendment Right”) e PATRICK GARRY (“The First Amendment and Freedom of the Press: A Revised Approach to the Marketplace of Ideas Concept”) sustentarem que essa “concentration of Media ownership” culminaria por descaracterizar a velha noção expressa na metáfora do “marketplace of ideas”, cujo perfil, agora, deveria ceder à nova fórmula do “revised marketplace model”, que, em decorrência dos dilemas e distorções provocados pelo fenômeno do oligopólio dos meios de comunicação de massa, busca promover a realização de diversos objetivos que se projetam no plano da transindividualidade, assim identificados por PATRICK GARRY, no estudo que venho de referir: “truth, individual and social interaction, citizen participation in public affairs and the maintenance of a non-monopoly press”.
Vale destacar, por sua vez, um outro aspecto que se me afigura relevante. Refiro-me ao fato de que a justa preocupação da comunidade internacional com a preservação do direito de resposta tem representado, no plano do sistema interamericano e em tema de proteção aos direitos de personalidade, um tópico sensível e delicado da agenda dos organismos internacionais em âmbito regional, como o evidencia o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 14), que constitui instrumento que reconhece a qualquer pessoa que se considere afetada por informação inexata ou ofensiva veiculada por meios de difusão o direito de resposta e de retificação:
“Artigo 14 – Direito de retificação ou resposta
1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei.
2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido.
3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial.” (grifei)

Cumpre relembrar, no ponto, o magistério doutrinário de VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Direito Penal – Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica”, vol. 4/138, em coautoria com LUIZ FLÁVIO GOMES, 2008, RT), cuja análise do mencionado Art. 14 da Convenção Americana de Direitos Humanos bem ressalta o entendimento que a comunidade internacional confere à cláusula convencional pertinente ao direito de resposta e de retificação:
“A Convenção não se refere à ‘proporcionalidade’ da resposta relativamente à ofensa, não indicando se as pessoas atingidas têm direito de responder em espaço igual ou maior, em que lapso pode exercitar esse direito, que terminologia é mais adequada etc. A Convenção diz apenas que estas condições serão as ‘que estabeleça a lei’, frase que remete às normas internas dos Estados-Partes o estabelecimento das ‘condições’ de exercício do direito de retificação ou resposta, o que poderá variar de país para país. Contudo, tal proporcionalidade da resposta relativamente à ofensa deve entender-se ‘implícita’ no texto da Convenção, não podendo as leis dos Estados-Partes ultrapassar os limites restritivos razoáveis e os conceitos pertinentes já afirmados pela Corte Interamericana.” (grifei)

Cabe mencionar, ainda, fragmento da Opinião Consultiva nº 7/86, proferida, em 29 de agosto de 1986, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, ao ressaltar a essencialidade desse instrumento de preservação dos direitos da personalidade, entendeu que o direito de resposta deve ser aplicado independentemente de regulamentação pelo ordenamento jurídico interno ou doméstico dos países signatários do Pacto de São José da Costa Rica:

“A tese de que a frase ‘nas condições que estabeleça a lei’, utilizada no art. 14.1, somente facultaria aos Estados Partes a criar por lei o direito de retificação ou de resposta, sem obrigá-los a garanti-lo enquanto seu ordenamento jurídico interno não o regule, não se compadece nem com o ‘sentido corrente’ dos termos empregados nem com o ‘contexto’ da Convenção. Com efeito, a retificação ou resposta em razão de informações inexatas ou ofensivas dirigidas ao público em geral se coaduna com o artigo 13.2.a sobre liberdade de pensamento ou de expressão, que sujeita essa liberdade ao ‘respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas’ (…); com o artigo 11.1 e 11.3, segundo o qual:
‘1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade
‘3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas’ e com o artigo 32.2, segundo o qual ‘Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática’.
O direito de retificação ou de resposta é um direito ao qual são aplicáveis as obrigações dos Estados Partes consagradas nos artigos 1.1 e 2 da Convenção. E não poderia ser de outra maneira, já que o próprio sistema da Convenção está direcionado a reconhecer direitos e liberdades às pessoas e não a facultar que os Estados o façam (Convenção Americana, Preâmbulo, O efeito das reservas sobre a entrada em vigência da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.s 74 e 75), Opinião Consultiva OC-2/82 de 24 de setembro de 1982. Série A, n. 2, parágrafo 33).” (grifei)
Impende ressaltar, por oportuno, trecho da manifestação proferida no âmbito de mencionada Opinião Consultiva emanada da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proveniente do eminente Juiz RODOLFO E. PIZA ESCALANTE, que assim se pronunciou:

“Em outras palavras, o direito de retificação ou de resposta é de tal relevância que nada impede respeitá-lo ou garanti-lo, vale dizer aplicá-lo e ampará-lo, ainda que não haja lei que o regulamente, por meio de simples critérios de razoabilidade; no fim das contas, a própria lei, ao estabelecer as condições de seu exercício, deve sujeitar-se a iguais limitações, porque, de outra forma, violaria ela mesma o conteúdo essencial do direito regulamentado e, portanto, o artigo 14.1 da Convenção.” (grifei)
Em suma: é por todas essas razões, e também por aquelas resultantes do acórdão ora impugnado, que tenho por inviável a pretensão recursal formulada nesta sede processual.
Sendo assim, e em face das razões expostas, conheço do presente recurso extraordinário, para negar-lhe provimento.
Publique-se.
Brasília, 24 de junho de 2015.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 1º.7.2015


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