domingo, 27 de setembro de 2020

STJ e Legitimidade do Procon para sanções administrativas

 O STJ consolidou entre os temas do "Pesquisa Pronta", a legitimidade do Procon para aplicar sanções administrativas.


"No julgamento do REsp 1.814.097, a Segunda Turma anotou que "o STJ possui o entendimento de que, em razão do exercício do poder de polícia típico de suas atribuições, o Procon é parte legítima para a aplicação de sanções administrativas, entre elas as multas pela ofensa às normas do Código de Defesa do Consumidor". O processo é de relatoria do ministro Herman Benjamin."

sábado, 26 de setembro de 2020

FGTS - Prazo de Cobrança e modulação de efeitos do Tema 608 do STF

No dia 09/09/2020, o STJ publicou matéria sobre o Tema 608 do STF, tratando sobre a modulação de efeitos para o prazo de cobrança do FGTS. 

Na notícia, em síntese, o STJ esclarece que em se tratando de cobrança de FGTS realizada até 13 de novembro de 2019, aplica-se a prescrição trintenária.

O Tema foi submetido ao STJ em razão de ação proposta pelo Estado do Amazonas, que pleiteava a incidência de prescrição quinquenal sobre os depósitos fundiários de uma servidora temporária.

Recomendo a leitura da notícia publicada no site, que também pode ser acessada diretamente pelo link: (clique aqui).

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Prazo para cobrar depósitos do FGTS é de 30 anos se ação foi proposta até 13 de novembro de 2019


Ao aplicar a modulação dos efeitos do Tema 608 fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em repercussão geral, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, relativamente aos contratos de trabalho em curso no momento do julgamento do STF, se o ajuizamento da ação para receber parcelas vencidas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ocorreu até 13 de novembro de 2019, o trabalhador tem direito à prescrição trintenária.

Com esse entendimento, o colegiado negou recurso no qual o Estado do Amazonas pedia a aplicação da prescrição de cinco anos na ação ajuizada por uma servidora temporária para receber verbas trabalhistas, inclusive parcelas do FGTS.

O Tribunal de Justiça do Amazonas condenou o Estado a pagar à servidora todo o período trabalhado, entre abril de 2010 e março de 2017, considerando a prescrição de 30 anos. Para o Estado, o precedente do STF não se aplicaria às demandas que envolvem pessoa jurídica de direito público, para as quais o prazo prescricional seria de cinco anos, de acordo com o artigo 1º do Decreto 20.910/1932.

Segurança juríd​​ica

A autora do voto que prevaleceu na Primeira Turma, ministra Regina Helena Costa, afirmou que a aplicação do precedente firmado no julgamento do ARE 709.212 (Tema 608 do STF) não se restringe aos litígios que envolvem pessoas jurídicas de direito privado, incidindo também em demandas que objetivam a cobrança do FGTS, independentemente da natureza jurídica da parte ré – conforme decisões dos ministros do STF e precedentes do próprio STJ.

Regina Helena Costa explicou que, no julgamento do STF, foi declarada a inconstitucionalidade das normas que previam prazo prescricional de 30 anos para ações relativas a valores não depositados no FGTS, mas houve modulação dos efeitos com o objetivo de resguardar a segurança jurídica.

Dessa forma, o STF estabeleceu o prazo de cinco anos para os casos em que o termo inicial da prescrição – ausência de depósito no FGTS – ocorreu após a data do julgamento, em 13 de novembro de 2014. Para as hipóteses com o prazo prescricional já em curso, deve ser aplicado o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial; ou cinco anos, a partir da decisão.

A ministra ressaltou que, após o julgamento do STF, o Tribunal Superior do Trabalho alterou a redação da Súmula 362 e definiu que, nos casos em que o prazo prescricional já estava em curso no momento do julgamento da repercussão geral, para que seja possível aplicar a prescrição trintenária, é necessário que a ação seja ajuizada dentro de cinco anos, a contar de 13 de novembro de 2014.

Modulação de e​feitos

Com base nas orientações do STF e do TST, a ministra assinalou que, na hipótese de contrato de trabalho em curso no momento do julgamento do STF, se o ajuizamento da ação objetivando o recebimento das parcelas do FGTS ocorreu até 13 de novembro de 2019, aplica-se a prescrição trintenária; caso seja proposta após essa data, aplica-se a prescrição quinquenal.

No caso em análise, a ministra verificou que – a partir da data de início do contrato de trabalho, em 23 de abril 2010 – o prazo para o ajuizamento da ação terminaria em 22 de abril de 2040 (30 anos contados do termo inicial do contrato), enquanto o fim do prazo de cinco anos, a contar do julgamento da repercussão geral, foi em 13 de novembro de 2019.

"Assim sendo, in casu, proposta a ação dentro do prazo de cinco anos a contar do julgamento da repercussão, cabível a aplicação da prescrição trintenária para o recebimento dos valores do FGTS", concluiu.

Leia o acórdão.​

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Editorial STJ - "CDC 30 anos: o STJ e a revolução no sistema de consumo"

 O Superior Tribunal de Justiça tem disponibilizado excelentes publicações relacionadas aos direitos de consumo. São 30 anos de vigência do estatuto consumerista, que resiste a todas as transformações globais do mercado brasileiro e mundial. Abaixo segue um excelente editorial sobre o Código de Defesa do Consumidor e a atuação do STJ ao longo dos anos na defesa do consumidor e do próprio mercado de consumo.


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CDC 30 anos: o STJ e a revolução no sistema de consumo



​​​Muito além da origem na Constituição de 1988 e do tempo de existência em comum, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) – que completou 30 anos nesta sexta-feira (11) – estão vinculados pela própria matéria legislativa. O direito do consumidor é um tema muito presente na pauta do tribunal, que tem interpretado e revisitado o código em inúmeros julgamentos ao longo dessas três décadas – período em que as relações de consumo também se modificaram profundamente.

Se, nos anos 1990, o brasileiro dependia de meios físicos para suas transações – como cédulas de dinheiro, cheques e notas promissórias –, a partir dos anos 2000, os sistemas de pagamento eletrônicos – com destaque especial para os cartões de crédito – ganharam definitivamente o gosto e o bolso dos consumidores.

Com o advento da internet, as relações de consumo se alteraram radicalmente e as pessoas começaram a utilizar computadores, tablets e celulares para realizar grande parte das atividades de consumo, como compras em sites e pedidos de comida por aplicativos de smartphone. Até a compra de supermercado não é mais a mesma: dos carrinhos de ferro, passamos aos carrinhos de compra virtuais na hora de fazer a feira da semana. 

Com o ambiente tão drasticamente atingido pela revolução digital, como um código nascido em 1990 poderia continuar regulando satisfatoriamente as relações de consumo? Esse é um desafio que se impõe ao STJ: interpretar e aplicar a lei às relações – e aos conflitos – dos novos tempos.

"O CDC representa um dos mais importantes marcos históricos no sistema de proteção dos consumidores brasileiros, estabelecendo conceitos claros, garantindo direitos e definindo responsabilidades. Tão relevante quanto seu papel nos últimos 30 anos é a necessidade de mantê-lo atualizado e próximo das novas relações de consumo do mundo moderno – papel que o STJ tem cumprido com empenho, prudência e sabedoria. STJ de mãos dadas com a cidadania​", afirmou o presidente do tribunal, ministro Humberto Martins.

A era dos ch​​​eques

Durante a primeira década, muitos julgamentos do STJ envolviam a discussão sobre a sujeição ou não dos litigantes ao CDC e sobre a própria aplicabilidade de suas normas a contratos de consumo firmados antes do código – hipótese em geral afastada pelo tribunal, como em precedente de 1993, o REsp 36.455, relatado pelo ministro Eduardo Ribeiro na Terceira Turma.

Em julgamento realizado em 1995, a Quarta Turma, sob relatoria do ministro Ruy Rosado, rechaçou a tese de um banco sobre a sua não submissão às regras do CDC no âmbito de ação revisional de contrato (REsp 57.974).


Posteriormente, a orientação sobre a aplicabilidade do código em relação às instituições financeiras foi consolidada na Súmula 297, editada em 2004 pela Segunda Seção.​

Muitos dos litígios analisados pelo STJ nos primeiros anos do CDC também estavam relacionados aos meios de pagamento mais utilizados à época, como os cheques. No vocabulário do consumidor brasileiro, expressões como "bom para", "endosso" e "cheque cruzado" eram corriqueiras – mas poderiam soar estranhas para os jovens de hoje. 

Em 2000, por exemplo, ao analisar caso de extravio de cheque dentro das dependências de um banco, a Terceira Turma definiu que a instituição financeira deveria ocupar o polo passivo da ação de indenização proposta pelo cliente – não em substituição ao devedor original do cheque, mas para responder pelo ressarcimento decorrente da prática de ato danoso.

"Se aplicada a regra geral da responsabilidade civil, não se afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor neste feito, porque indiscutível a relação de consumo", destacou no julgamento o ministro Menezes Direito (REsp 238.016). "No caso dos depósitos em conta-corrente e, mais especificamente, no caso do serviço de desconto de título, como no presente feito, há um contrato claro de serviços, uma verdadeira relação de consumo, devidamente remunerado pelo correntista, preenchendo os requisitos do parágrafo 2º do artigo 3º do CDC", acrescentou.

Mais tarde, em 2005, a Terceira Turma estabeleceu que o banco é responsável por entregar o talão de cheques ao correntista de forma segura – motivo pelo qual, ao optar por terceirizar esse serviço, ele assume a responsabilidade por eventual defeito em sua prestação. O relator do recurso, ministro Castro Filho, apontou que a responsabilidade ocorre não apenas pela chamada culpa in eligendo, mas também pela caracterização de defeito do serviço, conforme o disposto no artigo 14 do CDC (REsp 640.196).   

Do tal​ão ao cartão

Em 2004, o Brasil viu as transações realizadas por meio de cartões de crédito superarem, pela primeira vez, o uso de cheques. Ao lado de vantagens como praticidade e segurança, os cartões trouxeram novas questões para debate na Justiça. Naquele ano, no REsp 514.358, a Quarta Turma do STJ analisou o caso de um banco que remeteu à cliente cartão de crédito não solicitado por ela. A cliente devolveu o cartão, mas a correspondência foi extraviada, e o cartão foi utilizado por terceiros em estabelecimentos comerciais, gerando a inscrição da consumidora em cadastros restritivos de crédito.

No STJ, o banco discutiu sua responsabilidade pelo pagamento de indenização por danos morais à cliente, mas o relator do recurso, ministro Aldir Passarinho Júnior, ressaltou que a prática de envio de cartões por estabelecimentos bancários, embora comum, era ilegal, já que estava vedada pelo artigo 39, inciso III, do CDC.

"Portanto, se a partir desse ato ilícito se desenrolaram outros acontecimentos, como a devolução do cartão ao banco, o extravio e o uso por terceiros em estabelecimentos comerciais, a responsabilidade é do banco, ao menos preferencialmente", afirmou o ministro. O reconhecimento do caráter abusivo do envio de cartões sem solicitação do cliente foi, mais tarde, consolidado na Súmula 532 do STJ.

Também em 2004 – e novamente sob a relatoria do ministro Aldir Passarinho Júnior –, a Segunda Seção fixou as teses de que as administradoras de cartões de crédito estão inseridas entre as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional e que aos contratos de cartão de crédito não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano, prevista na Lei de Usura (REsp 450.453).

Ainda no mesmo ano, a Quarta Turma decidiu que cabia exclusivamente à Serasa a responsabilidade pela indenização por danos morais em virtude da ausência de comunicação ao devedor sobre sua inscrição em cadastro negativo, mesmo que o fato tenha sido consequência de um lançamento em cartão de crédito já cancelado pelo consumidor um mês antes (REsp 595.170).

Em precedente mais recente, de 2011, a Terceira Turma estabeleceu que são nulas as cláusulas contratuais que impõem exclusivamente ao consumidor a responsabilidade por compras feitas com cartão furtado ou roubado, até o momento da comunicação do fato à administradora.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.058.221, cabe às administradoras – em parceria com as outras empresas da cadeia de fornecedores do serviço, como as proprietárias das bandeiras e os estabelecimentos comerciais – verificar a idoneidade das compras feitas com cartões magnéticos, "utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto".

Compras na palma ​​da mão

Com funcionamento comercial no Brasil a partir de 1994 – mas com consolidação em termos de abrangência e de utilização em dispositivos móveis muito mais recente –, a internet não substituiu os sistemas de pagamento anteriores, mas foi responsável pela introdução de novos, a exemplo das transferências eletrônicas e dos pagamentos digitais instantâneos, que dispensam intermediação.

O ambiente é ainda de convivência entre meios antigos e sistemas eletrônicos modernos, apesar de uma crescente preferência dos consumidores por estes últimos. Na realidade, no âmbito das relações de consumo, a mudança mais aparente trazida pela internet é o local de realização do negócio, que recebeu um enorme incremento de horizontes, opções e abrangência no sistema e-commerce.   


Mais uma vez, ao lado das facilidades geradas pelo sistema de consumo virtual, novos conflitos surgiram e aportaram no Judiciário – como a discussão sobre a cobrança de taxa de conveniência na venda de ingressos para espetáculos culturais pela internet.

O caso foi julgado em 2019 pela Terceira Turma, que concluiu haver abuso nesse tipo de cobrança, em razão da configuração de venda casada indireta. De acordo com a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a venda casada – vedada pelo artigo 39, inciso I, do CDC – ocorre quando o fornecedor obriga o consumidor, na compra de um produto, a levar outro que não deseje, apenas para ter direito ao primeiro.

A ministra lembrou que o inciso IX do artigo 39 considera abusiva a imposição, pelo vendedor, da contratação indesejada de um intermediário escolhido por ele, cuja participação na relação negocial não é obrigatória.

Nancy Andrighi destacou que a oferta de ingressos pela internet alcança um público "infinitamente superior" ao do modelo de venda presencial, privilegiando o interesse dos produtores do espetáculo cultural em vender os espaços no menor prazo possível.

Por outro lado, apontou, o consumidor que não adquire o bilhete em meio virtual é obrigado a se deslocar até os locais de venda físicos – caso existam –, correndo o risco de descobrir que tudo foi vendido digitalmente.

"A potencial vantagem do consumidor em adquirir ingressos sem se deslocar de sua residência fica totalmente aplacada pelo fato de ser obrigado a se submeter às condições impostas pela recorrida no momento da contratação, entre elas o valor da taxa, o que evidencia, mais uma vez, que a principal vantagem desse modelo de negócio – disponibilização de ingressos na internet – não foi instituída em seu favor", enfatizou a relatora ao considerar abusiva a taxa de conveniência (REsp 1.737.428).

Comprou, mas não​​​ chegou

Outra situação corriqueira no mercado de consumo virtual é a compra de um produto e a ingrata constatação de que ele nunca chegará, pois não foi enviado pela loja on-line. Entretanto, caso o cliente tenha sido levado à loja virtual por meio de um buscador de produtos, esse site intermediário também é responsável pela reparação do dano?

A situação foi analisada em 2016 pela Terceira Turma, que concluiu que o provedor de busca de produtos que não realiza intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual.

No julgamento, a ministra Nancy Andrighi estabeleceu uma diferenciação entre os provedores de busca que oferecem toda a estrutura virtual para que a compra seja realizada – e, assim, o provedor passa a fazer parte da cadeia de fornecimento, nos termos do artigo 7º do CDC – e aqueles que se limitam a apresentar ao consumidor o resultado da pesquisa, sem participar da interação virtual que resultará na compra.

"O provedor do serviço de busca de produtos – que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor – não pode ser responsabilizado pela existência de lojas virtuais que não cumprem os contratos eletrônicos ou que cometem fraudes contra os consumidores, da mesma forma que os buscadores de conteúdo na internet não podem ser responsabilizados por todo e qualquer conteúdo ilegal disponível na rede", concluiu a ministra (REsp 1.444.008).

A evolução con​tinua

Se as operações por meio de cheques e cartões e as compras via internet podem ser consideradas transitórias – porque novos modelos surgirão –, o consumo é da natureza humana e seguirá se adaptando e evoluindo.  

Por isso, o Código de Defesa do Consumidor continuará sendo confrontado com novas realidades nos próximos 30 anos, e o STJ, de igual modo, terá que dar novas respostas aos futuros litígios envolvendo consumidores, fornecedores e qualquer que seja o mecanismo dessa relação.

Novos entendimentos têm sido firmados o tempo todo para dar ao CDC aplicação equilibrada e coerente com o ordenamento jurídico. No REsp 1.412.993, julgado em 2018, a Quarta Turma acompanhou o voto da ministra Isabel Gallotti para definir que a previsão de multa contra o consumidor que atrasa o pagamento da fatura de cartão de crédito não autoriza a inversão dessa cláusula penal contra o fornecedor que, nas vendas pela internet, atrasa a entrega do produto ou demora a restituir o valor após o exercício do arrependimento.

De acordo com a ministra, nesse tipo de venda, o fornecedor envia a mercadoria só após a confirmação do pagamento pela operadora do cartão, de modo que não há previsão de penalidade contra o consumidor na sua relação com a empresa vendedora. A multa pelo atraso na quitação da fatura do cartão faz parte, isso sim, do contrato entre o consumidor e a operadora.

Em 2020, a Terceira Turma concluiu, ao julgar o REsp 1.794.991, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, que o princípio da vinculação da oferta não devia ser aplicado em um caso no qual, por erro grosseiro de sistema, foi informado aos consumidores um preço de passagem aérea baixíssimo, totalmente fora do mercado. Para a ministra, o cancelamento da reserva pela empresa – que comunicou o erro aos consumidores, não tendo havido nem sequer o débito do valor da compra no cartão – não configurou falha na prestação do serviço.

Entre os cheques de papel e os checkouts na conclusão das compras virtuais, muitos outros desafios na interpretação do direito consumerista estão por vir.


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 36455REsp 57974REsp 238016REsp 640196REsp 514358REsp 450453REsp 595170REsp 1058221REsp 1737428REsp 1444008REsp 1412993REsp 1794991



Link de direcionamento para a publicação original: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13092020-CDC-30-anos-o-STJ-em-meio-a-revolucao-no-sistema-de-consumo.aspx

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Editorial Especial STJ: "Oportunidades perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda de uma chance no STJ"

 O STJ publicou no dia 09/08/2020 um ótimo editorial sobre a Teoria da perda de uma chance e de como ela vem sendo aplicada naquela Corte.

O tema é de fundamental importância para todos que gostam das temáticas que envolvem a responsabilidade civil.

Tema corrente nas minhas aulas de Direito Privado, faço aqui a reprodução completa para os estudos dos meus alunos. Deixo o link eletrônico ao final, para aqueles que desejarem ir diretamente na fonte.

Bons estudos!



Oportunidades perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda de uma chance no STJ


​​Um paciente que, em vez de permanecer internado, recebe alta indevidamente e acaba morrendo. Um participante de reality show que, por erro do programa, é eliminado e deixa de concorrer ao prêmio final. Um investidor que tem suas ações vendidas antecipadamente, sem autorização, e perde a oportunidade de fazer um negócio melhor.

Em comum, essas situações envolvem a possibilidade de indenização com base na teoria da perda de uma chance. Adotada no âmbito da responsabilidade civil, essa teoria considera que quem, de forma intencional ou não, retira de outra pessoa a oportunidade de um dado benefício deve responder pelo fato.

De aplicação normalmente complexa, a teoria da perda de uma chance é continuamente analisada em diversos contextos e tem tido ampla aceitação na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Probab​​​ilidade

No julgamento do REsp 1.291.247, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino explicou que a teoria foi desenvolvida na França (la perte d'une chance) e tem aplicação quando um evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.

Segundo o ministro, o precedente mais antigo no direito francês foi um caso apreciado em 17 de julho de 1889 pela Corte de Cassação, que reconheceu o direito de uma parte a ser indenizada pela conduta negligente de um funcionário, o qual impediu que certo procedimento prosseguisse e, assim, tirou da parte a possibilidade de ganhar o processo.

A Justiça francesa entendeu que a perda da chance para a parte demandante não foi apenas um prejuízo hipotético – embora não houvesse certeza acerca da decisão que seria tomada pelo tribunal no julgamento daquele caso.

"Em função disso, a jurisprudência francesa passou a reconhecer a existência de um dano certo e específico pela perda de uma chance, determinando o arbitramento da indenização em conformidade com a maior ou menor probabilidade de sucesso", afirmou.

De acordo com o ministro, a característica essencial da perda de uma chance é a certeza da probabilidade. "A chance é a possibilidade de um benefício futuro provável, consubstanciada em uma esperança para o sujeito, cuja privação caracteriza um dano pela frustração da probabilidade de alcançar esse benefício possível", destacou.

Dano intermediá​​rio

Para o ministro Luis Felipe Salomão, a perda de uma chance é técnica decisória criada para superar as insuficiências da responsabilidade civil diante de lesões a interesses aleatórios.

No julgamento do REsp 1.540.153o ministro observou que a teoria não se aplica na reparação de "danos fantasiosos", e não serve para acolher "meras expectativas". No entender do ministro, o objetivo é reparar a chance que a vítima teria de obter uma vantagem.

"Na configuração da responsabilidade pela perda de uma chance não se vislumbrará o dano efetivo mencionado, sequer se responsabilizará o agente causador por um dano emergente, ou por eventuais lucros cessantes, mas por algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa, que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado", explicou Salomão.

Responsabilida​​de do Estado

De acordo com o ministro Mauro Campbell Marques, a perda de uma chance implica um novo critério de mensuração do dano causado, já que o objeto da reparação é a perda da possibilidade de obter um ganho como provável, sendo necessário fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo (REsp 1.308.719).

"A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização", observou.

Segundo ele, a teoria da perda de uma chance tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas stricto sensu, mas também na responsabilidade civil do Estado.

"Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar determinado benefício", explicou.

Células-tr​​onco

Para a Terceira Turma do STJ, tem direito a ser indenizada – com base na teoria da perda de uma chance – a criança que, em razão da ausência do preposto da empresa contratada por seus pais, não teve coletadas células-tronco embrionárias do seu cordão umbilical no único momento em que isso seria possível: a hora do parto.

No julgamento que tratou da possibilidade de reconhecimento de danos morais para o recém-nascido prejudicado (REsp 1.291.247), os ministros entenderam ter ficado configurada a responsabilidade civil pela perda de uma chance – o que dispensa a comprovação do dano final.

"É possível que o dano final nunca venha a se implementar, bastando que a pessoa recém-nascida seja plenamente saudável, nunca desenvolvendo qualquer doença tratável com a utilização de células-tronco retiradas do cordão umbilical. O certo, porém, é que perdeu definitivamente a chance de prevenir o tratamento dessas patologias, sendo essa chance perdida o objeto da indenização", explicou o relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Açõe​​s

Em 2018, a Quarta Turma aplicou a teoria da perda de uma chance (REsp 1.540.153) para estabelecer a responsabilidade de um banco pelo prejuízo que um investidor teve ao ser privado de negociar suas ações por valor maior, após elas serem vendidas sem sua autorização.

Segundo o processo, o investidor contratou o banco para intermediar seus pedidos de compra e venda de ações na bolsa de valores. Porém, sem consultá-lo, o banco vendeu as ações, o que lhe trouxe prejuízo, pois o impediu de negociar os papéis em condições melhores.

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o investidor, tendo em vista a venda de suas ações sem autorização, perdeu a oportunidade de negociá-las em outro momento mais vantajoso.

"É plenamente possível reconhecer, sem muito esforço, que o ilícito praticado pelo recorrente impediu a chance de obtenção de vantagem esperada pelo investidor-autor, qual seja, a venda das ações por melhor preço – chance, inclusive, referendada pelo fato próximo e concreto da valorização das ações (um dia após a venda ilícita)", afirmou.

Para a aplicação da teoria da perda de uma chance e o consequente reconhecimento do dever de indenizar, segundo Salomão, é preciso haver nexo de causalidade entre o ato ilícito – a venda antecipada das ações – e o dano – a perda da chance de venda valorizada dos papéis.

O relator destacou que o vínculo fundamental para caracterizar a responsabilidade do banco não está entre a sua conduta e a valorização das ações. "Interessa ver a relação entre a conduta e a própria oportunidade perdida, o que independe, em absoluto, de qualquer elasticidade do conceito de nexo de causalidade", destacou.

O ministro frisou que, na linha do que definem a doutrina e a jurisprudência do STJ, para a aplicação da teoria é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável, ou se não passaria de mera possibilidade aleatória.

Reality sh​​ow

No REsp 1.757.936, a Terceira Turma manteve decisão que condenou as empresas organizadoras do programa Amazônia – reality show, exibido pela TV Record em 2012, ao pagamento de R$ 125 mil a um participante que foi eliminado por erro na contagem de pontos na semifinal da competição.

"O tribunal de origem demonstrou que ficaram configurados os requisitos para reparação por perda de uma chance, tendo em vista a comprovação de erro na contagem de pontos na rodada semifinal da competição, o que tornou a eliminação do autor indevida, e a violação das regras da competição que asseguravam a oportunidade de disputar rodada de desempate", afirmou o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva.

De acordo com o processo, o participante do programa terminou a fase de perguntas e respostas da semifinal em situação de empate com outro competidor, mas foi eliminado por um erro na contagem dos pontos.

Villas Bôas Cueva disse que a teoria da perda de uma chance tem por objetivo reparar o dano decorrente da lesão de uma legítima expectativa que não se concretizou porque determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos e impediu a realização do resultado final esperado pelo indivíduo.

O ministro apontou que a reparação das chances perdidas tem fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002, que estabelecem, respectivamente, uma cláusula geral de responsabilidade civil, utilizando um conceito amplo de dano, e o dever de reparar como consequência da prática de ato ilícito.

"Isso significa dizer que deve ficar demonstrado que a chance perdida é séria e real – não sendo suficiente a mera esperança ou expectativa da ocorrência do resultado, elementos inerentes à esfera de subjetividade do indivíduo – para que o dano seja indenizado", declarou.

Lucros cessa​​ntes

Para a Terceira Turma, se uma atividade empresarial nem teve início, não é possível aferir a probabilidade de que os lucros reclamados de fato ocorreriam. Com base nesse entendimento, os ministros negaram provimento ao REsp 1.750.233, interposto por uma empresa que pedia indenização por lucros cessantes alegando que o shopping no qual alugaria uma loja não foi entregue.

Segundo os autos, a empresa pediu a rescisão contratual e lucros cessantes pelo descumprimento do contrato de locação com a sociedade responsável pela construção de um shopping em São Paulo, alegando que fez os pagamentos combinados, mas o prédio não foi inaugurado.

De acordo com a relatora, ministra Nancy Andrighi, para resolver a questão é necessário distinguir os conceitos de lucros cessantes e da perda de uma chance. Para ela, o primeiro, de acordo com o Código Civil, representa aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor.

Já a perda de uma chance, explicou a ministra, traz em si a ideia de que deve ser indenizado o ato ilícito que priva a pessoa da oportunidade de obter uma situação futura melhor.

Em seu voto, a relatora citou precedente da Quarta Turma (REsp 1.190.180) que considerou a perda de uma chance "algo intermediário entre o dano emergente e os lucros cessantes".

"Infere-se, pois, que nos lucros cessantes há a certeza da vantagem perdida, enquanto na perda de uma chance há a certeza da probabilidade perdida de se auferir a vantagem", esclareceu.

Erro méd​​ico

Ao verificar a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance nos casos de erro médico, no julgamento do REsp 1.662.338, a Terceira Turma consignou, com base nos precedentes do tribunal: "A teoria da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil ocasionada por erro médico, na hipótese em que o erro tenha reduzido possibilidades concretas de cura do paciente".

Todavia, ao analisar o caso da morte de uma pessoa de 21 anos, os ministros entenderam que a perda de uma chance remota ou improvável de recuperação da paciente que recebeu alta hospitalar – em vez de ficar internada – não constitui erro médico passível de compensação, sobretudo quando reconhecido pelo tribunal de segunda instância que a paciente era saudável, a conduta do médico não foi causa suficiente para sua morte, e a natureza do óbito é um dado raro e extraordinário na medicina.

No caso julgado, a jovem foi atendida no pronto-socorro em razão de um mal súbito e apresentou melhora após ser medicada. Recebeu alta e voltou para casa, mas faleceu em razão de um acidente vascular cerebral.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, a apreciação do erro de diagnóstico por parte do juiz deve ser cautelosa, especialmente quando os métodos científicos são sujeitos a dúvidas, pois nesses casos não se pode falar em imperícia, imprudência ou negligência.

A partir dos fatos reconhecidos pela segunda instância, a ministra afirmou que "não é possível concluir que houve erro crasso passível de caracterizar uma frustração de chance concreta, real, com alto grau de probabilidade de sobrevida da vítima".

Acumulação d​​​e cargos

Em outro caso (REsp 1.308.719), o STJ decidiu que não se deve aplicar o critério referente à teoria da perda da chance, e sim o da efetiva extensão do dano causado (artigo 944 do Código Civil), na hipótese em que o Estado tenha sido condenado por impedir um servidor público, em razão de interpretação equivocada, de continuar a exercer de forma cumulativa dois cargos públicos regularmente acumuláveis.

O relator, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou que a teoria da perda de uma chance tem sido admitida no ordenamento jurídico brasileiro como uma das modalidades possíveis de mensuração do dano na responsabilidade civil.

Segundo o ministro, no caso analisado, foi equivocada a aplicação da teoria sob o argumento de que o recorrente perdeu a chance de continuar exercendo um cargo público em razão da interpretação errada por parte da administração pública quanto à impossibilidade de acumulação.

Para o relator, o dano material sofrido pelo recorrente não decorre da perda de uma chance, pois ele já exercia regularmente ambos os cargos de profissional de saúde. "Não se trata de perda de uma chance de exercício de ambos os cargos públicos porque isso já ocorria, sendo que o ato ilícito imputado ao ente estatal implicou efetivamente prejuízo de ordem certa e determinada", observou.

O caso – entendeu o ministro – deveria ter sido analisado sob a perspectiva da responsabilidade objetiva do Estado, devendo ser redimensionados o dano causado e a extensão da sua reparação.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 1291247REsp 1540153REsp 1308719REsp 1757936REsp 1750233REsp 1190180REsp 1662338


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http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09082020-Oportunidades-perdidas--reparacoes-possiveis-a-teoria-da-perda-de-uma-chance-no-STJ.aspx


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Consumidor por equiparação na visão do STJ

Por Giselle Borges Alves


Recentemente o STJ julgou recurso especial sedimentando o entendimento sobre o conceito de consumidor por equiparação e sua abrangência.

O Código de Defesa do Consumidor trouxe para as relações jurídicas de consumo a figura do consumidor por equiparação (“bystander”), que amplia o conceito de consumidor para além da pessoa que adquire o produto ou utiliza o serviço disponibilizado pelo fornecedor.

O parágrafo único do artigo 2º do CDC informa que é equiparado a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo na relação de consumo.

O artigo 17, informa que para efeitos responsabilização por fato de consumo, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Assim, em caso de acidente com a utilização do produto ou serviço, são consideradas consumidoras todas as pessoas que sofrem consequências jurídicas decorrentes do fato, mesmo que não tenham adquirido diretamente o produto ou serviço.

O Recurso Especial 1787318/RJ, tem dois aspectos fundamentais para análise: (I) quando reconhece que a vítima do evento é consumidora, notadamente, porque reconhece também uma especificidade dos direitos do consumidor em relação ao prazo para a busca da reparação civil dos danos, ou seja, (II) um prazo prescricional elastecido se comparado ao prazo prescricional de outra relação jurídica não consumerista.

O REsp 1787318/RJ, trata de acidente de trânsito, atropelamento sofrido pela vítima/recorrente.

Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não reconheceu a existência de relação de consumo e aplicou o prazo prescricional trienal do Art. 206, §3º, inciso V do Código Civil, retirando a pretensão da vítima, quanto ao direito a indenização pelos danos sofridos. Destaque-se que a vítima teve sentença desfavorável em primeira instância e também em sede de apelação cível, na segunda instância estadual, conforme trecho abaixo, citado no acórdão do REsp 178318/RJ (BRASIL, STJ, 2020):

“APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. ATROPELAMENTO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DE NATUREZA EXTRACONTRATUAL. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL DO ARTIGO 206, §3º, INCISO V, DO CÓDIGO CIVIL E NÃO O PRAZO DE CINCO ANOS PREVISTO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. DESPROVIMENTO DO RECURSO.”

No entanto, o assunto relacionado a acidente de consumo em prestação de serviços de transporte por concessionária de serviço público e a consideração de consumidores por equiparação como sendo todas as vítimas do evento danoso, não é assunto novo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Conforme informado pelo Ministro relator do acordão do REsp 178318/RJ, Paulo de Tarso Sanseverino, há entendimento sedimentado no STJ. O relator cita no acórdão trechos de julgados proferidos pela Corte desde o ano de 2010, destacando o AgRg no REsp 1000329/SC, julgado em 10/08/2010, sob relatoria do Min. João Otávio de Noronha, o REsp 1288008/MG, julgado em 04/04/2013, sob relatoria do próprio Min. Paulo de Tarso Sanseverino, e o REsp 1125276/RJ, julgado em 28/02/2012, sob relatoria da Min. Nancy Andrighi.

Neste sentido, verificamos que a vítima do acidente possui razão para o inconformismo com relação as decisões das instâncias ordinárias. Assim, destacamos alguns trechos do voto do relator, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O Direito do Consumidor não define restrição ao conceito de consumidor, quando se trata de fato decorrente de atividade negocial que estava sendo realizada, apenas pelo fato do indivíduo não ter adquirido o produto ou serviço. O conceito de consumidor do caput do art. 2º da Lei 8078/90, é apenas um conceito básico, conforme destaca o relator:

“A circunstância de o único vitimado pelo acidente alegadamente causado pelo ônibus de propriedade da recorrida, quando da prestação de serviços de transporte de pessoas no Rio de Janeiro, ser terceiro à relação de consumo não afasta a sua condição de consumidor por equiparação, senão concretiza exatamente a hipótese do art. 17 do CDC, que ampliou o conceito básico de consumidor do art. 2º da Lei 8078/90” (BRASIL, STJ, 2020, p. 5).

A decisão relembra ainda que mesmo os intermediários da cadeia de fornecimento de produtos ou serviços, podem ser considerados como consumidores, caso venham a sofrer acidente de consumo. O relator, destaca inclusive, trecho da obra do Ministro Herman Benjamin, que traz exemplo fático sobre o assunto:

“O eminente Ministro Herman Benjamin, em seus Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, fornece exatamente o exemplo do dono de um supermercado que, ao inspecionar sua seção de enlatados, sofre ferimentos pela explosão de uma lata com defeito de fabricação, reconhecendo que ele pode pleitear, do mesmo modo que o consumidor que está a seu lado, reparação pelos danos sofridos em decorrência do produto defeituoso. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Comentários ao código de proteção do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 81).” (BRASIL, STJ, 2020, p. 6).

O Min. Paulo de Tarso, ressalta ainda que existe exceção na aplicação do CDC, quando realmente não se trata de exercício de atividade econômica direta como prestação de serviço em geral. Cita como exemplo o transporte fornecido por uma empresa aos seus funcionários, o que é abrangido, em caso de acidente e responsabilidade decorrente, pelas regras do Direito do Trabalho.

“Haverá hipótese em que o acidente ocorrerá em contexto em que o transporte não seja de consumidores, na forma do art. 2º do CDC, e nem seja prestado por fornecedor, na forma do art. 3º do CDC, como, por exemplo, no transporte de empregados pelo empregador, o que, certamente, afastaria a incidência do CDC, por inexistir, indubitavelmente, uma relação disciplinada pelo CDC, uma relação de consumo” (BRASIL, STJ, 2020, p. 8).

Assim, o STJ, por meio do REsp 1787318/RJ, mais uma vez reconhece a figura do consumidor por equiparação e da necessidade de interpretação do Código de Defesa do Consumidor de modo a garantir o verdadeiro resguardo do cidadão-consumidor.

No caso em análise, conforme se verá da ementa que segue abaixo, foi reconhecido que a vítima era consumidor por equiparação, abrangido pela regra do artigo 17 do CDC e que, por esse motivo, era inaplicável o prazo prescricional do artigo 206, §3º, inciso V do Código Civil, sendo reconhecido, por consequência, que seria aplicado ao presente caso a regra do prazo quinquenal, previsto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor.

Vale a leitura atenta do acordão integral no site do STJ, e abaixo segue a ementa do julgado com o resumo do voto do relator.

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGADO ACIDENTE DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE DE PESSOAS. ATROPELAMENTO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INCIDÊNCIA DO CDC. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Demanda indenizatória ajuizada por pedestre atropelado por ônibus durante a prestação do serviço de transporte de pessoas. 2. Enquadramento do demandante atropelado por ônibus coletivo, enquanto vítima de um acidente de consumo, no conceito ampliado de consumidor estabelecido pela regra do art. 17 do CDC ("bystander"), não sendo necessário que os consumidores, usuários do serviço, tenham sido conjuntamente vitimados. 3. A incidência do microssistema normativo do CDC exige apenas a existência de uma relação de consumo sendo prestada no momento do evento danoso contra terceiro (bystander). 4. Afastamento da prescrição trienal do art. 206, §3º, inciso V, do CCB, incidindo o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC. 5. Não implementado o lapso prescricional quinquenal, determinação de retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição para que lá se continue no exame da pretensão indenizatória. 6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO”. (BRASIL, STJ, REsp 1787318/RJ, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, Data de Julgamento: 18/06/2020).

 

 

Referência:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1787318/RJ. Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Terceira Turma. Data de julgamento: 18 jun. 2020. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 05 jun. 2020.


quarta-feira, 8 de julho de 2020

Direito Cooperativo: aspectos tributários

Por Giselle Borges Alves


A parte final das aulas de Direito Cooperativo do 1º semestre de 2020, tratou dos aspectos tributários básicos das sociedades cooperativas. Uma análise jurídica sobre o tema, diante do tratamento dado pela Constituição Federal de 1988.

Em razão da suspensão das aulas, gravei os vídeos abaixo para auxiliar os alunos na compreensão da matéria. Divulgo agora para compartilhar o material de forma aberta para todos que tem interesse em dar os primeiros passos na compreensão dos aspectos tributários relacionados ao cooperativismo.

Os vídeos não possuem produção específica ou muitos recursos. Gravados em uma única tomada, como uma conversa que tenho com meus alunos em sala de aula.

Divulgo abaixo. Espero que gostem!


Vídeo 1: Cooperativas e Tributos



Vídeo 2: Cooperativas e Tributos




Vídeo 3: Cooperativas, contribuições previdenciárias e contribuição cooperativista



Direito Cooperativo: diferenças das cooperativas para outras sociedades mercantis e regime de responsabilidades

Por Giselle Borges Alves


Em continuidade a publicação dos vídeos das aulas de Direito Cooperativo, abaixo seguem os vídeos correspondentes à Unidade 4, que trata de temas bem interessantes associados aos empreendimentos cooperativos.

Divulgo abaixo os vídeos gravados para as aulas da Faculdade CNEC Unaí, no 1º semestre de 2020.
Em razão da suspensão das aulas, os vídeos foram gravados para auxiliar os alunos na compreensão do conteúdo das aulas.

Espero que vocês gostem! Bons estudos!


Vídeo 1: Diferenças entre Sociedades Cooperativas e Sociedades Anônimas; Responsabilidade dos Associados de Cooperativas


Vídeo 2: 


Direito Cooperativo - Legislação, Constituição de Cooperativas e Assembleias Gerais - vídeos

Por Giselle Borges Alves


Durante o 1º semestre de 2020, em razão das suspensão das aulas por causa da pandemia de saúde pública, ocasionada pela COVID-19, as aulas de Direito Cooperativo, na Faculdade CNEC Unaí ocorreram na modalidade remota. Por essa razão gravei diversos vídeos com conteúdos da disciplina, que normalmente seriam ministrados em sala de aula.

Com a finalização do semestre e das aulas, compartilho agora no blog os links dos vídeos com a explicações.
Advirto que foram vídeos de aulas gravados em casa, sem nenhuma produção especializada.

Começo divulgando os vídeos com aspectos gerais relacionados a legislação cooperativista. São três vídeos relacionados a Unidade 3 da disciplina.


Vídeo 1: Aspectos da legislação cooperativista.




Vídeo 2: Constituição de Cooperativas



Vídeo 3: Assembleias Gerais em Cooperativas




Espero que os vídeos ajudem na compreensão da legislação aplicável ao cooperativismo.

Bons estudos!



Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

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