DIREITO CIVIL. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA NO ÂMBITO DE AÇÃO DE INTERDIÇÃO.
É possível determinar, no âmbito de ação de interdição, a internação
compulsória de quem tenha acabado de cumprir medida socioeducativa de
internação, desde que comprovado o preenchimento dos requisitos para a
aplicação da medida mediante laudo médico circunstanciado, diante da efetiva
demonstração da insuficiência dos recursos extra-hospitalares. De fato, admite-se,
com fundamento na Lei 10.216/2001, a internação psiquiátrica compulsória no
âmbito de ação de interdição, mas apenas se houver laudo médico circunstanciado
que comprove a necessidade da medida (art. 6º). Nesse contexto, não há como
sustentar que a internação compulsória não possa ser decretada no processo de
interdição apenas por conta de sua natureza civil, porquanto o referido art. 6º
tem aplicação tanto no processo civil quanto no processo penal indistintamente.
Isso porque, se a medida da internação psiquiátrica compulsória pode ser aplicada
a qualquer pessoa cujas condições mentais a determinem, inclusive em liberdade,
não se vê razão para extrair interpretação no sentido da inaplicabilidade ao
infrator em idênticas condições, o que significaria criar um privilégio
decorrente da prática de ato infracional e, mais, verdadeiro salvo-conduto
contra medida legal adequada a enfermidade constatada por perícia
especializada. Além disso, a anterior submissão à medida socioeducativa
restritiva da liberdade não obsta a determinação de internação psiquiátrica
compulsória, não implicando, por vias indiretas e ilícitas, restabelecimento do
sistema do Duplo Binário, já extinto no Direito Penal, uma vez que a referida
determinação de internação não representa aplicação de medida de segurança, mas
simplesmente de uma ordem de internação expedida com fundamento no art. 6º,
parágrafo único, III, da Lei 10.216/2001. Ademais, conforme julgamento
realizado no mesmo sentido pela Quarta Turma do STJ (HC 169.172-SP, DJe
5/2/2014), além de a internação compulsória somente poder ocorrer quando “os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes” (art. 4º da Lei
10.216/2001), não se pretende, com essa medida, aplicar sanção ao interditado
seja na espécie de pena seja na forma de medida de segurança, haja vista que a
internação compulsória em sede de ação de interdição não tem caráter penal, não
devendo, portanto, ser comparada à medida de segurança ou à medida
socioeducativa. HC 135.271-SP, Rel. Min.
Sidnei Beneti, julgado em 17/12/2013.
DIREITO CIVIL.
INCOMUNICABILIDADE DA VALORIZAÇÃO DE COTAS SOCIAIS NO ÂMBITO DE DISSOLUÇÃO DE
UNIÃO ESTÁVEL.
Na
hipótese de dissolução de união estável subordinada ao regime da comunhão
parcial de bens, não deve integrar o patrimônio comum, a ser partilhado entre
os companheiros, a valorização patrimonial das cotas sociais de sociedade limitada
adquiridas antes do início do período de convivência do casal. Inicialmente, cumpre ressaltar
que o regime da comunhão parcial de bens — aplicável, em regra, à união estável
(art. 1.725 do CC/2002) — determina que não são comunicáveis os bens e direitos
que cada um dos companheiros possuir antes do início da união (como, na
hipótese, as cotas sociais de sociedade limitada), bem como os adquiridos na
sua constância a título gratuito (por doação, sucessão, os sub-rogados em seu
lugar etc.). Ademais, para que um bem integre o patrimônio comum do casal, além
de a aquisição ocorrer durante o período de convivência, é necessária a
presença de um segundo requisito: o crescimento patrimonial deve advir de
esforço comum, ainda que presumidamente. Nesse contexto, a valorização de cota
social, pelo contrário, é decorrência de um fenômeno econômico, dispensando o
esforço laboral da pessoa do sócio detentor, de modo que não se faz presente,
mesmo que de forma presumida, o segundo requisito orientador da comunhão parcial
de bens (o esforço comum). REsp 1.173.931-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 22/10/2013.
DIREITO CIVIL. BASE DE CÁLCULO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA.
As verbas auxílio-acidente, vale-cesta e vale-alimentação não integram a
base de cálculo para fins de desconto de pensão alimentícia. Isso porque os
alimentos incidem sobre verbas pagas em caráter habitual, não se aplicando a
quaisquer daquelas que não ostentem caráter usual ou que sejam equiparadas a
verbas de indenização. Portanto, a verba alimentar apenas incide sobre
vencimentos, salários ou proventos, valores auferidos pelo devedor no
desempenho de suas funções ou de suas atividades empregatícias, decorrentes dos
rendimentos ordinários do devedor, motivo pelo qual se excluem as verbas
indenizatórias e os descontos obrigatórios (previdenciário e imposto de renda)
da sua base de cálculo. O auxílio-acidente encontra previsão no art. 201 da CF,
no art. 86 da Lei 8.213/1991 e no art. 104 do Dec. 3.048/1999, os quais prevêem
taxativamente sua natureza indenizatória. Por sua vez, a natureza indenizatória
das verbas denominadas auxílio cesta-alimentação e vale-alimentação está
prevista no art. 6º do Dec. 5/1991, que, ao regulamentar o Programa de
Alimentação do Trabalhador – PAT (Lei 6.321/1976), assenta: "a parcela
paga in natura pela empresa não tem natureza salarial, não se
incorpora à remuneração para qualquer efeitos, não constitui
base de incidência de contribuição
previdenciária ou do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço e nem se configura como rendimento tributável do
trabalhador". REsp 1.159.408-PB, Rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/11/2013.
DIREITO CIVIL. PROVA EM AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.
Em ação negatória de paternidade, não é possível ao juiz declarar a
nulidade do registro de nascimento com base, exclusivamente, na alegação de
dúvida acerca do vínculo biológico do pai com o registrado, sem provas robustas
da ocorrência de erro escusável quando do reconhecimento voluntário da
paternidade. O art. 1.604 do CC dispõe que “ninguém pode vindicar estado contrário ao
que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do
registro.” Desse modo, o registro de nascimento tem valor absoluto,
independentemente de a filiação ter se verificado no âmbito do casamento ou
fora dele, não se permitindo negar a paternidade, salvo se consistentes as
provas do erro ou falsidade. Devido ao valor absoluto do registro, o erro apto
a caracterizar o vício de consentimento deve ser escusável, não se admitindo,
para esse fim, que o erro decorra de simples negligência de quem registrou.
Assim, em processos relacionados ao direito de filiação, é necessário que o
julgador aprecie as controvérsias com prudência para que o Poder Judiciário não
venha a prejudicar a criança pelo mero capricho de um adulto que, livremente, a
tenha reconhecido como filho em ato público e, posteriormente, por motivo vil,
pretenda “livrar-se do peso da paternidade”. Portanto, o mero arrependimento
não pode aniquilar o vínculo de filiação estabelecido, e a presunção de
veracidade e autenticidade do registro de nascimento não pode ceder diante da
falta de provas insofismáveis do vício de consentimento para a desconstituição do
reconhecimento voluntário da paternidade. REsp 1.272.691-SP, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2013.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EFEITOS DO NÃO COMPARECIMENTO DO FILHO
MENOR DE IDADE PARA SUBMETER-SE A EXAME DE DNA.
Em ação negatória de paternidade, o não comparecimento do filho menor de
idade para submeter-se ao exame de DNA não induz presunção de inexistência de
paternidade. De fato, é crucial que haja uma ponderação mínima para que se evite o
uso imoderado de ações judiciais que têm aptidão para expor a intimidade das
pessoas envolvidas e causar danos irreparáveis nas relações interpessoais.
Nesse contexto, não é ético admitir que essas ações sejam propostas de maneira
impensada ou por motivos espúrios, como as movidas por sentimentos de
revanchismo, por relacionamentos extraconjugais ou outras espécies de vinganças
processuais injustificadas. Portanto, impende cotejar, de um lado, o direito à
identidade, como direito da personalidade, e, do outro, o direito à honra e à
intimidade das pessoas afetadas, todos alçados à condição de direitos
fundamentais. Além disso, o sistema de provas no processo civil brasileiro
permite que sejam utilizados todos os meios legais e moralmente legítimos para
comprovar a verdade dos fatos. Assim, o exame genético, embora de grande
proveito, não pode ser considerado o único meio de prova da paternidade, em um
verdadeiro processo de sacralização do DNA. Com efeito, no
intuito de mitigar esse status de prova única, a Lei
12.004/2009, acrescentando o art. 2º-A da Lei 8.560/1992, positivou o
entendimento constante da Súmula 301 do STJ, segundo a qual, em “ação
investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum de paternidade”, posicionamento
aplicável também ao não comparecimento injustificado daquele para a realização
do exame. Nesses casos, a recusa, por si só, não pode resultar na procedência
do pedido formulado em investigação ou negação de paternidade, pois a prova
genética não gera presunção absoluta, cabendo ao autor comprovar a
possibilidade de procedência do pedido por meio de outras provas. Nesse
contexto, a interpretação a contrario sensu da Súmula 301 do
STJ, de forma a desconstituir a paternidade devido ao não comparecimento do
menor ao exame genético, atenta contra a diretriz constitucional e preceitos do
CC e do ECA, tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro protege, com
absoluta prioridade, a dignidade e a liberdade da criança e do adolescente,
instituindo o princípio do melhor interesse do menor e seu direito à identidade
e desenvolvimento da personalidade. Vale ressaltar, ainda, que o não
comparecimento do menor ao exame há de ser atribuído à mãe, visto que é ela a
responsável pelos atos do filho. REsp 1.272.691-SP, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2013.
DIREITO CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA PARA REQUERER DESCONSIDERAÇÃO. INVERSA
DE PERSONALIDADE JURÍDICA.
Se o sócio controlador de sociedade empresária transferir parte de seus
bens à pessoa jurídica controlada com o intuito de fraudar partilha em
dissolução de união estável, a companheira prejudicada, ainda que integre a
sociedade empresária na condição de sócia minoritária, terá legitimidade para
requerer a desconsideração inversa da personalidade jurídica de modo a
resguardar sua meação. Inicialmente, ressalte-se que a
Terceira Turma do STJ já decidiu pela possibilidade de desconsideração inversa
da personalidade jurídica – que se caracteriza pelo afastamento da autonomia
patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração
da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu
patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações
do sócio –, em razão de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/2002
(REsp 948.117-MS, DJe 3/8/2010). Quanto à legitimidade para atuar como parte no
processo, por possuir, em regra, vinculação com o direito material, é
conferida, na maioria das vezes, somente aos titulares da relação de direito
material. Dessa forma, a legitimidade para requerer a desconsideração é
atribuída, em regra, ao familiar que tenha sido lesado, titular do direito
material perseguido, consoante a regra segundo a qual “Ninguém poderá pleitear,
em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei” (art. 6º do
CPC). Nota-se, nesse contexto, que a legitimidade para requerer a
desconsideração inversa da personalidade jurídica da sociedade não decorre da
condição de sócia, mas sim da condição de companheira do sócio controlador
acusado de cometer abuso de direito com o intuito de fraudar a partilha. Além
do mais, embora a companheira que se considera lesada também seja sócia, seria
muito difícil a ela, quando não impossível, investigar os bens da empresa e
garantir que eles não seriam indevidamente dissipados antes da conclusão da
partilha, haja vista a condição de sócia minoritária. REsp 1.236.916-RS, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2013.
DIREITO CIVIL. DIREITO REAL DE
HABITAÇÃO.
A
companheira sobrevivente faz jus ao direito real de habitação (art. 1.831 do
CC) sobre o imóvel no qual convivia com o companheiro falecido, ainda que tenha
adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido do seguro de vida do de cujus. De fato, o art. 1.831 do CC
reconhece ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, sem
prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação
relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único
daquela natureza a inventariar, silenciando quanto à extensão desse direito ao
companheiro sobrevivente. No entanto, a regra contida no art. 226, § 3º, da CF,
que reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, é norma de inclusão, sendo
contrária ao seu espírito a tentativa de lhe extrair efeitos discriminatórios
entre cônjuge e companheiro. Assim sendo, o direto real de habitação contido no
art. 1.831 do CC deve ser aplicado também ao companheiro sobrevivente (REsp
821.660-DF, Terceira Turma, DJe 17/6/2011). Além do mais, o fato de a
companheira ter adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido pelo
seguro de vida do de cujus não resulta exclusão do direito real
de habitação referente ao imóvel em que residia com seu companheiro, ao tempo
da abertura da sucessão, uma vez que, segundo o art. 794 do CC, no seguro de
vida, para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeitos às dívidas
do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito. Dessa
forma, se o dinheiro do seguro não se insere no patrimônio do de
cujus, não há falar em restrição ao direito real de habitação,
porquanto o imóvel adquirido pela companheira sobrevivente não faz parte dos
bens a inventariar. REsp 1.249.227-SC, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 17/12/2013.
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