DIREITO CIVIL. PRORROGAÇÃO
AUTOMÁTICA DE FIANÇA EM CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO.
Havendo
expressa e clara previsão contratual da manutenção da fiança prestada em
contrato de mútuo bancário em caso de prorrogação do contrato principal, o
pacto acessório também é prorrogado automaticamente. O contrato de mútuo bancário
tem por característica ser, em regra, de adesão e de longa duração, vigendo e
renovando-se periodicamente por longo período. A fiança, elemento essencial
para a manutenção do equilíbrio contratual do mútuo bancário, tem como
características a acessoriedade, a unilateralidade, a gratuidade e a subsidiariedade.
Além disso, não se admite, na fiança, interpretação extensiva de suas
cláusulas, a fim de assegurar que o fiador esteja ciente de todos os termos do
contrato de fiança firmado, inclusive do sistema de prorrogação automática da
garantia. Esclareça-se, por oportuno, que não admitir interpretação extensiva
significa tão somente que o fiador responde, precisamente, por aquilo que
declarou no instrumento da fiança. Nesse contexto, não há ilegalidade na
previsão contratual expressa de que a fiança prorroga-se automaticamente com a
prorrogação do contrato principal. Com efeito, como a fiança tem o propósito de
transferir para o fiador o risco do inadimplemento, tendo o pacto contratual
previsto, em caso de prorrogação da avença principal, a sua prorrogação
automática – sem que tenha havido notificação resilitória, novação, transação
ou concessão de moratória relativamente à obrigação principal –, não há falar
em extinção da garantia pessoal. Ressalte-se, nesse ponto, que poderá o fiador,
querendo, promover a notificação resilitória nos moldes do disposto no art. 835
do CC, a fim de se exonerar da fiança. REsp 1.374.836-MG, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 3/10/2013.
DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO.
A
pessoa jurídica de direito público não tem direito à indenização por danos
morais relacionados à violação da honra ou da imagem. A reparaçaõ integral do dano
moral, a qual transitava de forma hesitante na doutrina e jurisprudência,
somente foi acolhida expressamente no ordenamento jurídico brasileiro com a
CF/1988, que alçou ao catálogo dos direitos fundamentais aquele relativo à
indenização pelo dano moral decorrente de ofensa à honra, imagem, violação da
vida privada e intimidade das pessoas (art. 5º, V e X). Por essa abordagem, no
atual cenário constitucional, a indagação sobre a aptidão de alguém de sofrer
dano moral passa necessariamente pela investigação da possibilidade teórica de
titularização de direitos fundamentais. Ocorre que a inspiração imediata da
positivação de direitos fundamentais resulta precipuamente da necessidade de
proteção da esfera individual da pessoa humana contra ataques tradicionalmente
praticados pelo Estado. Em razão disso, de modo geral, a doutrina e
jurisprudência nacionais só têm reconhecido às pessoas jurídicas de direito
público direitos fundamentais de caráter processual ou relacionados à proteção
constitucional da autonomia, prerrogativas ou competência de entidades e órgãos
públicos, ou seja, direitos oponíveis ao próprio Estado, e não ao particular.
Porém, em se tratando de direitos fundamentais de natureza material
pretensamente oponíveis contra particulares, a jurisprudência do STF nunca
referendou a tese de titularização por pessoa jurídica de direito público. Com efeito,
o reconhecimento de direitos fundamentais – ou faculdades análogas a eles – a
pessoas jurídicas de direito público não pode jamais conduzir à subversão da
própria essência desses direitos, que é o feixe de faculdades e garantias
exercitáveis principalmente contra o Estado, sob pena de confusão ou de
paradoxo consistente em ter, na mesma pessoa, idêntica posição jurídica de
titular ativo e passivo, de credor e, a um só tempo, devedor de direitos
fundamentais. Finalmente, cumpre dizer que não socorrem os entes de direito
público os próprios fundamentos utilizados pela jurisprudência do STJ e pela
doutrina para sufragar o dano moral da pessoa jurídica. Nesse contexto,
registre-se que a Súmula 227 do STJ (“A pessoa jurídica pode sofrer dano
moral”) constitui solução pragmática à recomposição de danos de ordem material
de difícil liquidação. Trata-se de resguardar a credibilidade mercadológica ou
a reputação negocial da empresa, que poderiam ser paulatinamente fragmentadas
por violações de sua imagem, o que, ao fim, conduziria a uma perda pecuniária
na atividade empresarial. Porém, esse cenário não se verifica no caso de
suposta violação da imagem ou da honra de pessoa jurídica de direito público. REsp 1.258.389-PB, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 17/12/2013.
DIREITO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE
PRESTAR ALIMENTOS.
O
espólio de genitor do autor de ação de alimentos não possui legitimidade para
figurar no polo passivo da ação na hipótese em que inexista obrigação alimentar
assumida pelo genitor por acordo ou decisão judicial antes da sua morte.De
fato, o art. 23 da Lei do Divórcio e o art. 1.700 do CC estabelecem que a
“obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor”. Ocorre
que, de acordo com a jurisprudência do STJ e com a doutrina majoritária, esses
dispositivos só podem ser invocados se a obrigação alimentar já fora
estabelecida anteriormente ao falecimento do autor da herança por acordo ou
sentença judicial. Isso porque esses dispositivos não se referem à
transmissibilidade em abstrato do dever jurídico de prestar alimentos, mas
apenas à transmissão (para os herdeiros do devedor) de obrigação alimentar já
assumida pelo genitor por acordo ou decisão judicial antes da sua morte.
Precedentes citados: AgRg no REsp 981.180/RS, Terceira Turma, DJe 15/12/2010; e
REsp 1.130.742/DF, Quarta Turma, DJe 17/12/2012. REsp 1.337.862-SP, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 11/2/2014.
Ainda
que a união estável esteja formalizada por meio de escritura pública, é válida
a fiança prestada por um dos conviventes sem a autorização do outro. Isso porque o entendimento de
que a “fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia
total da garantia” (Súmula 332 do STJ), conquanto seja aplicável ao casamento,
não tem aplicabilidade em relação à união estável. De fato, o casamento
representa, por um lado, uma entidade familiar protegida pela CF e, por outro
lado, um ato jurídico formal e solene do qual decorre uma relação jurídica com
efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico. A união estável, por sua vez, embora
também represente uma entidade familiar amparada pela CF – uma vez que não há,
sob o atual regime constitucional, famílias estigmatizadas como de
"segunda classe" –, difere-se do casamento no tocante à concepção
deste como um ato jurídico formal e solene. Aliás, nunca se afirmou a completa
e inexorável coincidência entre os institutos da união estável e do casamento,
mas apenas a inexistência de predileção constitucional ou de superioridade
familiar do casamento em relação a outra espécie de entidade familiar. Sendo
assim, apenas o casamento (e não a união estável) representa ato jurídico
cartorário e solene que gera presunção de publicidade do estado civil dos
contratantes, atributo que parece ser a forma de assegurar a terceiros
interessados ciência quanto a regime de bens, estatuto pessoa, patrimônio
sucessório, etc. Nesse contexto, como a outorga uxória para a prestação de
fiança demanda absoluta certeza por parte dos interessados quanto à disciplina
dos bens vigente, e como essa segurança só é obtida por meio de ato solene e
público (como no caso do casamento), deve-se concluir que o entendimento
presente na Súmula 332 do STJ – segundo a qual a “fiança prestada sem
autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia” –,
conquanto seja aplicável ao casamento, não tem aplicabilidade em relação à
união estável. Além disso, essa conclusão não é afastada diante da celebração
de escritura pública entre os consortes, haja vista que a escritura pública
serve apenas como prova relativa de uma união fática, que não se sabe ao certo
quando começa nem quando termina, não sendo ela própria o ato constitutivo da
união estável. Ademais, por não alterar o estado civil dos conviventes, para
que dela o contratante tivesse conhecimento, ele teria que percorrer todos os
cartórios de notas do Brasil, o que seria inviável e inexigível. REsp 1.299.866-DF, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 25/2/2014.
DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL
DOS JUROS DE MORA DE OBRIGAÇÃO POSITIVA, LÍQUIDA E COM TERMO CERTO.
Em ação
monitória para a cobrança de débito decorrente de obrigação positiva, líquida e
com termo certo, deve-se reconhecer que os juros de mora incidem desde o
inadimplemento da obrigação se não houver estipulação contratual ou legislação
específica em sentido diverso. De início, os juros moratórios são os que,
nas obrigações pecuniárias, compensam a mora, para ressarcir o credor do dano
sofrido em razão da impontualidade do adimplemento. Por isso, sua disciplina
legal está inexoravelmente ligada à própria configuração da mora. É importante
destacar que, por se tratar de direito disponível, as partes podem convencionar
o percentual dos juros de mora e o seu termo inicial, hipótese em que se fala
em juros de mora contratual. Quando, porém, não há previsão contratual quanto a
juros, ainda assim o devedor estará obrigado ao pagamento de juros moratórios,
mas na forma prevista em lei (juros legais). Quanto ao aspecto legal, o CC
estabelece, como regra geral, que a simples estipulação contratual de prazo
para o cumprimento da obrigação já dispensa, uma vez descumprido esse prazo,
qualquer ato do credor para constituir o devedor em mora. Aplica-se, assim, o
disposto no art. 397 do CC, reconhecendo-se a mora a partir do inadimplemento
no vencimento (dies
interpellat pro homine) e, por força de consequência, os juros de
mora devem incidir também a partir dessa data. Assim, nos casos de
responsabilidade contratual, não se pode afirmar que os juros de mora devem
sempre correr a partir da citação, porque nem sempre a mora terá sido constituída
pela citação. O art. 405 do CC (“contam-se os juros de mora desde a citação
inicial"), muitas vezes empregado com o objetivo de fixar o termo inicial
dos juros moratórios em qualquer hipótese de responsabilidade contratual, não
se presta a tal finalidade. Geograficamente localizado em Capítulo sob a
rubrica "Das Perdas e Danos", esse artigo disciplinaria apenas os
juros de mora que se vinculam à obrigação de pagar perdas e danos. Ora, as
perdas e danos, de ordinário, são fixadas apenas por decisão judicial. Nesse
caso, a fixação do termo inicial dos juros moratórios na data da citação se
harmoniza com a regra implícita no art. 397, caput, de que nas
obrigações que não desfrutam de certeza e liquidez, a mora é ex
persona, ou seja, constitui-se mediante interpelação do credor.
Precedentes citados: REsp 1.257.846-RS, Terceira Turma, DJe 30/4/2012; e REsp
762.799-RS, Quarta Turma, DJe 23/9/2010. EREsp 1.250.382-PR, Rel. Min. Sidnei Beneti,
julgado em 2/4/2014.
DIREITO EMPRESARIAL.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS EM CONTRATOS DE CRÉDITO RURAL. RECURSO REPETITIVO (ART.
543-C DO CPC E RES. 8/2008 DO STJ).
A
legislação sobre cédulas de crédito rural admite o pacto de capitalização de
juros em periodicidade inferior à semestral. Diante da pacificação do tema,
publicou-se a Súmula 93 do STJ, segundo a qual “a legislação sobre cédulas de
crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de
juros". Assim, nas cédulas de crédito rural, industrial e comercial, a
capitalização semestral dos juros possui autorização ex
lege, não dependendo de pactuação expressa, a qual, por sua vez, é
necessária para a incidência de juros em intervalo inferior ao semestral. Essa
disciplina não foi alterada pela MP 1.963-17, de 31/3/2000. Com efeito, há
muito é pacífico no STJ o entendimento de que, na autorização contida no art.
5º do Decreto-Lei 167⁄1967, inclui-se a permissão para a capitalização dos
juros nas cédulas de crédito rural, ainda que em periodicidade mensal, desde
que pactuada no contrato (“as importâncias fornecidas pelo financiador vencerão
juros às taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar e serão exigíveis em 30
de junho e 31 de dezembro ou no vencimento das prestações, se assim acordado
entre as partes; no vencimento do título e na liquidação, por outra forma que
vier a ser determinada por aquele Conselho, podendo o financiador, nas datas
previstas, capitalizar tais encargos na conta vinculada a operação”). A
autorização legal está presente desde a concepção do título de crédito rural
pela norma específica, que no particular prevalece sobre o art. 4º do Decreto
22.626⁄1933 (Lei de Usura), e não sofreu qualquer influência com a edição da MP
1.963-17⁄2000 (2.170-36⁄2001). REsp 1.333.977-MT, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, julgado em 26/2/2014.
DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL.
PREÇO A SER DEPOSITADO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA EM ARRENDAMENTO
RURAL.
Em ação
de adjudicação compulsória proposta por arrendatário rural que teve
desrespeitado o seu direito de preferência para a aquisição do imóvel, o preço
a ser depositado para que o autor obtenha a transferência forçada do bem (art.
92, § 4°, da Lei 4.505/1964) deve corresponder àquele consignado na escritura
pública de compra e venda registrada no cartório de registro de imóveis, ainda
que inferior ao constante do contrato particular de compra e venda firmado
entre o arrendador e o terceiro que tenha comprado o imóvel. De fato, o art. 92 do Estatuto
da Terra (Lei 4.504/1964) e o art. 45 do Dec. 59.566/1966 (que regulamentou a
lei) preveem expressamente o direito de preferência, legal e real, outorgado ao
arrendatário como garantia do uso econômico da terra explorada por ele, direito
que é exclusivo do preferente em adquirir o imóvel arrendado, em igualdade de
condições, sendo uma forma de restrição ao direito de propriedade do
arrendante. Dessa maneira, vendendo o arrendador o imóvel sem a notificação do
arrendatário, aparece a pretensão do arrendatário em ver declarada a invalidade
do negócio entre arrendador e o terceiro, adjudicando o imóvel ao preemptor,
desde que realizada no prazo decadencial de seis meses, e desde que efetuado o
depósito do preço. Realmente, no tocante ao preço, nem a lei nem o seu
regulamento foram suficientemente claros sobre qual seria o valor a ser
depositado. A interpretação sistemática e teleológica do comando legal leva à
conclusão de que o melhor norte para definição do preço a ser depositado pelo
arrendatário é aquele consignado na escritura pública de compra e venda
registrada em cartório. Isso porque a própria lei estabelece como marco legal
para o exercício do direito de preferência a data da transcrição da escritura
pública no registro de imóveis, ou seja, confere ao arrendatário o prazo de 6
meses para depositar o preço constante do ato de alienação do imóvel a que teve
conhecimento por meio da transcrição no cartório imobiliário. Nessa linha de
intelecção, por consectário lógico, o arrendatário, ao tomar conhecimento do
ato da alienação no registro de imóveis, verifica o preço lá declarado –
constante da escritura pública – e efetua o depósito (se houver o intento na
aquisição do imóvel), exercendo, no momento próprio, a faculdade que o
ordenamento jurídico vigente lhe concedeu. Não se pode olvidar que a escritura
pública é um ato realizado perante o notário que revela a vontade das partes na
realização de negócio jurídico, revestida de todas as solenidades prescritas em
lei, isto é, demonstra de forma pública e solene a substância do ato, gozando o
seu conteúdo de presunção de veracidade, trazendo maior segurança jurídica e
garantia para a regularidade da compra. Com efeito, referido instrumento é
requisito formal de validade do negócio jurídico de compra de imóvel em valor
superior a 30 salários mínimos (art. 108 do CC), justamente por sua maior
segurança e por expressar a realidade econômica da transação, para diversos
fins. Outrossim, não podem o arrendador e o terceiro se valerem da própria
torpeza para impedir a adjudicação compulsória, haja vista que simularam
determinado valor no negócio jurídico publicamente escriturado, mediante
declaração de preço que não refletia a realidade, com o fito de burlar a lei ‑
pagando menos tributo. REsp 1.175.438-PR, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 25/3/2014.
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