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segunda-feira, 19 de agosto de 2013

"Função do colegiado é justamente promover o dissenso", por Damares Medina.



E se fosse chicana?

Função do colegiado é justamente promover o dissenso



Por Damares Medina*
Artigo publicado originalmente no Conjur em 18/08/2013.

“O processo não é somente ciência do direito processual, não é somente técnica de sua aplicação prática, senão que é também leal observância das regras do jogo, é dizer, fidelidade aos cânones não escritos de correção profissional que marcam o limite entre a elegante e meritória mestria do esgrimista perfeito e as torpes arteirices do fulheiro”.[1]

O segundo dia do julgamento dos recursos dos réus do mensalão (como ficou popularmente conhecida a Ação Penal 470) foi marcado por desentendimentos entre os ministros relator e revisor, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivamente, do Supremo Tribunal Federal. Para o ministro Joaquim Barbosa a sessão se delongara demais e o ministro Lewandowski estaria a fazer chicana ao votar. O fato não é inédito, já no julgamento do mérito da AP 470, revisor e relator desentenderam-se a ponto de o então presidente do STF, ministro Ayres Britto, assegurar “o direito de prosseguir no livre exercício de seu voto” ao ministro Lewandowski.

De lá, para cá, mudaram a fase processual (trata-se de recurso e da última chance de revisão do julgamento) e a função do relator (o ministro Joaquim Barbosa é, ao mesmo tempo, relator e presidente do tribunal, o que lhe permitiu encerrar imediatamente a sessão em razão do desentendimento).

Uma leitura institucional remete-nos a algumas questões relevantes como a razão de ser dos órgãos colegiados, o papel do dissenso, os papéis do revisor, do relator e do presidente, os embargos nas ações penais originárias do STF e o direito de decidir do juiz.

Todo órgão judicial revisional deve ser colegiado. A função do colégio não é outra senão promover o dissenso, a discordância, a divergência, caso contrário, não seria preciso mais de um. No popular: ‘duas cabeças pensam melhor que uma’. Muito antes de a filosofia destacar a função da antítese no aperfeiçoamento das reflexões e do pensamento filosófico (seja a partir da dialética hegeliana, da alteridade kantiana ou do consenso habermasiano), a teoria darwiniana já apoiava evolução das espécies na diversidade, na contradição, no dissenso. Até o senso comum denuncia: ‘toda unanimidade é burra’.

É por amor ao dissenso que os órgãos colegiados não podem ter um número par de membros. Desde Minerva, havendo o empate, o presidente deverá ser o fiel da balança. No STF, ao contrário de Minerva (que votou exclusivamente em função do empate), o presidente sempre vota, e, no caso de empate, poderá votar em dobro, um verdadeiro voto de qualidade (que foi exercido uma vez pelo ministro Cezar Peluso, então presidente, por ocasião do processo que ficou conhecido como Ficha Limpa, nos Embargos de Declaração interpostos pelo senador Jader Barbalho).

O exercício dialético recomenda: se para alguns a sessão se delongara, para quem está ou poderá um dia se vir na situação de réu, com a sua liberdade ameaçada, com certeza não há demora. Afinal, o jogo só acaba quando a última decisão transitar em julgado. O que parece chicana a uns, para outros pode ser a mais genuína pedra de salvação. Esse é o papel fundamental do contraditório, seja ele entre as partes, seja ele entre os pares, ministros do STF. Sem o contraditório em sua mais ampla acepção, não existe processo válido, e sem o processo válido não se alcança a Justiça.

A função do revisor ancora-se na imprescindibilidade da antítese e do dissenso para o aperfeiçoamento dos julgamentos penais. O revisor deve atuar como antítese do relator, de forma a alcançar o mais aperfeiçoado resultado, essa é sua função institucional. O exercício do voto revisional deve ser assegurado livre de quaisquer tipos de censura, pressões ou coações, sob pena de mácula ao devido processo legal, um direito e garantia fundamental de todos nós cidadãos. O presidente do tribunal tem o dever de assegurar aos seus pares o livre exercício do direito de voto. Por isso a acumulação das funções de relator e presidente, pelo ministro Joaquim Barbosa, mereceu repúdio dos defensores dos réus, haja vista a evidente concentração de poder que pode desequilibrar o jogo processual.

Essa problemática torna-se ainda mais sensível nos casos de competência originária do STF, órgão de cúpula do Poder Judiciário. Se, de um lado, os réus do mensalão possuem direito a foro privilegiado, de outro, eles perdem o direito ao duplo grau de jurisdição. O STF é, ao mesmo tempo, julgador e revisor. O julgamento dos embargos é a única e última oportunidade de revisão da decisão, seja mediante a correção de erros, omissões ou contradições, ou mediante a revisão do entendimento. Ainda que essa revisão signifique uma volta atrás. Trata-se última chance de os réus verem sua liberdade salvaguardada.

Dir-se-á que os embargos não se prestam a efeitos infringentes. Com toda láurea devida ao dissenso (unânime, majoritário ou não), no caso das ações penais originárias do STF, os embargos funcionam como um duplo grau, se não de jurisdição, pelo menos de julgamento. Está na constituição que todos merecem uma segunda chance, por que não os “mensaleiros”?

Ao fim, mas não menos importante, a decisão do juiz é a culminância do processo judicial e o ápice da Jurisdição, o poder do Estado de dar o Direito. Ao decidir o juiz está investido do Estado, sendo ele próprio o Estado. Todo juiz tem o direito e o dever de decidir, divergir e corrigir a sua decisão sem nenhum tipo de hostilização (seja do presidente, dos pares, seja pela delonga ou até mesmo pela inverosimilhança dos argumentos). Mais do que princípio constitucional, o livre convencimento do juiz é um dos pilares da construção do Brasil democrático. É um direito do ministro, do réu e de seu advogado. É um direito de todos nós advogados e de todos nós cidadãos! Por isso, para que o dissenso não desborde em desentendimento, é sempre bom lembrar que o Supremo Tribunal constrói mais do que Justiça, constrói o Brasil.





[1] CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1999, v. 3, p. 229.



*Damares Medina é advogada especializada em contencioso constitucional, mestre e doutoranda em Direito e professora de Direito Constitucional. Autora do livro "Amicus Curiae, Amigo da Corte ou Amigo da Parte".


Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2013.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Isonomia de defesa e prazo para resposta preliminar no CPP

Por Fábio Medina Osório
Artigo publicado originalmente no Portal Migalhas (link)



O art. 396 do CPP disciplina que o acusado terá o prazo de dez dias para apresentar resposta à acusação, por meio da qual deverá, nos termos do que prevê o art. 396-A, do mesmo diploma legal, "arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas". Ocorre que referido dispositivo legal não pode ser interpretado isoladamente, mas dentro do contexto constitucional, de tal modo que resulta fundamental visualizar sua correta interface com os princípios do Direito Sancionador ou do Direito Publico punitivo. 

Para possibilitar atendimento integral do previsto no citado dispositivo legal, é evidente que, em casos com pluralidade de sujeitos no polo passivo de um processo penal, o prazo estabelecido pelo diploma processual deve ser interpretado em sintonia com o principio da isonomia e paridade de armas na defesa, o que se aplica não apenas aos relacionamentos entre acusados e acusadores, mas, também e sobretudo, entre os próprios acusados, cujos interesses podem ser conflitantes no processo sancionador, pena de violação do previsto no art. 5o, LV da CF, bem assim no art. 8o, 2, c do decreto-lei 678/92 (que introduziu no ordenamento brasileiro o Pacto de São José da Costa Rica). 

Sobremaneira com o advento do processo eletrônico, a sistemática processual gera situação talvez não prevista originariamente, mas certamente injusta e arbitrária: o aporte da peça defensiva deve ocorrer a partir da citação pessoal do denunciado, o que gera diferenciados prazos e, sem dúvida, diferenciadas vantagens ou desvantagens processuais, na medida em que a alguns acusados é dada a faculdade de conhecer as manifestações de outros corréus e, portanto, articularem estratégias mais vantajosas.

Admitindo o art. 3° do CPP a aplicação da analogia, desde que em consonância com o princípio favor rei, resulta necessário, em casos de pluralidade de agentes como acusados, a adoção do critério estipulado pelos arts. 191 c/c 241, inciso III do CPC, que determina o fluxo do prazo de manifestação, a partir da juntada aos autos do último mandado citatório. Tal providência ensejaria não apenas a dilargação dos prazos defensivos – o que homenageia o principio da ampla defesa – como também um tratamento isonômico aos corréus, que poderiam optar pelo cumprimento comum ou separado do prazo de resposta. 

Um dos aspectos mais relevantes do Direito Publico punitivo, ou da teoria do Direito Sancionador, reside no fluxo e contrafluxo de princípios reitores e da globalização das fontes, a partir das interfaces entre os sistemas e subsistemas jurídicos. Os ideais de segurança jurídica, harmonia e consistência sistêmica devem ser buscados como um todo pelos intérpretes, corrigindo distorções legislativas na perspectiva dos direitos fundamentais protegidos constitucionalmente. 





terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Uma década do Código Civil Brasileiro

O Portal Migalhas traz três importantes reportagens relembrando o fato de que há 10 anos o Código Civil Brasileiro era sancionado pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

Acesse as reportagens: Código Civil de 2002 comemora uma década; Dez anos de Código Civil. Livres Reflexões; Série de Artigo do Professor Sílvio Venosa sobre o Código Civil.

Em uma delas, o artigo do jurista Sílvio de Salvo Venosa que, dada a importância da abordagem, está transcrito abaixo. Boa leitura!


Dez anos de Código Civil. Livres reflexões.

                                                                                                                     Sílvio de Salvo Venosa¹
 

Quando completa dez anos desde a sua promulgação, a aplicação do Código Civil de 2002 nos leva necessariamente a meditar sobre vários de seus aspectos. Esse período coincide com a ascensão econômica de nosso país no contexto mundial e com a ebulição de uma crise desnecessária e inédita no Poder Judiciário em torno, principalmente, de gestão de poderes.


É importante acentuar que essa azáfama envolvendo assuntos administrativos fundamentais do Judiciário desenlaça um desânimo por parte dos magistrados na sua arte de julgar e em rebaixamento de sua moral. Isso nos leva a considerar que a figura do juiz, no Código Civil deste século, colocou o magistrado como peça fundamental na utilização do estatuto. Aproxima em muito a atividade do juiz brasileiro dos julgadores do sistema anglosaxão, com as denominadas cláusulas abertas, presentes em inúmeros artigos, convoca o julgador para aplicar a melhor solução que o caso concreto requer, dando-lhe um espaço amplo de escolha. Recorde-se o emblemático art. 421, que menciona que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Essa norma, aberta ou genérica, dentre as inúmeras desse gênero presentes no Código, deve ser preenchida pelo julgador no caso concreto. A função social avalia-se na concretude do direito. Esse quadro deve merecer deslinde que não coloque em risco a segurança jurídica, um dos pontos delicados das cláusulas abertas. Esse é o grande desafio do julgador. Assim, não se pode apontar aprioristicamente se um contrato atende ou não o interesse social. Quando o julgador concluir que um contrato, no todo ou em parte, desvia-se de sua função social, deverá extirpar sua eficácia ou, se for o caso, adaptá-lo às necessidades sociais, tal como o fará com as cláusulas abusivas. Nisso o direito pátrio, como acentuado, se aproxima muito do direito inglês e norteamericano.

Essa atividade jurisdicional, muito acentuada no presente Código, exige do magistrado, além de suas qualidades elementares, perspicácia social e elevada cultura, além de tranquilidade comportamental, nem sempre presentes nas atuais gerações. A tormentosa crise do Judiciário é mais um fator de inquietação para o jurisdicionado. A mais fundamental de todas as qualidades desse aplicador do Direito, a se manifestar palpitantemente nas cláusulas abertas, é a vocação. Magistrado que busca a carreira, apenas para galgar degraus de funcionário público, será sempre um mau julgador. Infelizmente as nossas faculdades de Direito, com níveis precários, com as exceções conhecidas, não dão o necessário realce ao futuro profissional dos acadêmicos e a esse aspecto vocacional, não só para a magistratura, mas para o vasto campo profissional que se abre ao bacharel. O magistrado, ademais, deve ser sempre um homem do seu tempo, antenado na sociedade que o cerca, uma pessoa do mundo, mundano na acepção mais técnica do termo. Muito foi feito nesse decênio em torno da correta aplicação das cláusulas abertas, mas o seu caminho, como tudo em Direito, será sempre um desafio.

Lembrando da forma como foi conduzida a promulgação do Código no início deste século, sem uma participação mais efetiva dos civilistas, várias lacunas foram observadas no estatuto e algumas incongruências que foram colocadas como um peso enorme para os julgadores. O projeto originário dessa lei remonta ao início dos anos 70 e muito necessitava ser adaptado à Constituição atual e aos novos anseios e conquistas sociais. A promulgação de um Código no século XXI se mostra surpreendente para o mundo ocidental, numa época em que se torna cada vez mais difícil colocar todo um ramo do direito de modo ordenado em uma única lei. A tendência é que os códigos se reduzam a princípios gerais, nos quais a parte geral do Código se mostra efetiva, como a base do direito brasileiro, e princípios obrigacionais. A tendência dos chamados microssistemas ou estatutos se faz cada vez mais acentuada, de forma a gravitar em torno de códigos, estes cada vez mais genéricos e sintéticos. São muitos os exemplos, como o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto das Cidades, dentre tantos. O Projeto do Estatuto das Famílias pretende extirpar todo o livro de família do Código Civil, a corroborar o que afirmamos. A tendência é que tenhamos um microssistema registrário, que abrangerá o Direito Imobiliário, e em outros campos do Direito Civil, como o do livro das sucessões. Esse caminho não é só do Direito Civil, mas também de outros campos, como o Direito Penal, cujo código se restringirá cada vez mais à parte geral.

Como se percebe, a problemática da codificação neste século nada mais tem a ver com o que ocorreu quando da elaboração dos primeiros códigos da história, em torno dos séculos XVIII e XIX. A era tecnológica nos trouxe outros desafios. Dentre estes, avulta a atividade hermenêutica da doutrina e a exegese dos tribunais, sob novas vestes. A lei e a doutrina manterão sua importância no direito de origem romano germânica, porém cada vez mais avultará a importância dos precedentes, da jurisprudência numa aproximação com os países de língua inglesa, onde ocorre justamente o oposto, em fenômeno que cada vez mais aproxima os dois sistemas, ambos procurando atingir o melhor ideal de justiça, por caminhos diferentes no curso de sua história.

Nesses dez anos do Código, período que ora se abre, que estas singelas reflexões sirvam de homenagem a uma lei que, embora com imperfeições como toda obra humana, engrandece sobremaneira a cultura brasileira, como também o fizera o Código de 1916.



¹ Sílvio de Salvo Venosa foi juiz no Estado de São Paulo por 25 anos. Aposentou-se como membro do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil, passando a integrar o corpo de profissionais de grandes escritórios jurídicos brasileiros


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