A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se recursos especiais interpostos pelo BANCO BRADESCO S.A. e por J.C.F.B., com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF/88, contra acórdão proferido pelo TJ/MS.
Ação: revisional de contrato, ajuizada por FG Engenharia e Construções Ltda. em desfavor do BRADESCO. O pedido foi julgado parcialmente procedente, para declarar a ilegalidade de determinadas cláusulas, condenando o banco a restituir “os valores eventualmente pagos a maior em face da adequação do contrato. Tendo em vista que a autora decaiu de parte mínima do pedido, arcará a requerida com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios na razão de 10% do valor da condenação, nos termos do art. 21, parágrafo primeiro, do CPC” (fl. 434/441, e-STJ).
Execução: como nenhuma das partes apelou da sentença, operou-se o seu trânsito em julgado (fl. 447, e-STJ), tendo o primeiro recorrente, patrono da autora, dado início à execução dos honorários advocatícios, mediante apresentação de memória
descriminada e atualizada do cálculo, nos termos do art. 475-B do CPC, alcançando o valor de R$2.743.540,78 (fl. 460, e-STJ).
Determinada a intimação do BRADESCO nos termos do art. 475-J do CPC, a instituição financeira se antecipou, garantiu o juízo e apresentou impugnação, alegando excesso de execução, afirmando que o crédito seria de apenas R$12.064,81 (fls. 583/588, e-STJ).
Decisões
interlocutórias: diante da gritante disparidade entre os valores
encontrados pelo credor e pelo banco, o Juiz, num primeiro momento,
determinou a realização de cálculo pelo contador judicial (fls. 659/662, e-STJ), mas, após a oposição de embargos de declaração, reconheceu de ofício a existência de erro material na sentença que lastreia a execução, afirmando que os honorários foram fixados com base no § 3º do art. 20 do CPC, quando, na realidade, deveriam ter sido fixados nos termos do § 4º, e, por conseguinte, reviu o valor da verba, arbitrando-a em R$18.000,00 (fls. 674/677, e-STJ).
Agravo de instrumento: interposto pelo primeiro recorrente, J.C.F.B., contra a decisão que modificou o valor dos seus honorários advocatícios (fls. 02/21, e-STJ).
Acórdão: o TJ/MS deu parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do acórdão (fls. 711/720, e-STJ) assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. ERRO MATERIAL NÃO VERIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA COM CUNHO CONDENATÓRIO. FIXAÇÃO DA VERBA EM PERCENTUAL. POSSIBILIDADE. QUANTUM EXCESSIVO. REDUÇÃO ADMITIDA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
Nada impede que a fixação dos honorários advocatícios tomando como parâmetro o juízo de equidade do art. 20, § 3º, alíneas “a”, “b” e “c”, do CPC, seja feita em percentual sobre o valor da condenação, não caracterizando erro material.
Constatado que a verba honorária foi fixada em valor excessivo, esta deve ser reduzida em conformidade com os critérios previstos nas alíneas do §3º do art. 20 do CPC.
Recurso provido em parte.
Embargos de declaração: interpostos por J.C.F.B., foram rejeitados pelo TJ/MS (fls. 737/742, e-STJ).
Recurso especial de J.C.F.B.: aponta violação dos arts. 20, §§ 3º e 4º, 128, 460 e 471 do CPC, bem como dissídio jurisprudencial (fls. 745/763, e-STJ).
Recurso especial do BRADESCO: alega dissídio jurisprudencial (fls. 813/819, e-STJ).
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/MS admitiu ambos os recursos especiais (fls. 897/898 e 902/903, e-STJ).
É o relato do necessário.
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a lide a determinar se é possível, em sede de execução de título judicial, a revisão do valor fixado a título de honorários advocatícios na sentença da fase de conhecimento e, em caso afirmativo, se na hipótese específica dos autos a verba foi arbitrada de modo exagerado.
Inicialmente, cumpre salientar que as partes atacam o mesmo ponto do acórdão recorrido, qual seja, a revisão dos honorários advocatícios, de modo que ambos os recursos especiais serão apreciados conjuntamente.
I. Os cálculos apresentados pelo credor e a impugnação do devedor. Em primeiro lugar, vale ressaltar que, ao contrário do sustentado pelo BRADESCO, não houve irregularidade na apresentação, pelo credor, de memória do cálculo com base no art. 475-B do CPC, pois a apuração do valor da condenação dependia tão somente de operações aritméticas.
Note-se, por oportuno, que o fato de os cálculos aritméticos serem de alguma complexidade e de resultarem em valor significativo, por si só, não impede a liquidação na forma do art. 475-B do CPC, cujo §3º autoriza o Juiz a se valer do contador do juízo sempre que “a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exequenda”.
Por outro lado, também não procede a alegação de J.C.F.B., de que a instituição financeira teria deixado transcorrer in albis o prazo para impugnação dos cálculos. O Capítulo que trata da liquidação de sentença (arts. 475-A a 475-H do CPC) não prevê a possibilidade de o executado se insurgir contra os cálculos apresentados pelo credor antes de garantida a execução, providência que, em princípio, só poderá ser adotada em sede de impugnação.
Na prática, apresentada a memória de cálculo pelo credor, o Juiz, constatando sua regularidade (repise-se: se houver dúvida poderá valer-se do contador do juízo, mas mesmo nessa hipótese não cabe manifestação do devedor), determinará a intimação do executado, nos termos do art. 475-J do CPC, para, no prazo de 15 dias, pagar ou nomear bens à penhora.
Sendo assim, até a concretização da penhora, via de regra não se aceita a insurgência do devedor contra o débito exequendo. Essa assertiva é confirmada pela redação do art. 475-J, § 1º, do CPC, que condiciona o oferecimento da impugnação à constrição de bens do devedor.
Conclui-se portanto que, via de regra, eventual insurgência do devedor quanto a suposto excesso de execução deve ser manifestada por intermédio de impugnação, depois de penhorados bens para garantia do juízo. Tanto é assim que o excesso de execução é expressamente previsto no art. 475-L, V, do CPC como uma das matérias em que pode se fundar a impugnação à execução de título judicial.
Não se ignora a possibilidade de o devedor fazer uso da exceção de pré-executividade, fruto de construção doutrinária, amplamente aceita pela jurisprudência, inclusive desta Corte, como meio de defesa prévia do executado, independentemente de garantia do juízo. Todavia, não se trata de medida a ser obrigatoriamente utilizada pelo devedor, que pode optar por se defender mediante prévia garantia do juízo.
Dessarte, não se verifica, na hipótese dos autos, a preclusão do direito de o BRADESCO se insurgir contra a memória de cálculo apresentada pelo credor.
II. Da modificação do valor dos honorários advocatícios. Violação dos arts. 20, §§ 3º e 4º, 128, 460 e 471 do CPC.
Da análise do acórdão recorrido, constata-se que o TJ/MS entendeu que os honorários advocatícios relativos à sentença proferida na fase de conhecimento estavam sujeitos a cálculo com base no § 3º do art. 20 do CPC, mas que a verba havia sido fixada em patamar exagerado, tendo optado por reduzi-la de 10% do valor da condenação para a quantia fixa de R$100.000,00.
Nesse aspecto, cito decisão da Corte Especial, no sentido de que, “omitindo-se a decisão na condenação em honorários advocatícios, deve a parte interpor embargos de declaração, na forma do disposto no art. 535, II, CPC. Não interpostos tais embargos, não pode o Tribunal, quando a decisão passou em julgado, voltar ao tema, a fim de condenar o vencido no pagamento de tais honorários. Se o fizer, terá afrontado a coisa julgada” (REsp 886.178/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 25.02.2010).
Vale mencionar, também, precedente da 1ª Turma, afirmando que, “estando a execução dos honorários advocatícios baseada em título judicial transitado em julgado, não há que se falar em percentual diverso do estabelecido pela sentença que os fixou, não sendo possível modificar o percentual para 1%, eis que a questão se encontra acobertada pela coisa julgada material” (REsp 1.105.265/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 22.10.2009).
Faço alusão, por fim, a julgado da 5ª Turma, assentando que “o trânsito em julgado da sentença do processo de conhecimento a atinge integralmente, inclusive no que diz respeito à base de cálculo utilizada para o arbitramento dos honorários advocatícios, tornando descabida sua modificação em sede de execução de título judicial, por tal matéria estar protegida pelo manto da coisa julgada (REsp 1.017.273/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 17.11.2008).
Na mesma linha de raciocínio dos precedentes acima transcritos, há tantos outros, entre os quais destaco: REsp 289.065/SP, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha,
DJ de 13.03.2006; REsp 462.742/SC, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, DJ de 31.05.2004; e REsp 226.873/PR, 4ª Turma, Rel.
Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 19.12.2003; todos consignando que o capítulo da sentença relativo aos honorários advocatícios se encontra sujeito à imutabilidade decorrente da coisa julgada. Diante disso é forçoso concluir pela impossibilidade de se revisar, em sede de execução, o valor de verba honorária fixada na sentença, transitada em julgado, proferida na fase de conhecimento.
Acrescente-se por oportuno que, como bem frisou o TJ/MS, na hipótese específica dos autos, não se está diante de simples erro material, exsurgindo claramente da sentença relativa à fase de conhecimento que o Juiz fixou os honorários advocatícios com base no §3º do art. 20 do CPC, opção, aliás, absolutamente escorreita, visto que sua decisão, ainda que sujeita a liquidação, foi evidentemente de cunho condenatório, não se cogitando da incidência da regra do §4º.
Não bastasse o fato de a decisão em questão estar coberta pelo manto da coisa julgada, verifica-se que o TJ/MS também incidiu em equívoco ao, tendo admitido que os honorários haviam sido arbitrados com supedâneo no §3º do art. 20 do CPC, ter reduzido a verba para valor aquém do limite mínimo de 10% previsto no dispositivo legal.
O STJ possui entendimento pacífico no sentido de que apenas nas causas sem condenação é que se mostra viável a fixação de honorários advocatícios aquém ou além dos limites previstos no art. 20, § 3º, do CPC, ressalvando-se apenas as ações em que for sucumbente a Fazenda Pública. Confiram-se, à guisa de exemplo, os seguintes precedentes: REsp 1.046.110/MG, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 27.02.2009; AgRg no REsp 986.347/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 07.04.2008; e AgRg no REsp 604.304/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 01.07.2004.
Sendo assim, por qualquer ângulo que se analise a questão, conclui-se pela impossibilidade de alteração, na execução, do valor arbitrado a título de honorários advocatícios na sentença relativa à fase de conhecimento.
Constata-se,
na realidade, a desídia da instituição financeira, que sequer apelou da
sentença proferida no âmbito da fase de conhecimento, conformando-se
com a condenação imposta, inclusive no que tange à verba honorária.
Porém, se como alega o próprio BRADESCO, houver de fato excesso nos cálculos apresentados por J.C.F.B. – circunstância a ser provada em sede de execução e da respectiva impugnação – a presente decisão em nada prejudicará o banco, pois os honorários advocatícios serão calculados com base no efetivo valor da condenação que, de acordo com a instituição financeira, em 31.10.2006 correspondia a R$120.064,81, e não aos R$27.435.407,80 encontrados pelo credor.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial do BANCO BRADESCO S.A. e DOU PROVIMENTO ao recurso especial de J.C.F.B. para determinar que a execução dos honorários advocatícios se dê com base no percentual de 10% do valor da condenação imposta na respectiva fase de conhecimento.