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sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Direito Processual Penal - Administrativo - Constitucional - Tema: Tribunal do Júri - jurisprudência selecionada - STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE RETIRADA DOS AUTOS POR QUALQUER DAS PARTES NOS CINCO DIAS ANTERIORES AO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI.

Não configura ilegalidade a determinação do Juiz-Presidente do Tribunal do Júri que estabeleça a proibição de retirada dos autos por qualquer das partes, inclusive no caso de réu assistido pela Defensoria Pública, nos cinco dias que antecedam a realização da sessão de julgamento. Com efeito, deve-se considerar lícita a referida limitação, já que tem por objetivo garantir a concretização de princípios materiais do processo, equilibrando a prerrogativa legal da Defensoria Pública com o direito das demais partes. É certo que o art. 128, VII, da LC 80/1994 confere à Defensoria Pública a prerrogativa de ter vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias, ressalvadas as vedações legais. Por sua vez, dispõe o art. 803 do CPP que, salvo nos casos expressos em lei, é proibida a retirada de autos do cartório, ainda que em confiança, sob pena de responsabilidade do escrivão. Ocorre que, na hipótese, a solução da controvérsia exige a ponderação entre os dispositivos legais, à luz do princípio da igualdade e da necessidade de garantir a amplitude da defesa e do contraditório, nos termos do art. 5º, LV, da CF. Nesse contexto, afigura-se razoável e proporcional equacionar a prerrogativa de retirada dos autos de uma das partes com o direito da outra de realizar vista em cartório. RMS 41.624-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 7/5/2013.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Revisão jurisprudencial 2014 - Direito Administrativo e Constitucional - STJ - Informativos 535 a 538



DIREITO ADMINISTRATIVO. SURDEZ UNILATERAL EM CONCURSO PÚBLICO.
Candidato em concurso público com surdez unilateral não tem direito a participar do certame na qualidade de deficiente auditivo. Isso porque o Decreto 5.296/2004 alterou a redação do art. 4º, II, do Decreto 3.298/1999 – que dispõe sobre a Política Nacional para Integração de Pessoa Portadora de Deficiência ‑ e excluiu da qualificação “deficiência auditiva” os portadores de surdez unilateral. Vale ressaltar que a jurisprudência do STF confirmou a validade da referida alteração normativa. Precedente citado do STF: MS 29.910 AgR, Segunda Turma, DJe 1º/8/2011. MS 18.966-DF, Rel. Min. Castro Meira, Rel. para acórdão Min. Humberto Martins, julgado em 2/10/2013.

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA APENAS EM FACE DE PATICULAR.
Não é possível o ajuizamento de ação de improbidade administrativa exclusivamente em face de particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda. De início, ressalta-se que os particulares estão sujeitos aos ditames da Lei 8.429/1992 (LIA), não sendo, portanto, o conceito de sujeito ativo do ato de improbidade restrito aos agentes públicos. Entretanto, analisando-se o art. 3º da LIA, observa-se que o particular será incurso nas sanções decorrentes do ato ímprobo nas seguintes circunstâncias: a) induzir, ou seja, incutir no agente público o estado mental tendente à prática do ilícito; b) concorrer juntamente com o agente público para a prática do ato; e c) quando se beneficiar, direta ou indiretamente do ato ilícito praticado pelo agente público. Diante disso, é inviável o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente contra o particular. Precedentes citados: REsp 896.044-PA, Segunda Turma, DJe 19/4/2011; REsp 1.181.300-PA, Segunda Turma, DJe 24/9/2010. REsp 1.171.017-PA, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 25/2/2014.

DIREITO ADMINISTRATIVO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO EM CONTRATO DE PERMISSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO.
Não há garantia da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de permissão de serviço de transporte público realizado sem prévia licitação. Precedentes citados: AgRg nos EDcl no REsp 799.250-MG, Segunda Turma, DJe 4/2/2010, e AgRg no Ag 800.898-MG, Segunda Turma, DJe 2/6/2008. REsp 1.352.497-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 4/2/2014.

DIREITO ADMINISTRATIVO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL EM CONCURSO PÚBLICO.
Na fase de investigação social em concurso público, o fato de haver instauração de inquérito policial ou propositura de ação penal contra candidato, por si só, não pode implicar a sua eliminação. A eliminação nessas circunstâncias, sem o necessário trânsito em julgado da condenação, viola o princípio constitucional da presunção de inocência. Precedentes citados do STF: ARE 754.528 AgR, Primeira Turma, DJe 28/8/2013; e AI 769.433 AgR, Segunda Turma, DJe 4/2/2010; precedentes citados do STJ: REsp 1.302.206-MG, Segunda Turma, DJe 4/10/2013; EDcl no AgRg no REsp 1.099.909-RS, Quinta Turma, DJe 13/3/2013 e AgRg no RMS 28.825-AC, Sexta Turma, DJe 21/3/2012. AgRg no RMS 39.580-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 11/2/2014.

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA, INCLUÍDOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS, E JUROS NA COMPLEMENTAÇÃO DE TDA.
Em desapropriação para fins de reforma agrária, é possível a incidência de juros e de correção monetária, com a inclusão dos expurgos inflacionários, no cálculo de complementação de título da dívida agrária (TDA). Precedente citado: REsp 1.321.842-PE, Segunda Turma, DJe 24/10/2013.AgRg no REsp 1.293.895-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 11/2/2014.

DIREITO ADMINISTRATIVO. EXAME PSICOLÓGICO EM CONCURSO PÚBLICO.

É admitida a realização de exame psicotécnico em concursos públicos se forem atendidos os seguintes requisitos: previsão em lei, previsão no edital com a devida publicidade dos critérios objetivos fixados e possibilidade de recurso. Precedentes citados do STF: MS 30.822-DF, Segunda Turma, DJe 26/6/2012; e AgRg no RE 612.821-DF, Segunda Turma, DJe 1º/6/2011. RMS 43.416-AC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/2/2014.

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE PREFERÊNCIA DOS IDOSOS NO PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS.
O direito de preferência em razão da idade no pagamento de precatórios, previsto no art. 100, § 2º, da CF, não pode ser estendido aos sucessores do titular originário do precatório, ainda que também sejam idosos. De fato, os dispositivos constitucionais introduzidos pela EC 62/2009 mencionam que o direito de preferência será outorgado aos titulares que tenham 60 anos de idade ou mais na data de expedição do precatório (art. 100, § 2º, da CF) e aos titulares originais de precatórios que tenham completado 60 anos de idade até a data da referida emenda (art. 97, § 18, do ADCT). Além disso, esse direito de preferência é personalíssimo, conforme previsto no art. 10, § 2º, da Resolução 115/2010 do CNJ. RMS 44.836-MG, Rel. Ministro Humberto Martins, julgado em 20/2/2014.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PERSONALIDADE JUDICIÁRIA DAS CÂMARAS MUNICIPAIS.
A Câmara Municipal não tem legitimidade para propor ação com objetivo de questionar suposta retenção irregular de valores do Fundo de Participação dos Municípios. Isso porque a Câmara Municipal não possui personalidade jurídica, mas apenas personalidade judiciária, a qual lhe autoriza tão somente atuar em juízo para defender os seus interesses estritamente institucionais, ou seja, aqueles relacionados ao funcionamento, autonomia e independência do órgão, não se enquadrando, nesse rol, o interesse patrimonial do ente municipal. Precedente citado: REsp 1.164.017-PI, Primeira Seção, DJe 6/4/2010. REsp 1.429.322-AL, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/2/2014.

DIREITO ADMINISTRATIVO. EXAME MÉDICO PARA INGRESSO EM CARGO PÚBLICO.
O candidato a cargo público federal pode ser eliminado em exame médico admissional, ainda que a lei que discipline a carreira não confira caráter eliminatório ao referido exame. Isso porque a inspeção de saúde é exigência geral direcionada a todos os cargos públicos federais (arts. 5º, VI, e 14 da Lei 8.112/1990), daí a desnecessidade de constar expressamente na lei que disciplina a carreira da qual se pretende o ingresso. Ademais, a referida inspeção clínica não se confunde com o teste físico ou psicológico, os quais são exigências específicas para o desempenho de determinados cargos e, portanto, devem possuir previsão legal em lei específica. Precedente citado: REsp 944.160-DF, Quinta Turma, DJe 6/12/2010. AgRg no REsp 1.414.990-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 3/4/2014.



quarta-feira, 18 de setembro de 2013

STF: Nulidade de acórdão por ausência de fundamentação específica tem repercussão geral


O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência repercussão geral no tema tratado no Recurso Extraordinário (RE) 719870, em que se discute a validade de acórdão por ausência de fundamentação sobre ponto relevante para a análise de constitucionalidade de norma impugnada por meio de ação direta de inconstitucionalidade estadual. No caso dos autos, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP-MG) questiona decisão do Tribunal de Justiça mineiro que declarou a constitucionalidade de três leis de Além Paraíba (MG) que criaram cargos em comissão no âmbito daquela municipalidade.

A Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG) assentou a constitucionalidade das Leis municipais 2.604/2008, 2.186/2003 e 2.079/2001. No entendimento do colegiado, aos cargos em comissão por elas criados corresponderiam funções de chefia, direção e assessoramento, motivo pelo qual não haveria ofensa aos artigos 21, parágrafo 1º, e 23 da Constituição estadual. Aquela corte apontou ainda a necessidade de análise de questão fática, bem como de matéria legal, para verificação da correspondência entre os cargos criados e as suas atribuições.


RE


No RE interposto ao Supremo, o MP mineiro alega inicialmente omissão do TJ-MG que, mesmo após a interposição de embargos de declaração, não teria analisado todas as questão apresentadas, o que afrontaria o artigo 93, inciso IX, da CF, que trata da necessidade de fundamentação das decisões judiciais.

No mérito, o MP-MG aponta violação ao artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal, uma vez que os cargos criados pelos diplomas legais questionados seriam de caráter meramente técnico, e as atividades atinentes a eles não possuiriam vínculo de confiança inerente às funções de chefia e assessoramento. O MP afirma, também, que o STF tem entendimento pacífico no sentido da impossibilidade de criação de cargos em comissão para o exercício de funções técnicas e operacionais.

Ainda conforme o recorrente, o legislador municipal de Além Paraíba não especificou as atividades concernentes a vários dos cargos instituídos pelas mencionadas leis. Aponta, ainda, entre as omissões do TJ-MG, que o voto condutor do julgamento não se teria manifestado sobre o fato de apenas 4 dos 114 cargos de provimento em comissão criados pelas leis impugnadas possuírem as atribuições descritas nos preceitos por ele atacados.

Repercussão

O relator do recurso no STF, ministro Marco Aurélio, ao se manifestar pela repercussão geral da matéria, lembrou que o TJ-MG decidiu que todos os cargos indicados nas normas trazem atividades de chefia, assessoramento e coordenação (direção). Assim, segundo o TJ, não se constataria a incompatibilidade com o texto constitucional.

Conforme destacou o relator, o MP-MG apresentou embargos de declaração buscando ver explicitado pelo tribunal estadual o que está previsto na legislação quanto aos cargos, para a indispensável definição de enquadramento, ou não, na exceção ao concurso público. Contudo os embargos foram desprovidos.

“A persistir o quadro, estará inviabilizado o acesso ao Supremo, brecando o tribunal de origem o exame cabível”, destacou o ministro. Em sua manifestação, o ministro Marco Aurélio destacou que o acórdão da corte mineira inviabilizou o acesso ao STF, violando “norma comezinha alusiva ao devido processo legal”.

Ao reconhecer a repercussão geral do tema, a manifestação foi seguida, por maioria, por deliberação no Plenário Virtual da Corte.


Fonte: Portal STF (link)
Processos relacionados
RE 719870
 
 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

"Função do colegiado é justamente promover o dissenso", por Damares Medina.



E se fosse chicana?

Função do colegiado é justamente promover o dissenso



Por Damares Medina*
Artigo publicado originalmente no Conjur em 18/08/2013.

“O processo não é somente ciência do direito processual, não é somente técnica de sua aplicação prática, senão que é também leal observância das regras do jogo, é dizer, fidelidade aos cânones não escritos de correção profissional que marcam o limite entre a elegante e meritória mestria do esgrimista perfeito e as torpes arteirices do fulheiro”.[1]

O segundo dia do julgamento dos recursos dos réus do mensalão (como ficou popularmente conhecida a Ação Penal 470) foi marcado por desentendimentos entre os ministros relator e revisor, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivamente, do Supremo Tribunal Federal. Para o ministro Joaquim Barbosa a sessão se delongara demais e o ministro Lewandowski estaria a fazer chicana ao votar. O fato não é inédito, já no julgamento do mérito da AP 470, revisor e relator desentenderam-se a ponto de o então presidente do STF, ministro Ayres Britto, assegurar “o direito de prosseguir no livre exercício de seu voto” ao ministro Lewandowski.

De lá, para cá, mudaram a fase processual (trata-se de recurso e da última chance de revisão do julgamento) e a função do relator (o ministro Joaquim Barbosa é, ao mesmo tempo, relator e presidente do tribunal, o que lhe permitiu encerrar imediatamente a sessão em razão do desentendimento).

Uma leitura institucional remete-nos a algumas questões relevantes como a razão de ser dos órgãos colegiados, o papel do dissenso, os papéis do revisor, do relator e do presidente, os embargos nas ações penais originárias do STF e o direito de decidir do juiz.

Todo órgão judicial revisional deve ser colegiado. A função do colégio não é outra senão promover o dissenso, a discordância, a divergência, caso contrário, não seria preciso mais de um. No popular: ‘duas cabeças pensam melhor que uma’. Muito antes de a filosofia destacar a função da antítese no aperfeiçoamento das reflexões e do pensamento filosófico (seja a partir da dialética hegeliana, da alteridade kantiana ou do consenso habermasiano), a teoria darwiniana já apoiava evolução das espécies na diversidade, na contradição, no dissenso. Até o senso comum denuncia: ‘toda unanimidade é burra’.

É por amor ao dissenso que os órgãos colegiados não podem ter um número par de membros. Desde Minerva, havendo o empate, o presidente deverá ser o fiel da balança. No STF, ao contrário de Minerva (que votou exclusivamente em função do empate), o presidente sempre vota, e, no caso de empate, poderá votar em dobro, um verdadeiro voto de qualidade (que foi exercido uma vez pelo ministro Cezar Peluso, então presidente, por ocasião do processo que ficou conhecido como Ficha Limpa, nos Embargos de Declaração interpostos pelo senador Jader Barbalho).

O exercício dialético recomenda: se para alguns a sessão se delongara, para quem está ou poderá um dia se vir na situação de réu, com a sua liberdade ameaçada, com certeza não há demora. Afinal, o jogo só acaba quando a última decisão transitar em julgado. O que parece chicana a uns, para outros pode ser a mais genuína pedra de salvação. Esse é o papel fundamental do contraditório, seja ele entre as partes, seja ele entre os pares, ministros do STF. Sem o contraditório em sua mais ampla acepção, não existe processo válido, e sem o processo válido não se alcança a Justiça.

A função do revisor ancora-se na imprescindibilidade da antítese e do dissenso para o aperfeiçoamento dos julgamentos penais. O revisor deve atuar como antítese do relator, de forma a alcançar o mais aperfeiçoado resultado, essa é sua função institucional. O exercício do voto revisional deve ser assegurado livre de quaisquer tipos de censura, pressões ou coações, sob pena de mácula ao devido processo legal, um direito e garantia fundamental de todos nós cidadãos. O presidente do tribunal tem o dever de assegurar aos seus pares o livre exercício do direito de voto. Por isso a acumulação das funções de relator e presidente, pelo ministro Joaquim Barbosa, mereceu repúdio dos defensores dos réus, haja vista a evidente concentração de poder que pode desequilibrar o jogo processual.

Essa problemática torna-se ainda mais sensível nos casos de competência originária do STF, órgão de cúpula do Poder Judiciário. Se, de um lado, os réus do mensalão possuem direito a foro privilegiado, de outro, eles perdem o direito ao duplo grau de jurisdição. O STF é, ao mesmo tempo, julgador e revisor. O julgamento dos embargos é a única e última oportunidade de revisão da decisão, seja mediante a correção de erros, omissões ou contradições, ou mediante a revisão do entendimento. Ainda que essa revisão signifique uma volta atrás. Trata-se última chance de os réus verem sua liberdade salvaguardada.

Dir-se-á que os embargos não se prestam a efeitos infringentes. Com toda láurea devida ao dissenso (unânime, majoritário ou não), no caso das ações penais originárias do STF, os embargos funcionam como um duplo grau, se não de jurisdição, pelo menos de julgamento. Está na constituição que todos merecem uma segunda chance, por que não os “mensaleiros”?

Ao fim, mas não menos importante, a decisão do juiz é a culminância do processo judicial e o ápice da Jurisdição, o poder do Estado de dar o Direito. Ao decidir o juiz está investido do Estado, sendo ele próprio o Estado. Todo juiz tem o direito e o dever de decidir, divergir e corrigir a sua decisão sem nenhum tipo de hostilização (seja do presidente, dos pares, seja pela delonga ou até mesmo pela inverosimilhança dos argumentos). Mais do que princípio constitucional, o livre convencimento do juiz é um dos pilares da construção do Brasil democrático. É um direito do ministro, do réu e de seu advogado. É um direito de todos nós advogados e de todos nós cidadãos! Por isso, para que o dissenso não desborde em desentendimento, é sempre bom lembrar que o Supremo Tribunal constrói mais do que Justiça, constrói o Brasil.





[1] CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1999, v. 3, p. 229.



*Damares Medina é advogada especializada em contencioso constitucional, mestre e doutoranda em Direito e professora de Direito Constitucional. Autora do livro "Amicus Curiae, Amigo da Corte ou Amigo da Parte".


Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2013.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Deixem em paz o princípio da presunção de inocência



Por Pierpaolo Cruz Bottini *
Publicado originalmente no Conjur (link) em 08/01/2013.

"É mais fácil formular uma acusação que destruí-la, como é mais fácil abrir uma ferida que curá-la" (Faustin Helie, 1866). 

Escrever sobre a presunção de inocência pareceria, a princípio, tarefa fácil, uma vez que a garantia é consagrada pela Constituição, sacramentada por diplomas internacionais e repetidas vezes destacada em decisões judiciais como elemento fundador de um Estado de Direito.
No entanto, é preciso sempre indicar a importância, os fundamentos dos princípios e regras, mesmo que consolidados, para resguardar sua existência. E com mais veemência quando observamos frequentes manifestações pela relativização da garantia em questão, apontando-a como causa da impunidade e da tibieza estatal no combate à criminalidade.
Por isso, inauguramos a coluna em 2013 com algumas reflexões sobre o tema, talvez mais em tom de desabafo — ou de angústia — do que de análise técnica.

Origens e evolução da presunção de inocência

A ideia de que todos são inocentes até manifestação judicial definitiva em contrário é antiga. Bem antiga. Há quem aponte passagens da presunção de inocência no Direito romano[1]. De qualquer forma, a consagração do princípio na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 revela que já há alguns séculos a vedação da punição antes da confirmação judicial da culpa era tida como sustentáculo de um modelo jurídico racional.

Mas nem tudo o que é sólido é mantido eternamente em tal estado, como diria um velho pensador político. A presunção de inocência foi mitigada nos anos que antecederam aos regimes totalitários da primeira metade do século XX, em especial por juristas italianos que viam no instituto uma ideiairracional. Por todos, citemos Manzini, que desenvolveu a ideia da substituição da presunção da inocência pela presunção da não culpabilidade[2]Para o autor, o magistrado carece de condições para atestar ou presumir a inocência de alguém. Pode, no máximo, afastar a pretensão da acusação de declará-lo culpado, mas isso não significa inocência. Significa que os indícios colhidos pela investigação foram contraditados suficientemente pela defesa, afastando as premissas para uma condenação.
Ainda que revestida de cuidados retóricos, a proposta de Manzini desembocava na presunção de culpabilidade, pois para o autor cabia à defesa afastar os indícios colhidos pelo órgão estatal, ou ao menos deixar o juiz em dúvida (a incerteza ou a dúvida leva à declaração de não culpabilidade, mas não à inocência) [3]. Partia-se do princípio que as teses da acusação eram sustentáveis em si, e se não rebatidas, levavam à condenação. Invertiam-se os sinais, as incumbências das partes, e feria-se de morte a presunção de inocência.
No Brasil, tais ideias permearam a legislação do Estado Novo. O Decreto-lei 88/37 — que instituiu o Tribunal de Segurança Nacional — previa no artigo 20, 5, que “presume-se provada a acusação, cabendo ao réu prova em contrário, sempre que tenha sido preso com arma na mão, por ocasião de insurreição armada, ou encontrada com instrumento ou documento do crime”. Assim, a prática de crimes graves e o estado de flagrância suprimia a presunção de inocência, em uma fórmula não muito distante daquela adotada por alguns diplomas legislativos em vigor.
Passada a 2ª Grande Guerra, o princípio voltou a almejar caráter universal, a ponto de ser incluído expressamente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (art. XI) no Pacto de San José da Costa Rica (art. 8º), e em diversos textos constitucionais nacionais, dentre os quais no nosso, no conhecido inciso LVII do artigo 5º, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Contornos da presunção de inocência no Brasil

Com a previsão expressa da presunção de inocência na Carta Maior[4], aos poucos foram relegados à inconstitucionalidade dispositivos legais que impunham restrições de direitos em decorrência dejuízos provisórios de culpa, assim caracterizadas as decisões de magistrados ou tribunais sem caráter definitivocomo a chamada execução provisória da pena, que admitia, com base em dispositivos do Código de Processo Penal, a antecipação da sanção penal após condenação em segundo grau, mesmo que não transitada em julgado (por exemplo, na pendência de recurso especial ou extraordinário)[5].

No paradigmático HC 84.078-7/MG (julgado em 5.2.2009), o Pleno do STF decidiu pela inconstitucionalidade dessa execução provisória da pena. A decisão de impedir a execução da penaantes do trânsito em julgado da decisão condenatória foi criticada por alguns como contraproducentesob a perspectiva político criminal. Alegava-se que a morosidade do processo penal e o elevado número de recursos disponíveis, somada à necessidade do trânsito em julgado para a imposição da pena, conferiam uma sensação de impunidade, pois deixavam livres agentes já condenados em duas instâncias.
Diante de tais manifestações, o ministro Eros Grau, relator do Habeas Corpusem questão, foi enfático: “A prevalecer o entendimento que só se pode executar a pena após o trânsito em julgado das decisões do RE e do Resp, consagrar-se-á, em definitivo, a impunidade. Isso  eis o fecho de outro argumento  porque os advogados usam e abusam de recursos e de reiterados Habeas Corpus, ora pedindo a liberdade, ora a nulidade da ação penal. Ora  digo eu agora  a prevalecerem essas razões contra o texto da Constituição melhor será abandonarmos o recinto e sairmos por aí, cada qual com o seu porrete, arrebentando a espinha e a cabeça de quem nos contrariar. Cada qual com o seu porrete! Não recuso significação ao argumento, mas ele não será relevante, no plano normativo, anteriormente a uma possível reforma processual, evidentemente adequada ao que dispuser a Constituição. Antes disso, se prevalecer, melhor recuperarmos nossos porretes...”.
Assim, restou — naquele momento — consolidada a presunção de inocência, com o rechaço pela Corte Constitucional de qualquer imposição antecipada de pena antes do trânsito em julgado. E nessa linha seguiu o ministro Joaquim Barbosa, ao negar pedido de prisão dos réus na Ação Penal 470 antes de condenação definitiva.

Imposição automática de medidas cautelares processuais penais de caráter pessoal

A consolidação da presunção de inocência, no entanto, foi distorcida por um fenômeno legislativo recorrente: a imposição automática de medidas cautelares pessoais diante da gravidade dos crimes imputados.

Inúmeras leis foram aprovadas pelo Congresso Nacional estabelecendo a prisão preventiva obrigatória de réus acusados da prática de determinados crimes, sob a forma de vedação de liberdade provisória. A Lei 8.072/90, artigo 2º, II (crimes hediondos), Lei 9.613/98, artigo 3º (lavagem de dinheiro), Lei 10.826/03, artigo 21 (armas) Lei 11.343/06, artigo 44 (drogas), previam que em caso de prisão em flagrante, o agente não poderia ser beneficiado com a liberdade provisória dada a gravidade do delito imputado. Em outras palavras, o legislador impunha a prisão cautelar automática aos presos em flagrante.
Com o passar do tempo, tais preceitos também foram declarados inconstitucionais — em caráter incidental ou abstrato — por sua incompatibilidade com a presunção de inocência[6]. Notou o STF, em diversas oportunidades, que tais dispositivos não passavam de subterfúgio para mitigar a presunção constitucional de inocência[7]. As medidas cautelares — prisão e mesmo outras menos gravosas — justificam-se diante de um comportamento do réu no sentido de turbar a investigação ou a persecução. A imposição de restrições a direitos automáticas, sem qualquer análise da conduta concreta do afetado, não tem natureza cautelar — pois não estão atreladas a fatos que indiquem a possibilidade de perecimento de direito ou bens — mas caracterizam uma sanção antecipada. Não por acaso, estão sempre ligadas à gravidade do crime, à hediondez da imputação, ou seja, a uma acusação cuja demonstração está ainda em curso, cuja constatação requer o exaurimento de uma instrução ainda em andamento[8].
Em outras palavras, a cautelar automática é uma execução antecipada da pena, uma vez que carece de justificativa instrumental. Portanto, conflita claramente com a presunção de inocência, sendo corretamente declarada inconstitucional em diversas oportunidades pela Corte Maior.

Mitigações à presunção de inocência

No entanto, mesmo com toda a vigilância jurisprudencial, não raro são aprovadas leis incompatíveis com a presunção de inocência. Embora não se admitam mais regras que imponham execução antecipada da pena, ou prisão preventiva obrigatória, outras tantas formas de afetação da presunção de inocência foram aprovadas pelo Legislativo e até mesmo chanceladas pelo Judiciário.

É o que ocorreu com a chamada Lei da Ficha Limpa. A Lei Complementar 135/2010 estabeleceu que são inelegíveis todos os condenados por órgão colegiado pela prática de alguns crimes elencados na norma (ex. crimes contra a fé pública, o patrimônio público ou privado, o sistema financeiro[9]). Em outras palavras, a norma previu a inelegibilidade daquele que foi considerado culpado em julgamento proferido por mais de uma pessoa, mesmo que tal decisão não seja definitiva, não tenha transitado em julgado.
Sabe-se que o STF declarou tal dispositivo constitucional (ADPF 4.578), mas isso não o isenta de críticas, nem impede que se aponte sua incompatibilidade com a presunção de inocência, como já apontamos em Coluna anterior[10].
Da mesma forma, a nova redação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98, com a redação alterada pela Lei 12.683/12) afronta a presunção de inocência ao prever o afastamento automático do servidor público em caso de indiciamento pelo crime de lavagem de dinheiro.Pelo artigo 17-D, sempre que a autoridade policial indiciar um servidor público por lavagem de dinheiro, a consequência imediata, automática, será seu afastamento do cargo.
Mais uma vez, mitiga-se a presunção de inocência, ao impor ao réu uma pesada medida cautelar constritiva sem fundamento processual, como mera antecipação de pena, calcada em decisão provisória do delegado de Polícia[11].
Da mesma forma, o projeto de lei de reforma do Código Penal, em trâmite no Senado Federal, propôs a criminalização do enriquecimento sem causa, definido como o ato de “adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar, ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis, cujo valor seja incompatível com os rendimento auferidos pelo funcionário público em razão de seu cargo ou por outro meio lícito” (art.227).
Tal proposta também viola o princípio em comento, pois parte da presunção de que o patrimônio não justificado do servidor público não só é fruto de ilícito, mas de ilícito penal, e impõe a ele a comprovação da origem legal dos bens[12], sob pena de criminalizar seu status patrimonial.

Conclusão

Parece claro que a presunção de inocência, embora consagrada constitucionalmente, vigora pela incessante atividade jurisdicional de vigilância, pela constante declaração de inconstitucionalidade de preceitos que, expressa ou veladamente, mitigam sua aplicação. Mesmo assim, são vezeiras leis ou propostas que afetam a regra, sempre calcadas no argumento de que o respeito à disposição constitucional aumenta a impunidade e enfraquece a política criminal, em especial nos casos de réus acusados de delitos graves.

O mais preocupante é que muitas destas propostas contam com amplo apoio popular, o que se explica nas palavras de Arnaldo Malheiros Filho: “Escravos aos leões, enforcamentos em praça pública, autos-de-fé com gente ardendo na fogueira sempre foram, ao longo da história, campeões de audiência. Nossa sociedade midiática só aprofunda o sucesso das execuções sem julgamento e sem “formalidades” que protejam os direitos individuais.”[13]
No entanto, vale aqui a lição de Rui Barbosa, para quem a gravidade dos delitos imputados ao réu apenas reforça a necessidade de respeito à presunção de inocência: “Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa, para os guardas da ordem social, a obrigação de não aventurar inferências, de não revelar prevenções, de não se extraviar em conjecturas (...) Não sigais os que argumentam com o grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados. Como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito.” [14]
A redução da impunidade não está atrelada ao enfraquecimento das garantias constitucionais. Ela passa pela racionalização do processo penal, pelo desenvolvimento de sistemas de inteligência policial, pelo cuidado das autoridades em evitar nulidades que atrasam a persecução. Existem várias formas de conferir eficiência ao sistema penal sem abrir mão dos preceitos e garantias construídos pelo tempo, que protegem o cidadão contra o arbítrio, contra o mau uso do ius puniendi.
Pelo exposto, resta claro que, apesar dos anseios por uma intervenção estatal mais aguda na liberdade em nome de uma pretensa segurança, ainda vigora um limite, um parâmetro constitucional e intransponível ao menos no Estado de Direito: a inocência como o estado original de todo o cidadão brasileiro.
Afastada tal garantia, seja pela fase processual, pela gravidade do delito, ou por qualquer outra justificativa atrelada a um juízo de culpa, restará desprotegido o cidadão perante o Estado e perante seus pares, submetido a restrições de direitos antes de considerações definitivas sobre as questões por ele alegadas. Esvaziado estará o Estado de Direito, e, nesse caso, como já disse o ministro Eros Grau: “melhor recuperarmos nossos porretes...”[15]



[1] Sobre o tema, vale a leitura de MORAES, Mauricio Zanoide, Presunção de inocência no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. Tambem um repasse histórico do tema no voto do Ministro Celso de Mello na ADPF 144/DF (j.06.08.08), que afirma já haver alusões à presunção de inocência no direito romano (´innocens praesumitur cujus nocentia non probatur´)  e em Tomás de Aquino.
[2] MANZINI, Vicenzo. Tratado de derecho penal. Tomo I. Trad. Santiago Sentis Melendo e Mariano Ayerra Redín. Buenos Aires: Ed. Juridicas Europa-America, 1951. Também sobre o tema, ver GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, e DELMANTO JR., Roberto, Desconsideração prévia
[3] Como ensina LOPES JR., “MANZINI chegou a estabelecer uma equiparação entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade”, Aury, em Direito processual penal e sua confrmidade constitucional, volume 1, 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p191.
[4] Há quem indique que a norma constitucional não reflete o principio da presunção de inocência,mas o princípio da não culpabilidade. Sobre o tema, ver BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Deixem em paz a presunção de inocência. Revista AASP, Ano XXXII, outubro 2012, n.117, p.184
[5] Nessa linha, NERY JUNIOR, Nelson, Principios do processo na Constituição Federal, 9ª ed. São Paulo: RT, 2009, p.298
[6] No STF, ver Habeas Corpus nº 82.959/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 23.02.2006 (inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990); ADI 3112, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 02.05.2007 (inconstitucionalidade do art.21 da Lei 10.826/03, HC 97.256, Relator Ministro Ayres Britto, julgado em 01.09.2010 (inconstitucionalidade do art.44 da Lei de Drigas).
[7] Vale anotar que JOSÉ FREDERICO MARQUES já apontava a inconstitucionalidade da cattura obligatoria em parecer de sua lavra emitido em 1989. Ver MARQUES, José Frederico. Pareceres. São Paulo: AASP, 1993, p.9-102. No mesmo sentido, JAÉN VALLEJO, Manuel. La presunción de inocência.Revista de derecho penal y procesal penal. Buenos Aires, n.2, p.355-370, out, 2004.
[8] Como afirma SUANNES, “nada justifica que alguém, simplesmente pela hediondez do fato que se lhe imputa, deixe de merecer o tratamento que sua dignidade de pessoa humana exige”, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo legal, in LOPES JR., Aury, em Direito processual penal e sua confrmidade constitucional, volume 1, 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.195
[9] A norma traz outras inelegibilidades, em decorrência de hipóteses distintas, mas aqui nos interessam apenas aquelas decorrentes de condenação criminal não transitada em julgado
[10] Lei da ficha limpa fere presunção de inocência, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-mar-13/direito-defesa-lei-ficha-limpa-fere-principio-presuncao-inocencia
[11] À incompatibilidade entre presunção de inocência e o art.17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro dedicamos a Coluna “O afastamento do servidor na lei de lavagem de dinheiro”, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-ago-14/direito-defesa-afastamento-servidor-lei-lavagem-dinheiro
[12] Proposta também objeto de discussão mais aprofundada em O enriquecimento ilícito e a presunção de inocência, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-mai-08/direito-defesa-enriquecimento-ilicito-presuncao-inocencia. Ver, ainda, Sobre o tema, ver MEDINA SALAS, Marco Antonio. Consideraciones sobre la inconstitucionalidad del delito de enriquecimento ilícito. Capitulo criminológico. Revista de las disciplinas del control social. Maracaibo, vol.37, n.1, p.133-152, jan. mar. 2009, passim.
[13] MALHEIROS FILHO, Arnaldo. Texto publicado no jornal Folha de São Paulo, seção Tendências e Debates, no dia 26.07.08
[14] BARBOSA, Rui, Novos discursos e conferências. São Paulo: Saraiva, 1933, p.75, e  O dever do advogado, Rio de Janeiro: Fundação Casa do Advogado/AIDE, 1985, p.19. Trechos também citados no voto do Ministro Celso de Mello no julgamento da ADPF 144/DF
[15] HC 84.078-7/MG (julgado em 05.02.2009)


* Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 8 de janeiro de 2013



terça-feira, 4 de setembro de 2012

Habeas data: instrumento raro na defesa do cidadão contra abusos totalitários

Fonte: STJ

Se em seus quase 25 anos de existência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou mais de 18 mil mandados de segurança e quase 250 mil habeas corpus, um terceiro “remédio constitucional” é bem mais raro. Os habeas data, concebidos como defesa do cidadão contra tendências totalitárias do estado, não chegam a 250. Quase empata com outro meio de garantia pouco conhecido: o mandado de injunção, que teve pouco mais de 200 casos.

Editorial de Folha de S.Paulo publicado em 1987 classificava a proposta como a mais original da Subcomissão de Direitos e Garantias Individuais do Congresso Constituinte: “De utilidade evidente, este dispositivo constitucional surge como reação aos abusos dos organismos de segurança e como limite ético ao uso da informática nos mais variados setores do país”, dizia o artigo.

Apesar de questionar a efetividade futura do instrumento no combate aos abusos de autoridade, o jornal concluía: “Uma alternativa sofisticada a favor da cidadania, o habeas data terá o sentido político de declarar o fim do estado inexpugnável. Obrigará maior transparência da parte do poder público e privado. Diante de todo um conjunto de propostas desconexas e irreais que vêm encontrando espaço no Congresso Constituinte, esta merece apoio irrestrito. É um passo adiante na democratização.”

A questão das investigações sigilosas com cunho político e a abertura de arquivos que o novo instituto proporcionaria dominavam o debate público da época.

Demanda reprimida 

Não por acaso, a primeira decisão concessiva de habeas data foi proferida dias após a promulgação da nova Constituição. Em 12 de outubro de 1988, a imprensa da época já registrava que o advogado Idibal Pivetta, antigo defensor de presos políticos, havia conseguido acesso aos arquivos referentes a si mantidos pela Polícia Federal. Ele afirmava aos jornais que as seis laudas datilografadas fornecidas pelo órgão continham diversos erros e omissões, que deveriam ser retificados com o processo.

Na mesma semana, a imprensa contava dezenas de pedidos de habeas data impetrados no Supremo Tribunal Federal (STF), que acabaram remetidos ao então Tribunal Federal de Recursos (TFR). A primeira ação no TFR foi movida por um bancário gaúcho contra o Serviço Nacional de Informações (SNI).

Criação brasileira 

A ação de habeas data é criação brasileira, proposta em 1985 por José Afonso da Silva aos constituintes. Segundo o subprocurador-geral da República Pedro Henrique Niess, inspirou-se em previsões constitucionais da China, Portugal e Espanha. O objetivo dessa ação é evitar que o estado armazene informações privadas incorretas ou excessivas a respeito do cidadão.

“Ao direito de ter a informação relativa a determinada pessoa, corresponde o dever de tê-la certa e assim passá-la, bem como respeitar o direito ao resguardo, ao segredo”, afirma Niess emartigo de 1990.

O hoje subprocurador explica que a ação seria adequada caso o organismo público se negasse a fornecer informações a respeito da própria pessoa alegando segredo. “O habeas data é uma ação constitucional que tem por objeto a proteção do direito líquido e certo que tem o impetrante de conhecer as informações relativas à sua pessoa que constem de registros ou bancos de dados de entidades públicas ou de caráter público, bem como o de retificar os dados que lhe servem de conteúdo, sendo gratuito seu exercício, independentemente de lei infraconstitucional”, completa.

Inutilidade 

Apesar da efervescência inicial, a ação perdeu interesse desde sua criação. No STJ, nos últimos quatro anos, dos 54 pedidos de habeas data, somente um foi concedido, em 2009. Apenas em 2006 o número de processos desse tipo passou o número de 20, ficando na média anual de nove casos.

Conforme o doutor em direito Willis Santiago Filho, por ser um desdobramento do mandado de segurança, alguns apontariam o habeas data como uma criação inútil da Constituição de 1988, por mais dificultar que facilitar o acesso aos direitos que já seriam garantidos pelo mandado de segurança.

O próprio doutrinador, porém, cita Silva para esclarecer que, na visão do propositor do instituto, o mandado de segurança é mais restrito, por exigir demonstração de direito líquido e certo. O habeas data, ao contrário, admitiria processo de conhecimento e produção de provas relativas à incorreção dos dados. Além disso, não seria destinado apenas contra agentes estatais, mas também a entidades privadas que mantivessem bancos de dados públicos.

Resistência 

A relevância do habeas data no início do atual ciclo republicano pode ser percebida por ter sido alçado, logo nos primeiros julgamentos, à condição de digno de ser sumulado. Diz a Súmula 2 do STJ, ainda vigente: “Não cabe o habeas data (CF, art. 5, LXXII, letra "a") se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa.”

Diante de ações de habeas data dirigidas diretamente ao Poder Judiciário, o TFR, e depois o STJ, entenderam não haver interesse de agir do impetrante se a autoridade administrativa não se opôs, de alguma forma, a fornecer a informação desejada.

Na época, a polêmica girava em torno de parecer da hoje extinta Consultoria Geral da República que autorizava os órgãos de segurança a negar o fornecimento de informações – e mesmo informar sobre a eventual existência de registros – que pudessem afetar a segurança nacional.

Para o ministro Ilmar Galvão, a exigência de resistência administrativa seria dispensável. No Habeas Data (HD) 4, seu voto vencido afirmava que o SNI, ao prestar informações, alegava que vinha fornecendo todos os dados requeridos pelos cidadãos de forma regular, ressalvadas apenas as situações de segurança nacional. Como o impetrante requeria acesso a todas as informações e o órgão se dispunha a fornecer apenas as que não se enquadrassem na Lei de Segurança Nacional, havia litígio e interesse de agir.

O entendimento não prevaleceu, porém. Conforme votou na ocasião o ministro Vicente Cernicchiaro, mantendo a jurisprudência estabelecida pelo TFR, o habeas data é ação constitucional de jurisdição contenciosa.

“Somente quando houver lesão, ou probabilidade de lesão a um direito, surgirá o interesse de agir, no sentido processual do termo, qual seja, a necessidade de ser solicitada a intervenção do estado através da atividade jurisdicional, a fim de a pretensão do autor ser acolhida, dada a resistência injustificada da contraparte”, asseverou.

“Não houve a postulação. Não houve a provocação. Em assim sendo, não surgiu, até agora, nenhuma lesão ou ameaça de lesão ao direito de conhecimento de registro de dados”, concluiu Cernicchiaro.

Da política à economia 

Passados 20 anos da promulgação da Constituição, o STJ analisou novo contorno do habeas data: os serviços de restrição ao crédito do consumidor. No HD 160, a Primeira Seção entendeu que a Lei 9.507/97, ao contrário da visão do inspirador do instituto em 1985, ao regulamentar a Constituição exigiu prova preconstituída do erro de informação. Não se poderia, portanto, no mesmo processo, exigir ser informado da existência de registro e ao mesmo tempo pretender retificá-lo.

No entanto, os impetrantes nesse caso conseguiram o direito de conhecer com precisão os dados que o Banco Central (BC) mantinha no Sistema Central de Risco de Crédito sobre eles. O BC alegava que já tinha atendido a solicitação, porém a ministra Denise Arruda entendeu de forma diversa.

“Trata-se de registros cadastrais de difícil compreensão para cidadãos que não tenham conhecimento do sistema operacional do banco. Dos referidos documentos não há como concluir se a inclusão dos demandantes no sistema ocorreu, ou não, em função de algum contrato realizado com o Banco do Brasil S⁄A ou com a BB Financeira S⁄A”, afirmou. Essas duas instituições estavam vedadas por ordem judicial de apresentar restrições ao crédito dos impetrantes.

“Ressalte-se que o fornecimento de informações insuficientes ou incompletas é o mesmo que o seu não fornecimento, legitimando a impetração da ação de habeas data”, concluiu a relatora.

FGTS 

Do mesmo modo, o STJ entendeu que a ação é cabível para atender a empresa que queira obter os extratos de depósitos de FGTS efetuados junto à Caixa Econômica Federal (CEF). O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) entendia que tais dados não eram pessoais e que os bancos de dados da CEF não eram públicos, já que usados apenas por si mesma.

A empresa alegava que os depósitos eram feitos em contas de sua titularidade, apenas vinculados individualmente aos empregados para garantir o eventual recebimento futuro. O ministro Castro Meira afirmou que o habeas data não seria cabível no caso de um extrato comum de conta bancária, que deveria ser tratado como matéria de consumidor, não interferindo nisso o fato de a empresa detentora do dado ser ou não pública.

Porém, no caso do FGTS, a Caixa assume função estatal de gestora do fundo, conforme definido em lei, justificando a concessão do habeas data (REsp 1.128.739).

O próprio STJ, porém, traz precedente (REsp 929.381) em que se concedeu habeas data contra a Caixa para que fornecesse extrato bancário comum. O ministro Francisco Falcão reconheceu como correta a decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que afirmou a legitimidade passiva da empresa pública para ação de habeas data, por exercer atividade do poder público. Submetida ao Supremo via recurso extraordinário, o processo não chegou a ser julgado naquele tribunal por acordo entre as partes.

Nocivo à Petrobras 

De modo similar, o STJ também teve como acertada a concessão de habeas data para que um empregado da Petrobras, demitido por ter sido classificado como “nocivo à empresa” em comunicação interna, tivesse acesso ao documento.

No REsp 1.096.552, a Segunda Turma entendeu que o registro mantido pela sociedade de economia mista diz respeito à pessoa do empregado, não configurando mera comunicação de uso interno.

“Não posso deixar de mencionar o objetivo primário do particular para impetrar o remédio constitucional: obtenção de documento probatório para reintegração de funcionário afastado do quadro da Petrobras, em razão de questões eminentemente políticas, ocorridas na época do regime militar”, afirmou a ministra Eliana Calmon.

“O impetrante tem evidente interesse de agir, uma vez que não lhe basta o conhecimento in abstrato da existência de algum documento ao qual materialmente não tem acesso”, completou.

Exame mental 

Uma servidora do Itamaraty também obteve direito de acessar exame psiquiátrico a que foi submetida enquanto lotada na embaixada brasileira em Nairóbi. Ela argumentava que, apesar de o Ministério das Relações Exteriores ter franqueado a ela o acesso a sua pasta funcional, os dados só iam até o ano 2000, antes de ter sido lotada no Quênia.

Ela disse que, embora tivesse realizado tais exames antes de deixar o Brasil, nos dois anos em que ficou no país africano havia sofrido acusações infundadas e sido submetida a novos exames.

Para o Itamaraty, as informações desejadas pela impetrante seriam de uso interno e exclusivo do órgão, o que afastaria o cabimento do habeas data. O ministro Nilson Naves divergiu. “Sucede, no entanto, que a garantia constitucional do habeas data é mais ampla e compreende o acesso a toda e qualquer informação, inclusive, no caso, àquelas presentes em comunicações oficiais (ofícios, memorandos, relatórios, pareceres etc.) mantidas entre a embaixada em Nairóbi e o Brasil, bem como àquelas contidas no respectivo prontuário médico, aí abrangida a conclusão do referido exame psiquiátrico”, entendeu o relator (HD 149).

Sigilo 

Para o STJ, a lei que regulou a ação constitucional também previu a possibilidade de restrição do acesso a informações sigilosas. No HD 56, a Terceira Seção decidiu de forma unânime que, se a lei estabelece um dado como sigiloso e de uso exclusivo da entidade detentora, não pode ser cedido a terceiros. No caso dos autos, tratava-se de promoção de oficial da Força Aérea, procedimento regulado por lei de 1994 e que atribuía caráter sigiloso a esse trabalho.

De modo similar, no HD 98, em que um desembargador procurava informações relativas a inquérito da “Operação Anaconda”, que tramitava em sigilo, a Primeira Seção entendeu que a medida constitucional não alcançava essa pretensão.

Afirmou o ministro Teori Zavascki: “No caso, pretende o impetrante ter acesso não exatamente a informações sobre sua pessoa ou, ainda, retificar dados constantes em repartições públicas, mas sim de obter informações de um inquérito, cuja finalidade precípua é a de elucidar a prática de uma infração penal e cuja quebra de sigilo poderá frustrar seu objetivo de descobrir a autoria e materialidade do delito.”

Herdeiros 

Também em 2008 o STJ entendeu que o direito de ação de habeas data se estende aos herdeiros. No HD 147, a Quinta Turma decidiu que o ministro da Defesa deveria fornecer informações funcionais sobre o marido para uma viúva de 82 anos, que aguardava havia mais de 12 meses a transcrição dos documentos.

Nota de concurso

O STJ já rejeitou o uso da ação constitucional como via de revisão de nota obtida em concurso público. Uma candidata a fiscal agropecuária federal tentou usar o habeas data para ter acesso aos critérios de correção da prova discursiva da banca examinadora. Segundo alegava, a nota era informação pessoal, e a banca se recusava a fundamentar a rejeição a seus recursos.

Para o ministro João Otávio de Noronha, a lei não previa nem mesmo implicitamente a possibilidade de tal medida para o fim pretendido pela candidata. A Primeira Seção também rejeitou a possibilidade de receber a ação como mandado de segurança, por inexistir no caso convergência entre o pedido e a causa de pedir do habeas data com eventual direito líquido e certo passível de proteção por mandado de segurança (HD 127).

Processo administrativo 

Também não é cabível o habeas data para se obter cópia de processo administrativo. Para o ministro Teori Zavascki, se o impetrante não busca apenas garantir o conhecimento de informações sobre si ou esclarecimentos sobre arquivos ou bancos de dados governamentais, não é caso para habeas data, mas de eventual mandado de segurança.

No recurso especial julgado pela Primeira Turma, um piloto buscava acesso a cópia integral de processo administrativo do Departamento de Aviação Civil (DAC) para posterior unificação de registros de horas de voo, de modo a habilitá-lo (REsp 904.447).

Homônima condenada

Em outro caso, porém, o STJ afastou a necessidade de habeas data para corrigir processo penal em que uma homônima foi condenada no lugar da verdadeira ré. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu que a homônima não poderia corrigir a condenação por meio de revisão criminal, que seria passível de ser movida apenas pelo próprio réu.

Conforme o TJRJ, para o efeito de correção de registro público, no caso o rol de culpados, seria necessária ação de habeas data. A Sexta Turma do STJ, porém, concedeu habeas corpus para afastar essa exigência e atender o pedido da condenada (HC 45081).

Fora o nome, os dados de qualificação da ré eram diferentes. Conforme a decisão do STJ, apesar de haver quase dez homônimas nos órgãos de identificação civil e fiscal, não foram realizadas diligências para verificar a verdadeira acusada. A homônima condenada só teria tomado conhecimento da acusação após o julgamento da apelação, quando foi votar, tendo o processo corrido todo à revelia.

Lei de acesso 

A nova lei de acesso à informação ainda não foi objeto de decisões do STJ. Porém, a princípio, não parece influenciar o regime do habeas data. Isso porque a lei ressalva de forma expressa a proteção das informações pessoais de seus instrumentos de transparência, enquanto a ação constitucional se destina exatamente a obtenção de informações pessoais pelo próprio interessado. Resta aguardar, porém, como a Justiça se manifestará diante de eventuais ações ligando ambos os institutos.

Processos HD 04HD 147HD 160, HD 127HD 56HD 98REsp 1128739REsp 929381REsp 1096552HD 149REsp 904447HC 45081

(Link para a notícia no portal Âmbito Jurídico)

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