Mostrando postagens com marcador stj. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador stj. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Novas súmulas - STJ: 643 e 644

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

TERCEIRA SEÇÃO

A Terceira Seção, na sessão ordinária de 10 de fevereiro de 2021, aprovou os seguintes enunciados de súmula, que serão publicados no Diário da Justiça eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, por três vezes, em datas próximas, nos termos do art. 123 do RISTJ.

SÚMULA N. 643

A execução da pena restritiva de direitos depende do trânsito em julgado da condenação.

Fonte: eDJ-STJ, Edição n. 3090, quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021.


 

SÚMULA N. 644

O núcleo de prática jurídica deve apresentar o instrumento de mandato quando constituído pelo réu hipossuficiente, salvo nas hipóteses em que é nomeado pelo juízo.

Fonte: eDJ-STJ, Edição n. 3090, quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021.


STJ: Contrato de serviços advocatícios não pode estipular penalidade para rompimento unilateral

 Notícia originalmente publicada no site do STJ (link)


Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no contrato de honorários advocatícios, não é possível a estipulação de penalidade para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato do advogado, independentemente de motivação, respeitado o direito de recebimento dos honorários proporcionais ao serviço prestado.

Com base nesse entendimento, o colegiado reformou o acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS).

No caso analisado pela turma, o contrato de prestação de serviços advocatícios tinha previsão de vencimento antecipado do valor integral dos honorários na hipótese de revogação unilateral do mandato por parte da cliente.

Os embargos opostos pela cliente à execução movida pela firma de advocacia foram julgados improcedentes em primeiro grau. O TJMS confirmou a sentença sob o argumento de que o contrato trazia disposição expressa de necessidade do pagamento do valor integral dos honorários na hipótese de revogação antecipada, caracterizando-se como título líquido, certo e exigível.

No recurso especial, a cliente alegou violação à função social dos contratos, ausência de certeza, liquidez e exigibilidade do título em execução e vulneração do princípio da confiança que deve nortear a relação cliente-advogado, em razão de cláusula que visava à vinculação dos contratantes de forma permanente.


Confiança recíproca

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, o Código de Ética e Disciplina da OAB prevê no artigo 16 – em relação ao profissional – a possibilidade de renúncia a patrocínio sem a necessidade de mencionar os motivos, sendo o mesmo raciocínio aplicável à hipótese de revogação unilateral do mandato por parte do cliente (artigo 17).

"Considerando que a advocacia não é atividade mercantil e não vislumbra exclusivamente o lucro, bem como que a relação entre advogado e cliente é pautada na confiança de cunho recíproco, não é razoável – caso ocorra a ruptura do negócio jurídico por meio de renúncia ou revogação unilateral do mandato – que as partes fiquem vinculadas ao que fora pactuado sob a ameaça de cominação de penalidade", observou.


Cláusula penal

Ao reformar o acórdão no ponto que tratou da validade da cobrança integral dos honorários contratados, a ministra destacou que a decisão de segunda instância acabou por referendar a aplicação de cláusula penal na situação de exercício de um direito potestativo – o qual não admite contestação, pois é prerrogativa jurídica de impor a outrem a sujeição ao seu exercício – por parte da cliente, materializado na revogação unilateral do mandato.

"A incidência da penalidade constante na referida cláusula contratual criou a situação, inusitada e antijurídica, de vinculação da recorrente/cliente de maneira permanente a uma relação contratual – ​nos termos do que fora descrito anteriormente – regida pela confiança recíproca, ausente de natureza mercantil e que não vislumbra exclusivamente o lucro. Dessa forma, o acórdão recorrido merece reforma", declarou.

Nancy Andrighi acrescentou que o título de crédito, no caso, não tem força executiva, pois não preenche todos os requisitos do artigo 783 do Código de Processo Civil, já que se fundamenta em contrato com cláusula inexigível – o que acarreta a iliquidez do crédito cobrado.

De forma unânime, a turma deu parcial provimento ao recurso especial, julgou procedentes os embargos à execução e declarou extinta a execução, sem prejuízo do ajuizamento de eventual ação de conhecimento para arbitramento de honorários. 

Leia o acórdão.


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1882117

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Princípio da autonomia e independência: STJ afirma que cooperativa central e conselheiros fiscais não respondem solidariamente por obrigações de cooperativa singular

 


Por Giselle Borges Alves*


Na publicação realizada neste blog no dia 20 de fevereiro de 2021 (link) foram ressaltadas as características dos princípios cooperativistas e como eles influenciam a organização, gestão e as normas aplicáveis às cooperativas.

Nesta segunda-feira, 22, o STJ trouxe notícia que remete à aplicação concreta do princípio da autonomia e independência das cooperativas, analisando seus vieses interpretativos. 

Como sabemos, a autonomia e independência das cooperativas garante que não hajam ingerências externas nas decisões tomadas por estas, o que também atrai a noção de responsabilidade exclusiva pelos atos que a cooperativa e seus gestores praticam no mercado, sob a égide desta autonomia organizacional e de gestão do empreendimento. Como sempre direitos geram deveres correlatos. Obrigações geram responsabilidade e limitações de atuação.

Neste sentido, o STJ apenas consagrou no julgamento do Recurso Especial 1778048, proveniente do TJMT, a independência e autonomia das Cooperativas Singulares em relação às Cooperativas Centrais, o que se aplica por extensão também para Federações e Confederações de Cooperativas, na medida que as cooperativas devem ser singularmente consideradas, diante da própria autonomia e independência na tomada de decisões. Assim, inaplicável a responsabilidade solidária entre Centrais e Cooperativas Singulares, ao menos em termos de direitos dos associados/cooperados, já que este foi o caso em análise no Recurso Especial.

No entanto, é preciso ponderar outras hipóteses de aplicação ou não da solidariedade, quando envolvam, por exemplo, direitos de consumidores, direitos trabalhistas de funcionários de cooperativas, entre outras searas obrigacionais e de responsabilidade. Por isso é sempre bom acompanhar a evolução da jurisprudência sobre o tema.

Abaixo segue a notícia completa e o link para acesso ao inteiro teor do acórdão do RESP 1778048.


-----

STJ - Decisão - 22/02/2021

Cooperativa central e conselheiros fiscais não respondem solidariamente por obrigações de cooperativa singular

Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu não haver responsabilidade solidária de cooperativa central na hipótese de liquidação de uma cooperativa singular a ela filiada. Ao reformar a​córdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), o colegiado também decidiu que os membros do conselho fiscal da cooperativa singular liquidada não são responsáveis pelos prejuízos suportados pelo cooperado.

O recurso julgado se originou de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por um cooperado contra a Central das Cooperativas de Crédito dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Sicoob Central MT/MS), a Cooperativa de Crédito Rural do Pantanal Ltda. e os administradores e integrantes do conselho fiscal desta última.

Segundo o processo, o cooperado fez aplicação financeira na Cooperativa Rural do Pantanal. Antes da data prevista para o resgate, a cooperativa encerrou suas atividades, e o dinheiro investido ficou bloqueado. A sentença condenou os administradores, a cooperativa central e a cooperativa singular, solidariamente, a restituir o valor aplicado e a pagar indenização por danos morais. O TJMT reformou parcialmente a sentença, para reconhecer a responsabilidade solidária dos demais réus, membros do Conselho Fiscal.

No recurso especial submetido ao STJ, a Sicoob Central MT/MS sustentou que os negócios firmados pela cooperativa singular são de sua exclusiva responsabilidade, não havendo solidariedade com a cooperativa central. Os integrantes do conselho fiscal da Cooperativa do Pantanal também apresentaram recurso especial requerendo a exclusão de sua responsabilidade.

Independência

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, o sistema cooperativo de crédito tem a finalidade de permitir acesso ao crédito e a realização de determinadas operações financeiras no âmbito de uma cooperativa, a fim de beneficiar seus associados. Ela afirmou que, ao longo de sua evolução normativa, foram privilegiadas a independência e a autonomia das cooperativas singulares, das centrais e das confederações.

Nos termos da regulamentação vigente – ressaltou Nancy Andrighi –, as cooperativas centrais do sistema cooperativo de crédito devem, entre outras funções, supervisionar o funcionamento das cooperativas singulares, em especial o cumprimento das normas que regem esse sistema.

"No entanto, sua atuação encontra um limite máximo, que é a impossibilidade de substituir a administração da cooperativa de crédito singular que apresenta problemas de gestão", completou.

De acordo com a magistrada, não há na legislação nenhum dispositivo que estabeleça responsabilidade solidária entre os diferentes órgãos que compõem o sistema de crédito cooperativo. "Eventuais responsabilidades de cooperativas centrais e de bancos cooperativos devem ser apuradas nos limites de suas atribuições legais e regulamentares", acrescentou.

Culpa ou dolo

A ministra destacou que o artigo 39 da Lei 6.024/1974 trata, única e exclusivamente, de responsabilidade subjetiva dos administradores e dos conselheiros fiscais da instituição financeira por seus atos ou omissões em que houver culpa ou dolo.

Segundo Nancy Andrighi, a melhor interpretação para a lei que trata da intervenção e da liquidação extrajudicial de instituições financeiras exclui os membros do conselho fiscal da responsabilidade solidária prevista para os administradores no artigo 40, restando, em relação aos conselheiros, apenas o disposto no artigo 39.

"Na hipótese em julgamento, tal conclusão implica a impossibilidade de se declarar a solidariedade dos membros do conselho fiscal pelos prejuízos causados com a liquidação da cooperativa singular, especialmente porque fundamentada apenas em uma suposta demora em sua atuação", disse a relatora.

Ao dar provimento aos recursos, a turma afastou a responsabilidade da Sicoob Central MT/MS e dos integrantes do conselho fiscal da cooperativa singular pelos prejuízos causados ao cooperado.

Leia o acordão.

Fonte da notícia: link



---------------------

*Giselle Borges Alves, Mestra em Direito pela Universidade de Brasília. Advogada, servidora pública e professora de disciplinas relacionadas ao Direito Privado e Direito Cooperativo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Recursos repetitivos: aplicação retroativa de normas do Código Florestal

Giselle Borges Alves


De acordo com notícia divulgada pelo site do STJ (link), o Tribunal afetou dois recursos especiais que tratam da aplicação retroativa do Código Florestal. Trata-se do Tema 1062 dos Recursos Repetitivos.

A questão submetida a julgamento, trata da possibilidade de reconhecimento da retroatividade de normas que não estão expressamente ressalvadas como retroativas na Lei 12.651/2012 e visa submeter a julgamento a possibilidade de alcance para situações já consolidadas sob a égide do Código Florestal anterior.

Diante da afetação, todos os processos no Brasil, que tratam do tema, estão com tramitação suspensa, tanto processos individuais como coletivos.

A afetação foi realizada no âmbito do REsp 1731334 e REsp 1732206, pela Ministra Regina Helena Costa.

Portanto, vale acompanhar a tramitação dos dois recursos afetados, que poderão ser decisivos para centenas de ações que tramitam nos Tribunais brasileiros, que versam sobre a aplicação retroativa do atual Código Florestal.


Imagem: Agência Minas. Bioma Cerrado.


domingo, 27 de setembro de 2020

Editorial STJ: Conflitos entre proteção de crédito e os direitos do consumidor

 

No dia 20/09/2020 o STJ publicou mais um editorial que envolve os entendimentos do Tribunal sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que neste ano fez 30 anos.

Vale à pena conferir os entendimentos já sedimentados dentro do Tribunal sobre os conflitos que envolvem proteção de crédito.

Para acesso a publicação original basta clicar aqui (link).


----------------------------

Conflitos entre a proteção ao crédito e a defesa do consumidor



​​A crise econômica que atingiu o país em meados da década de 2010 empurrou os brasileiros para a inadimplência, segundo dados da Serasa Experian, empresa que mantém o maior banco de informações sobre devedores da América Latina.

Os números são impressionantes: no início do ano, antes da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), 63,8 milhões de brasileiros estavam com o nome negativado. São mais de 226 milhões de dívidas, uma média de 3,5 faturas atrasadas por CPF inscrito em cadastro de proteção ao crédito.

Uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) apontou que 48% dos brasileiros foram negativados nos últimos 12 meses – isto é, em algum momento tiveram o nome inscrito em cadastro negativo de crédito.

Questões relacionadas às entidades de proteção ao crédito são comuns no Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujos colegiados de direito privado vivem às voltas com discussões sobre inscrição indevida, direitos do consumidor e do credor, indenização de dano moral, cancelamentos e outros temas relacionados.

A jurisprudência sobre o assunto é farta e inclui súmulas e teses definidas em julgamento de recursos repetitivos.

Aviso de recebim​​ento

Súmula 404, editada em 2009, considera dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta que comunica ao consumidor a inclusão de seu nome em banco de dados de inadimplentes.

A súmula foi originada do julgamento do Tema 59 dos recursos repetitivos, no mesmo ano. Na ocasião, ao analisar o Recurso Especial 1.083.291, a ministra Nancy Andrighi, relatora, afirmou que não é necessária a comprovação, mediante AR, da notificação prévia do devedor sobre a inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes, pois o parágrafo 2º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não exige tal providência, sendo suficiente que o órgão de proteção ao crédito comprove o envio da correspondência para o endereço fornecido pelo credor.

No Tema 735 (REsp 1.424.792), a Segunda Seção estabeleceu que, mesmo tendo sido regular a inscrição do nome do devedor, cabe ao credor, após o integral pagamento da dívida, requerer a exclusão do registro, no prazo de cinco dias úteis, a contar do primeiro dia útil subsequente à quitação. O entendimento desse repetitivo levou à edição da Súmula 548.

No julgamento do recurso, o ministro relator, Luis Felipe Salomão, destacou que, na ausência de disciplina legal sobre o assunto, a solução proposta serve de parâmetro objetivo para as entidades mantenedoras dos cadastros de crédito.

Salomão lembrou que, no caso dos órgãos do sistema de proteção ao crédito, que exercem a atividade de arquivamento de dados profissionalmente, o CDC considera razoável o prazo de cinco dias úteis para comunicar a retificação de informações incorretas. Sendo assim, na visão do ministro, "esse mesmo prazo sempre vai ser considerado razoável também para aquele que promove, em exercício regular de direito, a verídica inclusão de dado de devedor em cadastro de órgão de proteção ao crédito", quando se tratar de exclusão motivada pelo pagamento do débito.


Sem co​​municação

Em 2009, ao julgar os Temas 40 e 41 dos recursos repetitivos (REsp 1.062.336), a Segunda Seção discutiu a possibilidade de indenização por danos morais diante da falta da comunicação prévia ao consumidor sobre a inscrição de seu nome – exigência do parágrafo 2º do artigo 43 do CDC –, nos casos em que exista inscrição anterior realizada regularmente. O julgamento levou à edição da Súmula 385.

O ministro João Otávio de Noronha explicou que o dano moral, no caso de inscrição indevida, não ocorre em qualquer situação. Para ele, há dano moral se a entidade de proteção ao crédito aponta como inadimplente alguém que efetivamente não o é. Quando a anotação é irregular, mas o consumidor tem contra si alguma inscrição legítima, não se verifica o direito à indenização, mas apenas ao cancelamento.

A falta de comunicação prévia acerca da inscrição também gera dano moral, a menos que o consumidor possua outras inscrições legítimas. "Quando não se notifica e já existe registro, configurado está o estado de inadimplemento do devedor. A sua situação jurídica é de inadimplente", afirmou Noronha.​​​​

Nesses processos, havia pedido de danos morais formulado pelo consumidor contra a entidade mantenedora do cadastro de proteção ao crédito e relacionado à falta de comunicação prévia. Em 2016, a Segunda Seção analisou controvérsia sobre indenização de danos morais pleiteada contra o suposto credor, em razão da inexistência da dívida que deu origem à inscrição irregular.


A pedido do ​​credor

No julgamento do Tema 922 (REsp 1.386.424) dos repetitivos, a seção firmou a tese de que a inscrição indevida comandada pelo credor, quando preexistente legítima inscrição, não enseja indenização por dano moral, ressalvado o direito ao cancelamento.

Nesse processo, a consumidora buscou a reparação de danos morais por uma inscrição indevida promovida pelo credor. No voto que prevaleceu no julgamento, a ministra Isabel Gallotti destacou que essa anotação indevida coexistia com outras 14 inscrições legítimas por inadimplência.

Segundo a ministra, embora extraídos de ações voltadas contra as mantenedoras dos cadastros restritivos, os fundamentos dos precedentes da Súmula 385 se aplicam também às ações dirigidas contra supostos credores que efetivaram inscrições irregulares.

"A anotação irregular, já havendo outras inscrições legítimas contemporâneas, não enseja, por si só, dano moral. Mas o dano moral pode ter por causa de pedir outras atitudes do suposto credor, independentemente da coexistência de anotações regulares, como a insistência em uma cobrança eventualmente vexatória e indevida, ou o desleixo de cancelar, assim que ciente do erro, a anotação indevida", ressalvou Isabel Gallotti.


Flex​​​ibilização

Em julgamento recente, de fevereiro de 2020, a Terceira Turma flexibilizou a aplicação da Súmula 385 diante das particularidades do caso. No REsp 1.704.002, o colegiado reconheceu dano moral decorrente da inscrição indevida na hipótese de um consumidor que, apesar de ter outras inscrições negativas, moveu ação judicial para questionar esses registros anteriores.

Para a turma, embora nem todas as ações tivessem transitado em julgado, havia elementos suficientes para demonstrar a verossimilhança das alegações do consumidor, o que tornava possível reconhecer dano moral na inclusão indevida.

Relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi afirmou que, em determinadas hipóteses, o consumidor pode ficar em situação excessivamente desfavorável, especialmente quando as ações que questionam os débitos e pedem a compensação por danos morais forem ajuizadas concomitantemente – como ocorreu na situação analisada.

"Não se pode admitir que seja dificultada a defesa dos direitos do consumidor em juízo, exigindo-se, como regra absoluta, o trânsito em julgado de todas as sentenças que declararam a inexigibilidade de todos os débitos e, consequentemente, a irregularidade de todas as anotações anteriores em cadastro de inadimplentes para, só então, reconhecer o dano moral", afirmou.

Nancy Andrighi mencionou que o consumidor ajuizou outras três ações para questionar as inscrições. Em duas, já transitadas em julgado à época, obteve a declaração de inexistência das dívidas, mas não conseguiu os danos morais por causa das demais inscrições. Em outra, ainda pendente de recursos, a sentença cancelou a dívida e determinou a indenização.


Dados de pro​​testos

No julgamento do Tema 806 dos repetitivos (REsp 1.444.469), a Segunda Seção discutiu se o órgão de proteção ao crédito tem a obrigação de indenizar por incluir em seus registros elementos constantes em banco de dados público de cartório de protesto.

Na tese firmada pelos ministros, ficou definido que, diante da presunção legal de veracidade e publicidade inerente aos registros do cartório de protesto, a reprodução objetiva, fiel, atualizada e clara desses dados na base de órgão de proteção ao crédito – ainda que sem a ciência do consumidor – não gera a obrigação de reparar danos.

No julgamento, o ministro relator, Luis Felipe Salomão, lembrou que um dos objetivos do protesto de um título é dar publicidade desse ato jurídico. Ele explicou que o registro do protesto de título de crédito ou outro documento de dívida é de domínio público.

A necessidade de prévia notificação, argumentou, inviabilizaria a divulgação dessas anotações pelos órgãos de proteção ao crédito.

"Igualmente, significaria negar vigência ou, no mínimo, esvair a eficácia do disposto no artigo 29caput, da Lei 9.492/1997, que, a toda evidência, deixa nítida a vontade do legislador de que os órgãos de sistema de proteção ao crédito tenham acesso aos registros atualizados dos protestos tirados e cancelados", argumentou o ministro ao rejeitar o pedido de indenização pela inclusão dos dados de protesto nos serviços de proteção ao crédito.


Legitimidad​​e do MP

Em 2013, ao julgar o REsp 1.148.179, a Terceira Turma firmou entendimento de que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública com o objetivo de impedir o repasse e garantir a exclusão ou a abstenção de inclusão, em cadastros de inadimplentes, dos dados referentes a consumidores cujos débitos estejam em discussão judicial, bem como para requerer a reparação de danos morais e materiais decorrentes da inclusão indevida de seus nomes nos referidos cadastros.

No recurso que chegou ao tribunal, as Câmaras de Dirigentes Lojistas (CDL) de Belo Horizonte e de Uberlândia (MG) alegaram a impossibilidade jurídica do pedido, por não haver direitos individuais homogêneos a serem tutelados.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora, a alegação feita pelas CDLs estava mais ligada à legitimidade do MP para a propositura da ação do que à possibilidade jurídica dos pedidos.

Ela destacou que as normas da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) são aplicáveis a quaisquer interesses de natureza transindividual, tais como definidos no artigo 81 do CDC, ainda que eles não digam respeito às relações de consumo.

"Mesmo no que se refere aos interesses de natureza individual homogênea, firmou-se entendimento no sentido de que basta a demonstração da relevância social da questão para que ela seja reconhecida", afirmou a ministra sobre a legitimação processual do Ministério Público.


Débitos sub j​​udice

No mesmo julgamento, o colegiado firmou outro entendimento importante: é lícita a inscrição dos nomes de consumidores por conta da existência de débitos discutidos em processos de busca e apreensão, cobrança ordinária, concordata, despejo por falta de pagamento, embargos, execução fiscal, falência ou execução comum, quando os dados referentes às disputas judiciais forem públicos e tiverem sido repassados pelos cartórios de distribuição de processos judiciais às entidades detentoras dos cadastros, por meio de convênios firmados entre elas e o Judiciário de cada estado, sem intervenção dos credores litigantes ou de qualquer fonte privada.

Nesse ponto, o recurso das CDLs foi provido, pois, em tais circunstâncias, não há ilicitude na inclusão dos nomes nos cadastros de proteção ao crédito. A ministra Nancy Andrighi lembrou na ocasião que o entendimento do STJ é no sentido de que a simples discussão judicial sobre a dívida não é suficiente para impedir ou remover a negativação do devedor nos bancos de dados.

Ela explicou que, para isso, é necessário ajuizar ação contestando a existência do débito, além de demonstrar que a ação tem bons fundamentos jurídicos e providenciar depósito ou caução referente à parcela incontroversa, caso a ação discuta apenas parte do débito.


Ser​​asa

Em 2016, a Quarta Turma, ao julgar o REsp 1.178.768, afirmou que não cabe ao Banco Central fiscalizar as atividades desenvolvidas pela Serasa, a qual não se qualifica como instituição financeira.

O recurso do Ministério Público Federal (MPF) buscava, entre outros pontos, obrigar o Banco Central a fiscalizar as atividades da Serasa. Segundo o MPF, o fato de a Serasa não se constituir como instituição financeira não a tornaria isenta de controle por parte do Banco Central, porque ela detém o maior banco de dados da América Latina e é definida pelo CDC como entidade de caráter público, de acordo com o disposto no parágrafo 4º do artigo 43.

A ministra Isabel Gallotti, relatora, lembrou que os associados à Serasa podem ser instituições financeiras, mas ela não é.

"A Serasa só organiza o cadastro, sem interferir direta ou indiretamente no deferimento do financiamento. Não se trata, portanto, de instituição financeira; não exerce coleta, intermediação nem aplicação de recursos financeiros próprios ou terceiros, nem a custódia de valor de propriedade de terceiros, seja como atividade principal ou acessória", concluiu.


Devedor de aliment​​os

Em um caso em segredo de Justiça julgado pela Terceira Turma em 2016, os ministros – considerando o princípio do melhor interesse do alimentando – admitiram que na execução de alimentos de filho menor são possíveis o protesto e a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito.

Nesse caso, o credor alegou que, muitas vezes, a restrição ao crédito em caráter nacional é a única medida eficaz contra devedores que não possuem emprego formal, nem mesmo paradeiro certo ou bens passíveis de penhora. O relator, ministro Villas Bôas Cueva, disse que, além de não existir impeditivo legal para tal medida, a Lei 5.478/1968, ao incumbir o juiz de tomar as medidas necessárias para o pagamento da pensão alimentícia, deve ser interpretada de forma ampla, permitindo, no caso em análise, a negativação do devedor como forma de garantir o cumprimento da obrigação.

Alienação fiduci​​ária

Outra possibilidade de inclusão de nome em cadastros de restrição de crédito foi definida no REsp 1.833.824, julgado pela Terceira Turma em 2020.

Segundo o colegiado, o credor fiduciário, diante da inadimplência do contrato, não é obrigado a vender o bem dado em garantia antes de promover a inscrição do devedor nos cadastros negativos.

Nessas hipóteses, independentemente da forma de tentativa de cumprimento da obrigação – se pela recuperação do bem ou pela ação de execução –, a inscrição nos cadastros restritivos tem relação com o próprio descumprimento do contrato. Para a ministra Nancy Andrighi, relatora, a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, em tal cenário, é exercício regular do direito do credor.

"Independentemente da via eleita pelo credor para a satisfação de seu crédito, não há ilicitude na inscrição do nome do devedor e de seu avalista nos órgãos de proteção ao crédito, ante o incontroverso inadimplemento da obrigação", concluiu.

Pela via jud​​icial

No início deste ano, a Terceira Turma decidiu que o requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, na via judicial, nos termos do que dispõe o parágrafo 3º do artigo 782 do Código de Processo Civil, não depende da comprovação de prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro.

O colegiado deu provimento ao recurso de uma empresa de fomento mercantil contra decisão de tribunal estadual que havia condicionado a inclusão à recusa administrativa.

Nesse caso (REsp 1.835.778), o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator, ressaltou que o tribunal estadual, ao condicionar a averbação à prévia recusa administrativa, criou requisito não previsto em lei. Ademais – enfatizou –, o entendimento está na contramão da sistemática trazida pelo CPC, a qual busca a máxima efetividade na tutela jurisdicional.

Bellizze afirmou que não há impedimento para que o credor requeira diretamente a inclusão do nome do devedor à gestora do cadastro de restrição de crédito, mas também não existe óbice para que esse pedido seja feito na via judicial, no curso da execução.


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1083291REsp 1424792REsp 1062336REsp 1386424REsp 1704002REsp 1444469REsp 1148179REsp 1178768REsp 1833824REsp 1835778



STJ e Legitimidade do Procon para sanções administrativas

 O STJ consolidou entre os temas do "Pesquisa Pronta", a legitimidade do Procon para aplicar sanções administrativas.


"No julgamento do REsp 1.814.097, a Segunda Turma anotou que "o STJ possui o entendimento de que, em razão do exercício do poder de polícia típico de suas atribuições, o Procon é parte legítima para a aplicação de sanções administrativas, entre elas as multas pela ofensa às normas do Código de Defesa do Consumidor". O processo é de relatoria do ministro Herman Benjamin."

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Editorial STJ - "CDC 30 anos: o STJ e a revolução no sistema de consumo"

 O Superior Tribunal de Justiça tem disponibilizado excelentes publicações relacionadas aos direitos de consumo. São 30 anos de vigência do estatuto consumerista, que resiste a todas as transformações globais do mercado brasileiro e mundial. Abaixo segue um excelente editorial sobre o Código de Defesa do Consumidor e a atuação do STJ ao longo dos anos na defesa do consumidor e do próprio mercado de consumo.


-------------------

CDC 30 anos: o STJ e a revolução no sistema de consumo



​​​Muito além da origem na Constituição de 1988 e do tempo de existência em comum, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) – que completou 30 anos nesta sexta-feira (11) – estão vinculados pela própria matéria legislativa. O direito do consumidor é um tema muito presente na pauta do tribunal, que tem interpretado e revisitado o código em inúmeros julgamentos ao longo dessas três décadas – período em que as relações de consumo também se modificaram profundamente.

Se, nos anos 1990, o brasileiro dependia de meios físicos para suas transações – como cédulas de dinheiro, cheques e notas promissórias –, a partir dos anos 2000, os sistemas de pagamento eletrônicos – com destaque especial para os cartões de crédito – ganharam definitivamente o gosto e o bolso dos consumidores.

Com o advento da internet, as relações de consumo se alteraram radicalmente e as pessoas começaram a utilizar computadores, tablets e celulares para realizar grande parte das atividades de consumo, como compras em sites e pedidos de comida por aplicativos de smartphone. Até a compra de supermercado não é mais a mesma: dos carrinhos de ferro, passamos aos carrinhos de compra virtuais na hora de fazer a feira da semana. 

Com o ambiente tão drasticamente atingido pela revolução digital, como um código nascido em 1990 poderia continuar regulando satisfatoriamente as relações de consumo? Esse é um desafio que se impõe ao STJ: interpretar e aplicar a lei às relações – e aos conflitos – dos novos tempos.

"O CDC representa um dos mais importantes marcos históricos no sistema de proteção dos consumidores brasileiros, estabelecendo conceitos claros, garantindo direitos e definindo responsabilidades. Tão relevante quanto seu papel nos últimos 30 anos é a necessidade de mantê-lo atualizado e próximo das novas relações de consumo do mundo moderno – papel que o STJ tem cumprido com empenho, prudência e sabedoria. STJ de mãos dadas com a cidadania​", afirmou o presidente do tribunal, ministro Humberto Martins.

A era dos ch​​​eques

Durante a primeira década, muitos julgamentos do STJ envolviam a discussão sobre a sujeição ou não dos litigantes ao CDC e sobre a própria aplicabilidade de suas normas a contratos de consumo firmados antes do código – hipótese em geral afastada pelo tribunal, como em precedente de 1993, o REsp 36.455, relatado pelo ministro Eduardo Ribeiro na Terceira Turma.

Em julgamento realizado em 1995, a Quarta Turma, sob relatoria do ministro Ruy Rosado, rechaçou a tese de um banco sobre a sua não submissão às regras do CDC no âmbito de ação revisional de contrato (REsp 57.974).


Posteriormente, a orientação sobre a aplicabilidade do código em relação às instituições financeiras foi consolidada na Súmula 297, editada em 2004 pela Segunda Seção.​

Muitos dos litígios analisados pelo STJ nos primeiros anos do CDC também estavam relacionados aos meios de pagamento mais utilizados à época, como os cheques. No vocabulário do consumidor brasileiro, expressões como "bom para", "endosso" e "cheque cruzado" eram corriqueiras – mas poderiam soar estranhas para os jovens de hoje. 

Em 2000, por exemplo, ao analisar caso de extravio de cheque dentro das dependências de um banco, a Terceira Turma definiu que a instituição financeira deveria ocupar o polo passivo da ação de indenização proposta pelo cliente – não em substituição ao devedor original do cheque, mas para responder pelo ressarcimento decorrente da prática de ato danoso.

"Se aplicada a regra geral da responsabilidade civil, não se afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor neste feito, porque indiscutível a relação de consumo", destacou no julgamento o ministro Menezes Direito (REsp 238.016). "No caso dos depósitos em conta-corrente e, mais especificamente, no caso do serviço de desconto de título, como no presente feito, há um contrato claro de serviços, uma verdadeira relação de consumo, devidamente remunerado pelo correntista, preenchendo os requisitos do parágrafo 2º do artigo 3º do CDC", acrescentou.

Mais tarde, em 2005, a Terceira Turma estabeleceu que o banco é responsável por entregar o talão de cheques ao correntista de forma segura – motivo pelo qual, ao optar por terceirizar esse serviço, ele assume a responsabilidade por eventual defeito em sua prestação. O relator do recurso, ministro Castro Filho, apontou que a responsabilidade ocorre não apenas pela chamada culpa in eligendo, mas também pela caracterização de defeito do serviço, conforme o disposto no artigo 14 do CDC (REsp 640.196).   

Do tal​ão ao cartão

Em 2004, o Brasil viu as transações realizadas por meio de cartões de crédito superarem, pela primeira vez, o uso de cheques. Ao lado de vantagens como praticidade e segurança, os cartões trouxeram novas questões para debate na Justiça. Naquele ano, no REsp 514.358, a Quarta Turma do STJ analisou o caso de um banco que remeteu à cliente cartão de crédito não solicitado por ela. A cliente devolveu o cartão, mas a correspondência foi extraviada, e o cartão foi utilizado por terceiros em estabelecimentos comerciais, gerando a inscrição da consumidora em cadastros restritivos de crédito.

No STJ, o banco discutiu sua responsabilidade pelo pagamento de indenização por danos morais à cliente, mas o relator do recurso, ministro Aldir Passarinho Júnior, ressaltou que a prática de envio de cartões por estabelecimentos bancários, embora comum, era ilegal, já que estava vedada pelo artigo 39, inciso III, do CDC.

"Portanto, se a partir desse ato ilícito se desenrolaram outros acontecimentos, como a devolução do cartão ao banco, o extravio e o uso por terceiros em estabelecimentos comerciais, a responsabilidade é do banco, ao menos preferencialmente", afirmou o ministro. O reconhecimento do caráter abusivo do envio de cartões sem solicitação do cliente foi, mais tarde, consolidado na Súmula 532 do STJ.

Também em 2004 – e novamente sob a relatoria do ministro Aldir Passarinho Júnior –, a Segunda Seção fixou as teses de que as administradoras de cartões de crédito estão inseridas entre as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional e que aos contratos de cartão de crédito não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano, prevista na Lei de Usura (REsp 450.453).

Ainda no mesmo ano, a Quarta Turma decidiu que cabia exclusivamente à Serasa a responsabilidade pela indenização por danos morais em virtude da ausência de comunicação ao devedor sobre sua inscrição em cadastro negativo, mesmo que o fato tenha sido consequência de um lançamento em cartão de crédito já cancelado pelo consumidor um mês antes (REsp 595.170).

Em precedente mais recente, de 2011, a Terceira Turma estabeleceu que são nulas as cláusulas contratuais que impõem exclusivamente ao consumidor a responsabilidade por compras feitas com cartão furtado ou roubado, até o momento da comunicação do fato à administradora.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.058.221, cabe às administradoras – em parceria com as outras empresas da cadeia de fornecedores do serviço, como as proprietárias das bandeiras e os estabelecimentos comerciais – verificar a idoneidade das compras feitas com cartões magnéticos, "utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto".

Compras na palma ​​da mão

Com funcionamento comercial no Brasil a partir de 1994 – mas com consolidação em termos de abrangência e de utilização em dispositivos móveis muito mais recente –, a internet não substituiu os sistemas de pagamento anteriores, mas foi responsável pela introdução de novos, a exemplo das transferências eletrônicas e dos pagamentos digitais instantâneos, que dispensam intermediação.

O ambiente é ainda de convivência entre meios antigos e sistemas eletrônicos modernos, apesar de uma crescente preferência dos consumidores por estes últimos. Na realidade, no âmbito das relações de consumo, a mudança mais aparente trazida pela internet é o local de realização do negócio, que recebeu um enorme incremento de horizontes, opções e abrangência no sistema e-commerce.   


Mais uma vez, ao lado das facilidades geradas pelo sistema de consumo virtual, novos conflitos surgiram e aportaram no Judiciário – como a discussão sobre a cobrança de taxa de conveniência na venda de ingressos para espetáculos culturais pela internet.

O caso foi julgado em 2019 pela Terceira Turma, que concluiu haver abuso nesse tipo de cobrança, em razão da configuração de venda casada indireta. De acordo com a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a venda casada – vedada pelo artigo 39, inciso I, do CDC – ocorre quando o fornecedor obriga o consumidor, na compra de um produto, a levar outro que não deseje, apenas para ter direito ao primeiro.

A ministra lembrou que o inciso IX do artigo 39 considera abusiva a imposição, pelo vendedor, da contratação indesejada de um intermediário escolhido por ele, cuja participação na relação negocial não é obrigatória.

Nancy Andrighi destacou que a oferta de ingressos pela internet alcança um público "infinitamente superior" ao do modelo de venda presencial, privilegiando o interesse dos produtores do espetáculo cultural em vender os espaços no menor prazo possível.

Por outro lado, apontou, o consumidor que não adquire o bilhete em meio virtual é obrigado a se deslocar até os locais de venda físicos – caso existam –, correndo o risco de descobrir que tudo foi vendido digitalmente.

"A potencial vantagem do consumidor em adquirir ingressos sem se deslocar de sua residência fica totalmente aplacada pelo fato de ser obrigado a se submeter às condições impostas pela recorrida no momento da contratação, entre elas o valor da taxa, o que evidencia, mais uma vez, que a principal vantagem desse modelo de negócio – disponibilização de ingressos na internet – não foi instituída em seu favor", enfatizou a relatora ao considerar abusiva a taxa de conveniência (REsp 1.737.428).

Comprou, mas não​​​ chegou

Outra situação corriqueira no mercado de consumo virtual é a compra de um produto e a ingrata constatação de que ele nunca chegará, pois não foi enviado pela loja on-line. Entretanto, caso o cliente tenha sido levado à loja virtual por meio de um buscador de produtos, esse site intermediário também é responsável pela reparação do dano?

A situação foi analisada em 2016 pela Terceira Turma, que concluiu que o provedor de busca de produtos que não realiza intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual.

No julgamento, a ministra Nancy Andrighi estabeleceu uma diferenciação entre os provedores de busca que oferecem toda a estrutura virtual para que a compra seja realizada – e, assim, o provedor passa a fazer parte da cadeia de fornecimento, nos termos do artigo 7º do CDC – e aqueles que se limitam a apresentar ao consumidor o resultado da pesquisa, sem participar da interação virtual que resultará na compra.

"O provedor do serviço de busca de produtos – que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor – não pode ser responsabilizado pela existência de lojas virtuais que não cumprem os contratos eletrônicos ou que cometem fraudes contra os consumidores, da mesma forma que os buscadores de conteúdo na internet não podem ser responsabilizados por todo e qualquer conteúdo ilegal disponível na rede", concluiu a ministra (REsp 1.444.008).

A evolução con​tinua

Se as operações por meio de cheques e cartões e as compras via internet podem ser consideradas transitórias – porque novos modelos surgirão –, o consumo é da natureza humana e seguirá se adaptando e evoluindo.  

Por isso, o Código de Defesa do Consumidor continuará sendo confrontado com novas realidades nos próximos 30 anos, e o STJ, de igual modo, terá que dar novas respostas aos futuros litígios envolvendo consumidores, fornecedores e qualquer que seja o mecanismo dessa relação.

Novos entendimentos têm sido firmados o tempo todo para dar ao CDC aplicação equilibrada e coerente com o ordenamento jurídico. No REsp 1.412.993, julgado em 2018, a Quarta Turma acompanhou o voto da ministra Isabel Gallotti para definir que a previsão de multa contra o consumidor que atrasa o pagamento da fatura de cartão de crédito não autoriza a inversão dessa cláusula penal contra o fornecedor que, nas vendas pela internet, atrasa a entrega do produto ou demora a restituir o valor após o exercício do arrependimento.

De acordo com a ministra, nesse tipo de venda, o fornecedor envia a mercadoria só após a confirmação do pagamento pela operadora do cartão, de modo que não há previsão de penalidade contra o consumidor na sua relação com a empresa vendedora. A multa pelo atraso na quitação da fatura do cartão faz parte, isso sim, do contrato entre o consumidor e a operadora.

Em 2020, a Terceira Turma concluiu, ao julgar o REsp 1.794.991, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, que o princípio da vinculação da oferta não devia ser aplicado em um caso no qual, por erro grosseiro de sistema, foi informado aos consumidores um preço de passagem aérea baixíssimo, totalmente fora do mercado. Para a ministra, o cancelamento da reserva pela empresa – que comunicou o erro aos consumidores, não tendo havido nem sequer o débito do valor da compra no cartão – não configurou falha na prestação do serviço.

Entre os cheques de papel e os checkouts na conclusão das compras virtuais, muitos outros desafios na interpretação do direito consumerista estão por vir.


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 36455REsp 57974REsp 238016REsp 640196REsp 514358REsp 450453REsp 595170REsp 1058221REsp 1737428REsp 1444008REsp 1412993REsp 1794991



Link de direcionamento para a publicação original: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13092020-CDC-30-anos-o-STJ-em-meio-a-revolucao-no-sistema-de-consumo.aspx

Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

  Notícia originalmente publicada no site do STJ, em 09/11/2021. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em execução po...