Por Giselle Borges Alves*
Na publicação realizada neste blog no dia 20 de fevereiro de 2021 (link) foram ressaltadas as características dos princípios cooperativistas e como eles influenciam a organização, gestão e as normas aplicáveis às cooperativas.
Nesta segunda-feira, 22, o STJ trouxe notícia que remete à aplicação concreta do princípio da autonomia e independência das cooperativas, analisando seus vieses interpretativos.
Como sabemos, a autonomia e independência das cooperativas garante que não hajam ingerências externas nas decisões tomadas por estas, o que também atrai a noção de responsabilidade exclusiva pelos atos que a cooperativa e seus gestores praticam no mercado, sob a égide desta autonomia organizacional e de gestão do empreendimento. Como sempre direitos geram deveres correlatos. Obrigações geram responsabilidade e limitações de atuação.
Neste sentido, o STJ apenas consagrou no julgamento do Recurso Especial 1778048, proveniente do TJMT, a independência e autonomia das Cooperativas Singulares em relação às Cooperativas Centrais, o que se aplica por extensão também para Federações e Confederações de Cooperativas, na medida que as cooperativas devem ser singularmente consideradas, diante da própria autonomia e independência na tomada de decisões. Assim, inaplicável a responsabilidade solidária entre Centrais e Cooperativas Singulares, ao menos em termos de direitos dos associados/cooperados, já que este foi o caso em análise no Recurso Especial.
No entanto, é preciso ponderar outras hipóteses de aplicação ou não da solidariedade, quando envolvam, por exemplo, direitos de consumidores, direitos trabalhistas de funcionários de cooperativas, entre outras searas obrigacionais e de responsabilidade. Por isso é sempre bom acompanhar a evolução da jurisprudência sobre o tema.
Abaixo segue a notícia completa e o link para acesso ao inteiro teor do acórdão do RESP 1778048.
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STJ - Decisão - 22/02/2021
Cooperativa central e conselheiros fiscais não respondem solidariamente por obrigações de cooperativa singular
Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu não haver responsabilidade solidária de cooperativa central na hipótese de liquidação de uma cooperativa singular a ela filiada. Ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), o colegiado também decidiu que os membros do conselho fiscal da cooperativa singular liquidada não são responsáveis pelos prejuízos suportados pelo cooperado.
O recurso julgado se originou de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por um cooperado contra a Central das Cooperativas de Crédito dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Sicoob Central MT/MS), a Cooperativa de Crédito Rural do Pantanal Ltda. e os administradores e integrantes do conselho fiscal desta última.
Segundo o processo, o cooperado fez aplicação financeira na Cooperativa Rural do Pantanal. Antes da data prevista para o resgate, a cooperativa encerrou suas atividades, e o dinheiro investido ficou bloqueado. A sentença condenou os administradores, a cooperativa central e a cooperativa singular, solidariamente, a restituir o valor aplicado e a pagar indenização por danos morais. O TJMT reformou parcialmente a sentença, para reconhecer a responsabilidade solidária dos demais réus, membros do Conselho Fiscal.
No recurso especial submetido ao STJ, a Sicoob Central MT/MS sustentou que os negócios firmados pela cooperativa singular são de sua exclusiva responsabilidade, não havendo solidariedade com a cooperativa central. Os integrantes do conselho fiscal da Cooperativa do Pantanal também apresentaram recurso especial requerendo a exclusão de sua responsabilidade.
Independência
Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, o sistema cooperativo de crédito tem a finalidade de permitir acesso ao crédito e a realização de determinadas operações financeiras no âmbito de uma cooperativa, a fim de beneficiar seus associados. Ela afirmou que, ao longo de sua evolução normativa, foram privilegiadas a independência e a autonomia das cooperativas singulares, das centrais e das confederações.
Nos termos da regulamentação vigente – ressaltou Nancy Andrighi –, as cooperativas centrais do sistema cooperativo de crédito devem, entre outras funções, supervisionar o funcionamento das cooperativas singulares, em especial o cumprimento das normas que regem esse sistema.
"No entanto, sua atuação encontra um limite máximo, que é a impossibilidade de substituir a administração da cooperativa de crédito singular que apresenta problemas de gestão", completou.
De acordo com a magistrada, não há na legislação nenhum dispositivo que estabeleça responsabilidade solidária entre os diferentes órgãos que compõem o sistema de crédito cooperativo. "Eventuais responsabilidades de cooperativas centrais e de bancos cooperativos devem ser apuradas nos limites de suas atribuições legais e regulamentares", acrescentou.
Culpa ou dolo
A ministra destacou que o artigo 39 da Lei 6.024/1974 trata, única e exclusivamente, de responsabilidade subjetiva dos administradores e dos conselheiros fiscais da instituição financeira por seus atos ou omissões em que houver culpa ou dolo.
Segundo Nancy Andrighi, a melhor interpretação para a lei que trata da intervenção e da liquidação extrajudicial de instituições financeiras exclui os membros do conselho fiscal da responsabilidade solidária prevista para os administradores no artigo 40, restando, em relação aos conselheiros, apenas o disposto no artigo 39.
"Na hipótese em julgamento, tal conclusão implica a impossibilidade de se declarar a solidariedade dos membros do conselho fiscal pelos prejuízos causados com a liquidação da cooperativa singular, especialmente porque fundamentada apenas em uma suposta demora em sua atuação", disse a relatora.
Ao dar provimento aos recursos, a turma afastou a responsabilidade da Sicoob Central MT/MS e dos integrantes do conselho fiscal da cooperativa singular pelos prejuízos causados ao cooperado.
Leia o acordão.
Fonte da notícia: link
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*Giselle Borges Alves, Mestra em Direito pela Universidade de Brasília. Advogada, servidora pública e professora de disciplinas relacionadas ao Direito Privado e Direito Cooperativo.