quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O culto da criatividade individual e da meritocracia. Riscos para a democracia.



Entrevista publicada no site Instituto Humanitas Unisinus - IHU, em 09/11/11. (link)



"Está declinando a ideia da democracia como igualdade, e isso é muito perigoso. O culto da criatividade individual pode minar o vínculo entre as pessoas". Em seu último livro, Pierre Rosanvallon explica por que a promoção das diferenças econômicas é um risco.


A reportagem é de Fabio Gambaro, publicada no jornal La Repubblica, 08-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Somente uma sociedade fundamentada na verdadeira igualdade pode garantir a coesão social necessária para enfrentar as difíceis provas do nosso tempo. Para Pierre Rosanvallon, essa é uma certeza. O célebre estudioso das formas da política reforça essa ideia em seu último livro, La société des egaux (Ed. Seuil), recém-lançado na França e que já está sendo traduzido para muitas línguas.

O intelectual francês que leciona no Collège de France e dirige La Republique des idées analisa nessa obra a crise do conceito de igualdade em uma sociedade, como a nossa, dominada por diferenças sociais mais acentuadas. Análise a partir da qual nasce, depois, a proposta da "sociedade dos iguais", que soa quase como uma contribuição teórica ao movimento dos indignados.

"O indignados são apenas a ponta do iceberg de um protesto social generalizado que denuncia o desvio intolerável das desigualdades. Um desvio que, além de ser um desastre moral, favorece a "desconstrução social", explica Rosanvallon. "Infelizmente, no entanto, a indignação não se traduz quase nunca em escolhas concretas de reforma. Ou melhor, enquanto nos indignamos, as rupturas sociais aumentam. A consciência política cresce, mas a coesão social retrocede".

Eis a entrevista.

Como isso se explica?                             

A sociedade condena fatos produzidos por mecanismos que, no entanto, são parcialmente aceitos. Por exemplo, denunciam-se as retribuições escandalosas dos traders, mas não nos surpreendemos diante das compensações muito superiores dos jogadores de futebol ou dos artistas. Ou aceitamos, sem muitos problemas, a ideia de que o mérito pode produzir enormes diferenças econômicas. Tudo isso é um sinal do descompasso entre a democracia como regime político e a democracia como forma social. No plano político, as democracias são globalmente mais fortes e críticas hoje do que há 30 anos, podem contar com contrapoderes mais organizados e uma maior informação. Mas a democracia como vínculo social baseado na igualdade está diminuindo perigosamente.

No passado, a dimensão social da democracia contava mais?

Certamente. Para as revoluções americana e francesa, mais do que o regime político, contava a ideia de uma sociedade sem privilégios e diferenças sociais. Por isso a palavra "igualdade" era tão importante, como Tocqueville logo entendeu. Hoje, ela retrocede em toda a parte. Mas uma democracia certamente não pode continuar progredindo se entre os indivíduos falta o sentido de pertença a uma sociedade comum e compartilhada. Na ruptura social, corremos o risco de que o populismo se insinue, ou seja, a patologia da democracia-regime que explora a desconstrução da democracia-sociedade. Diante da crise do sentido de pertença, o populismo responde com a exaltação de um sentimento de comunidade fictício, baseado em uma ideologia nacionalista feita de exclusão, xenofobia e ilusória homogeneidade. Para responder ao populismo, é preciso, portanto, promover uma sociedade em que a palavra igualdade tenha novamente sentido.

Por que nos últimos 20 anos a igualdade social retrocedeu?

A sociedade abandonou progressivamente o modelo redistributivo que, durante quase todo o século passado, atenuou gradualmente as desigualdades sociais. A escolha da redistribuição estava ligada à recordação das grandes provas vividas coletivamente, sobretudo as duas guerras mundiais e ao medo do comunismo que levou até os regimes mais conservadores rumo às reformas sociais. Hoje, a vivência coletiva e o reformismo do medo não atuam mais, contribuindo assim para tornar muito mais frágil o impulso à solidariedade.

Qual foi o peso do triunfo do individualismo?

Foi um fator estrutural determinante, além do mais, favorecido pelo advento do novo capitalismo da inovação, que valoriza a produtividade e a criatividade individuais. A partir dos anos 1980, a meritocracia e a igualdade de oportunidades tornaram-se cada vez mais importantes, sustentadas por uma transformação quase antropológica do individualismo.

Em que sentido?

No alvorecer da democracia, o individualismo era universalizante. Ser um indivíduo significava sobretudo ser como os outros, com os mesmos direitos e a mesma liberdade. Daí a ideia de uma sociedade de indivíduos semelhantes e iguais. Hoje, ao contrário, prevalece a demanda por singularidade, o individualismo que nos distingue dos outros, a necessidade de nos sentirmos únicos que ganha espaço de escolha na sociedade de consumo. Temos a impressão de ter um poder suplementar sobre a nossa vida só porque nos consideramos consumidores conscientes, mas escolher entre cinco operadoras de telefonia não faz de nós cidadãos responsáveis. A verdadeira singularidade é construir a própria vida como indivíduos autônomos, existir como pessoas. O neoliberalismo, ao contrário, respondeu à necessidade de singularidade sacralizando consumidor e indicando como ideal da sociedade a concorrência generalizada.

Como fazer para colocar a igualdade novamente no centro da sociedade?

Insistir sobre o mérito e a igualdade de oportunidades não é suficiente. É preciso elaborar uma verdadeira filosofia da igualdade, que naturalmente não significa igualitarismo. Da igualdade como método de redistribuição, é preciso passar para a igualdade como relação, que deve se tornar a espinha dorsal de uma sociedade de iguais, articulando-a, porém, com a necessidade de singularidade. Hoje, de fato, não podemos mais pensar na igualdade como homogeneidade e nivelamento. É preciso dar a cada um os meios da sua própria singularidade, sem discriminações. Mas, ao lado dessa igualdade "de posição", deve ser promovida a igualdade "de interação", da qual depende o sentimento de reciprocidade, que é fundamental para a coesão social.

Por que a reciprocidade é tão importante?

Há reciprocidade quando cada um contribui de modo equivalente com uma sociedade em que o equilíbrio dos direitos e dos deveres é o mesmo para todos. A ausência de reciprocidade produz a desconfiança social e a falta de confiança com relação à coletividade. Quanto mais se perde confiança, mais os cidadãos se afastam uns dos outros. A reciprocidade está na base das chamadas "instituições invisíveis" que regulam a vida social: a saber, a confiança, a legitimidade, o respeito à autoridade. Hoje, as instituições invisíveis custam a manter o seu status e a sua eficácia. É por isso que é necessário colocar a igualdade no centro do espaço social, tornando possível, dentre outras coisas, aquela igualdade "de participação" que está no cerne da vida política democrática. A possibilidade para todos de intervir na vida pública, mesmo para além do exercício do voto. Favorecer esse tipo de igualdade, da qual também depende, depois, a redistribuição econômica, é do interesse de todos. Um mundo de desigualdades, de fato, além de ser um insulto aos mais pobres, também é um mundo dominado pela insegurança, pela violência e por custos sociais cada vez mais elevados. A sociedade da desigualdade não é apenas injusta, mas também uma ameaça para todos.


                                                                                                                              

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Congresso discute PEC que reduz tempo dos processos

No que pese a minha posição contrária ao que foi veiculado no editorial do Valor Econômico, segue a matéria para reflexão sobre o tema.


 Fonte: Valor Econômico, 07/11/11. (link)


Tramita no Congresso um projeto que pode reduzir em dois terços o tempo de duração dos processos judiciais. Trata-se da emenda constitucional do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) que tem por objetivo diminuir o número de recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), para dar mais agilidade às decisões judiciais de segunda instância.

A reforma do Poder Judiciário de 2004, quando foram instituídos a súmula vinculante e o instituto da repercussão geral, permitiu uma redução de 38% no número de recursos extraordinários e agravos de instrumento que entupiam os escaninhos da Corte Suprema.

Ajudou, mas não foi suficiente para resolver o problema da lentidão da Justiça brasileira, de graves repercussões para a sociedade, que reclama por uma Justiça mais ágil, e para um momento especial de ritmo mais lento do crescimento econômico brasileiro - a lerdeza contribui decisivamente para o aumento do chamado "custo Brasil", o que inibe o investimento.

O Judiciário está sobrecarregado. Segundo o ministro Cezar Peluso, autor da ideia por trás da PEC dos recursos, como é chamada a emenda do senador Ferraço, pelo menos 51 mil recursos foram rejeitados pelo STF entre 2010 e 2011. Entre 2008 e 2011 a Corte Suprema já proferiu 302 mil decisões.

Apenas em 2010, segundo números apresentados por Peluso em uma palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, aproximadamente 228 mil recursos deram entrada no STJ. Grande parte dessas ações poderia ter sido resolvida de vez na primeira instância, não fossem os instrumentos protelatórios em profusão permitidos pela legislação processual brasileira.

São números que assombram. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) analisou 1.222.102 processos do STF no período de 1988 até 2009. "Como esses processos chegaram ao Supremo?", questionam os autores do trabalho, os professores Joaquim Falcão, Pablo de Camargo Cerdeira e Diego Werneck Arguelhes. Eles mesmos respondem: "O Supremo ofereceu às partes, nesses últimos 21 anos, 52 classes processuais diferentes, isto é, 52 portas de entrada".

Ou seja, são 52 tipos de processos distintos que foram utilizados em menor ou maior grau. Algumas dessas portas precisam ser fechadas em nome da presteza judicial. Como se diz nos tribunais, uma justiça tardia não é justiça. "Das grandes cortes judiciais do mundo ocidental", concluem os autores, "o Supremo é provavelmente a que oferece a maior multiplicidade de acesso".

Esse é o contexto em que se situa a PEC do senador Ferraço: o país dispõe hoje de uma base quase inesgotável de recursos que em geral são utilizados para fins meramente protelatórios. A proposta em tramitação no Senado estabelece a imediata execução das decisões judiciais, logo após o pronunciamento dos tribunais de segunda instância.

Na prática, trata-se da transformação dos atuais recursos especial e extraordinário em ações recisórias como forma de evitar a remessa dos autos ao STJ ou STF "como mero expediente de dilação processual", como diz o senador Ricardo Ferraço.

O projeto enfrenta a oposição dos advogados, sob a alegação de que reduz direitos e garantias fundamentais do cidadão, além de ofender o princípio da presunção de inocência. Para o presidente do Supremo, trata-se de um falso argumento - o sistema atual é que é perverso, mutila a segurança jurídica e estimula a atividade de ilícito.

Na justificativa de sua proposta, o senador Ferraço cita o exemplo da Lei da Ficha Limpa, cuja constitucionalidade, nas eleições passadas, foi contestada com base no princípio da presunção da inocência, segundo o qual ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória.
Com a extinção dos recursos especial e extraordinário e a criação das ações recisórias em seu lugar, o problema estaria resolvido, uma vez que o trânsito em julgado dos processos, neste e em outros, já ocorreria nas instâncias inferiores.

A PEC dos Recursos é uma boa ideia, num momento em que o Congresso se queixa de apenas referendar as iniciativas de ordem legislativa do Executivo. O Legislativo é o palco certo para a mediação das divergências apresentadas pelos advogados. Merece a atenção também do Executivo, mais preocupado atualmente com seus interesses imediatos, como a prorrogação da DRU.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

STJ: Incabíveis embargos de divergência que apontam conflito de competência como paradigma

Fonte: STJ (link)

É incabível a interposição de embargos de divergência em recurso especial nos quais seja apontado como paradigma acórdão proferido em julgamento de conflito de competência. O entendimento é da maioria dos ministros que compõem a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Um advogado do Rio Grande do Sul pedia o exame dos embargos em processo no qual se discute complementação de aposentadoria.

O Código de Processo Civil (CPC) dispõe que é embargável a decisão da Turma que, em recurso especial, divergir do julgamento de outra Turma, da Seção ou da Corte Especial. Com a decisão, a Segunda Seção mantém jurisprudência já firmada pelo STJ, de que são incabíveis os embargos quando apontado conflito de competência como paradigma para a divergência. A divergência no caso estava entre uma decisão proferida em recurso especial definindo a Justiça do Trabalho competente para julgar a demanda e outra decisão em que se declarou competente a justiça estadual.

O advogado sustentou que nem o CPC nem o Regimento Interno do STJ determinam que o acórdão paradigma seja necessariamente de um recurso especial, mas que seja julgado de outro órgão fracionário. Segundo o Regimento, o prazo para interposição dos embargos é de 15 dias. As Seções julgam recursos divergentes oriundos das Turmas que a integram. Se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, ou entre Turma e outra Seção ou Corte Especial, esta decidirá a respeito.

Segundo argumentos do advogado, tanto em recurso especial quanto em conflito de competência há análise eminentemente de direito e é possível que entre decisões proferidas em tais processos haja diferença de entendimento que atraia a necessidade de utilização dos embargos de divergência. Não seria admissível, para ele, que o STJ mantivesse dois entendimentos diametralmente opostos e não pudesse solucioná-los apenas porque um foi proferido em conflito de competência e outro em recurso especial.

O julgamento da matéria teve início no dia 25 de maio, com o voto do relator, ministro Raul Araújo, a favor dos argumentos do advogado, no que foi seguido pelos ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Sidnei Beneti e Isabel Gallotti. No julgamento do último dia 26 de outubro, entretanto, os ministros Sanseverino e Beneti retificaram seus votos, seguindo a posição adotada pelos ministros João Otávio de Noronha, Nancy Andrighi e Luis Felipe Salomão.

Segundo argumentos do ministro Salomão, a condição para aceitação dos embargos de divergência é a existência de teses. E não pode existir conflito de teses quando apenas se define a competência para uma ou outra jurisdição. O ministro João Otávio de Noronha ressaltou em seu voto que o STJ não é instância revisora. “Se fôssemos, seríamos corte de apelação, buscaríamos o fator justiça”, disse ele.

“Mas o nosso fator é outro, é de controle de legalidade, de assegurar a efetividade do direito federal e de dissipação da jurisprudência entre os tribunais estaduais e federais e entre estes e o próprio STJ”, concluiu. 


Notícia divulgada em 04/11/2011.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Casamento sem escala

 Por Maria Berenice Dias*
 Artigo publicado originalmente no site Atualidades do Direito (link)


Antes não havia nada.

Até parece que amor entre iguais não existia.

Na vã tentativa de varrer para baixo do tapete os homossexuais e seus vínculos afetivos, a Constituição Federal admite a conversão em casamento somente à união estável entre um homem e uma mulher.

Diante da total omissão do legislador, que insiste  em não aprovar qualquer lei que assegure direitos à população LGBT,  o jeito foi socorrer-se da justiça.


Assim, há uma década o Poder Judiciário, ao reconhecer que a falta de lei não quer dizer ausência de direito, passou a admitir a possibilidade de os vínculos afetivos, independente da identidade sexual do par, terem consequências jurídicas. No começo o relacionamento era identificado como mera sociedade de fato, como se os parceiros fossem sócios. Quando da dissolução da sociedade, pela separação ou em decorrência da morte,  dividiam-se lucros. Ou seja, os bens adquiridos durante o período de convivência eram partilhados, mediante a prova da participação de cada um na constituição do “capital social”. Nada mais.

 Apesar da nítida preocupação de evitar o enriquecimento sem causa, esta solução continuava  provocando injustiças enormes. Como não havia o reconhecimento de direitos sucessórios, quando do falecimento de um do par o outro restava  sem nada, sendo muitas vezes expulso do lar comum por parentes distantes que acabavam titulares da integralidade do patrimônio.

Mas, finalmente, a justiça arrancou a venda dos olhos, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) consagrou a inserção das uniões homoafetivas no conceito de união estável.

Por tratar-se de decisão com efeito vinculante – isto é, nenhum juiz pode negar seu reconhecimento – os magistrados passaram a autorizar a conversão da união em casamento, mediante a prova  da existência da união estável  homoafetiva,  por meio de um instrumento particular ou escritura pública. Assim, para casar, primeiro era necessária a elaboração de um documento comprobatório do relacionamento para depois ser buscada sua conversão em casamento,  o que dependia de uma sentença judicial.

Agora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acabou de admitir que os noivos, mesmo sendo do mesmo sexo, podem requerer a  habilitação para o casamento  diretamente junto ao Registro Civil, sem precisar antes comprovar a união para depois transformá-la em casamento.

Ou seja, a justiça passou a admitir casamento sem escala!

Só se espera que, diante de todos esses avanços, o legislador abandone sua postura omissiva e preconceituosa e aprove o Estatuto da Diversidade Sexual, projeto de lei elaborado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que  traz o reconhecimento de todos os direitos à comunidade LGBT e seus vínculos afetivos.

Com certeza é o passo que falta  para eliminar de vez com a homofobia, garantir o direito à igualdade e consagrar o respeito à dignidade, independente da orientação sexual ou identidade de gênero.

Enfim, é chegada a hora de assegurar a todos o direito fundamental à felicidade!



* Advogada. Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM. Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual da OAB
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terça-feira, 25 de outubro de 2011

STJ reconhece pela primeira vez casamento homoafetivo

Reportagem de Felipe Seligman e Johanna Nublat
Fonte: Folha.com

Publicada em 25/10/2011


Pela 1ª vez, STJ autoriza casamento homoafetivo


Com voto favorável do quinto e último ministro, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorizou nesta terça-feira, pela primeira vez na história do tribunal, um casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo.

O julgamento, iniciado na quinta-feira da semana passada, foi concluído na tarde desta terça. Por 4 votos favoráveis a 1, os ministros da 4ª Turma rejeitaram decisão anterior do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e entenderam que o casal de mulheres autoras da ação pode se habilitar para o casamento de forma mais simples, que elas podem se casar no civil. 

Ao ser interrompido na semana passada por um pedido de vista, o julgamento estava 4 a 0. O ministro Raul Araújo, um dos quatro primeiros votos favoráveis, mudou seu voto nesta terça sob o argumento de que a constitucionalidade da questão deveria ser debatida pelo STF (Supremo Tribunal Federal). 

O último ministro a se pronunciar, Marco Buzzi, autor do pedido de vista, votou a favor do casamento. "Não existe um único argumento jurídico contrário à união entre casais do mesmo sexo. Trata-se unicamente de restrições ideológicas e discriminatórias, o que não mais se admite no moderno Estado de direito." 

O caso em questão é o de duas gaúchas, juntas há 5 anos. Antes da decisão do STF de maio deste ano que chancelou as uniões homoafetivas, as duas ingressaram com uma ação na Justiça gaúcha pedindo a habilitação para o casamento, o que foi negado em 1ª e 2ª instâncias. 

As autoras da ação assistiram ao julgamento no tribunal e saíram emocionadas. 

A decisão desta terça segue a linha do entendimento de maio do STF, mas vai além. Apesar de não ser "vinculante", ou seja, não obriga juízes e tribunais estaduais a seguirem a mesma linha, a decisão passa a representar a jurisprudência do STJ e uma orientação importante para magistrados. 

Essa chancela do STJ pode diminuir o número de decisões desencontradas pelo país. Como o STF não se posicionou especificamente sobre o casamento --e, sim, sobre a união estável-- e como não há lei específica no país, juízes vêm divergindo sobre a aplicação do casamento para casais do mesmo sexo. 

REAÇÃO NEGATIVA
 
Desde a semana passada, circulam pelas redes sociais apelos de lideranças religiosas contrárias à autorização para casais do mesmo sexo. 

O pastor Silas Malafaia, do Rio de Janeiro, lançou campanha na internet em que repudiava a ideia do casamento homoafetivo e orientava os fiéis a enviar e-mails aos ministros do STJ protestando contra a eventual decisão. 

DECISÕES DESENCONTRADAS
 
Após o STF reconhecer as uniões homoafetivas em maio, e na ausência de legislação específica, juízes têm dado decisões desencontradas sobre o casamento civil. 

Antes, os casais pediam a declaração de união estável e só depois tentavam converter para o casamento, com base no artigo da Constituição, que obriga a facilitar a conversão. No casamento, as pessoas mudam de estado civil, enquanto na união estável não há essa mudança. 

Apesar da decisão de hoje do STJ, nos últimos meses, decisões nas Justiças estaduais autorizam o casamento direto de homossexuais, nos moldes do heterossexual. Outros foram negados. 





sexta-feira, 21 de outubro de 2011

TST muda a cobrança de Imposto de Renda (IR) em ações

Decisões recentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sinalizam uma mudança na forma de cálculo do Imposto de Renda (IR) incidente sobre verbas trabalhistas reconhecidas em condenações judiciais. O entendimento anterior da Corte era de que o IR se aplicaria sobre o total acumulado devido pelo empregador. Com isso, a alíquota do imposto retido tendia a ser a mais alta da tabela, de 27,5%. Mas, desde o mês passado, pelo menos quatro turmas do TST já alteraram essa forma de cálculo, entendendo que o IR deve ser aplicado sobre o valor discutido em relação a cada mês trabalhado.

A diferença é que, com a base de cálculo mensal - e portanto menor -, a alíquota cai, pois o IR é progressivo. A instrução beneficia diretamente os trabalhadores, que passam a recolher menos imposto. Em alguns casos, o valor apurado por mês pode cair na faixa de isenção, enquanto a soma atingiria a alíquota cheia. A 2ª Turma do TST, por exemplo, aplicou o novo cálculo recentemente, ao julgar uma ação de uma trabalhadora contra a Petrobras. A 8ª Turma decidiu da mesma forma, em um processo envolvendo uma empresa de seguros e previdência. Também há decisões semelhantes da 4ª e 5ª turmas.

O novo entendimento segue a Instrução Normativa nº 1.127, editada em fevereiro pela Receita Federal, que determinou o mês de competência como critério para a base de cálculo do imposto. A norma regulamentou a Lei nº 12.350, de 2010, alterando a forma de apuração do IR sobre rendimentos recebidos de forma acumulada por pessoas físicas.

Apesar de não afetar o caixa das empresas, a instrução normativa gerou dúvida entre os empregadores, por contrariar a jurisprudência do TST. A Súmula nº 368 do tribunal, editada em 2005 e ainda em vigor, diz justamente o contrário da regra da Receita - ou seja, que o IR se aplica sobre o valor global das verbas trabalhistas. Segundo o advogado Daniel Chiode, do Demarest & Almeida Advogados, que defende grandes companhias, alguns juízes de primeira instância começaram a aplicar o novo critério logo após a edição da norma da Receita. Mas as empresas ficaram inseguras, sem saber se deveriam seguir a instrução normativa ou a súmula do TST, diz.

Ao optar pela nova forma de cálculo, as turmas do TST vêm entendendo que a instrução normativa afastou a aplicação da Súmula 368, por ser posterior a ela. Para Chiode, trata-se de uma sinalização de que pode haver uma mudança na jurisprudência do tribunal. Esses primeiros julgados ensaiam uma redução do Imposto de Renda para o trabalhador, afirma.

A advogada Monya Tavares, do escritório Alino & Roberto e Advogados, que representa trabalhadores, defende a apuração do IR mês a mês. É um critério mais justo, pois leva em conta o período em que a verba trabalhista deveria ter sido paga, afirma. Apesar das decisões recentes das turmas, a situação ainda não está totalmente pacificada, pois a Súmula 368 permanece em vigor.

A questão terá que ser analisada pelo pleno do tribunal, explica o ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, que preside a Comissão de Jurisprudência do TST. No mês passado, numa tentativa de solucionar a questão, a comissão propôs à Corte uma alteração da Súmula 368. Mas ainda não há previsão de data para um posicionamento do pleno, integrado pelos 27 ministros do tribunal.

Ives Gandra Martins Filho está entre os ministros que já começaram a aplicar o cálculo definido pela Receita. A tese é de que, como houve uma mudança legal, a jurisprudência do tribunal deve ser revista. Um detalhe importante é que a alteração foi motivada justamente pela parte mais afetada. Se a própria Receita estabelece um critério mais favorável ao contribuinte, não somos nós que devemos dizer o contrário, diz o ministro.


Fonte:
Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região
Academia Brasileira de Direito (ABDIR), 20/10/2011. (Link)


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O mundo em vermelho e azul de Zizek e Jobs



Por Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2011 (Link)

Camisa de malha vermelha estampada por um Karl Marx gorducho e em cima do que no Youtube parece um banco de madeira, Slavoj Zizek usa microfone humano para reproduzir seu discurso numa praça arborizada em Wall Street.

"Não se apaixonem por vocês mesmos. É bom estar aqui, mas lembrem-se, os carnavais são baratos. O que importa é o dia seguinte, quando voltamos à vida normal. Não quero que se lembrem destes dias assim: 'Meu Deus, como éramos jovens e foi lindo'".

Aos 62 anos, professor de universidades europeias e americanas, palestrante globetrotter e autor de 43 livros publicados em mais de 20 línguas, o esloveno Slavoj Zizek é um filósofo pop.

O alvo de Zizek e de sua plateia eram os bancos da vizinhança que, socorridos pelo fisco americano, não dividem a conta da crise em que a irresponsabilidade financeira jogou o país desde 2008.



Entre os discursos há mais do que o conflito de mentalidades


Segundo o "The New York Times", o movimento que se espraia pelo país já tem uma cobertura noticiosa comparável à do surgimento de seu congênere de direita, o Tea Party, mas ainda perde para a morte de Steve Jobs, quatro dias antes do discurso de Zizek.

Nenhum fato da vida do fundador da Apple foi tão lembrado naqueles dias em que Jobs foi colocado no panteão de gênios da humanidade quanto o discurso que proferiu em 2005 na Universidade de Stanford. Sua plateia era de concluintes da universidade mais prestigiada do Vale do Silício, onde Jobs fez fama e fortuna.

Confrontados pelo Youtube, os discursos de Zizek e Jobs, seis anos mais novo que o filósofo esloveno, revelam mais do que mentalidades em conflito.

O fundador da Apple fez um discurso centrado em sua própria história de vida para dizer aos estudantes que só deviam acreditar neles mesmos. Recheado por histórias de sua adoção até as brigas societárias na Apple, o discurso é uma ode ao individualismo.

Na receita do que deveriam fazer para vencer na vida, seus estudantes foram presenteados com tiradas como: "Seu tempo é limitado, então não o gaste vivendo a vida de um outro alguém"; "Não deixe que o barulho da opinião dos outros cale sua própria voz interior"; "Tenha coragem de ouvir seu próprio coração e sua intuição".

A mensagem do gênio da era digital é coerente com os produtos que criou. Umberto Eco um dia disse que, com a Apple, a informática tinha deixado de ser instrumento para se transformar num meio de encantamento.

E o encanto aumenta a cada lançamento, ainda que a diferença de um produto para outro seja o acréscimo de um megapixel ou o decréscimo de milímetros na espessura. Cada pequeno detalhe é aplaudido como mais uma grande conquista de um mundo de ícones coloridos ao alcance de um toque.

Junto com o fetichismo, a era digital também possibilitou a convocação de manifestações como as que sacudiram o mundo árabe, passaram pela Europa e espraiam-se pelos Estados Unidos.

O filósofo midiático também é filho desta era digital, o que não lhe impede de fazer perguntas que incomodam, a começar de si mesmo, que, a cada frase de seu discurso em Wall Street, automaticamente puxava a camiseta para baixo.

Naquele domingo em que foi a atração do movimento nova-iorquino, Slavoj Zizek perguntou aos manifestantes por que a tecnologia havia rompido quase todas as fronteiras do possível enquanto na política quase tudo era considerado impossível, a começar do aumento do imposto dos ricos para melhorar a saúde pública.

A audiência do filósofo performático era muito diferente daquela de Stanford. Muitos dos estudantes ali presentes, de acordo com os relatos da imprensa, não conseguem emprego para pagar o crédito estudantil que lhes permitiu frequentar universidade.

Vítima da ditadura iugoslava de Tito, Zizek usou suas frases de efeito para dizer que o comunismo falhou, mas o problema dos bens comuns permanece: "Hoje os comunistas são os capitalistas mais eficientes e implacáveis. Na China de hoje, temos um capitalismo que é ainda mais dinâmico do que o vosso capitalismo americano. Mas ele não precisa de democracia. O que significa que, quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou".

O divórcio da era digital genialmente revolucionada por Jobs e a utopia de Zizek está resumida na história contada pelo filósofo esloveno na praça. Um alemão oriental foi exilado na Sibéria e combinou com seus amigos que ao receberem cartas suas observassem a cor da tinta. Se azul, contaria a verdade. Se vermelha, seria falsa. A primeira carta veio em azul: "Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar é tinta vermelha".

Zizek contou essa história para dizer que, sem tinta vermelha, o mundo se mostrava incapaz de articular uma linguagem para expressar a ausência de liberdade e encontrar alternativas a um sistema em crise.
A era digital abre todas as possibilidades e nenhuma. Faz do individualismo a alma da globalização. É imaginativa, mas escreve em azul.

É pela internet que está sendo convocada para amanhã o que se imagina que venha a ser "a maior manifestação da história". Pretende mobilizar milhões em 79 países e dar seguimento à onda de mobilizações que começou nos países árabes, prosseguiu pela Europa e agora se espraia pelos Estados Unidos.

Já tem adeptos em 34 cidades brasileiras. Muitos deles participaram dos protestos de quarta-feira. No Brasil, a manifestação é ainda mais difusa do que no resto do mundo que pelo menos tem o desemprego crescente como amálgama.

Um dos grupos tupiniquins mais ativos é o Anonymous que, no 12 de outubro, declarou: "A corrupção é o principal motivo de as coisas estarem erradas". De seu banquinho nova-iorquino, Slovej usou mais uma de suas frases de efeito para mandar o recado: "O problema não é a corrupção ou a ganância, o problema é o sistema".


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Resolução que regulamentou nova lei do agravo não alterou prazos



O Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o entendimento de que o prazo para interposição de agravo quando o recurso extraordinário não for admitido em matéria penal é de cinco dias, previsto no artigo 28 da Lei 8.038/1990. Em caso de matéria cível, esse prazo é de 10 dias, como estabelece a Lei 12.322/2010.

A questão foi discutida na sessão de hoje (13) em questão de ordem levada ao Plenário pelo ministro Dias Toffoli. Segundo ele, a Resolução STF 451/2010 estaria induzindo as partes em erro, na medida em que afirma categoricamente que a alteração promovida pela Lei 12.322/2010 também se aplica aos recursos extraordinários e agravos que versem sobre matéria penal e processual penal.

Ocorre que a Lei 12.322/2010 alterou o artigo 544 do Código de Processo Civil (CPC) para dispor que “não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 dias.” Mas, o entendimento da Corte é o de que a nova lei do agravo não revogou o prazo estabelecido para a matéria criminal na lei anterior (Lei 8.038/90). A decisão, entretanto, não foi unânime. Os ministros Dias Toffoli (relator), Gilmar Mendes e Celso de Mello divergiram desse entendimento porque consideram que a nova lei do agravo unificou em 10 dias os prazos para os recursos cíveis e criminais.

O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, reconheceu que a falta de referência específica quanto ao prazo no texto da resolução pode, de fato, ter gerado dúvidas na comunidade jurídica, mas ressaltou que a interpretação de atos normativos deve ser muito cuidadosa. “A interpretação de qualquer ato normativo, sobretudo daquele que não tem maior alcance do que o âmbito de atuação do próprio tribunal, deve despertar um cuidado muito grande por parte dos intérpretes, sobretudo nesta matéria, na qual não se pode correr riscos”, alertou.

De acordo com o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, a única alteração introduzida pela Resolução 451/2010 diz respeito ao procedimento, já que agora os agravos são apresentados nos próprios autos do recurso extraordinário. O presidente da Corte ressaltou que os advogados que se equivocaram quanto ao prazo desconsideraram um dado relevantíssimo, ou seja, o fato de que a Súmula 699 permanece em vigor. Esta súmula estabelece que “o prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a Lei 8.038/1990, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei 8.950/1994 ao Código de Processo Civil”.

Questão de ordem

A matéria foi debatida em questão de ordem suscitada no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário (AgRg no RE) 639846, no qual a parte agravante salientou que a Resolução STF 451/2010 a induziu em erro. Os ministros Dias Toffoli (relator), Gilmar Mendes e Celso de Mello votaram pelo acolhimento da questão de ordem, e consequente pelo provimento do agravo regimental, por entenderem que a nova lei do agravo unificou em 10 dias os prazos para os recursos cíveis e criminais. Os três ministros propuseram a revogação da Súmula 699 do STF, mas ficaram vencidos.

Para o ministro Dias Toffoli, a Resolução STF 451/2010 fez com que as partes envolvidas realmente passassem a entender que o novo prazo de interposição do agravo seria de 10 dias. “À luz da Resolução nº 451 da Corte, a interpretação que faço da Lei nº 12.322/2010 é agora extensiva, a meu ver, para abranger o prazo ali fixado aos recursos extraordinários e agravos que versem sobre matéria penal e processual penal. Isso porque a resolução do Supremo mandou aplicar a lei àquelas matérias e a lei traz no seu corpo normativo o prazo de 10 dias”, afirmou o relator.

O ministro Gilmar Mendes acrescentou que se formou na comunidade jurídica "uma dúvida considerável" e, de alguma forma, assentou-se que o prazo para interposição de agravo passou a ser de 10 dias. O ministro citou publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) sobre a questão, o que demonstraria o grau de insegurança jurídica que a questão suscitou. O ministro Celso de Mello afirmou ter convicção de que a nova lei do agravo estabeleceu um “regime homogêneo” em relação a prazos para todos recursos (penal, cível, eleitoral etc).



Fonte: STF (link)


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