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terça-feira, 23 de julho de 2013

Isonomia de defesa e prazo para resposta preliminar no CPP

Por Fábio Medina Osório
Artigo publicado originalmente no Portal Migalhas (link)



O art. 396 do CPP disciplina que o acusado terá o prazo de dez dias para apresentar resposta à acusação, por meio da qual deverá, nos termos do que prevê o art. 396-A, do mesmo diploma legal, "arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas". Ocorre que referido dispositivo legal não pode ser interpretado isoladamente, mas dentro do contexto constitucional, de tal modo que resulta fundamental visualizar sua correta interface com os princípios do Direito Sancionador ou do Direito Publico punitivo. 

Para possibilitar atendimento integral do previsto no citado dispositivo legal, é evidente que, em casos com pluralidade de sujeitos no polo passivo de um processo penal, o prazo estabelecido pelo diploma processual deve ser interpretado em sintonia com o principio da isonomia e paridade de armas na defesa, o que se aplica não apenas aos relacionamentos entre acusados e acusadores, mas, também e sobretudo, entre os próprios acusados, cujos interesses podem ser conflitantes no processo sancionador, pena de violação do previsto no art. 5o, LV da CF, bem assim no art. 8o, 2, c do decreto-lei 678/92 (que introduziu no ordenamento brasileiro o Pacto de São José da Costa Rica). 

Sobremaneira com o advento do processo eletrônico, a sistemática processual gera situação talvez não prevista originariamente, mas certamente injusta e arbitrária: o aporte da peça defensiva deve ocorrer a partir da citação pessoal do denunciado, o que gera diferenciados prazos e, sem dúvida, diferenciadas vantagens ou desvantagens processuais, na medida em que a alguns acusados é dada a faculdade de conhecer as manifestações de outros corréus e, portanto, articularem estratégias mais vantajosas.

Admitindo o art. 3° do CPP a aplicação da analogia, desde que em consonância com o princípio favor rei, resulta necessário, em casos de pluralidade de agentes como acusados, a adoção do critério estipulado pelos arts. 191 c/c 241, inciso III do CPC, que determina o fluxo do prazo de manifestação, a partir da juntada aos autos do último mandado citatório. Tal providência ensejaria não apenas a dilargação dos prazos defensivos – o que homenageia o principio da ampla defesa – como também um tratamento isonômico aos corréus, que poderiam optar pelo cumprimento comum ou separado do prazo de resposta. 

Um dos aspectos mais relevantes do Direito Publico punitivo, ou da teoria do Direito Sancionador, reside no fluxo e contrafluxo de princípios reitores e da globalização das fontes, a partir das interfaces entre os sistemas e subsistemas jurídicos. Os ideais de segurança jurídica, harmonia e consistência sistêmica devem ser buscados como um todo pelos intérpretes, corrigindo distorções legislativas na perspectiva dos direitos fundamentais protegidos constitucionalmente. 





quarta-feira, 29 de maio de 2013

Para refletir...




"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem"
                                                                                                                          (Bertolt Brecht)






#MaioridadePenal

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terça-feira, 21 de maio de 2013

Direito de Defesa: Independência das esferas administrativa e penal é mito

Por Pierpaolo Cruz Bottini
Artigo originalmente publicado no Conjur 

Um mantra sempre repetido em doutrina e jurisprudência: processo administrativo e penal são independentes, autônomos, seguem princípios distintos, e as decisões em um deles não se comunicam com o outro.

Com base nisso, é comum que a absolvição de investigado na seara administrativa seja ignorada na seara penal, e vice-versa, como se cada segmento do Poder Público fosse uma unidade hermética e indevassável a valorações feitas em outros terrenos. Isso ocorre nos crimes financeiros, concorrenciais, ambientais, e em outros, em que eventuais decisões dos órgãos que apuram ilícitos administrativos (Banco Central, Cade, Ibama) são praticamente desconsideradas na esfera penal. Ocorre que a cada dia se constata que tal independência é relativa.

Em primeiro lugar, a própria legislação e a jurisprudência têm conferido efeitos cada vez mais relevantes a atos praticados no âmbito administrativo, em especial em relação ao processo penal. Apenas para fins ilustrativos, podemos citar a conhecida Súmula 24 do STF, que faz depender a “materialidade típica do crime fiscal da constituição administrativa do crédito tributário”, e a Lei 12.259/11, que determina a extinção da punibilidade dos crimes de cartel quando cumprido do acordo de leniência, firmado no âmbito do Cade.

Mas, mesmo que a lei não estabeleça relação direta entre as instâncias administrativa e penal, os princípios consagrados neste último impõem uma ligação importante entre elas, em especial nos casos em que o comportamento seja considerado lícito na seara administrativa.

Nessas hipóteses, o princípio da subsidiariedade tem interferência central. Se o direito penal é a ultima ratio do controle social, se é tratado como o instrumento que age apenas diante de ineficácia de outros mecanismos de inibição de condutas, como explicar a legitimidade da pena para uma ação ou omissão considerada lícita na seara cível ou administrativa? Como justificar a necessidade da repressão penal a uma conduta supostamente anticoncorrencial considerada lícita pelo Cade? Ou uma gestão temerária de instituição financeira reputada insignificante pelo Banco Central do Brasil?

É evidente que os valores protegidos pelo Direito Administrativo são distintos daqueles presentes na esfera penal. Ocorre que, a existência de justa causa para a persecução penal exige a verificação do desvalor da conduta para todas as outras esferas de controle social. Do contrário restará subvertido o princípio mais caro ao sistema: a ultima ratio da intervenção penal e sua fragmentariedade.

É sempre oportuno frisar que os valores protegidos pelo Direito Penal são os mais relevantes e importantes para o funcionamento de determinada sociedade. A lógica do princípio da fragmentariedade impõe que a norma penal declare injusto apenas aquele comportamento absolutamente inaceitável, insuportável para o convívio em sociedade, e rechaçado pelo ordenamento jurídico como um todo.

Aceitar que um ato tolerado na esfera administrativa ou cível seja reconhecido como injusto penal seria inverter completamente o princípio da fragmentariedade, que, nas palavras de Roxin “sería una contradiccion axiológica insoportable, y contradiria además la subsidiariedad del Derecho penal como recurso extreo de la política social, que una conducta autiruzada em cualquier campo del Derecho no obstante fuera castigada penalmente”[1]. Na mesma linha, explica Bittencourt:
“Por isso, um ilícito penal não pode deixar de ser igualmente ilícito em outras áreas do direito, como a civil, administrativa, etc. No entanto, o inverso não é verdadeiro: um ato licito civil não pode ser ao mesmo tempo um ilícito penal. Dessa forma, apesar de as ações penal e extrapenal serem independentes, o ilícito penal, em regra, confunde-se com o ilícito extrapenal. Em outros termos, sustentar a independência das instâncias administrativa e penal é uma conclusão de natureza processual, ao passo que a afirmação que a ilicitude é única implica uma conclusão de natureza material”[2]
Não é diferente o entendimento do STF nesta seara:
“1. De acordo com o artigo 20 da Lei n° 10.522/02, na redação dada pela Lei n° 11.033/04, os autos das execuções fiscais de débitos inferiores a dez mil reais serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, em ato administrativo vinculado, regido pelo princípio da legalidade. 2. O montante de impostos supostamente devido pelo paciente é inferior ao mínimo legalmente estabelecido para a execução fiscal, não constando da denúncia a referência a outros débitos em seu desfavor, em possível continuidade delitiva. 3. Ausência, na hipótese, de justa causa para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não pode ter relevância criminal. Princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. 4. O afastamento, pelo órgão fracionário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da incidência de norma prevista em lei federal aplicável à hipótese concreta, com base no art. 37 da Constituição da República, viola a cláusula de reserva de plenário. Súmula Vinculante n° 10 do Supremo Tribunal Federal. 5. Ordem concedida, para determinar o trancamento da ação penal. (STF, HC 92438 / PR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Julgamento: 19/08/2008, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-04 PP-00925, sem grifo no original).
Cumpre destacar o seguinte trecho do voto do E. Ministro Joaquim Barbosa nos autos do Habeas Corpus supra mencionado (HC 92438)
“Torno a dizer: não é possível que uma conduta seja administrativamente irrelevante e não o seja para o Direito Penal, que só deve atuar quando extremamente necessário para a tutela do bem jurídico protegido quando, quando falham os outros meios de proteção e não são suficientes as tutelas estabelecidas nos demais ramos do direito.”
Também nesse sentido:
“(...) I. - No caso, tendo a denúncia se fundado exclusivamente em representação do Banco Central, não há como dar curso à persecução criminal que acusa o paciente de realizar atividade privativa de instituição financeira, se a decisão proferida na esfera administrativa afirma que ele não pratica tal atividade. Inocorrência, portanto, de justa causa para o prosseguimento da ação penal contra o paciente. II. – HC deferido. (STF, HC 83674, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 16/03/2004, DJ 16-04-2004 PP-00088 EMENT VOL-02147-13 PP-02629)
Em caso bastante similar, o STJ reconheceu a relatividade da independência das instâncias:
“ (...) No Estado Democrático de Direito, o devido (justo) processo legal impõe a temperança do princípio da independência das esferas administrativa e penal, vedando-se ao julgador a faculdade discricionária de, abstraindo as conclusões dos órgãos fiscalizadores estatais sobre a inexistência de fato definido como ilícito, por ausência de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade, alcançar penalmente o cidadão com a aplicação de sanção limitadora de sua liberdade de ir e vir.
5. É certo que esta independência também funciona como uma garantia de que as infrações às normas serão apuradas e julgadas pelo poder competente, com a indispensável liberdade; entretanto, tal autonomia não deve erigir-se em dogma, sob pena de engessar o intérprete e aplicador da lei, afastando-o da verdade real almejada, porquanto não são poucas as situações em que os fatos permeiam todos os ramos do direito. (...) (STJ, HC 77228/RS (2007/0034711-6), Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 5ª T., DJ 07/02/2008 p. 1, sem grifo no original)
Ou o seguinte julgado:
“(...) 1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa, medida de exceção que é, somente cabe quando a atipicidade e a inexistência dos indícios de autoria se mostram na luz da evidência, primus ictus oculi. 2. Em resultando manifesta a atipicidade da conduta atribuída ao agente, como nas hipóteses em que, descomprometido com o aferimento de lucro, quanto mais ilícito, tomou medidas urgentes e necessárias ao bom funcionamento do órgão que geria, o trancamento da ação penal é medida que se impõe. 3. Carece de justa causa a ação penal fundada em representação de Autarquia Federal, quando ela própria vem a considerar como lícita a conduta do agente (Precedente do STF). 4. Recurso provido”. (STJ, RHC 12192/RJ (2001/0184954-7), Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, 6ª T., DJ 10/03/2003 p. 311)
Ora, se determinado comportamento é reconhecido por um sistema de controle social menos grave que o direito penal como aceitável — ou ao menos como não intolerável — não há legitimidade para a incidência da norma penal, caracterizada como intervenção de ultima ratio, cuja incidência é mais restrita e limitada. Como atesta Figueiredo Dias: “se uma ação é considerada lícita (sc. conforme ao 'Direito') pelo direito civil, administrativo ou por qualquer outro, essa licitude – ou ausência de ilicitude – tem de impor-se a nível do direito penal” [3].

Por isso, a decisão administrativa que reconhece a licitude do comportamento — se isenta de vícios e cercada das formalidades legais — interfere diretamente na seara criminal, porque afasta a necessidade deste último controle, pelo principio da subsidiariedade.


[1] ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. 2. ed. Madrid: Civitas,1997. p.570
[2] BITTENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal. p.297, sem grifo no original
[3] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 388, sem grifo no original


Sobre o autor:
Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.


Revista Consultor Jurídico, 21 de maio de 2013.


sexta-feira, 17 de maio de 2013

Redução da maioridade, ECA e o sorriso das crianças, por Gerivaldo Neiva

Hoje, verificando alguns blogs que acompanho pela web, encontrei o seguinte texto do magistrado Gerivaldo Neiva, juiz de direito no estado da Bahia e membro da Associação de Juízes para a Democracia: "Redução da maioridade, ECA e o sorriso das crianças ".
Trago-o como indicação de leitura. A redução da maioridade penal é uma reflexão necessária, não sendo possível apenas ouvir setores da sociedade que não tem compromisso social algum. 
O futuro das nossas crianças pede socorro e ação, não restrição de direitos com pura e simples punição.


Giselle Borges.
Twitter: @GisaBorges.


terça-feira, 26 de março de 2013

A importância da confissão espontânea no processo penal



Reconhecer a autoria do crime é atitude de especial relevância para o Judiciário. O réu pode contar com a atenuante da pena e colaborar com as investigações em curso. Pode contribuir ainda com um julgamento mais célere e com a verdade dos fatos. Mas em que circunstâncias a admissão do crime implica realmente benefício para o culpado e qual a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto? 

O artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal dispõe que a confissão espontânea de autoria do crime é circunstância que atenua a pena. Assim, aqueles que, em tese, admitirem a autoria do fato em presença de uma autoridade terá como prêmio uma pena mais branda. O primeiro elemento exigido pela lei, então, é a confissão ser voluntária; a segunda é que seja em presença de autoridade. 

A autoridade pode ser tanto o delegado de polícia, o magistrado ou o representante do Ministério Público. É entendimento do STJ que não cabe ao magistrado fazer especulações sobre os motivos que conduziram o réu a admitir a culpa. A jurisprudência dispõe que a confissão, prevista no texto da lei, é de caráter meramente objetivo. Isso significa que o acusado não precisa apresentar motivação específica ou qualquer outro requisito subjetivo para sua caracterização (HC 129.278). 

Arrependimento 

O STJ entende que pouco importa o arrependimento ou a existência de interesse pessoal do réu ao admitir a culpa. A atenuante tem função objetiva e pragmática de colaborar com a verdade, facilitando a atuação do Poder Judiciário. “A confissão espontânea hoje é de caráter meramente objetivo, não fazendo a lei referência a motivos ou circunstâncias que a determinaram,” assinalou o ministro Paulo Gallotti, ao apreciar um habeas corpus de Mato Grosso do Sul (HC 22.927). 

É entendimento também do STJ de que não importa se o réu assumiu parcial ou totalmente o crime ou mesmo se houve retratação posterior. “Se a confissão na fase inquisitorial, posteriormente retratada em juízo, alicerçou o decreto condenatório, é de ser reconhecido o benefício da atenuante do artigo 65, III, alínea d, do CP”, assinalou a ministra Laurita Vaz em um de seus julgados. (HC 186.375). 

“A confissão, realizada diante de autoridade policial quanto a um delito de roubo, mesmo que posteriormente retratada em juízo, é suficiente para incidir a atenuante quando expressamente utilizada para a formação do convencimento do julgador”, assinalou o ministro Jorge Mussi em um julgado. Segundo ele, pouco importa se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial (HC 217.687). 

Os magistrados entendem que a lei não faz ressalva em relação à maneira como o agente pronunciou a confissão. A única exigência legal, segundo a Corte, é que essa atenuante seja levada em consideração pelo magistrado quando da fixação da pena (HC 479.50). Mesmo havendo retratação em juízo, segundo o STJ, se o magistrado usar da confissão retratada como base para o reconhecimento da autoria do crime, essa circunstância deve ser levada em consideração no momento da dosimetria da pena (HC 107.310). 

Confissão qualificada

O STJ tem se posicionado no sentido de que não cabe a atenuante em casos de confissão qualificada – aquela em que o acusado admite a autoria, mas alega ter sido acobertado por causa excludente da ilicitude. É o caso de um réu confessar o crime, mas alegar que agiu em legítima defesa. 

Isso porque, segundo uma decisão da Sexta Turma, nesses casos, o acusado não estaria propriamente colaborando para a elucidação do crime, mas agindo no exercício de autodefesa (REsp 999.783). 

Na análise de um habeas corpus oriundo do Rio Grande do Sul, a Quinta Turma reiterou o entendimento de que a confissão qualificada não acarreta o reconhecimento da atenuante. No caso, um réu atirou em policiais quando da ordem de prisão, mas não admitiu o dolo, alegando legítima defesa (HC 129.278). 

“A confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou exculpantes, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal”, sustentou a ministra Laurita Vaz, na ocasião do julgamento. A versão dos fatos apresentada pelo réu não foi utilizada para embasar sua condenação. 

Personalidade do réu 

A atenuante da confissão, segundo decisões de alguns ministros, tem estreita relação com a personalidade do agente. Aquele que assume o erro praticado, de forma espontânea – ou a autoria de crime que era ignorado ou atribuído a outro – denota possuir sentimentos morais que o diferenciam dos demais. 

É no que acredita a desembargadora Jane Silva, que atuou em Turma criminal no STJ, defendendo a seguinte posição: “Penso que aquele que confessa o crime tem um atributo especial na sua personalidade”, defendeu ela, “pois ou quer evitar que um inocente seja castigado de forma não merecida ou se arrependeu sinceramente”. E, mesmo não se arrependendo, segundo a desembargadora, o réu merece atenuação da pena, pois reconhece a ação da Justiça – “à qual se sujeita”, colaborando com ela. 

A desembargadora definiu a personalidade como conjunto de atributos que cada indivíduo tem e desenvolve ao longo da vida até atingir a maturidade; diferentemente do caráter, que, segundo ela, é mutável. Dessa forma, o réu que confessa espontaneamente o crime "revela uma personalidade tendente à ressocialização, pois demonstra que é capaz de assumir a prática de seus atos, ainda que tal confissão, às vezes, resulte em seu prejuízo, bem como se mostra capaz de assumir as consequências que o ato criminoso gerou, facilitando a execução da pena que lhe é imposta” (REsp 1.012.187). 

Reincidência

No Brasil, conforme previsão do artigo 68 do Código Penal, o juiz, no momento de estabelecer a pena de prisão, adota o chamado sistema trifásico, em que primeiro define a pena-base (com fundamento nos dados elementares do artigo 59: culpabilidade, antecedentes, motivação, consequências etc.), depois faz incidir as circunstâncias agravantes e atenuantes (artigos 61 a 66) e, por último, leva em conta as causas de aumento ou de diminuição da pena. 

A Terceira Seção decidiu em maio do ano passado, por maioria de votos, que, na dosimetria da pena, devem ser compensadas a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência, por serem igualmente preponderantes. A questão consistia em definir se a agravante da reincidência teria maior relevo ou se equivalia à atenuante da confissão. A solução foi dada com o voto de desempate da ministra Maria Thereza de Assis Moura (EREsp 1.154.752) 

Segundo explicação do desembargador convocado Adilson Macabu, proferida no curso do julgamento, o artigo 65 do Código Penal prevê as circunstâncias favoráveis que sempre atenuam a pena, sem qualquer ressalva, e, em seguida, o artigo 67 determina uma agravante que prepondera sobre as atenuantes. Os ministros consideraram na ocasião do julgamento da Terceira Seção que, se a reincidência sempre preponderasse sobre a confissão, seria mais vantajoso ao acusado não confessar o crime e, portanto, não auxiliar a Justiça. 

O entendimento consolidado na ocasião é que a confissão revela traço da personalidade do agente, indicando o seu arrependimento e o desejo de emenda. Assim, nos termos do artigo 67 do CP, o peso entre a confissão – que diz respeito à personalidade do agente – e a reincidência – expressamente prevista no referido artigo como circunstância preponderante – deve ser o mesmo. Daí a possibilidade de compensação. 

Autoincriminação

No julgamento de um habeas corpus em que aplicou a tese firmada pela Terceira Seção, o desembargador Adilson Macabu considerou que a confissão acarreta “economia e celeridade processuais pela dispensa da prática dos atos que possam ser considerados desnecessários ao deslinde da questão”. Também acrescentou que ela acarreta segurança material e jurídica ao conteúdo do julgado, pois a condenação reflete, de maneira inequívoca, a verdade real, buscada inexoravelmente pelo processo (HC 194.189). 

O magistrado destacou que a escolha do réu ao confessar a conduta “demonstra sua abdicação da proteção constitucional para praticar ato contrário ao seu interesse processual e criminal”, já que a Constituição garante ao acusado o direito ao silêncio e o direito de não se autoincriminar. “Por isso deve ser devidamente valorada e premiada como demonstração de personalidade voltada à assunção de suas responsabilidades penais”, concluiu Macabu. 

Condenação anterior

No julgamento de um habeas corpus, contudo, a Quinta Turma do STJ adotou o entendimento de que, constatado que o réu possui condenação anterior por idêntico delito, geradora de reincidência, e que há uma segunda agravante reconhecida em seu desfavor (no caso, crime cometido contra maior de 60 anos), não há constrangimento ilegal na negativa de compensação das circunstâncias legais agravadoras com a atenuante da confissão espontânea (HC 183.791). 

Sobre o tema, o STJ tem entendimento de que a atenuante da confissão espontânea não reduz pena definida no mínimo legal, nem mesmo que seja de forma provisória. A matéria se enquadra na Súmula 231, do STJ. 

Flagrante

Em relação à atenuante quando da ocorrência da prisão em flagrante ou quando há provas suficientes nos autos que possam antecipadamente comprovar a autoria, as Turmas criminais do STJ entendem que “a prisão em flagrante, por si só, não constitui fundamento suficiente para afastar a incidência da confissão espontânea”. Com isso, foi reformada a decisão proferida pela instância inferior (HC 68.010). 

Em um caso analisado pelo STJ, um réu foi flagrado transportando 6,04 quilos de cocaína e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), na análise de fixação da pena, não considerou a atenuante da confissão espontânea, ao argumento de que o réu foi preso em flagrante (REsp 816.375). 

Em outra decisão, sobre o mesmo tema, a Quinta Turma reiterou a posição de que “a confissão espontânea configura-se tão somente pelo reconhecimento do acusado em juízo da autoria do delito, pouco importando se o conjunto probatório é suficiente para demonstrá-la ou que o réu tenha se arrependido da infração que praticou” (HC 31.175).



Fonte: Portal Dom Total (link para a matéria aqui)





quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Deixem em paz o princípio da presunção de inocência



Por Pierpaolo Cruz Bottini *
Publicado originalmente no Conjur (link) em 08/01/2013.

"É mais fácil formular uma acusação que destruí-la, como é mais fácil abrir uma ferida que curá-la" (Faustin Helie, 1866). 

Escrever sobre a presunção de inocência pareceria, a princípio, tarefa fácil, uma vez que a garantia é consagrada pela Constituição, sacramentada por diplomas internacionais e repetidas vezes destacada em decisões judiciais como elemento fundador de um Estado de Direito.
No entanto, é preciso sempre indicar a importância, os fundamentos dos princípios e regras, mesmo que consolidados, para resguardar sua existência. E com mais veemência quando observamos frequentes manifestações pela relativização da garantia em questão, apontando-a como causa da impunidade e da tibieza estatal no combate à criminalidade.
Por isso, inauguramos a coluna em 2013 com algumas reflexões sobre o tema, talvez mais em tom de desabafo — ou de angústia — do que de análise técnica.

Origens e evolução da presunção de inocência

A ideia de que todos são inocentes até manifestação judicial definitiva em contrário é antiga. Bem antiga. Há quem aponte passagens da presunção de inocência no Direito romano[1]. De qualquer forma, a consagração do princípio na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 revela que já há alguns séculos a vedação da punição antes da confirmação judicial da culpa era tida como sustentáculo de um modelo jurídico racional.

Mas nem tudo o que é sólido é mantido eternamente em tal estado, como diria um velho pensador político. A presunção de inocência foi mitigada nos anos que antecederam aos regimes totalitários da primeira metade do século XX, em especial por juristas italianos que viam no instituto uma ideiairracional. Por todos, citemos Manzini, que desenvolveu a ideia da substituição da presunção da inocência pela presunção da não culpabilidade[2]Para o autor, o magistrado carece de condições para atestar ou presumir a inocência de alguém. Pode, no máximo, afastar a pretensão da acusação de declará-lo culpado, mas isso não significa inocência. Significa que os indícios colhidos pela investigação foram contraditados suficientemente pela defesa, afastando as premissas para uma condenação.
Ainda que revestida de cuidados retóricos, a proposta de Manzini desembocava na presunção de culpabilidade, pois para o autor cabia à defesa afastar os indícios colhidos pelo órgão estatal, ou ao menos deixar o juiz em dúvida (a incerteza ou a dúvida leva à declaração de não culpabilidade, mas não à inocência) [3]. Partia-se do princípio que as teses da acusação eram sustentáveis em si, e se não rebatidas, levavam à condenação. Invertiam-se os sinais, as incumbências das partes, e feria-se de morte a presunção de inocência.
No Brasil, tais ideias permearam a legislação do Estado Novo. O Decreto-lei 88/37 — que instituiu o Tribunal de Segurança Nacional — previa no artigo 20, 5, que “presume-se provada a acusação, cabendo ao réu prova em contrário, sempre que tenha sido preso com arma na mão, por ocasião de insurreição armada, ou encontrada com instrumento ou documento do crime”. Assim, a prática de crimes graves e o estado de flagrância suprimia a presunção de inocência, em uma fórmula não muito distante daquela adotada por alguns diplomas legislativos em vigor.
Passada a 2ª Grande Guerra, o princípio voltou a almejar caráter universal, a ponto de ser incluído expressamente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (art. XI) no Pacto de San José da Costa Rica (art. 8º), e em diversos textos constitucionais nacionais, dentre os quais no nosso, no conhecido inciso LVII do artigo 5º, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Contornos da presunção de inocência no Brasil

Com a previsão expressa da presunção de inocência na Carta Maior[4], aos poucos foram relegados à inconstitucionalidade dispositivos legais que impunham restrições de direitos em decorrência dejuízos provisórios de culpa, assim caracterizadas as decisões de magistrados ou tribunais sem caráter definitivocomo a chamada execução provisória da pena, que admitia, com base em dispositivos do Código de Processo Penal, a antecipação da sanção penal após condenação em segundo grau, mesmo que não transitada em julgado (por exemplo, na pendência de recurso especial ou extraordinário)[5].

No paradigmático HC 84.078-7/MG (julgado em 5.2.2009), o Pleno do STF decidiu pela inconstitucionalidade dessa execução provisória da pena. A decisão de impedir a execução da penaantes do trânsito em julgado da decisão condenatória foi criticada por alguns como contraproducentesob a perspectiva político criminal. Alegava-se que a morosidade do processo penal e o elevado número de recursos disponíveis, somada à necessidade do trânsito em julgado para a imposição da pena, conferiam uma sensação de impunidade, pois deixavam livres agentes já condenados em duas instâncias.
Diante de tais manifestações, o ministro Eros Grau, relator do Habeas Corpusem questão, foi enfático: “A prevalecer o entendimento que só se pode executar a pena após o trânsito em julgado das decisões do RE e do Resp, consagrar-se-á, em definitivo, a impunidade. Isso  eis o fecho de outro argumento  porque os advogados usam e abusam de recursos e de reiterados Habeas Corpus, ora pedindo a liberdade, ora a nulidade da ação penal. Ora  digo eu agora  a prevalecerem essas razões contra o texto da Constituição melhor será abandonarmos o recinto e sairmos por aí, cada qual com o seu porrete, arrebentando a espinha e a cabeça de quem nos contrariar. Cada qual com o seu porrete! Não recuso significação ao argumento, mas ele não será relevante, no plano normativo, anteriormente a uma possível reforma processual, evidentemente adequada ao que dispuser a Constituição. Antes disso, se prevalecer, melhor recuperarmos nossos porretes...”.
Assim, restou — naquele momento — consolidada a presunção de inocência, com o rechaço pela Corte Constitucional de qualquer imposição antecipada de pena antes do trânsito em julgado. E nessa linha seguiu o ministro Joaquim Barbosa, ao negar pedido de prisão dos réus na Ação Penal 470 antes de condenação definitiva.

Imposição automática de medidas cautelares processuais penais de caráter pessoal

A consolidação da presunção de inocência, no entanto, foi distorcida por um fenômeno legislativo recorrente: a imposição automática de medidas cautelares pessoais diante da gravidade dos crimes imputados.

Inúmeras leis foram aprovadas pelo Congresso Nacional estabelecendo a prisão preventiva obrigatória de réus acusados da prática de determinados crimes, sob a forma de vedação de liberdade provisória. A Lei 8.072/90, artigo 2º, II (crimes hediondos), Lei 9.613/98, artigo 3º (lavagem de dinheiro), Lei 10.826/03, artigo 21 (armas) Lei 11.343/06, artigo 44 (drogas), previam que em caso de prisão em flagrante, o agente não poderia ser beneficiado com a liberdade provisória dada a gravidade do delito imputado. Em outras palavras, o legislador impunha a prisão cautelar automática aos presos em flagrante.
Com o passar do tempo, tais preceitos também foram declarados inconstitucionais — em caráter incidental ou abstrato — por sua incompatibilidade com a presunção de inocência[6]. Notou o STF, em diversas oportunidades, que tais dispositivos não passavam de subterfúgio para mitigar a presunção constitucional de inocência[7]. As medidas cautelares — prisão e mesmo outras menos gravosas — justificam-se diante de um comportamento do réu no sentido de turbar a investigação ou a persecução. A imposição de restrições a direitos automáticas, sem qualquer análise da conduta concreta do afetado, não tem natureza cautelar — pois não estão atreladas a fatos que indiquem a possibilidade de perecimento de direito ou bens — mas caracterizam uma sanção antecipada. Não por acaso, estão sempre ligadas à gravidade do crime, à hediondez da imputação, ou seja, a uma acusação cuja demonstração está ainda em curso, cuja constatação requer o exaurimento de uma instrução ainda em andamento[8].
Em outras palavras, a cautelar automática é uma execução antecipada da pena, uma vez que carece de justificativa instrumental. Portanto, conflita claramente com a presunção de inocência, sendo corretamente declarada inconstitucional em diversas oportunidades pela Corte Maior.

Mitigações à presunção de inocência

No entanto, mesmo com toda a vigilância jurisprudencial, não raro são aprovadas leis incompatíveis com a presunção de inocência. Embora não se admitam mais regras que imponham execução antecipada da pena, ou prisão preventiva obrigatória, outras tantas formas de afetação da presunção de inocência foram aprovadas pelo Legislativo e até mesmo chanceladas pelo Judiciário.

É o que ocorreu com a chamada Lei da Ficha Limpa. A Lei Complementar 135/2010 estabeleceu que são inelegíveis todos os condenados por órgão colegiado pela prática de alguns crimes elencados na norma (ex. crimes contra a fé pública, o patrimônio público ou privado, o sistema financeiro[9]). Em outras palavras, a norma previu a inelegibilidade daquele que foi considerado culpado em julgamento proferido por mais de uma pessoa, mesmo que tal decisão não seja definitiva, não tenha transitado em julgado.
Sabe-se que o STF declarou tal dispositivo constitucional (ADPF 4.578), mas isso não o isenta de críticas, nem impede que se aponte sua incompatibilidade com a presunção de inocência, como já apontamos em Coluna anterior[10].
Da mesma forma, a nova redação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98, com a redação alterada pela Lei 12.683/12) afronta a presunção de inocência ao prever o afastamento automático do servidor público em caso de indiciamento pelo crime de lavagem de dinheiro.Pelo artigo 17-D, sempre que a autoridade policial indiciar um servidor público por lavagem de dinheiro, a consequência imediata, automática, será seu afastamento do cargo.
Mais uma vez, mitiga-se a presunção de inocência, ao impor ao réu uma pesada medida cautelar constritiva sem fundamento processual, como mera antecipação de pena, calcada em decisão provisória do delegado de Polícia[11].
Da mesma forma, o projeto de lei de reforma do Código Penal, em trâmite no Senado Federal, propôs a criminalização do enriquecimento sem causa, definido como o ato de “adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar, ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis, cujo valor seja incompatível com os rendimento auferidos pelo funcionário público em razão de seu cargo ou por outro meio lícito” (art.227).
Tal proposta também viola o princípio em comento, pois parte da presunção de que o patrimônio não justificado do servidor público não só é fruto de ilícito, mas de ilícito penal, e impõe a ele a comprovação da origem legal dos bens[12], sob pena de criminalizar seu status patrimonial.

Conclusão

Parece claro que a presunção de inocência, embora consagrada constitucionalmente, vigora pela incessante atividade jurisdicional de vigilância, pela constante declaração de inconstitucionalidade de preceitos que, expressa ou veladamente, mitigam sua aplicação. Mesmo assim, são vezeiras leis ou propostas que afetam a regra, sempre calcadas no argumento de que o respeito à disposição constitucional aumenta a impunidade e enfraquece a política criminal, em especial nos casos de réus acusados de delitos graves.

O mais preocupante é que muitas destas propostas contam com amplo apoio popular, o que se explica nas palavras de Arnaldo Malheiros Filho: “Escravos aos leões, enforcamentos em praça pública, autos-de-fé com gente ardendo na fogueira sempre foram, ao longo da história, campeões de audiência. Nossa sociedade midiática só aprofunda o sucesso das execuções sem julgamento e sem “formalidades” que protejam os direitos individuais.”[13]
No entanto, vale aqui a lição de Rui Barbosa, para quem a gravidade dos delitos imputados ao réu apenas reforça a necessidade de respeito à presunção de inocência: “Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa, para os guardas da ordem social, a obrigação de não aventurar inferências, de não revelar prevenções, de não se extraviar em conjecturas (...) Não sigais os que argumentam com o grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados. Como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito.” [14]
A redução da impunidade não está atrelada ao enfraquecimento das garantias constitucionais. Ela passa pela racionalização do processo penal, pelo desenvolvimento de sistemas de inteligência policial, pelo cuidado das autoridades em evitar nulidades que atrasam a persecução. Existem várias formas de conferir eficiência ao sistema penal sem abrir mão dos preceitos e garantias construídos pelo tempo, que protegem o cidadão contra o arbítrio, contra o mau uso do ius puniendi.
Pelo exposto, resta claro que, apesar dos anseios por uma intervenção estatal mais aguda na liberdade em nome de uma pretensa segurança, ainda vigora um limite, um parâmetro constitucional e intransponível ao menos no Estado de Direito: a inocência como o estado original de todo o cidadão brasileiro.
Afastada tal garantia, seja pela fase processual, pela gravidade do delito, ou por qualquer outra justificativa atrelada a um juízo de culpa, restará desprotegido o cidadão perante o Estado e perante seus pares, submetido a restrições de direitos antes de considerações definitivas sobre as questões por ele alegadas. Esvaziado estará o Estado de Direito, e, nesse caso, como já disse o ministro Eros Grau: “melhor recuperarmos nossos porretes...”[15]



[1] Sobre o tema, vale a leitura de MORAES, Mauricio Zanoide, Presunção de inocência no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. Tambem um repasse histórico do tema no voto do Ministro Celso de Mello na ADPF 144/DF (j.06.08.08), que afirma já haver alusões à presunção de inocência no direito romano (´innocens praesumitur cujus nocentia non probatur´)  e em Tomás de Aquino.
[2] MANZINI, Vicenzo. Tratado de derecho penal. Tomo I. Trad. Santiago Sentis Melendo e Mariano Ayerra Redín. Buenos Aires: Ed. Juridicas Europa-America, 1951. Também sobre o tema, ver GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, e DELMANTO JR., Roberto, Desconsideração prévia
[3] Como ensina LOPES JR., “MANZINI chegou a estabelecer uma equiparação entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade”, Aury, em Direito processual penal e sua confrmidade constitucional, volume 1, 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p191.
[4] Há quem indique que a norma constitucional não reflete o principio da presunção de inocência,mas o princípio da não culpabilidade. Sobre o tema, ver BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Deixem em paz a presunção de inocência. Revista AASP, Ano XXXII, outubro 2012, n.117, p.184
[5] Nessa linha, NERY JUNIOR, Nelson, Principios do processo na Constituição Federal, 9ª ed. São Paulo: RT, 2009, p.298
[6] No STF, ver Habeas Corpus nº 82.959/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 23.02.2006 (inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990); ADI 3112, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 02.05.2007 (inconstitucionalidade do art.21 da Lei 10.826/03, HC 97.256, Relator Ministro Ayres Britto, julgado em 01.09.2010 (inconstitucionalidade do art.44 da Lei de Drigas).
[7] Vale anotar que JOSÉ FREDERICO MARQUES já apontava a inconstitucionalidade da cattura obligatoria em parecer de sua lavra emitido em 1989. Ver MARQUES, José Frederico. Pareceres. São Paulo: AASP, 1993, p.9-102. No mesmo sentido, JAÉN VALLEJO, Manuel. La presunción de inocência.Revista de derecho penal y procesal penal. Buenos Aires, n.2, p.355-370, out, 2004.
[8] Como afirma SUANNES, “nada justifica que alguém, simplesmente pela hediondez do fato que se lhe imputa, deixe de merecer o tratamento que sua dignidade de pessoa humana exige”, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo legal, in LOPES JR., Aury, em Direito processual penal e sua confrmidade constitucional, volume 1, 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.195
[9] A norma traz outras inelegibilidades, em decorrência de hipóteses distintas, mas aqui nos interessam apenas aquelas decorrentes de condenação criminal não transitada em julgado
[10] Lei da ficha limpa fere presunção de inocência, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-mar-13/direito-defesa-lei-ficha-limpa-fere-principio-presuncao-inocencia
[11] À incompatibilidade entre presunção de inocência e o art.17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro dedicamos a Coluna “O afastamento do servidor na lei de lavagem de dinheiro”, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-ago-14/direito-defesa-afastamento-servidor-lei-lavagem-dinheiro
[12] Proposta também objeto de discussão mais aprofundada em O enriquecimento ilícito e a presunção de inocência, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-mai-08/direito-defesa-enriquecimento-ilicito-presuncao-inocencia. Ver, ainda, Sobre o tema, ver MEDINA SALAS, Marco Antonio. Consideraciones sobre la inconstitucionalidad del delito de enriquecimento ilícito. Capitulo criminológico. Revista de las disciplinas del control social. Maracaibo, vol.37, n.1, p.133-152, jan. mar. 2009, passim.
[13] MALHEIROS FILHO, Arnaldo. Texto publicado no jornal Folha de São Paulo, seção Tendências e Debates, no dia 26.07.08
[14] BARBOSA, Rui, Novos discursos e conferências. São Paulo: Saraiva, 1933, p.75, e  O dever do advogado, Rio de Janeiro: Fundação Casa do Advogado/AIDE, 1985, p.19. Trechos também citados no voto do Ministro Celso de Mello no julgamento da ADPF 144/DF
[15] HC 84.078-7/MG (julgado em 05.02.2009)


* Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 8 de janeiro de 2013



sexta-feira, 13 de abril de 2012

Alguns trechos dos pronunciamentos dos Ministros do STF, que fundamentaram da decisão da ADPF 54

por Giselle Borges Alves


Uma breve seleção de alguns trechos dos pronunciamentos de alguns dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, que balizaram a liberação da interrupção da gravidez de feto anencéfalo.


"Concepções religiosas não podem guiar as decisões estatais devendo ficar circunscritas à esfera privada. [...] A crença religiosa ou a ausência dela serve principalmente para ditar a vida privada do indivíduo que a possui. Paixões religiosas de toda a ordem hão de ser colocadas a parte das decisões do Estado."

"A interrupção da gravidez de feto anencéfalo não pode ser examinada sobre o influxo de orientações morais e religiosas. Numa democracia não é legítimo excluir qualquer ator da arena de definição do sentido da Constituição. Contudo, para tornarem-se aceitáveis no debate jurídico, os argumentos dos religiosos devem ser traduzidos em termos de razões públicas."

"O anencéfalo é tal qual um morto cerebral, não tem atividade cerebral, gravemente deficienete no plano neurológico. Faltam os fenômenos da vida psíquica, a sensibilidade. Ele não desfruta de nenhuma função superior do sistema nervoso central, responsável pela consciência, comunicação afetividade e emotividade."

"O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura."

   (Trechos acima foram proferidos no julgamento da ADPF 54 pelo Min. Relator Marco Aurélio)


"Por que punir essa mulher que já padece de uma tragédia humana que, em regra, são insensíveis às pessoas que não passaram por ela? Todas as pessoas que ouvi que eram contra essa eventual decisão de descriminalização tinham crianças sãs nas suas casas."
(Min. Luiz Fux, trecho de voto proferido na ADPF 54)


"[...] O útero é o primeiro berço do ser humano. Quando o berço se transforma em um pequeno esquife a vida se entorta. Talvez este seja o dado que mais toca a dignidade do ser humano."

"Não é escolha fácil. É escolha trágica. Sempre é escolha do possível dentro de uma situação extremamente difícil. Por isso, acho que todas as opções são de dor. Exatamente fundado na dignidade da vida neste caso acho que esta interrupção não é criminalizável."
(Min. Carmen Lúcia, trechos do voto proferido na ADPF 54)


"O feto anencéfalo é um crisálida que jamais, em tempo algum, chegará ao estágio de borboleta porque não alçará voo jamais." 

(Min. Ayres Britto - ADPF 54)
  

A decisão final da ADPF 54, após oito anos de espera, liberou a interrupção de gravidez no caso de anencefalia devidamente comprovada, não considerando o ato como ilícito penal. A escolha pela continuidade ou não da gravidez passa a ser, assim, opção exclusiva da gestante.



terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Fraudes em certames de interesse público

por Rogério Greco
Procurador de Justiça
Mestre e Doutor em Direito

O Capítulo V (Das Fraudes em Certames de Interesse Público) foi inserido no Título X (Dos Crimes Contra a Fé Pública) do Código Penal pela Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011, criando o tipo penal previsto no art. 311-A, que recebeu o mesmo nomen juris, vale dizer, fraudes em certames de interesse público.

Temos presenciado nos últimos anos o aumento, principalmente, do número de pessoas interessadas em prestar concursos públicos. Buscam, na maioria das vezes, a segurança e a estabilidade que um cargo público pode lhes proporcionar. Com um mercado de trabalho tão incerto, tão inseguro, conquistar um cargo público se tornou quase uma obsessão.

Muitos abandonam seus empregos privados, vendem seus bens, distanciam-se de seus familiares e amigos, enfim, fazem de tudo para adquirir tempo e recursos suficientes para poderem se dedicar exclusivamente aos estudos, com a finalidade de conquistar o “sonho do cargo público”.

Nessa disputa, muitas vezes o “jogo” torna-se desigual. Isso porque algumas pessoas resolvem encurtar o caminho do sucesso da aprovação, praticando condutas não só imorais, mas também criminosas, destinadas a burlar a seriedade do concurso público, por exemplo. Não são raras as notícias de vazamentos de gabaritos oficiais. Quando isso acontece, via de regra, todo o concurso é anulado, causando prejuízo tanto à Administração Pública, que teve gastos para a sua realização, quanto aos demais candidatos (normalmente milhares deles), que pagaram por suas inscrições, tiveram despesas com o deslocamento para os lugares onde fariam suas provas (até mesmo viajando para fora de seus estados de origem), foram aprovados de acordo com seus méritos pessoais. Enfim, o prejuízo é grande, colocando em dúvida, o que é pior, a credibilidade e a confiança que devemos ter em nossa Administração Pública, razão pela qual o mencionado tipo penal encontra-se inserido no Título X do Código Penal, que prevê os crimes contra a fé pública.

Infelizmente, também têm sido corriqueiras as notícias de fraudes para ingresso no ensino superior. Candidatos e servidores inescrupulosos compram e vendem gabaritos oficiais, obtidos de maneira ilegal e criminosa, impedindo que aqueles que se esforçaram para conquistar uma vaga em alguma instituição de ensino superior, pública ou privada, possam dar início aos seus estudos.

Enfim, são inúmeras as situações de fraudes em certames de interesse público, razão pela qual, com a finalidade de inibir esses comportamentos, bem como a de proteger a fé pública, foi criado o delito tipificado no art. 311-A do estatuto repressivo, cujo caput foi além da previsão da fraude em concurso público, ou mesmo do processo seletivo para ingresso no ensino superior, dizendo, verbis:

Art. 311-A.  Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de: 
I - concurso público; 
II - avaliação ou exame públicos; 
III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou 
IV - exame ou processo seletivo previstos em lei.

Os verbos nucleares são utilizar e divulgar. Utilizar tem o sentido de fazer uso, servir-se, efetivamente; divulgar significa tornar público, fazer conhecido a terceira pessoa. Via de regra, quem pratica o núcleo utilizar é o candidato a uma das situações previstas pelos quatro incisos do art. 311-A do Código Penal, ou seja, aquele que pretende ter sucesso no concurso público, na avaliação ou exame público, no processo seletivo para ingresso no ensino superior ou no exame ou processo seletivo previsto em lei. O núcleo divulgar, normalmente, é praticado pelo agente que pretende que o candidato se utilize das informações de conteúdo sigiloso por ele transmitidas.

O tipo prevê o elemento normativo indevidamente, ou seja, para que ocorra a infração penal, é necessário que a utilização ou a divulgação do conteúdo sigiloso sejam indevidas, ou não permitidas para aquela situação específica.

A utilização e a divulgação serão consideradas indevidas quando visarem a beneficiar ao próprio agente ou a outrem, ou com a finalidade de comprometer a credibilidade do certame. Percebe-se, aqui, o chamado especial fim de agir, vale dizer, o agente atua com o objetivo de atingir qualquer uma, ou mesmo ambas, as finalidades previstas no tipo penal: beneficiar-se a si ou a outrem ou comprometer a credibilidade do certame, com a utilização ou a divulgação de conteúdo sigiloso de concurso público, avaliação ou exames públicos, processo seletivo para ingresso no ensino superior e exame ou processos seletivos previstos em lei.

Teve o cuidado de prever a lei que a utilização ou a divulgação podem beneficiar o próprio agente ou mesmo uma terceira pessoa. Assim, imagine-se a hipótese, infelizmente muito comum nos dias de hoje, de que alguém se utilize de informações de conteúdo sigiloso, durante um concurso público, a fim de beneficiar uma terceira pessoa, por quem o agente se fazia passar durante a prova. Como se percebe, o agente em nada seria beneficiado, salvo a hipótese em que tivesse recebido alguma contrapartida financeira, pois que, se aprovado, outra pessoa que não ele assumiria o cargo público. Também podemos citar como exemplos onde não há qualquer contrapartida financeira, como as hipóteses nas quais o agente quer tão somente beneficiar amigos, parentes, correligionários e, até mesmo, amantes, divulgando-lhes informações de caráter sigiloso, que por eles serão utilizadas no certame.

Dessa forma, como diz o texto legal, haverá crime se essa utilização ou divulgação beneficiar o próprio agente ou uma terceira pessoa.

Normalmente, aquele que teve acesso às informações de conteúdo sigiloso amolda-se ao conceito de funcionário público (art. 327, §1º do CP), mesmo que por extensão. No entanto, pode ocorrer que o agente divulgador tenha tido acesso às informações de conteúdo sigiloso sem que fizesse parte da Administração Pública. As duas hipóteses estão previstas pelo tipo penal em exame, sendo que, se o agente for funcionário público, incidirá na causa especial de aumento de pena prevista no §3º do art. 311-A do Código Penal, ou seja, sua pena será aumentada em um terço.

Concurso público é um processo seletivo, onde a Administração Pública, por meio de determinados critérios objetivos, impessoais e com igualdade de condições, faz a seleção democrática de todos os interessados, permitindo o acesso a um emprego ou cargo público, conforme determina o inciso II do art. 37 da Constituição Federal, que diz,verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I -(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Por uma análise comparativa entre os quatro incisos do art. 311-A do Código Penal, fica evidente a preocupação do legislador em não deixar fora daquele elenco qualquer tipo de certame. Assim, se valeu de termos e expressões que, na verdade, se confundem, criando uma zona cinzenta entre eles. Por exemplo, um concurso público (inciso I) não deixa de ser uma avaliação pública ou exame público (inciso II), nem um exame ou processo seletivo previsto em lei (inciso III). Haverá situações onde a distinção será mais simples, como na hipótese de um concurso público, já que é mencionado expressamente pelo inciso I do art. 311-A do Código Penal. Da mesma forma, quando houver fraude no processo seletivo para ingresso no ensino superior, a exemplo do que ocorre quando alguém divulga, indevidamente, gabarito oficial para ingresso em alguma Universidade, o fato se amoldará ao inciso III do referido artigo, conforme discorreremos em seguida.

As seleções públicas simplificadas para cargos públicos (temporários, por exemplo) poderiam ser questionadas como não sendo propriamente “cargo público”, mas o inciso II evita essa discussão. Qualquer tipo de seleção para cargo ou função pública, efetiva ou temporária, estará abrangida pelo aludido inciso II.

O processo seletivo para ingresso no ensino superior é uma exigência para que alguém ingresse em qualquer universidade brasileira, depois de ter concluído o ensino médio. Normalmente, ocorre por meio dos chamados vestibulares, ou seja, provas que avaliarão o candidato ao curso superior, cujas matérias são aquelas estudadas durante todo o período antecedente.

Conforme preconiza Fernando José Araújo Ferreira:

            A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional exige a realização de processo seletivo para acesso aos cursos de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente. É direito difuso de todos os brasileiros que atendam aos requisitos legais, fundamentais ao ingresso no ensino superior, participar de um processo público seletivo legítimo (art. 44, II, Lei 9.394/96) bem como a educação é direito de todos e dever do Estado (CF, art. 205), e o ensino deve subordinar-se ao princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (CF, art. 206, I).
            Um processo seletivo somente será legítimo à medida que forem respeitadas todas as disposições legais pertinentes e observados todos os princípios jurídicos a que se encontram submetidas as partes[1].

O sistema do vestibular, como forma de seleção unificada nos processos seletivos das universidades públicas federais, vem sendo substituído, em especial, pelo chamado Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). De acordo com o Ministério da Educação,
a proposta tem como principais objetivos democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior, possibilitar a mobilidade acadêmica e induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio. As universidades possuem autonomia e poderão optar entre quatro possibilidades de utilização do novo exame como processo seletivo:
• Como fase única, com o sistema de seleção unificada, informatizado e on-line;
• Como primeira fase;
• Combinado com o vestibular da instituição;
• Como fase única para as vagas remanescentes do vestibular[2].

Qualquer que seja a forma do processo seletivo para ingresso no curso superior encontra-se prevista pelo inciso III do art. 311-A do Código Penal, seja ele realizado por uma instituição pública ou privada.

Como se fosse uma previsão residual, com a finalidade de não permitir que qualquer fraude em certames de interesse público ficasse fora do tipo penal em estudo, foi elencado pelo inciso IV do art. 311-A do Código Penal o exame ou processo seletivo previsto em lei. Com todas essas previsões, fecha-se completamente o cerco, visando impedir que alguém seja indevidamente beneficiado com essas modalidades de fraude, ou mesmo que seja comprometida a credibilidade do certame, protegendo-se, portanto, a fé pública.

O §1º do art. 311-A assevera que nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.

Permitir significa atender quando lhe é solicitado, conceder. Facilitar tem o sentido de tornar fácil, removendo, afastando as dificuldades, seja fazendo, ou mesmo deixando de fazer alguma coisa a que estava obrigado. Com a prática de um desses comportamentos o agente faz com que a terceira pessoa tenha acesso às informações de conteúdo sigiloso, que poderão ser utilizadas ou mesmo divulgadas para beneficiar alguém ou comprometer a credibilidade do certame.

A expressão por qualquer meio, utilizada pelo texto legal, tem a finalidade de abranger qualquer situação, positiva ou negativa, praticada pelo agente para que a terceira pessoa não autorizada, com a sua permissão ou facilitação, tenha acesso ao conteúdo sigiloso de concurso público, avaliação ou exame públicos, processo seletivo para ingresso no ensino superior ou exame ou processo seletivo previstos em lei.



[1] FERREIRA, Fernando José Araújo. Processo seletivo vestibular nas universidades e faculdades particulares e a nova LDB (Lei 9.394/96), p. 2.
[2]. (Acessado em 17 de dezembro de 2011.)


Artigo divulgado originalmente pelo juiz federal Willian Douglas no Portal "Uol" em 18/01/2012 (link).

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