terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A possibilidade de concessão de tutela antecipada ex-officio

Verificado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, pode o juiz conceder a antecipação de tutela de ofício ou encontraria óbice no caput do artigo 273 do CPC?*


Giselle Borges Alves


Pela disposição do caput do art. 273 do CPC o requerimento do interessado é imprescindível, sendo este um desdobramento do princípio da inércia da jurisdição, previsto também no art. 2º. Utilizando uma interpretação estritamente literal do dispositivo é indispensável a provocação da parte para a concessão da tutela antecipada em qualquer circunstância.

Art. 2º. Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais. (CPC)
A nova interpretação do Direito Processual Civil com enfoque na preocupação do Poder Judiciário quanto à efetividade do processo e na observância dos princípios constitucionais, presenciamos um entendimento mais elástico por parte da doutrina jurídica com relação à disposição contida no art. 273 do CPC. Segundo alguns doutrinadores jurídicos, na atual conjuntura os poderes conferidos ao Estado-juiz permitem, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, a concessão de ofício dos efeitos da sentença mesmo sem o requerimento do autor. Entre os adeptos está o professor Cássio Scarpinella Bueno que defende de forma clara a possibilidade de deferimento ex-officio da tutela antecipada.

À luz do "modelo constitucional do processo civil", a resposta mais afinada é a positiva. Se o juiz, analisando o caso concreto, constata, diante de si, tudo o que a lei reputa suficiente para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, à exceção do pedido, não será isso que o impedirá de realizar o valor "efetividade", máxime nos casos em que a situação fática envolver a urgência da prestação da tutela jurisdicional (art. 273, I), e em que a necessidade da antecipação demonstrar-se desde a análise da petição inicial. Ademais, trata-se da interpretação que melhor dialoga com o art. 797, tornando mais coerente e coeso o sistema processual civil analisado de uma mesma perspectiva. (BUENO, 2009)
No mesmo sentido da orientação acima, Márcio Augusto Nascimento, no artigo “Concessão ‘ex-officio’ de tutela antecipada”, sustenta que o princípio do poder geral de cautela previsto no art.798 do CPC é perfeitamente aplicável à tutela antecipada para a “manutenção do império da ordem jurídica”¹ . Justifica esta posição afirmando que tanto a tutela antecipada como a medida cautelar são espécies de tutela provisória que deve ter como cerne a efetividade. Apesar disso destaca que a concessão ex-officio deve ser realizada com prudência².

Com relação ao abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, o professor Cássio Scarpinella Bueno (2009) ressalta que o mau comportamento do réu faz surgir “uma ‘urgência presumida’ a favorecer o autor que tivesse condições de demonstrar ser o destinatário da tutela jurisdicional tal qual pedida” .

Assim, importa, para fins do art. 273, II, que haja abuso de direito de defesa ou propósito protelatório do réu, aliado à prova inequívoca que convença o magistrado da verossimilhança da alegação nos termos discutidos pelo n. 2.3, supra. Não há, para a hipótese, necessidade da demonstração de qualquer urgência. Trata-se de um caso em que a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional dá-se com caráter punitivo, verdadeiramente sancionatório. (BUENO, 2009)

Tanto o dever de lealdade como de boa-fé devem ser levados em consideração durante todo o processo. Ao perceber que o réu está abusando do direito de defesa ou agindo com propósito eminentemente protelatório – ensejando, por exemplo, a configuração de qualquer das hipóteses previstas no art. 17 do CPC -, o juiz não só pode como deve conceder a tutela antecipada mesmo sem ter sido pleiteada desde que presente os requisitos mínimos para concessão da medida como meio de tornar eficaz um provimento urgente³.

Márcio Augusto Nascimento, ao tratar da tutela antecipada sob a égide do abuso do direito de defesa e do manifesto propósito protelatório do réu, cita o professor Fernando Luiz França com a obra “A antecipação da tutela ex-officio”, que também afirma o caráter sancionatório da concessão e o dever de agir do magistrado.

A atuação dolosa do réu com manifesto propósito protelatório ou com abuso do direito de defesa atenta contra o próprio Estado a quem também interessa a rápida solução da lide . Anderson Alves destaca no artigo intitulado “Da atuação do juiz na tutela antecipada” , as palavras de Fernando Luiz França, para quem qualquer comportamento ilícito da parte contraria a própria finalidade do processo e atenta contra a dignidade da justiça, autorizando o Estado-juiz a antecipar a tutela como represaria à ilicitude. (ALVES, 2007)

Anderson Alves, citando as palavras de Roberto Vieira de Almeida Rezende, ressalta que o juiz como ser político que não está cingido ao rigor das palavras dos textos legais, sendo um pensador do direito e não mero aplicador.

Não é aceitável, pois, que o Estado não se insurja contra estas mazelas, principalmente aquele que a percebe de frente, a exemplo do juiz. Pois, este deve repudiar condutas atentatórias a dignidade da justiça e a direito da parte, sempre de forma motivada demonstrar o que o conduziu ao ato de repulsa. (ALVES, 2007)
Diante do exposto, a conclusão quanto à viabilidade da concessão ex-officio da tutela antecipada em caso de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu é positiva, tendo em vista os princípios que cercam a sistemática processual vigente (boa fé, efetividade, celeridade, manutenção da dignidade da justiça). A ninguém é dado o direito a utilização de mecanismos processuais de defesa com o intuito de prejudicar a parte contrária, sem receber uma sanção do Estado-juiz que permita a satisfação, mesmo que provisória, do jurisdicionado prejudicado pela atuação dolosa da parte adversária.

Notas:
¹ Enquanto o interesse da parte cinge-se à tutela de seu direito subjetivo, o do Estado refere-se à manutenção do império da ordem jurídica. Pois bem, na busca da justa composição da lide que gera pacificação social, o órgão judicial tem direitos e deveres processuais que podem ser lesados ou postos em risco pela desídia ou má-fé da parte.” (NASCIMENTO, 2004)
² Nascimento (2004) destaca os casos excepcionais para a concessão da tutela sem requerimento da parte: “[...] O Direito deve estar a serviço da vida, e não a vida a serviço do Direito. Por isso, acredito que a tutela antecipatória pode ser deferida, de ofício, em casos excepcionais onde se evidencia que: a) o feito tem natureza previdenciária ou assemelhada; b) o valor do benefício é imprescindível para a subsistência do autor; c) a parte é hipossuficiente, não só do ponto de vista econômico, mas também de conhecimento de seus direitos; d) o direito postulado restou provado de forma induvidosa; e) a falta de prévio requerimento de tutela antecipatória, como motivo para não concessão de antecipação da tutela, revela-se como flagrante injustiça contra a parte autora.”
³ Neste sentido o professo Cássio Scarpinella Bueno (2009, p. 08) destaca: O art. 17, ao prever atos de litigância de má-fé, disciplinando o que o n. 4 do Capítulo 2 da Parte IV do vol. I chamou de "princípio da lealdade", é adequado referencial de comportamentos que devem ser levados em conta para fins de antecipação da tutela com base no dispositivo de lei aqui examinado. As situações lá previstas, contudo, não excluem que outras, mesmo quando nele não previstas, levem à mesma conseqüência.

Referências:


ALVES, Anderson. Da atuação do juiz na tutela antecipada. Web artigos. 2007. Disponível em: . Acesso em: 14. nov. 2010.

BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Vade Mecum Compacto. Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes (Colaboração). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. Fonte: Curso sistematizado de Direito Processual Civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 09-41. Material da 5ª aula da disciplina Fundamentos do Direito Processual Civil, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Processual Civil –Anhanguera- Uniderp/IBDP/Rede LFG.

NASCIMENTO, Márcio Augusto. Concessão "ex officio" de tutela antecipada. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 264, 28 mar. 2004. Disponível em: . Acesso em: 1 nov. 2010.


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*Texto elaborado para a disciplina Processo de Conhecimento
 
Giselle Borges Alves
Advogada em Unaí/MG - OAB/MG 128.689
Pósgraduanda em Direito Processual Civil pela Rede LFG em parceria com o IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e a Universidade Anhanghera Uniderp - Campo Grande/MS.
 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Precedentes do STJ: Cartões de Crédito e Dano Moral

Nos litígios envolvendo cartão de crédito, o cliente quase sempre tem razão e direito a indenização por dano moral


 
Seguro e prático para o consumidor e para o comerciante, o cartão de crédito caiu no gosto do brasileiro. Segundo estimativa da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), este ano o número de cartões em circulação no país deverá atingir a marca de 149 milhões, com faturamento de R$ 26 bilhões. Mas, quando a praticidade de pagamento e controle das contas dá lugar ao transtorno, por erro ou má-fé, o Poder Judiciário é acionado. Nas disputas travadas no Superior Tribunal de Justiça (STJ), na maioria dos casos, a vitória é do consumidor.



Compra não autorizada



É, no mínimo, constrangedor ter o cartão recusado ao efetuar uma compra. Foi o que sentiu uma consumidora do Espírito Santo em diversas ocasiões em que a compra não apenas foi recusada, como o comerciante foi orientado a reter o cartão. Depois de tentar, sem sucesso, resolver o problema junto à central de atendimento, ela descobriu que estava inscrita em um cadastro denominado “boletim de cancelamento de cartões de crédito”, por erro do funcionário da administradora do cartão.



A administradora e a Visa do Brasil foram condenadas a pagar, cada uma, R$ 25 mil em indenização à consumidora. Em recurso ao STJ, a administradora alegou cerceamento de defesa e questionou o valor da indenização. Já a Visa alegou ilegitimidade passiva, ou seja, que ela não deveria responder à ação.



Seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma deu provimento apenas ao recurso da Visa porque o defeito no serviço foi atribuído exclusivamente à administradora e seu funcionário. Por considerar que o valor da indenização era razoável e que provas adicionais seriam irrelevantes, a Turma negou o recurso da administradora. Dessa forma, a consumidora assegurou uma indenização de R$ 25 mil, tendo em vista a exclusão do processo de uma das empresas condenadas. (Resp 866.359)



Legitimidade passiva das bandeiras



A legitimidade passiva das bandeiras não é absoluta nas ações contra as empresas de cartão de crédito, sendo analisada caso a caso. “Independentemente de manter relação contratual com o autor, não administrar cartões e não proceder ao bloqueio do cartão, as ‘bandeiras’, de que são exemplos Visa, Mastercard e American Express, concedem o uso de sua marca para a efetivação de serviços, em razão da credibilidade no mercado em que atuam, o que atrai consumidores e gera lucro”, entende a ministra Nancy Andrighi.



O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece a responsabilidade solidária entre os fornecedores de uma mesma cadeia de serviços e, por essa razão, as bandeiras de cartão de crédito respondem pelos danos decorrentes de má prestação do serviço. No sistema de cartões de crédito, a ministra Nancy observa que há uma clara colaboração entre a instituição financeira, a administradora do cartão e a bandeira, as quais fornecem serviços conjuntamente e de forma coordenada.



Para os ministros da Terceira Turma, havendo culpa da administradora do cartão de crédito e uma clara cadeia de fornecimento na qual se inclui a bandeira, sua responsabilidade só é afastada quando demonstrada a inexistência de defeito do serviço, a culpa exclusiva de terceiro ou do próprio consumidor ou eventual quebra de nexo causal do dano. (Resp 1.029.454)



Cobrança indevida



Ser cobrado pela assinatura de revista não solicitada é mero aborrecimento? A Terceira Turma do STJ entende ser mais do que isso: trata-se de dano moral. Essa foi a conclusão dos ministros ao julgar um recurso da Editora Globo S/A.



No caso, uma consumidora foi abordada em shopping por um representante da editora, que lhe perguntou se tinha um determinado cartão de crédito. Diante da resposta afirmativa, foi informada de que havia ganhado gratuitamente três assinaturas de revistas. Porém, os valores referentes às assinaturas foram debitados na fatura do cartão.



Somente após a intervenção de um advogado, ela conseguiu cancelar as assinaturas e ter a devolução do valor debitado. Mesmo assim, os produtos e as cobranças voltaram a ser enviados sem solicitação da consumidora.



Depois de ser condenada a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil, a editora recorreu ao STJ, argumentando que não era um caso de dano moral a ser indenizado, mas de mero aborrecimento.



O relator, ministro Sidnei Beneti, destacou que o artigo 39, inciso III, do CDC proíbe o envio de qualquer produto ou serviço ao consumidor sem solicitação prévia. Quando isso ocorre, deve ser tido como amostra grátis, sem obrigação de pagamento.



Seguindo o voto do relator, a Turma negou o recurso por considerar que os incômodos decorrentes da reiteração de assinaturas de revista não solicitadas é prática abusiva. Para os ministros, esse fato e os incômodos advindos das providências notoriamente difíceis de cancelamento significam “sofrimento moral de monta”, principalmente no caso julgado, em que a vítima tinha mais de 80 anos.



Bloqueio do cartão



O STJ reviu uma indenização por danos morais fixada em R$ 83 mil por entender que o banco agiu dentro da legalidade ao bloquear um cartão por falta de pagamento. Neste caso, o consumidor pagou a fatura atrasada em uma sexta-feira e, nos dois dias úteis seguintes, não conseguiu usar o cartão porque ainda estava bloqueado. O cartão foi liberado na quarta-feira.



Os dois dias de bloqueio motivaram a ação por danos morais, julgada improcedente em primeiro grau. Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça do Maranhão declarou abusiva a cláusula do contrato que autorizava a administradora a bloquear o cartão.



Além de afastar a abusividade da referida cláusula, por estar de acordo com o artigo 476 do Código Civil, o STJ considerou que o tempo decorrido entre o pagamento da fatura e o desbloqueio do cartão era razoável e estava dentro do prazo previsto em contrato. Por isso, o recurso do banco foi provido para restabelecer a sentença. (Resp 770.053)



Furto



Em caso de furto, quem é responsável pelas compras realizadas no mesmo dia em que o fato é comunicado à administradora? O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que era o consumidor, porque a empresa não teria tido tempo hábil de providenciar o cancelamento do cartão.



Para a Quarta Turma do STJ, a responsabilidade é da administradora. Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o consumidor que comunica o furto de seu cartão no mesmo dia em que ele ocorre não pode ser responsabilizado por despesas realizadas mediante a falsificação de sua assinatura. Para o ministro, a tese do tribunal fluminense acabou por imputar ao consumidor a culpa pela agilidade dos falsificadores.



Seguindo a análise do ministro Salomão, a Turma decidiu que cabe à administradora, em parceria com a rede credenciada, a verificação da idoneidade das compras realizadas, com a utilização de meios que impeçam fraudes e transações realizadas por estranhos, independentemente da ocorrência de furto.



Outro ponto de destaque na decisão refere-se à demora de quase dois anos para o ajuizamento da ação. O tribunal fluminense considerou que durante esse tempo o alegado sofrimento da vítima teria sido atenuado e, por isso, reduziu pela metade a indenização por danos morais à consumidora, que teve o nome inscrito em cadastro de devedores por não pagar as despesas que não realizou.



De fato existem precedentes no STJ em que a demora para o ajuizamento da ação foi entendida como amenizadora do dano moral. Mas, no caso julgado, os ministros consideraram que o lapso de menos de dois anos não tinha qualquer relevância na fixação da indenização, que ficou em R$ 12 mil. (Resp 970.322)



Juros e correção



Em 1994, um consumidor parou de utilizar um cartão de crédito, deixando para trás faturas pendentes de pagamento no valor de R$ 952,47. Quatro anos depois, o banco ajuizou ação de cobrança no valor de R$ 47.401,65.



A Justiça do Espírito Santo entendeu que o banco esperou tanto tempo para propor a ação com o objetivo de inchar artificialmente a dívida de forma abusiva, a partir da incidência de encargos contratuais por todo esse período. Considerado responsável pela rescisão unilateral do contrato, o consumidor foi condenado a pagar apenas o débito inicial, acrescido de juros de mora de 12% ao ano e correção monetária somente a partir da propositura da ação.

O banco recorreu ao STJ. A relatora, ministra Nancy Andrighi, considerou que os magistrados exageraram na intenção de proteger o consumidor, ao afastar a aplicação de qualquer correção monetária e dos juros de mora legais desde o momento em que a dívida passou a existir.



Está consolidado na jurisprudência do STJ que a correção monetária em ilícito contratual incide a partir do vencimento da dívida, e não do ajuizamento da ação. Já os juros moratórios incidem a partir da citação, em casos de responsabilidade contratual.



Como o recurso era exclusivo do banco, foi mantida a incidência dos juros a partir do ajuizamento da ação, por ser mais vantajoso ao recorrente. Aplicar a jurisprudência do STJ, nesse ponto, implicaria a violação do princípio que impede a reforma para piorar a situação de quem recorre. O recurso do banco foi parcialmente provido para incluir a incidência de correção monetária a partir da rescisão contratual. (Resp 873.632)


Fonte: STJ
Data da publicação: 14.11.2010


terça-feira, 9 de novembro de 2010

Direito Tributário: Principais Aspectos da Extrafiscalidade

“Extrafiscalidade é o uso de instrumentos tributários para a obtenção de finalidade não arrecadatória, visando inibir ou estimular comportamentos, em homenagem a valores constitucionalmente consagrados.” (Eduardo Sabbag)

Em outras palavras pode ser entendido como efeito regulatório ou regulador do tributo. Um exemplo de extrafiscalidade é a previsão constitucional da imunidade tributária.


Princípio e Extrafiscalidade


O Supremo Tribunal Federal entende que no confronto entre princípio e extrafiscalidade, esta deve preponderar. Exemplo disso é a atenuação do princípio da legalidade tributária, em que as alíquotas podem ser alteradas por mero Decreto do Poder Executivo, aplicando desta forma a extrafiscalidade. Esta previsão está contida inclusive na própria Constituição Federal no artigo 153 §1°, onde estão listados os impostos federais que podem ter suas alíquotas alteradas por atos do Poder Executivo. São eles o Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre Operações de Crédito Câmbio e Seguro, ou relativo a Títulos ou Valores Mobiliários (popularmente conhecido como IOF). Estes são os chamados impostos flexíveis.


Decreto do Executivo para compensação de perdas arrecadatórias

 
O Decreto n° 6.339/2008 que aumentou as alíquotas do IOF para compensar as perdas da CPMF que havia sido abolida é exemplo de ato do Executivo que tenta relativizar a legalidade tributária. Mas é importante frisar que está em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal a ADIN n° 4002, questionando o referido Decreto por violação ao próprio do princípio da legalidade uma vez que não há finalidade extrafiscal na majoração do referido tributo.


Extrafiscalidade, isenção e isonomia tributária (art. 150, II da CF)

Com o princípio da isonomia tributária é necessária a identificação do contribuinte para isenção de tributos.

“Desisonomia seletiva”: aplicação da extrafiscalidade em detrimento do princípio da isonomia tributária.

Princípio da capacidade contributiva, contido nas disposições do artigo 145 da Constituição Federal de 1988, contribui para a equidade e justiça contributiva e advém do próprio princípio da isonomia. Concretiza-se através de TÉCNICAS (progressividade e seletividade).

Progressividade”: São impostos progressivos: IR, IPTU e ITR.

Estes são impostos extrafiscais, pois buscam desestimular atitudes antisociais (Exemplos: propriedades rurais improdutivas, propriedades que não atendem a função social urbana, etc.).

Suas alíquotas são igualmente variáveis e incidem sobre determinada base de cálculo.

São critérios informadores do IR (art. 153 § 2°, I, da CF):

 generalidade: incidência sobre todas as pessoas;

 universalidade: incidência sobre todas as rendas.

 progressividade: tabelas variáveis (aqui está a extrafiscalidade!).

Seletividade”: são impostos seletivos: IPI e ICMS.

Estes impostos possuem alíquotas que variam na razão inversa da essencialidade e na razão direta de nocividade do bem. São os chamados “tributos verdes”.

"Tributos verdes" (tributos ambientais): desestimulam agressões ao meio ambiente. Ex.: ICMS Verde adotado por alguns Estados brasileiros.

Sabemos que o ICMS tem 25% de sua arrecadação destinada aos Municípios. Mas nos último anos os Estados vêm ampliando este repasse como maneira de estimular a continuidade dos projetos ambientais.



Este texto foi elaborado a partir de anotações pessoais na palestra proferida pelo Professor Eduardo Sabbag, no dia 21 de julho de 2009, na Semana de Atualização Jurídica da Rede de Ensino Luis Flávio Gomes - LFG.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Resumo comparativo sobre o controle de constitucionalidade no Brasil e na Alemanha – aspectos relevantes.

No ordenamento jurídico nacional o modelo de controle de constitucionalidade vigente é o controle MISTO (difuso + concentrado). Este modelo é o mesmo existente desde a Constituição de 1967 e também adotado na Constituição de 1969.

No controle difuso qualquer juiz ou tribunal pode analisar a constitucionalidade de determinada lei diante do caso concreto. É este o controle mais utilizado no cotidiano forense.

No controle concentrado, as análises sobre constitucionalidade somente podem ser feitas pelos Ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal por meio de ações constitucionais (ADIN’s, ADC, ADPF), cujos legitimados para propô-las também são previstos na própria Constituição, portanto, limitados.

A Constituição Federal de 1988 manteve a estrutura do controle de constitucionalidade existente nas Cartas de 1967 e 1969, mas introduziu em seu corpo normativo o Mandado de Segurança Coletivo e a Ação Civil Pública (que comumente são utilizados para o controle difuso) e novos legitimados no controle concentrado, o que consequentemente provocou a ampliação dos direitos discutidos (art. 113 da CF).

Desta forma, com o advento da Constituição de 1988 o controle concentrado no Brasil ganha primazia sobre o difuso.

É importante lembrar a título de curiosidade que a ADC (Ação Direta de Constitucionalidade) surge com a Emenda Constitucional n° 03 de 1993.

A cerca do controle de constitucionalidade alemão, podemos destacar a sua característica básica: é um modelo puramente unitário, unicamente concentrado (ausência do controle difuso).

Aliás, foram os alemães os responsáveis pelo surgimento do controle concentrado de normas. Surge com o Direito Alemão o Recurso Constitucional, onde qualquer cidadão levaria seu direito à Corte. “Processo de Controle Abstrato” é a nomenclatura alemã para o controle de constitucionalidade.

Voltando ao Direito Brasileiro é importante destacar a existência das TÉCNICAS DE DECISÃO adotadas pelos tribunais pátrios na atualidade para o controle de constitucionalidade. Essas técnicas de decisão dão ensejo a sentenças com diferentes naturezas jurídicas nas ações constitucionais.

O antigo modelo, chamado de técnica “binária”, definia que os acórdãos/sentenças poderiam trazer decisões de caráter CONSTITUCIONAL ou INCONSTITUCIONAL. O novo modelo, chamado de técnica “multifacetária” traz a possibilidade dos acórdãos/sentenças trazerem decisões que acolham a INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO, a declaração de INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO (constitucionalidade parcial da lei ou ato impugnado), a INCONSTITUCIONALIDADE TOTAL, entre outros efeitos, conforme a extensão do ato ou lei impugnado.

Inicialmente os direitos fundamentais eram entendidos como direitos negativos ao se defrontarem contra o Estado, presumindo sempre um direito negativo em relação a este. Posteriormente, foi admitida a existência de direitos positivos contra o Estado. Disto surge a necessidade de rever a natureza das decisões nas ações constitucionais.

A Lei 9.868/99 no artigo 27 trouxe a técnica da NULIDADE, que nada mais é que a declaração de inconstitucionalidade com redução de efeitos, também conhecida como “modulação de efeitos da decisão.” A modulação de efeitos da decisão também é prevista no Direito alemão, português e italiano. Pode ocorrer também no controle difuso ou incidental, pois se aplica por analogia o artigo 27 da Lei 9.868/99.



Algumas questões importantes:

O efeito positivo do mandado de injunção

É adotado nos casos de omissões legislativas sistemáticas. O Supremo Tribunal Federal assume o papel de órgão legislador positivo com as chamadas SENTENÇAS DE PERFIL ADITIVO, sendo que esta nomenclatura também tem origem na doutrina alemã.



ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental)

A ADPF foi comparada por alguns doutrinadores, com o recurso constitucional alemão (entre esses doutrinadores José Afonso da Silva), mas segundo o Ministro Gilmar Mendes a comparação é equivocada. Outros doutrinadores sustentam que ela é somente subsidiária das demais ações constitucionais. Seu cabimento é somente para proteger preceitos fundamentais. Está disciplinada na Lei 9.882/99.

Observação importante: Com o intuito de adentrar sobre no tema do cabimento desta ação constitucional, é importante o estudo da ADPF n° 33.



Recurso Extraordinário

O Recurso Extraordinário (RE) ganha coloração objetiva na defesa da ordem jurídica como um todo. É possível a participação do amicus curie (“amigo da Corte”), e desta forma, decisões fora dos pedidos do autor podem ser tomadas.





Anotações pessoais feitas durante a palestra do Ministro Gilmar Mendes na Semana de Atualização Jurídica na Rede LFG. Data: 20.07.2009.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Blog "Os Constitucionalistas"


Hoje a postagem remeterá os leitores deste blog a uma publicação do site "Os Constitucionalistas", onde foi publicado um texto de minha autoria sobre a Lei Ficha Limpa, com o título: "Ficha Limpa: avanço ou retrocesso? Qual o seu verdadeiro papel na construção do Estado Democrático de Direito?".

O intuito principal é questionar a edição da Lei Complementar 135/2010, sob o enfoque da inconstitucionalidade material por confronto direito ao princípio da presunção de inocência, garantia e cláusula pétrea de nossa Carta Suprema.

Portanto convido os leitores a acessarem o site http://www.osconstitucionalistas.com.br/.

Além deste texto, o blog conta com um grande acervo de artigos científicos sob os mais diversos enfoques do Direito Constitucional. Vale a pena conferir!


Giselle Borges.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Opinião: A utilidade prática das condições da ação

Um dos questionamentos surgidos na aula da pós-graduação em Direito Processual Civil, transformada em exercício avaliativo, tratou das condições da ação e sua utilidade prática diante dos novos paradigmas do direito processual e da busca pela celeridade na tramitação e efetividade do processo. A questão solicitava a emissão de uma opinião clara e objetiva, que passo a transcrevê-la agora.



A partir do questionamento que parte da doutrina tem feito, nos dias atuais, sobre a utilidade prática da observância das condições da ação, explique, em sua opinião, qual a importância da análise das condições da ação em uma demanda?


O direito de ação pode ser entendido, inicialmente, a partir do princípio constitucional de que não se excluirá da apreciação judicial lesão ou ameaça de direito . Mas em uma análise detida deste princípio verificaremos que ele se refere ao direito de petição e que o direito de ação é algo além do direito de petição. Em uma análise pormenorizada é possível verificar que o direito de ação engloba o direito de petição.


A qualquer pessoa é dado o direito de peticionar aos órgãos públicos para que seja reparada uma possível lesão ou para que seja impedida uma eventual ameaça a determinado direito, mas a discussão acerca da legitimidade para postulação, sobre o interesse desta pessoa neste requerimento e a possibilidade do pedido dela ser realmente efetivado segundo as normas vigentes é algo que vai além do simples acesso ao processo administrativo ou judicial.


Analisando o processo judicial, onde o Estado tem o dever de atuar, usando os poderes que lhes são inerentes, para resolver um conflito entre particulares, ou mesmo um conflito entre um ente público e o particular, a análise destes requisitos ganhou ainda maior relevância. A legitimidade tanto ativa quanto passiva, ganha enfoque ao se questionar se estes são realmente os sujeitos atingidos pela relação jurídica e se litígio realmente deverá envolvê-los; é a legitimidade ad causam. O provimento judicial que se pede, é analisado sob o prisma da possibilidade jurídica dele ser efetivado e se o ordenamento jurídico permite que ele se concretize, sendo ilógico pedir algo impossível ao alcance humano ou algo proibido pelo ordenamento jurídico vigente. O interesse na busca pela resposta judicial para o litígio ganha enfoque em duas vertentes: a necessidade e a adequação do provimento desejado. Estes requisitos foram chamados por Liebman de condições da ação.


Existem três correntes doutrinárias que atualmente discutem o momento e a utilidade das condições da ação. A primeira delas foi a idealizada por Liebman, em que toda ação está sujeita a condições que sem as quais ocorrerá a extinção do processo sem julgamento do mérito, uma vez que o demandante é carecedor da ação. Esta é a corrente adotada pelo atual Código de Processo Civil Brasileiro. De acordo com a primeira corrente há necessidade da real extinção do processo diante da ausência de qualquer das condições sem nenhum tipo de relativização.


A segunda corrente, denominada teoria da afirmação ou da asserção (della Propettazione) , declara que as condições da ação devem ser examinadas da maneira em que são apresentadas até a fase instrutória, extinguindo o processo sem resolução do mérito. Mas uma vez constatada a carência de ação após a fase probatória, o mérito deverá ser analisado. Esta é a posição defendida por Marinoni, Alexandre Câmara, Fredie Didier Júnior, Leonardo Greco, entre outros doutrinadores.


Paulo Henrique dos Santos Lucon destaca ainda uma terceira corrente, que liga as condições da ação às questões de mérito, para que o pedido do demandante seja realmente analisado:


Nessa linha, as condições da ação aproximam-se do mérito, mas não o integram. A ausência de qualquer uma delas provoca a extinção do processo e o provimento emanado tem, na maior parte das situações, repercussões externas ao processo. Por isso, as condições da ação, embora não se referiam propriamente ao mérito, que é objeto do processo e está ligado à pretensão processual, inserem-se em uma idéia maior de técnica processual, na medida em que propiciam uma solução célere para o conflito, e prestigiam a integração do fenômeno direito material e processo. (LUCON, 2010, pag. 06)


O professor Paulo Henrique dos Santos Lucon é enfático ao declarar que pelo sistema do Código de Processo Civil Brasileiro o momento de apreciar as condições pode ser feito a qualquer tempo e a ausência delas sempre importará em julgamento sem resolução do mérito, uma vez que a decisão é puramente processual.


A atual divergência doutrinária sobre da utilidade prática destas condições da ação não merece prosperar diante do sentido prático do princípio da celeridade processual que norteia todos os avanços jurídicos contemporâneos. Deixar de analisar condições básicas para a propositura de uma demanda judicial é permitir que ações desnecessárias se propagem nos tribunais brasileiros e inclusive movimentem o judiciário até um provimento final, em torno de um processo que deveria ter sido extinto ainda na fase de saneamento, contribuindo para a morosidade do judiciário, pois no momento em que o juiz poderia estar analisando processos realmente aptos a um provimento eficaz, está instruindo e decidindo inúmeras ações desnecessariamente.


Por óbvio, existe casos que apenas no decorrer do processo é possível conhecer a carência de ação, mas isso, não justifica a análise do mérito da pretensão. Tudo dependerá do caso concreto. A análise do mérito da demanda pressupõe que realmente todas as condições da ação sejam atendidas. Como julgar o mérito de uma demanda em que o juiz apura que a parte ativa (ou a parte passiva) não tem legitimidade para estar ali litigando? Como o juiz irá dar provimento a um pedido juridicamente impossível? E, por fim, como dar provimento a uma demanda onde o autor não tem interesse processual?


Impossível recusar a análise das condições da ação. Assumir este posicionamento é contribuir para a disseminação um desgaste processual desnecessário.



Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição Federal (1988). Vade Mecum Compacto. Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes (Colaboração). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Teoria geral do processo e novas tendências do Direito Processual. Material da 2ª aula da disciplina Fundamentos do Direito Processual Civil, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Direito Processual Civil –Uniderp/IBDP/Rede LFG, 2010.

SILVA, Edward Carlyle. Direito processual civil. Niterói, RJ: Impetus, 2007.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

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Giselle Borges Alves
Advogada em Unaí/MG.
Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Rede LFG em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e Universidade Anhanghera Uniderp - MS.
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terça-feira, 21 de setembro de 2010

A visão do Direito por Ihering - Parte II

O discurso apaixonado pelo Direito, não só como ciência mas como meio transformador da sociedade, conforme retratado por Rudolf Von Ihering, me deixa cada dia mais apaixonada.
Selecionei mais um trecho para que todos os profissionais jurídicos (estudantes, professores, advogados, promotores, juízes, procuradores do Estado) e mesmo para aquelas pessoas que gostam de estudar esta vasta ciência e as relações humanas que ela ajuda a delinear... para que possamos pensar um pouco mais sobre o nosso atuar no dia a dia e refletirmos sobre o nosso papel na Luta pelo Direito:

"[...] A consciência do direito, a convicção jurídica, são abstrações científicas que o povo não conhece. A força do direito reside no sentimento, tal qual a força do amor. E quando falta o sentimento, o conhecimento e a inteligência não podem substituí-lo. Mas o amor às vezes não se conhece a si mesmo; um instante, porém, basta para trazê-lo à plena consciência de si. Da mesma forma o sentimento de justiça, quando ileso, geralmente não sabe o que encerra em seu seio; com a lesão do direito, porém, surge a indagação penosa que o obriga a falar, a trazer a verdade à luz do dia e revelar sua energia. [...]." (p.55)

Diante do que foi demonstrado por Ihering, lembro de uma vez que nos bancos da faculdade, logo no início do curso, um professor perguntou à turma: "Você é capaz de matar?"
Lembro-me que esta pergunta gerou de polêmica. E o professor deixou com que os alunos debatessem sem ousar falar nenhuma palavra. Ao final, quando viu que não havia consenso na sala de aula, ele apenas disse que cada um de nós tem um "sentimento de justiça" e que na hora da lesão a um direito os sentimentos realmente ficam a flor da pele e que os seres humanos são capazes de realizar atos primando pelo instinto de conservação.
Essa pergunta pode gerar inúmeros questionamentos: jurídicos, sociológicos, criminológicos e até mesmo filosóficos. Mas nada é tão real, quanto a premente luta pela defesa de um direito.

Continuarei a leitura do livro de Ihering...  

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A visão do Direito por Ihering

Após um longo período em que me dediquei aos estudos doutrinários e de legislação, para atender as necessidades acadêmicas de fim de curso e para atender também aos anseios de todo e qualquer estudante recém formado, desafiar os concursos públicos; hoje consigo parar um pouco para ler com calma os títulos que comprei há mais ou menos um ano e que estavam guardados na estante de livros, na parte de “metas para leitura”. Tenho o costume de comprar livros e mais livros e deixar para lê-los quando estou com um tempo disponível e com uma incrível vontade de ler algo diferente de códigos e manuais jurídicos-doutrinários.

Nesta estante estava desde o mês de novembro de 2009 (sei a data porque tenho o costume de colocá-la todas as vezes que adquiro ou ganho um livro, para lembrar as circunstâncias que eles chegaram até mim)... como eu ia dizendo, um livro que há muito tempo gostaria de ler e que somente agora consigo com calma desvendar suas primeiras páginas. Trata-se do livro de Rudolf Von Ihering, cujo título é a “A Luta pelo Direito”, que como ele mesmo diz no prefácio do livro, tratou de um discurso proferido na primavera de 1872 na Sociedade Jurídica de Viena, que foi publicado como livro no verão do mesmo ano.

Fiquei surpresa ao ver a data do livro, principalmente após desvendar seus dois primeiros capítulos, que apesar de escritos no final do século XIX são tão atuais que parece que foram escritos pelos atuais filósofos do direito, ou talvez não, porque alguns não se adéquam a sua maneira de pensar o direito: a luta!

Ihering nos dois primeiros capítulos me faz acreditar ainda mais no idealismo de luta por justiça. Luta que ao longo da história foi marcada por guerras, lutas sangrentas, até mesmo lutas psicológicas e contra os costumes que se solidificaram desde a Barbárie, passando pelo Direito Romanístico, até chegar aos dias de atuais, para podermos viver um direito tão belo como temos atualmente.

A sua visão é pela luta, pela transformação de valores, mas que muito se contrapõe as idéias de Savigny, para quem as transformações que advieram na sociedade não resultaram de lutas, mas de uma conformação dos sujeitos com determinadas situações e normas, como se os seres humanos apenas se sujeitassem e não fossem atores das modificações que ora presenciamos.

Longe de ser adepta das idéias de Savigny, assim como Ihering também não era, estou adorando a leitura, separei até um trecho do livro, que como uma parábola, me fez repensar o direito sobre uma égide diferente. Vejam e tirem suas próprias conclusões:

“É justamente a circunstância de que o direito não está ao alcance dos povos sem esforço; de que estes tem de lutar, combater e derramar seu sangue para a conquistá-lo; isso faz com que entre eles e seus direito se estabeleça o mesmo laço íntimo que liga o filho à mãe que empenhou a própria vida no seu nascimento. Um direito alcançado sem esforço equivale a uma criança trazida pela cegonha: o que essa ave traz pode perfeitamente ser carregado pela raposa ou pelo abutre. Mas a mãe não permitirá que roubem o filho que ela deu à luz; e o mesmo acontece com um povo que conquistou seu direito e suas instituições através de uma luta sangrenta. Podemos afirmar sem o menor receio que o amor que um povo dedica ao seu direito e a energia despendida na sua defesa são determinados pela intensidade do esforço e do trabalho que ele lhe custou. Os elos mais sólidos entre um povo e seu direito não são forjados pelo hábito, mas pelo sacrifício. E se Deus ama um povo, não lhe presenteia com aquilo de que precisa, nem lhe facilita o trabalho de alcançá-lo, mas torna-o mais difícil. Por isso mesmo, não hesito em afirmar que a luta necessária ao nascimento do direito não é nenhuma maldição, mas uma benção.” (p.34).



Esse direito que foi tão amplamente amado por Ihering, é o mesmo direito que temos hoje. O que me intrigou ao ler este trecho é perceber que ao longo dos anos, as pessoas estão preferindo ter um filho “trazido pela cegonha”, do que realmente sentir ele nascendo de dentro de si. Estão preferindo a maneira mais fácil de adquirir segurança na vida, do que o gosto de conquistá-la. Afinal tudo isso é direito. Ninguém contradiz essa idéia. Cada um tem o livre arbítrio e sua vontade maior ou menor de “lutar”.

Poucos são os que hoje querem que os ensinem a pescar. Quase todas as pessoas querem o peixe pronto e reclamam ferozmente quando não o colocam a sua frente. Este é o ponto combatido por Ihering no século XIX e que atualmente deveria ser combatido no século XXI.

A luta não pode ser deixada de lado. Quando deixamos de exigir nossos direitos justificando uma “paz social”, uma “pacificação das relações”, nesta renúncia quem sai perdendo não é só o sujeito que prefere sofrer a ação, todos perdem.

A luta pelo direito é uma obra fascinante. Por isso nem vou terminar essa postagem por aqui. Tenho certeza que mais conclusões terei ao longo da leitura deste livro e quero dividir minha impressões aqui.

Portanto, vamos à luta!!!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Planos de Previdência Privada - Aspectos Tributários

Os planos de Previdência Privada e os aspectos tributários relativos a portabilidade, resgate e transferência entre planos e entidades.






Sob a égide das mudanças legislativas empreendidas desde o ano de 2001 que trata dos planos de Previdência Privada e do adequado tratamento tributário destes rendimentos, elaborei um pequeno esboço das modificações relativas à portabilidade, o resgate e a transferência entre planos e entidades. Para tanto ressaltamos estes aspectos em uma breve síntese.


1. Da portabilidade dos planos de previdência privada


Como os planos de previdência são investimentos de longo prazo, muita coisa pode mudar até o beneficiário começar a receber aquilo que acumulou, inclusive podendo mudar a sua percepção acerta do plano que escolheu. Diante disso a portabilidade é permitida e existem alguns aspectos tributários relevantes acerca dela.

Para que o ocorra a portabilidade é necessário que o portador do plano saiba que só é permitida a mudança para um produto de mesma natureza, visto que isso influencia de maneira significativa até mesmo na tributação, por exemplo, se a pessoa mudar o perfil do fundo. A pessoa que possuía um perfil de fundo progressivo pode passar para um outro também com perfil progressivo ou para um com perfil regressivo. Mas se o plano do portador for de perfil regressivo só poderá optar por outro de perfil da mesma natureza, visto que estes aspectos influenciam sobremaneira nas regras de tributação do plano de previdência.

No regime progressivo, no resgate, a tributação é de 15% (quinze por cento) na fonte, a título de antecipação do Imposto de Renda, podendo ser compensada na Declaração de Ajuste Anual, de acordo com a Tabela Progressiva Anual do Imposto de Renda.

No regime regressivo, as alíquotas incidem na hora do resgate e diminuem de acordo com o tempo de contribuição. Neste caso, o participante que optou no plano de origem pelo regime alternativo, ou seja, pela tabela regressiva, o prazo de acumulação anterior é computado no novo plano escolhido, conforme dispõe o §4° do artigo 1° da Lei 11.053/2004.

É importante frisar que essa tributação é definitiva e não existe compensação na hora do ajuste anual.

Alguns aspectos devem ser ressaltados quando são distintos os regimes tributários dos planos originários e do plano receptor (novo plano escolhido pelo participante), dentre os quais podemos destacar:

a) Plano originário “progressivo” e plano receptor “regressivo” – os recursos portados terão iniciado o computo do prazo de acumulação no plano receptor na data do ingresso dos recursos neste plano;

b) Plano originário “regressivo” e plano receptor “progressivo” – em relação aos recursos portados haverá a incidência do regime alternativo de tributação, com o necessário controle do prazo de acumulação.

É importante ressaltar ainda, que não há incidência de qualquer tributo ou contribuição sobre a portabilidade de recursos de reservas técnicas, fundos e provisões entre planos de benefícios titulados pelo mesmo participante, conforme estabelece o artigo 69 §2° da Lei Complementar n° 109 de 2001.


2. Do resgate


O resgate dos valores pagos do plano de previdência privada é um direito do segurado, que a qualquer momento pode ser utilizado pelo consumidor, optando pela suspensão temporária das contribuições ou pelo cancelamento do plano e resgate do dinheiro. Mas na retirada, existem encargos cobrados nesta transação que vai depender o tipo de regime de tributação escolhido, que determinará os descontos do imposto de renda que serão feitos na hora de resgatar o valor do plano.

Conforme dispõe o parágrafo único do artigo 83 da Lei 11.196/2005, a própria entidade de previdência complementar é quem deve fazer os recolhimentos tributários (impostos e contribuições incidentes), bem como o cumprimento das obrigações acessórias decorrentes dessa responsabilidade, quando do resgate pelo participante.


3. Da transferência de titularidade

Segundo dispõe o artigo 77 § 2° da Lei 11.196/2005, a transferência de titularidade dos planos de previdência complementar privada, confere aos participantes ou segurados o direito de resgate ou de portabilidade dos recursos acumulados correspondentes às quotas. Ressalte-se ainda que o inciso II do mesmo dispositivo determina que a transferência de titularidade, não caracteriza resgate para fins de incidência do Imposto de Renda.

O §4° do artigo 1° da Lei 11.053/2004, estabelece ainda, que na transferência de titularidade de participantes, o prazo de acumulação do participante que, no plano originário, tenha optado pelo regime de tributação previsto neste artigo será computado no plano receptor.


Importante: Para obter maiores informações é importante analisar frequentemente as inovações legislativas, posições jurisprudenciais e o site da Receita Federal, uma vez que as alíquotas incidentes sofrem modificações constantes. Para esclarecimentos específicos sobre o seu plano de Previdência Privada, não deixe de entrar em contato com a sua entidade e de analisar as disposições contratuais pertinentes.

Giselle Borges
Advogada
Unaí/MG

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Vamos revisar um pouco sobre os Sindicatos?

Direito do Trabalho - Relações coletivas de trabalho - Considerações sobre os Sindicatos



Algumas questões importantes para os alunos que querem conhecer de maneira simplificada a relação de natureza sindical. Em cinco perguntas, vamos tirar a mistificação acerca do Direito Sindical.


1) O que é sindicato?

Resposta: Sindicato é uma associação basicamente ligada aos trabalhadores (apesar de possuírem sindicatos ligados a classe patronal), possuindo direitos e deveres perante seus associados. É constituído através de um estatuto social como qualquer pessoa jurídica, tendo como característica principal a união de membros em torno de interesses e objetivos convergentes, configurando ao longo da história a base de equilíbrio na busca de melhoria das condições de trabalho. A principal função do sindicato é a representatividade.


2) Qual sua natureza jurídica?

Resposta: O sindicato possui natureza jurídica de direito público privado, principalmente porque é constituído por um estatuto social, sendo desta forma, uma sociedade civil, autônoma e coletiva.

 

3) Quais as entidades sindicais de grau superior?

Resposta: Temos as Federações que são entidades sindicais compostas por cinco sindicatos, sendo organizadas nos estados. As Confederações são compostas por três federações e são organizadas conforme o ramo de atividade. As Centrais Sindicais são associações que até março de 2008 não possuíam regulamentação legal sobre organização e âmbito de atuação. A Lei 11.648/2008 mudou este quadro, trazendo o reconhecimento legal, fixando suas atribuições, prerrogativas e deveres, alterando inclusive importantes dispositivos da CLT.
 
4) Qual a natureza jurídica da contribuição sindical?

Resposta: A caracterização da natureza jurídica da contribuição sindical ainda é objeto de divergência doutrinária, visto que existem três correntes distintas. A primeira diz que a contribuição sindical não é tributo, com base no argumento de que o artigo 145 da Constituição Federal não permite ampliações nas espécies de tributos, tendo desta forma natureza taxativa. A maioria da doutrina discorda deste entendimento firmando posicionamento diverso abrindo, portanto, a segunda e a terceira corrente. A segunda defende a natureza jurídica tributária da contribuição, mas como uma espécie inserida ora nos impostos, ora nas taxa ou nas contribuições de melhoria. A terceira corrente defende-a como espécie tributaria própria, não podendo ser inserida em nenhuma das espécies já existentes, sendo esta a corrente mais aceita na doutrina tributária.


5) Há estabilidade para o representante dos trabalhadores na empresa?

Resposta: O representante dos trabalhadores na empresa, possui estabilidade, conforme precedente normativo n° 086 do Tribunal Superior do Trabalho: “Nas empresas com mais de 200 (duzentos) empregados, é assegurada a eleição direta de um representante, com as garantias do art. 543 e seus parágrafos da CLT”.

 
Importante: Essas são pequenas contribuições para o conhecimento do Direito Sindical, o conteúdo e bem mais amplo e abrangente, tendo inclusive muitos temas polêmicos que valem à pena ser pesquisados e debatidos. Busque informações acerca do Direito Coletivo do Trabalho tanto em obras doutrinárias como nas decisões dos tribunais brasileiros, para um estudo mais aprofundado do tema.


Giselle Borges
Advogada
Unaí/MG.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Artigo de opinião: O nascimento do Código de Bustamante e as atuais necessidades globais


Por Giselle Borges Alves*


O Código de Bustamante ou Código de Direito Internacional Americano, é norma resultante de seis conferências.

A primeira conferência, foi realizada em Montevidéu em 1889, onde cinco delegados apresentaram um sistema de regras de Direito Internacional Privado com matérias de Direito Civil, Direito Comercial e de legalização de documentos.

A Segunda conferência foi realizada no México em 1901 e 1902. Nela o delegado brasileiro José Hygino Duarte Pereira propôs que fosse instituída uma comissão de juristas para elaborarem dois Códigos, sendo um de Direito Internacional Público e outro de Direito Internacional Privado, para que regulassem as relações das nações Americanas.

A terceira conferência foi no Rio de Janeiro em 1906, nela foi aprovada a proposta do delegado brasileiro José Hygino Duarte Pereira e na oportunidade dois juristas de cada Estado Americano começaram a fazer parte das vindouras comissões.

Em 1912 a comissão recebeu do governo brasileiro o projeto de Código de Direito Internacional Público feito por Epitácio Pessoa e o projeto de Direito Internacional Privado feito por Lafayette Pereira.

Na quarta conferência, uma comissão composta por dois juristas de cada Estado Americano, subdividiu-se em seis Subcomissões.

A quinta conferência foi realizada em Montevidéu, onde se discutiu no Direito Internacional Privado as condições dos estrangeiros, bem como temas ligados a capacidade, família e sucessões.

A sexta conferência foi em Lima, onde se discutiu temas novos, como os conflitos das leis penais.

Finalmente, no dia 20 de fevereiro de 1928, quinze países da América (Brasil, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Venezuela, Panamá, Nicarágua, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Haiti, República Dominicana e Cuba) aprovaram na Convenção de Havana o Código de Bustamante, composto de 437 artigos contendo Regras Gerais e quatro livros citados: Direito Civil Internacional, Direito Comercial Internacional, Direito Penal Internacional e Direito Processual Internacional.

O primeiro livro talvez seja onde se observa o maior conflito das leis, ele trata do Direito Civil Internacional dividindo-o em quatro Títulos:

1º Pessoas: onde estuda-se a sua nacionalidade, o domicílio civil e os conflitos de lei.

2º Bens: trata dos diversos modos de adquirir um bem, das doações das sucessões, etc.

3º Dos Diversos Modos de adquirir a propriedade.

4º Das Obrigações e Contratos.


Fruto de longos debates, surgiu para normatizar relações quase que exclusivamente privadas ou subjetivas, destinadas a pacificação das relações entre Estados ou para regular o comércio internacional. Hoje precisa ser repensado diante dos desafios globais surgidos no final do século passado e com consequências que serão profundamente sentidas ao longo de todo o século XXI.

Diante do cenário atual, percebe-se uma grande necessidade de atualização de alguns dos dispositivos previstos no Código de Bustamante, tanto com relação às normatizações existentes, quanto aos desafios advindos deste novo século.

Esta transformação faz-se necessária principalmente com relação a regras de Direito Ambiental, para assegurar a manutenção dos recursos naturais, que correm o risco de extinguirem-se num futuro muito próximo, em virtude da má utilização dos mesmos. Por isso, cabe as autoridades competentes, principalmente aos Chefes de Estados, tomarem providências, para que os atuais e graves impactos ambientais não acarretem conseqüências ainda mais prejudiciais a vida neste planeta.

A normatização do uso pacífico e sustentável dos recursos naturais e, sobretudo, o combate à degradação ambiental em nível mundial para evitar catástrofes mundiais, que acontecem atualmente com mais frequência, torna-se cada vez mais necessária. Faltam hoje, em nível continental, sanções eficazes para este tipo de atuação ilícita em escala mundial.

E chegada a hora do pensamento de bem-estar global, e as regras de direito internacional devem estar atentas a essas mudanças que atingem a coletividade.

 
 
*Giselle Borges Alves
Bel. Direito pelo INESC/CNEC, Unaí/MG.
Pós-graduanda em Direito Processual Civil, pela Rede LFG em parceria com o IBDP.
Advogada.


sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Notícias Jurídicas: União Homoafetiva ganha novamente a pauta do STJ

Tema relevante e muito polêmico, novamente foi abordado pelo Superior Tribunal de Justiça.
A notícia foi publicada pelo site Juris Way no link: http://www.jurisway.org.br/v2/noticia.asp?idnoticia=57039, e transcrevo a íntegra da matéria para que os leitores do New Juris tenham acesso.


Ministros votam a favor de união homoafetiva em julgamento no STJ


Última Instância
A união estável entre pessoas do mesmo sexo voltou a ser tema de debate no STJ (Superior Tribunal de Justiça). O MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) interpôs recurso ao STJ contestando uma ação declaratória de reconhecimento de união estável homoafetiva, acatada em primeira instância. De acordo com a decisão, a ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para o reconhecimento da existência desse tipo de parceria, contanto que fique provado entre os envolvidos os pressupostos próprios de uma entidade familiar. O julgamento encontra-se com pedido de vista na 4ª Turma.

O ministro João Otávio de Noronha, relator do caso no STJ, votou pela rejeição ao recurso, mantendo a decisão que beneficia o casal homossexual. O voto do relator foi acompanhado pelo ministro Luis Felipe Salomão. O ministro Raul Araújo Filho pediu vista do recurso e agora aguardam, também para pedir vista, os ministros Maria Isabel Gallotti e Aldir Passarinho Júnior.

Em seu voto, o ministro Noronha afirmou que a Lei de Introdução ao Código Civil já declarou, nos seus artigos 4º e 5º, a existência de união estável entre os autores recorridos, fazendo incidir ao caso, por analogia, as normas legais que regem o relacionamento entre um homem e uma mulher que vivem em idêntica situação.

Segundo informações do Tribunal, para os representantes do Ministério Público, a decisão de primeira instância deve ser anulada porque partiu da vara de família e sucessões, enquanto o juízo competente para tal questão deveria ser a vara cível. O motivo alegado para que a competência seja da vara cível é o fato do MP-RS entender que a parceria se trata de sociedade de fato, e não de união estável.

Em contrapartida, os autores da ação declaratória alegam manter relação de afeto pacífica e duradoura, desde 1990, além da contribuição financeira, de forma conjunta, para a manutenção da casa onde moram, em um verdadeiro contexto de família. Além disso, na referida ação, declararam, expressamente, a convivência e o interesse em deixar um para o outro todo o patrimônio de que possam dispor entre si, incluindo benefícios previdenciários.

No entendimento do relator, a parceria homoafetiva sendo reconhecida como entidade familiar, faz com que o pedido de declaração da união estável seja da competência da vara de família, e não da vara cível, como apregoou o Ministério Público.


Legislação: não permite e não proíbe

O ministro João Otávio de Noronha ressaltou ainda a importância de registrar que, se não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma norma que acolha as relações entre pessoas do mesmo sexo, por outro lado não há, também, nenhuma que proíba esse tipo de relacionamento.

Não se pode negar, a esta altura, que a união homossexual é uma realidade que merece reconhecimento jurídico, pois gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da proteção estatal. O direito precisa valorizar tais relações sociais e não pode ficar estático à espera da lei, complementou.


Notícia publicada em 23 de agosto de 2010, pelo site www.jurisway.org.br.




sábado, 21 de agosto de 2010

Moratória: benefício ao devedor e o cumprimento de sentença.


Artigo:     

Moratória Legal: benefício ao devedor e o cumprimento de sentença.




 
 
Giselle Borges Alves
Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Cenecista - INESC, em Unaí/MG.
Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Rede de Ensino Luís Flávio Gomes em parceria com o IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e Universidade Anhanghera Uniderp.



 
Resumo: O estudo ressalta o instituto da moratória legal, advindo da reforma legislativa processada pela Lei 11.382/2006, constante do artigo 745-A do Código de Processo Civil. Discussão doutrinária e jurisprudencial de um tema que não está pacificado pelos tribunais brasileiros e gera divergência entre os que defendem seus requisitos e os que acham que o silêncio da lei quanto a necessidade da aceitação do credor importa em imposição arbitrária deste instituto pelo Estado-juiz.
 
 
 
1. Considerações acerca da ausência da anuência do credor

A moratória legal está definida no artigo 745-A do Código de Processo Civil Brasileiro e representa um novo avanço introduzido pela Lei 11.382/2006 na busca pela celeridade e efetividade da pretensão do credor. Merecem destaque as linhas mestras deste dispositivo (BRASIL, 1973, pag. 296):

Art. 745-A. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovando o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 1o Sendo a proposta deferida pelo juiz, o exeqüente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 2o O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).


Conforme depreende-se da análise do dispositivo não há entre os requisitos elencados pelos legislador a aceitação do exequente. O § 1° do artigo 745-A declara que a proposta de parcelamento deve ser deferida ou indeferida pelo juiz da execução, não vinculando o beneficio a nenhum tipo de aceitação pelo credor.

Por ser silente quanto à aceitação ou não do exequente sobre o deferimento da moratória legal, muitos são os questionamentos doutrinários sobre a possibilidade de contraditório. Muitas vezes o credor poderá não aceitar o parcelamento da dívida, diante de qualquer fato onde o recebimento parcelado inviabilize a satisfação real da pretensão. As discussões surgem da aceitação ou não da natureza potestativa do instituto.

Pinto (2008) destaca que a intenção da Lei 11.382/2006 foi incentivar a adimplência voluntária da obrigação e de forma menos onerosa para o devedor, compatibilizando os princípios da efetividade da execução e o princípio da menor onerosidade ao devedor. Destaca neste ponto que qualquer interferência no que dispõe a literalidade do artigo 745-A poderá gerar um desequilíbrio na relação, pendendo para algum dos lados, ou seja, priorizando um princípio em detrimento do outro.

Sendo assim, Pinto (2008) ressalta que submeter o requerimento do devedor a aceitação do credor é desequilibrar a igualdade da relação estabelecida, mas não nega a possibilidade da oitiva do exequente, respeitando o princípio do contraditório. Para tanto, segue a justificativa do autor:

Em face do exposto, é inevitável concluir que o credor tem, sim, direito a se manifestar sobre o pedido de parcelamento, mas seus argumentos devem se limitar à desconstituição dos requisitos erigidos pela Lei. Desta forma, poderão ser argüidas, verbi gratia, a insuficiência do depósito prévio, a intempestividade do requerimento, a prévia oposição de embargos à execução, etc.

Pinto (2008) destaca que o jurista Elpídio Donizzeti e o professor José Maria Tesheiner, discordam de tal posicionamento, destacando que o deferimento da moratória legal sem a concordância do devedor fere direito líquido e certo do exeqüente de receber o pagamento à vista, sendo que somente o titular do direito tem a prerrogativa de apreciar a conveniência ou não do parcelamento, já que o título executivo devidamente formado, não aceita modificação da obrigação que nele está representada ao arbítrio do juiz da execução.

Theodoro Júnior (2008, p. 466) declara expressamente que o parcelamento beneficia tanto o devedor como o credor, podendo ser vislumbrado o posicionamento contrário a concordância do devedor, já que tal benefício é igualitário:

O devedor se beneficia com o prazo de espera e com o afastamento dos riscos e custos da expropriação executiva; e o credor, por sua vez, recebe uma parcela do crédito, desde logo, e fica livre dos percalços dos embargos do executado. Demais a mais, a espera é pequena – apenas seis meses, no máximo - , um prazo que não seria suficiente para solucionar os eventuais embargos do executado e chegar, normalmente, à expropriação dos bens penhorados e à efetiva satisfação do crédito ajuizado.


2. A moratória nas execuções de títulos judiciais

Outro assunto que vem merecendo profundo debate doutrinário e jurisprudencial é a aplicabilidade da moratória legal as execuções de títulos judiciais; os tribunais brasileiros divergem.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais possui posicionamentos diferentes entre seus desembargadores, nos poucos julgados que empreendeu. A título de exemplo, a Desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade da 1ª Câmara Cível do TJMG, em julgamento do dia 26/05/2009 do Agravo de Instrumento n° 1.0024.00.015026-8/001, expôs argumentação consistente e favorável a aplicação da moratória legal ao cumprimento de sentença, justificando a interpretação com base no artigo 475-R conjugado com os artigos 620 e 126, todos do CPC, mas sempre com atenção ao equilíbrio processual para não prejudicar nenhuma das partes. Mas ressaltou, na oportunidade, que seu posicionamento é minoritário no Tribunal.

No mesmo julgamento os outros Desembargadores Armando Freire e Alberto Vilas Boas, posicionaram-se contrariamente e não aplicaram o Art. 745-A ao cumprimento de sentença. Importante destacar as razões expostas pelo Desembargador Alberto Vilas Boas para a inaplicabilidade:

O benefício estabelecido pela Lei Processual, no art. 745-A do CPC, deve ser estendido, unicamente, ao devedor no processo de execução por título extrajudicial, porque isso é uma forma de abreviar a satisfação da obrigação. Não é aceitável que no âmbito do processo de conhecimento, com a oportunidade de interpor um número bastante considerável de recursos para impedir, legitimamente, a formação da coisa julgada material, ainda queira o devedor parcelar o cumprimento da obrigação de igual modo àquele que, pela primeira vez, foi chamado no processo de execução por título extrajudicial a compor-se com o credor.


Amaral (2009) defende a não incidência da moratória ao cumprimento de sentença, justificando sua posição com base nos procedimentos diferenciados de cada título executivo. Os títulos judiciais possuem mecanismos que induzem o devedor a pagar a dívida integralmente, como a multa coercitiva do Art. 475-J. Aplicar subsidiariamente a moratória é cumular mais um método para pagamento. Ressalta, ainda, que na moratória há o reconhecimento da dívida pelo devedor, natureza que não pode ser extraída no cumprimento de sentença, haja vista que a sentença tem natureza de coisa julgada material e é ela que reconhece o direito do exeqüente. Conceder o parcelamento seria o mesmo que afrontar a coisa julgada. Mas, nada impediria que por um acordo de vontades, as partes ajustassem o parcelamento, o que por óbvio não resultaria de uma imposição estatal e nem prejudicaria nenhum dos pólos da relação processual.


3. Considerações finais

Com a análise dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais conclui-se que a moratória legal ao ser deferida no cumprimento de sentença prejudica demasiadamente o credor, que não obstante o longo caminho travado durante o processo de conhecimento vê-se tolhido de receber a dívida, por mais uma artimanha favorecendo o devedor, e nem ao menos poderá questionar o deferimento, tendo em vista que o benefício é concedido de ofício pelo juiz.

Aceitar tais arbitrariedades é o mesmo que perpetrar a conivência do Estado com a mora do devedor e a insatisfação de quem pleiteia um direito já abrangido pela coisa julgada.


Referências:

AMARAL, Paulo Osternack. O direito ao parcelamento do débito (art. 745-A do CPC) incide no cumprimento de sentença?. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 28, junho 2009, disponível em http://www.justen.com.br/informativo. Acesso em 15 maio 2010.

BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Lei n° 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Vade Mecum Acadêmico de Direito. Anne Joyce Angher. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

BRASIL. TJMG. Agravo de Instrumento n° 1.0024.00.015026-8/001. Relatora: Desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade. TJMG. 2009. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=24&ano=0&txt_processo=15026&complemento=1&sequencial=0&palavrasConsulta=parcelamento 745-A&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=. Acesso em 15 maio 2010.

PINTO, Bruno Ítalo Sousa. Artigo 745-A do CPC: a natureza jurídica do parcelamento da dívida e outras polêmicas . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1897, 10 set. 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2010.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.Processo de execução e cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 42ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

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