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sábado, 20 de fevereiro de 2021

A BASE PRINCIPIOLÓGICA DO COOPERATIVISMO

 

Logomarca mundial do Cooperativismo. Fonte: ACI.


Giselle Borges Alves

Professora de Direito Cooperativo e Direito Privado

Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)

 

O cooperativismo antes de ser compreendido como forma de desenvolvimento de atividades econômicas, precisa ser vislumbrando também como movimento que possui uma base filosófica secular. Neste sentido, a doutrina cooperativista ressalta a importância de conhecer o cooperativismo antes de empreender ponderações sobre a forma de atuação de uma cooperativa[1].

Enquanto movimento e filosofia, o cooperativismo nasceu em meio às revoluções operárias da Europa, inicialmente pensado sobre bases solidaristas inspirados pelos ideais franceses. Teve berço nos movimentos socialistas europeus, mas se fortaleceu e expandiu sobre a égide do capitalismo, no entanto, sem abandonar os pilares de união de forças sobre o prisma democrático de gestão, melhor remuneração do trabalho e fortalecimento do olhar comunitário, para além da simples geração de lucro (NAMORADO, 2013; MEINEN et al., 2002).

Mesmo diante do cenário da globalização de mercados, as cooperativas continuam tendo como alicerces de formação e atuação sete princípios básicos fundamentais[2], cunhados pela primeira cooperativa do mundo – a Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, criada em 1844 na Inglaterra (CENZI, 2009).

Os sete princípios cooperativistas, em verdade traçam não apenas a base filosófica do movimento, mas sobretudo, pautam a forma de organização e gestão dos empreendimentos cooperativistas em todo o mundo. Ofertam, assim, identidade ao movimento, tendo em vista que são comuns a todos os ramos de atividades e funcionam como normas básicas.

O primeiro princípio cooperativista é o princípio da adesão livre e voluntária, comumente conhecido também como “princípio da porta aberta”. Este princípio estabelece que as cooperativas são organizações voluntárias abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e assumir as responsabilidades do empreendimento como membros, proibindo a discriminação sexual, social, racial, política ou religiosa.

O segundo princípio cooperativista é o princípio da gestão democrática pelos membros. Esse princípio consagra a base democrática do empreendimento cooperativista, que possui controle realizado por todos os membros, que participam ativamente na formulação de suas políticas e na tomada de decisões. Os membros eleitos como representantes dos demais associados são responsáveis perante estes.

Nas cooperativas singulares, os membros, independemente da quantidade de capital que possuem na cooperativa, possuem igual direito de voto (um membro, um voto). Nas cooperativas Centrais, Federações e Confederações também existe uma organização proporcional de direito de voto em base democrática.

A gestão democrática, portanto, traduz-se em um sistema de decisões majoritárias e não no poder de decisão do capital investido, o que é muito comum nas sociedades de natureza mercantil. Nas cooperativas não temos a figura do sócio majoritário, mas sim uma gestão participativa e democrática como um dos eixos desse movimento, consagrando o sistema de autogestão. Aliás, a submissão das decisões estratégicas da cooperativa à assembleia é o pressuposto básico da autogestão como forma de governança (ALVES, 2017).

O terceiro princípio é o princípio da participação econômica dos membros. Por ele é estabelecida a forma de contribuição equitativa dos membros para o capital das cooperativas, bem como, novamente, ressalta o controle democrático. Parte do capital aportado na cooperativa é propriedade comum, no entanto, os membros recebem habitualmente, se houver sobras, uma remuneração como condição de adesão.

Nas cooperativas está estabelecido o retorno das sobras líquidas proporcional ao trabalho realizado pelo cooperado junto à cooperativa durante o exercício social com divisão pro rata de suas operações[3], o que difere profundamente do retorno dos lucros numa sociedade de natureza mercantil, onde há estreita relação com o capital investido pelo sócio ou acionista, pouco importando se este trabalhou na empresa durante qualquer período (PINHO, 1977).

As sobras e resultados de um exercício social de uma cooperativa também podem ser destinados aos objetivos desta, mediante as políticas aprovadas pelos seus membros em deliberações nas assembleias gerais. Por exemplo, os cooperados podem destinar sobras e resultados ao desenvolvimento de suas cooperativas, mediante a criação de fundos de reserva, podem deliberar pelo rateio das sobras e resultados entre os cooperados ou apoiar outras atividades em prol dos cooperados, funcionários e da comunidade – concessão de bolsas de estudos, apoio a ações e projetos sociais, entre outros –, bem como realizar investimentos externos com o objetivo de captação de recursos em benefício geral da cooperativa.

O quarto princípio cooperativista trata da autonomia e independência destas, ou seja, estabelece as cooperativas como organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Decorre deste princípio a conclusão de que as cooperativas, mesmo se firmarem acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas, ou se recorrerem a capital externo, devem fazê-lo de forma a preservar o controle democrático pelos membros da cooperativa, mantendo sua autonomia e independência quanto a ingerências externas.

O quinto princípio cooperativista é o princípio da educação, formação e informação para o cooperativismo. As cooperativas devem promover a educação e formação técnico-profissional dos seus associados, dos representantes por eles eleitos, dos seus trabalhadores e também da sociedade em geral. A educação, formação e informação cooperativista contribui de forma eficaz para o desenvolvimento das próprias cooperativas e para a continuidade do movimento. Informa ao público em geral, incluindo jovens e líderes comunitários, sobre a natureza e vantagens da cooperação, auxilia no crescimento e fortalecimento do cooperativismo ao longo do tempo.

O sexto princípio é a intercooperação, que se traduz no trabalho conjunto e coeso das cooperativas entre si, servindo de forma mais eficaz aos seus membros e ofertando mais força ao cooperativismo enquanto movimento. O princípio incentiva que as cooperativas trabalhem em conjunto por intermédio de estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais. No Brasil, temos a intercooperação realizada mediante relações contratuais, por exemplo, de compra e venda de insumos entre cooperativas, prestação de serviços, entre outros. Mas também temos a verticalização das atividades que fornecem melhor estrutura para que as cooperativas singulares prestem seus serviços aos associados. Estamos falando da constituição de Centrais, Federações e Confederações de Cooperativas, cujas normas gerais estão traçadas na Lei nº 5.764/1971.

O sétimo – e último – princípio cooperativista é o princípio do interesse pela comunidade. Esse princípio destaca que as cooperativas devem trabalhar para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades, mediante políticas aprovadas pelos seus membros.

Desta forma, é possível identificar o movimento cooperativo como grande agregador do prisma da função social da propriedade e da empresa, na medida em que realiza a atividade econômica com preponderância de melhora da qualidade de vida de seus associados, funcionários e com uma preocupação central com o desenvolvimento sustentável das regiões onde a atividade está inserida (ALVES, 2017).

O Cooperativismo, em si, é um movimento que está intimamente relacionado ao desenvolvimento sustentável, tendo em vista que está voltado para a realização de uma economia humanizada, cujo valor maior reside no indivíduo, antecedendo ao capital, com nítida conciliação entre solidariedade e individualidade.

É importante ressaltar que os princípios cooperativistas, com o passar dos anos foram estabelecidos dentro das legislações dos países que traçam normas gerais sobre o cooperativismo[4], ofertando assim a força necessária para a compreensão de sua aplicação. No Brasil, tanto a Lei nº 5.764/1971 - Lei Geral do Cooperativismo -, como o Código Civil brasileiro de 2002, trazem entre nas características gerais do cooperativismo essa inserção dos princípios correlacionados.

 

 


REFERÊNCIAS

ALVES, Giselle Borges. Poder compensatório, função social e concorrência: um olhar individualizado sobre o cooperativismo. In: Constituição, Empresa e Mercado. Ana Frazão (Org.). Faculdade de Direito-UnB, 2017, pp. 69-93.

BRASIL. Lei nº 5.764 de 16 de dezembro de 1971Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.htm>. Acesso em 20 fev. 2021.

 _______. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 20 fev. 2021.

CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde às origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo brasileiro. 1. ed. (2009), 1ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2011.

MEINEN, Ênio; NERCOLINI DOMINGUES, Jefferson; DOMINGUES, Jane Aparecida Stefanes. Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2002.

NAMORADO, Rui. O mistério do cooperativismo: da cooperação ao movimento cooperativo. Coimbra: Almedina, 2013.

ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS (OCB). O que é cooperativismo?. Somos Cooperativismo. Disponível em: < http://www.somoscooperativismo.coop.br/o-que-e-cooperativismo>. Acesso em: 20 fev. 2021.

PINHO, Diva Benevides. Economia e cooperativismo. São Paulo: Saraiva, 1977.

STÖBERL, Paulo Roberto. Conceito de sociedade cooperativa. In: Sociedades cooperativas. Alfredo de Assis Gonçalves Neto (coord). 1. ed. São Paulo: Lex, 2018, pp. 25-56.

 

 



[1] Paulo Roberto Stöberl (2018, p. 25) é um dos pesquisadores que ressalta a importância de compreender a distinção entre cooperativismo e cooperativa, informando que o cooperativismo é “um conjunto de valores orientativos de ação individual e também uma doutrina de sistema econômico e social” e a cooperativa, nada mais é, que “o braço econômico deste sistema”.

[2] Sobre os princípios cooperativistas e dados atuais do cooperativismo no Brasil e no mundo, acesse a página da Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB: <http://www.somoscooperativismo.coop.br/o-que-e-cooperativismo>.

[3] Conforme estabelecido no Art. 4º, inciso VII da Lei nº 5.764/1971.

[4] Em um próximo texto serão feitas algumas considerações sobre as normas do cooperativismo e a correlação dos princípios com as características traçadas na legislação.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Direito Cooperativo: diferenças das cooperativas para outras sociedades mercantis e regime de responsabilidades

Por Giselle Borges Alves


Em continuidade a publicação dos vídeos das aulas de Direito Cooperativo, abaixo seguem os vídeos correspondentes à Unidade 4, que trata de temas bem interessantes associados aos empreendimentos cooperativos.

Divulgo abaixo os vídeos gravados para as aulas da Faculdade CNEC Unaí, no 1º semestre de 2020.
Em razão da suspensão das aulas, os vídeos foram gravados para auxiliar os alunos na compreensão do conteúdo das aulas.

Espero que vocês gostem! Bons estudos!


Vídeo 1: Diferenças entre Sociedades Cooperativas e Sociedades Anônimas; Responsabilidade dos Associados de Cooperativas


Vídeo 2: 


Direito Cooperativo - Legislação, Constituição de Cooperativas e Assembleias Gerais - vídeos

Por Giselle Borges Alves


Durante o 1º semestre de 2020, em razão das suspensão das aulas por causa da pandemia de saúde pública, ocasionada pela COVID-19, as aulas de Direito Cooperativo, na Faculdade CNEC Unaí ocorreram na modalidade remota. Por essa razão gravei diversos vídeos com conteúdos da disciplina, que normalmente seriam ministrados em sala de aula.

Com a finalização do semestre e das aulas, compartilho agora no blog os links dos vídeos com a explicações.
Advirto que foram vídeos de aulas gravados em casa, sem nenhuma produção especializada.

Começo divulgando os vídeos com aspectos gerais relacionados a legislação cooperativista. São três vídeos relacionados a Unidade 3 da disciplina.


Vídeo 1: Aspectos da legislação cooperativista.




Vídeo 2: Constituição de Cooperativas



Vídeo 3: Assembleias Gerais em Cooperativas




Espero que os vídeos ajudem na compreensão da legislação aplicável ao cooperativismo.

Bons estudos!



terça-feira, 1 de março de 2016

Cooperativismo colombiano pode ganhar novo marco legal em matéria tributária

Conforme noticiado pela ACI das Américas, o cooperativismo colombiano avança na regulação tributária. O tema foi matéria de debate no 1º Encontro de Direito Cooperativo e Solidário, na Universidade do Rosário. 

Segue a notícia publicada no site da ACI das Américas:


Encuentro de Derecho Cooperativo en Colombia propone nuevos marcos jurídicos


18 de febrero de 2016


Se realizó en Bogotá el I Encuentro de Derecho Cooperativo y Solidario, organizado por Coolegas, la Universidad del Rosario y Legis, con el apoyo de Ascoop y Litocentral, evento en el que los especialistas propusieron una nueva ley marco y un régimen tributario propio para el sector cooperativo de Colombia.
El Encuentro se realizó el pasado 17 de febrero y congregó a más de 200 abogados y dirigentes del sector cooperativo y solidario., encabezados por el Director Ejecutivo de Ascoop Carlos Mario Zuluaga, el Presidente de la Confederación Colombiana de Cooperativas Carlos Acero Sánchez y el Presidente del Colegio de Abogados de Derecho Cooperativo y Solidario Alejandro Rodríguez.
El Encuentro contó con la presencia del jurista alemán Hagen Henry, profesor e investigador de la Universidad de Helsinki, Finlandia, y asesor de la Alianza Cooperativa Internacional y la Organización Internacional del Trabajo. Henry hizo un breve panorama sobre las “Tendencias mundiales del derecho cooperativo”, resaltando que las cooperativas no pueden esperar que haya una legislación especial que le dé un trato preferencial, sino una legislación justa que haga posible que empresas de diversa naturaleza operen en la economía. Henry agregó que si bien los marcos jurídicos son importantes para el cooperativismo, no es allí donde se va a definir el futuro de las cooperativas, sino en su gestión cooperativa.
El Presidente de Coolegas y Asesor de Juriscoop, Alejandro Rodríguez hizo una exposición sobre la regulación cooperativa y economía de mercado, lanzando como propuesta innovadora la idea de que las cooperativas sí son empresas con ánimo de lucro, pero social, no individual ni particular, porque son agentes económicos que buscan un beneficio social, no un lucro individual. Rodríguez dijo que competir en el mercado y distribuir excedentes no convierte a las cooperativas en empresas con ánimo de lucro, equiparables con las sociedades lucrativas como las anónimas y las limitadas.
Belisario Guarín hizo un análisis de la actual legislación cooperativa y solidaria y las perspectivas para su modificación, anunciando que el gremio cooperativo, con apoyo de un grupo de abogados especializados ha elaborado una propuesta de reforma al marco jurídico del sector en Colombia, cuyos aspectos principales presentó.
También dijo que se ha trabajado en el estudio de un régimen tributario exclusivo para las cooperativas, que posteriormente fue anunciado como una propuesta por el Presidente de Confecoop, Carlos Acero. El documento será dado a conocer en los próximos días y busca ofrecer opciones frente a la recomendación de la Comisión Asesora del Gobierno de excluir a las cooperativas del Régimen Tributario Especial y ponerlas a tributar como si tuvieran ánimo de lucro.
A su turno, el abogado Antonio Sarmiento hizo una exposición complementaria de la anterior, sobre los marcos jurídicos y las oportunidades del sector cooperativo y solidario, en la que aseguró que la legislación colombiana sobre el sector está anquilosada y necesita una revisión que la ajuste a las actuales circunstancias y a la naturaleza distinta de las cooperativas en relación con las empresa lucrativas.
Para el cierre del Encuentro se realizó un conversatorio con los cuatros ponentes, en el cual ofició como moderador el Director Ejecutivo de Ascoop Carlos Mario Zuluaga.
Fuente: Ascoop

Link para o site original: (link)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Revisão jurisprudencial 2014 - Direito Civil e Empresarial - STJ - Informativos 539 a 541


Jurisprudência selecionada.

DIREITO CIVIL

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DE ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO EXECUTIVA.
O advogado que ajuizou ação de execução de honorários de sucumbência não só contra a sociedade limitada que exclusivamente constava como sucumbente no título judicial, mas também, sem qualquer justificativa, contra seus sócios dirigentes, os quais tiveram valores de sua conta bancária bloqueados sem aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, deve aos sócios indenização pelos danos materiais e morais que sofreram. Com efeito, a lei não faculta ao exequente escolher quem se sujeitará à ação executiva, independentemente de quem seja o devedor vinculado ao título executivo. Ressalte-se que, tendo as sociedades de responsabilidade limitada vida própria, não se confundem com as pessoas dos sócios. No caso de as cotas de cada um estarem totalmente integralizadas, o patrimônio pessoal dos sócios não responde por dívidas da sociedade. Portanto, a regra legal a observar é a do princípio da autonomia da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, distinção que só se afasta provisoriamente e tão só em hipóteses pontuais e concretas. É certo que existem exceções, e a disregard doctrine é um meio de estender aos sócios da empresa a responsabilidade patrimonial por dívidas da sociedade. Não menos certo, porém, é que a desconsideração da personalidade jurídica depende da constatação de que ela esteja servindo como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios e atos jurídicos, hipótese em que o juiz pode, em decisão fundamentada, ignorar a personalidade jurídica e projetar os efeitos dos atos contra a pessoa física que dela se beneficiou (art. 50 do CC). Além disso, o ato ilícito é um gênero dos quais são espécies as disposições insertas nos arts. 186 (violação do direito alheio) e 187 (abuso de direito próprio) do CC. Ambas as espécies se identificam por uma consequência comum, indicada no art. 927, ou seja, a reparação. Havendo excesso quanto ao limite imposto pelo fim econômico ou social do direito exercido, pela boa-fé ou pelos bons costumes, está caracterizado o abuso de direito. Nas hipóteses específicas de execução, o CPC traz regra segundo a qual "o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução" (art. 574). Esse dispositivo, de natureza idêntica ao art. 187 do CC, pois ambos visam ao ressarcimento na hipótese de danos decorrentes de abuso de direito, é utilizado em casos de emprego abusivo da ação executiva, por exemplo, quando se propõe execução cujo título não garanta a efetiva existência de crédito, mesmo que isso venha a ser reconhecido após o ajuizamento da demanda, ou quando há direcionamento da execução contra quem não é responsável pelo crédito. No que diz respeito aos danos morais, o fato, por si só, de os sócios dirigentes da sociedade empresária comporem o polo passivo de uma ação não enseja a responsabilização, pois os ônus que os sócios sofreram em nome próprio sofreriam se tivessem atuando gerencialmente em nome da sociedade devedora. Contudo, desnecessariamente viram parte de seu patrimônio constrita, e isso em razão da astúcia do credor, pois, sendo técnico em direito, já que é advogado, não é razoável concluir que não soubesse que agia ferindo a lei. A ninguém é dado buscar facilidades em detrimento da lei ou de quem quer que seja, pois o limite de atuação está na lei. Quando há abuso, há prejuízos. Assim, há nexo causal entre o ato abusivo praticado pelo credor e os danos causados aos sócios pelos aborrecimentos que atingiram a esfera pessoal de cada um. REsp 1.245.712-MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 11/3/2014.

DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA RELATIVOS À EXECUÇÃO DESAUTORIZADA DE OBRA MUSICAL.
Contam-se da execução pública não autorizada de obra musical – e não da data da citação – os juros de mora devidos em razão do não recolhimento de direitos ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). O ECAD – órgão instituído e administrado pelas associações de gestão coletiva musical, mandatárias de todos os titulares de obras musicais a elas filiados – intermedeia, em nome dos autores de composições musicais, a arrecadação, distribuição e fiscalização dos seus direitos. Assim, deve-se determinar não a natureza da relação entre os executores de composições musicais e o ECAD, e sim a natureza da relação entre esses executores e os próprios autores, que são apenas representados pelo ECAD na arrecadação e fiscalização de seus direitos. Nesse aspecto, ganha relevância o comando do art. 68 da Lei 9.610/1998, segundo o qual, sem prévia e expressa autorização do titular, não poderão ser utilizadas composições musicais em representações e execuções públicas. Necessário distinguir ainda a relação decorrente da execução desautorizada de composição musical, daquela derivada da execução realizada mediante prévia autorização do titular. Evidentemente, na execução comercial desautorizada de obra musical, a relação entre o titular da obra e o executor será extracontratual, ante a inexistência de vínculo entre as partes. Todavia, a situação muda de figura quando a execução comercial de composições musicais advém de prévia autorização do titular, ainda que por intermédio do ECAD, em que há autêntico acordo de vontades para a cessão parcial, temporária e não exclusiva de direitos autorais. Em suma, na execução comercial desautorizada de obras musicais a relação entre executor e ECAD (mandatário dos titulares das obras) é extracontratual, de sorte que eventual condenação judicial fica sujeita a juros de mora contados desde o ato ilícito, nos termos do art. 398 do CC e da Súmula 54 do STJ. E na execução comercial autorizada a relação entre executor e ECAD é contratual, de maneira que sobre eventual condenação judicial incidem juros de mora contados desde a citação, nos termos do art. 405 do CC. REsp 1.424.044-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/3/2014.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR DECLARAÇÃO DE NULIDADE EM DOAÇÃO INOFICIOSA.
O herdeiro que cede seus direitos hereditários possui legitimidade para pleitear a declaração de nulidade de doação inoficiosa (arts. 1.176 do CC/1916 e 549 do CC/2002) realizada pelo autor da herança em benefício de terceiros. Isso porque o fato de o herdeiro ter realizado a cessão de seus direitos hereditários não lhe retira a qualidade de herdeiro, que é personalíssima. De fato, a cessão de direitos hereditários apenas transfere ao cessionário a titularidade da situação jurídica do cedente, de modo a permitir que aquele exija a partilha dos bens que compõem a herança. REsp 1.361.983-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/3/2014.

DIREITO CIVIL. JUROS REMUNERATÓRIOS NÃO PREVISTOS NO CONTRATO DE MÚTUO FIRMADO ENTRE A COOPERATIVA DE CRÉDITO E O COOPERADO.
A cooperativa de crédito pode exigir de seu cooperado juros remuneratórios em percentual não superior à taxa média de mercado, quando o percentual do encargo tiver sido estipulado pelo conselho de administração da cooperativa, conforme previsão estatutária, e tenha ocorrido a ampla divulgação da referida taxa, mesmo que o contrato de mútuo seja silente em relação ao percentual dos juros remuneratórios. Com efeito, decorre do art. 21, caput, da Lei 5.764/1971 que a filiação à cooperativa implica adesão automática e implícita às normas do estatuto social, mantendo a higidez das relações entre os cooperados e entre esses e a cooperativa. Nessa linha, o STJ assevera que os estatutos das cooperativas contêm as normas fundamentais sobre a organização, a atividade de seus órgãos e os direitos e deveres dos associados. Ressalte-se, ainda, que as cooperativas de crédito não perseguem o lucro, havendo rateio de sobras e perdas, conforme previsão no estatuto social, levando em conta a proporcionalidade da expressão econômica das operações dos associados. Nesse contexto, sobressaem as atividades com encargos e tarifas menores às oferecidas pelo mercado, destacando-se que a cobrança de juros é uma das formas pela qual a entidade arrecada contribuições de seus associados e pela qual lhes propicia vantagem comparativa em relação às demais instituições financeiras. Além disso, as cooperativas de crédito são instituições financeiras, razão pela qual não há submissão dessas à Lei de Usura. Desse modo, a estipulação dos juros remuneratórios pelo conselho de administração da cooperativa, consoante previsão estatutária, permite a cobrança do encargo ali definido, ainda que esse não conste no contrato de mútuo, desde que o percentual exigido não supere a taxa média estabelecida pelo mercado. REsp 1.141.219-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/4/2014.

DIREITO CIVIL. DEDUÇÃO DO DPVAT DO VALOR DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
O valor correspondente à indenização do seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (DPVAT) pode ser deduzido do valor da indenização por danos exclusivamente morais fixada judicialmente, quando os danos psicológicos derivem de morte ou invalidez permanente causados pelo acidente. De acordo com o art. 3º da Lei 6.194/1974, com a redação dada pela Lei 11.945/2009, os danos pessoais cobertos pelo seguro obrigatório compreendem “as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares”. Embora o dispositivo especifique quais os danos passíveis de indenização, não faz nenhuma ressalva quanto aos prejuízos morais derivados desses eventos. A partir de uma interpretação analógica de precedentes do STJ, é possível concluir que a expressão “danos pessoais” contida no referido artigo abrange todas as modalidades de dano –  materiais, morais e estéticos –, desde que derivados dos eventos expressamente enumerados: morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares. Nesse aspecto, “a apólice de seguro contra danos corporais pode excluir da cobertura tanto o dano moral quanto o dano estético, desde que o faça de maneira expressa e individualizada para cada uma dessas modalidades de dano extrapatrimonial” (REsp 1.408.908-SP, Terceira Turma, DJe de 19/12/2013). De forma semelhante, o STJ também já decidiu que “a previsão contratual de cobertura dos danos corporais abrange os danos morais nos contratos de seguro” (AgRg no AREsp 360.772-SC, Quarta Turma, DJe de 10/9/2013). Acrescente-se que o fato de os incisos e parágrafos do art. 3º da Lei 6.194/1974 já fixarem objetivamente os valores a serem pagos conforme o tipo e o grau de dano pessoal sofrido não permite inferir que se esteja excluindo dessas indenizações o dano moral; ao contrário, conclui-se que nesses montantes já está compreendido um percentual para o ressarcimento do abalo psicológico, quando aplicável, como é o caso da invalidez permanente que, indubitavelmente, acarreta à vítima não apenas danos materiais (decorrentes da redução da capacidade laboral, por exemplo), mas também morais (derivados da angústia, dor e sofrimento a que se submete aquele que perde, ainda que parcialmente, a funcionalidade do seu corpo). REsp 1.365.540-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/4/2014.

DIREITO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE PURGAÇÃO DA MORA EM CONTRATOS DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA FIRMADOS APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 10.931/2004. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Nos contratos firmados na vigência da Lei 10.931/2004, que alterou o art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei 911/1969, compete ao devedor, no prazo de cinco dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária. De início, convém esclarecer que a Súmula 284 do STJ, anterior à Lei 10.931/2004, orienta que a purgação da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado. A referida súmula espelha a redação primitiva do § 1º do art. 3º do Decreto-lei 911/1969, que tinha a seguinte redação: “Despachada a inicial e executada a liminar, o réu será citado para, em três dias, apresentar contestação ou, se já houver pago 40% (quarenta por cento) do preço financiado, requerer a purgação de mora.”  Contudo, do cotejo entre a redação originária e a atual – conferida pela Lei 10.931/2004 –, fica límpido que a lei não faculta mais ao devedor a purgação da mora, expressão inclusive suprimida das disposições atuais, não se extraindo do texto legal a interpretação de que é possível o pagamento apenas da dívida vencida. Ademais, a redação vigente do art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei 911/1969 estabelece que o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente e, se assim o fizer, o bem lhe será restituído livre de ônus, não havendo, portanto, dúvida acerca de se tratar de pagamento de toda a dívida, isto é, de extinção da obrigação. Vale a pena ressaltar que é o legislador quem está devidamente aparelhado para apreciar as limitações necessárias à autonomia privada em face de outros valores e direitos constitucionais. A propósito, a normatização do direito privado desenvolveu-se de forma autônoma em relação à Constituição, tanto em perspectiva histórica quanto em conteúdo, haja vista que o direito privado, em regra, disponibiliza soluções muito mais diferenciadas para conflitos entre os seus sujeitos do que a Constituição poderia fazer. Por isso não se pode presumir a imprevidência do legislador que, sopesando as implicações sociais, jurídicas e econômicas da modificação do ordenamento jurídico, vedou para alienação fiduciária de bem móvel a purgação da mora, sendo, pois, a matéria insuscetível de controle jurisdicional infraconstitucional. Portanto, sob pena de se gerar insegurança jurídica e violar o princípio da tripartição dos poderes, não cabe ao Poder Judiciário, a pretexto de interpretar a Lei 10.931/2004, criar hipótese de purgação da mora não contemplada pela lei. Com efeito, é regra basilar de hermenêutica a prevalência da regra excepcional, quando há confronto entre as regras específicas e as demais do ordenamento jurídico. Assim, como o CDC não regula contratos específicos, em casos de incompatibilidade entre a norma consumerista e a aludida norma específica, deve prevalecer essa última, pois a lei especial traz novo regramento a par dos já existentes. Nessa direção, é evidente que as disposições previstas no CC e no CDC são aplicáveis à relação contratual envolvendo alienação fiduciária de bem móvel, quando houver compatibilidade entre elas. Saliente-se ainda que a alteração operada pela Lei 10.931/2004 não alcança os contratos de alienação fiduciária firmados anteriormente à sua vigência. De mais a mais, o STJ, em diversos precedentes, já afirmou que, após o advento da Lei 10.931/2004, que deu nova redação ao art. 3º do Decreto-lei 911/1969, não há falar em purgação da mora, haja vista que, sob a nova sistemática, após o decurso do prazo de 5 (cinco) dias contados da execução da liminar, a propriedade do bem fica consolidada em favor do credor fiduciário, devendo o devedor efetuar o pagamento da integralidade do débito remanescente a fim de obter a restituição do bem livre de ônus. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.398.434-MG, Quarta Turma, DJe 11/2/2014; e AgRg no REsp 1.151.061-MS, Terceira Turma, DJe 12/4/2013. REsp 1.418.593-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014.

DIREITO CIVIL. PENA CONVENCIONAL E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS.
Não se pode cumular multa compensatória prevista em cláusula penal com indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento da obrigação. Enquanto a cláusula penal moratória manifesta com mais evidência a característica de reforço do vínculo obrigacional, a cláusula penal compensatória prevê indenização que serve não apenas como punição pelo inadimplemento, mas também como prefixação de perdas e danos. A finalidade da cláusula penal compensatória é recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente decorram do inadimplemento total ou parcial da obrigação. Tanto assim que, eventualmente, sua execução poderá até mesmo substituir a execução do próprio contrato. Não é possível, pois, cumular cláusula penal compensatória com perdas e danos decorrentes de inadimplemento contratual. Com efeito, se as próprias partes já acordaram previamente o valor que entendem suficiente para recompor os prejuízos experimentados em caso de inadimplemento, não se pode admitir que, além desse valor, ainda seja acrescido outro, com fundamento na mesma justificativa – a recomposição de prejuízos. Ademais, nessas situações sobressaem direitos e interesses eminentemente disponíveis, de modo a não ter cabimento, em princípio, a majoração oblíqua da indenização prefixada pela condenação cumulativa em perdas e danos. REsp 1.335.617-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 27/3/2014.

DIREITO CIVIL. INOPONIBILIDADE DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO CASO DE COPROPRIEDADE ANTERIOR À ABERTURA DA SUCESSÃO.
A viúva não pode opor o direito real de habitação aos irmãos de seu falecido cônjuge na hipótese em que eles forem, desde antes da abertura da sucessão, coproprietários do imóvel em que ela residia com o marido. De fato, o direito real de habitação (arts. 1.611, § 2º, do CC/1916 e 1.831 do CC/2002) tem como essência a proteção do direito de moradia do cônjuge supérstite, dando aplicação ao princípio da solidariedade familiar. Nesse contexto, de um lado, vislumbrou-se que os filhos devem, em nome da solidariedade familiar, garantir ao seu ascendente a manutenção do lar; de outro lado, extraiu-se da ordem natural da vida que os filhos provavelmente sobreviverão ao habitador, momento em que poderão exercer, na sua plenitude, os poderes inerentes à propriedade que detêm. Ocorre que, no caso em que o cônjuge sobrevivente residia em imóvel de copropriedade do cônjuge falecido com os irmãos, adquirida muito antes do óbito, deixa de ter razoabilidade toda a matriz sociológica e constitucional que justifica a concessão do direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, pois não há elos de solidariedade entre um cônjuge e os parentes do outro, com quem tem apenas vínculo de afinidade, que se extingue, à exceção da linha reta, quando da dissolução do casamento. Além do mais, do contrário, estar-se-ia admitindo o direito real de habitação sobre imóvel de terceiros, em especial porque o condomínio formado pelos familiares do falecido preexiste à abertura da sucessão. Precedente citado: REsp 1.212.121-RJ, Quarta Turma, DJe 18/12/2013. REsp 1.184.492-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/4/2014.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA QUITAÇÃO DADA EM ESCRITURA PÚBLICA.
A quitação dada em escritura pública gera presunção relativa do pagamento, admitindo prova em contrário que evidencie a invalidade do instrumento eivado de vício que o torne falso. Com efeito, nos termos do art. 215 do CC, a escritura lavrada em cartório tem fé pública, o que significa dizer que é documento dotado de presunção de veracidade. O que ocorre com a presunção legal do referido dispositivo é a desnecessidade de se provar os fatos contidos na escritura (à luz do que dispõe o art. 334, IV, do CPC) e também a inversão do ônus da prova, em desfavor de quem, eventualmente, suscite a sua invalidade. Outro não é o motivo pelo qual os arts. 214 e 216 da Lei 6.015/1976 (Lei de Registros Públicos) assim preveem: “As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta” e “O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução”. Portanto, a quitação dada em escritura pública não é uma “verdade indisputável”, na medida em que admite a prova de que o pagamento não foi efetivamente realizado, evidenciando, ao fim, a invalidade do instrumento em si, porque eivado de vício que o torna falso. Assim, entende-se que a quitação dada em escritura pública presume o pagamento, até que se prove o contrário. REsp 1.438.432-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/4/2014.

DIREITO EMPRESARIAL

DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA.

O reconhecimento, por sentença transitada em julgado, de que elidiu a falência o depósito do valor principal do título executivo extrajudicial cujo inadimplemento baseou o pedido de quebra (art. 1º, § 3º, Decreto-Lei 7.661/1995) não torna prevento o juízo para um segundo pedido de falência fundado na execução frustrada (art. 2º, I, do Decreto-Lei 7.661/1945) do título executivo advindo daquela sentença quanto aos juros e a correção monetária. O juízo da falência é indivisível porque competente para todas as ações sobre bens e interesses da massa falida, conforme enfatizava o art. 7º, § 2º, da antiga Lei Falimentar (Decreto-Lei 7.661/45), norma repetida no art. 76 da atual Lei de Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005). O objetivo da vis atractiva do juízo falimentar é submeter a universalidade dos bens do devedor comum a um regime único, evitando que apareçam duas ou mais falências paralelas em juízos diferentes, para que, assim, haja paridade no tratamento dos créditos. É necessário, portanto, que, para se instaurar o juízo universal da falência, seja efetivamente decretada a falência pelo juízo competente. Na hipótese em análise, houve reconhecimento do depósito elisivo do primitivo pedido de quebra, por sentença transitada em julgado, desaparecendo a possibilidade de decretação da falência com fundamento no título de crédito, não se tendo, por isso, instaurado o juízo universal da falência. Efetivamente, o fato de existir uma execução frustrada, advinda de um título judicial nascido de uma ação falimentar extinta pelo depósito elisivo parcial, não tem o condão de determinar a distribuição, por prevenção, de um segundo pedido de falência, pelo fato de que não mais existe a possibilidade de ocorrerem falências em juízos diferentes. REsp 702.417-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/3/2014.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO PROCESSO DE FALÊNCIA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. N. 8/2008-STJ).
Os créditos resultantes de honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-lei 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei 11.101/2005, observado o limite de valor previsto no art. 83, I, do referido diploma legal. A questão deve ser entendida a partir da interpretação do art. 24 da Lei 8.906/1994 (EOAB), combinado com o art. 102 do Decreto-lei 7.661/1945, dispositivo este cuja regra foi essencialmente mantida pelo art. 83 da Lei 11.101/2005 no que concerne à posição dos créditos trabalhistas e daqueles com privilégio geral e especial. Da interpretação desses dispositivos, entende-se que os créditos decorrentes de honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, equiparam-se a créditos trabalhistas para a habilitação em processo falimentar. Vale destacar que, por força da equiparação, haverá o limite de valor para o recebimento – tal como ocorre com os credores trabalhistas –, na forma preconizada pelo art. 83, I, da Lei de Recuperação Judicial e Falência. Esse fator inibe qualquer possibilidade de o crédito de honorários obter mais privilégio que o trabalhista, afastando também suposta alegação de prejuízo aos direitos dos obreiros. Precedentes citados do STJ: REsp 988.126-SP, Terceira Turma, DJe 6/5/2010; e REsp 793.245-MG, Terceira Turma, DJ 16/4/2007. REsp 1.152.218-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2014.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS POR SERVIÇOS PRESTADOS À MASSA FALIDA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. N. 8/2008-STJ).
São créditos extraconcursais os honorários de advogado resultantes de trabalhos prestados à massa falida, depois do decreto de falência, nos termos dos arts. 84 e 149 da Lei 11.101/2005. De início, cumpre ressaltar que os credores da falida não se confundem com os credores da massa falida. Os credores da falida são titulares de valores de origem anterior à quebra, que devem ser habilitados no quadro geral de créditos concursais pela regência da nova lei (art. 83 da Lei 11.101/2005). As dívidas da massa falida, por sua vez, são créditos relacionados ao próprio processo de falência, nascidos, portanto, depois da quebra, e pelo atual sistema legal devem ser pagos antes dos créditos concursais (art. 84 da Lei 11.101/2005), com exceção dos créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, que serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa (art. 151 da Lei 11.101/2005). Em outras palavras, os serviços prestados à massa falida após a decretação da falência são créditos extraconcursais (arts. 84 e 149 da Lei 11.101/2005), que devem ser satisfeitos antes, inclusive, dos trabalhistas, à exceção do que dispõe o art. 151. REsp 1.152.218-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2014.

DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO DA HOMOLOGAÇÃO DE PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
A homologação do plano de recuperação judicial da devedora principal não implica extinção de execução de título extrajudicial ajuizada em face de sócio coobrigado. Com efeito, a novação disciplinada na Lei 11.101/2005 é muito diversa da novação prevista na lei civil. Se a novação civil faz, como regra, extinguir as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto (art. 364 do CC), a novação decorrente do plano de recuperação judicial traz, como regra, a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei 11.101/2005), sobretudo as reais, que só serão suprimidas ou substituídas “mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia” por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50, § 1º, da Lei 11.101/2005). Além disso, a novação específica da recuperação judicial desfaz-se na hipótese de falência, quando então os “credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas” (art. 61, § 2º, da Lei 11.101/2005). O plano de recuperação judicial opera, portanto, uma novação sui generis e sempre sujeita a uma condição resolutiva, que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano. Dessa forma, embora o plano de recuperação judicial opere novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias são, em regra, preservadas, circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral. Ressalte-se, ainda, que não haveria lógica no sistema se a conservação dos direitos e privilégios dos credores contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da Lei 11.101/2005) dissesse respeito apenas ao interregno temporal entre o deferimento da recuperação e a aprovação do plano, cessando esses direitos após a concessão definitiva com a homologação judicial. REsp 1.326.888-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/4/2014.



terça-feira, 28 de maio de 2013

Direito e Cooperativismo: Cooperativa não precisa promover prévia liquidação para se transformar em sociedade

TRF da 1ª Região


A 4.ª Turma Suplementar julgou ilegal o cancelamento provisório do CNPJ de uma escola que mudou a razão social. A controvérsia começou na Justiça Federal de Minas Gerais quando o Colégio Integral impetrou mandado de segurança contra ato do delegado da Receita Federal em Montes Claros, objetivando restabelecer seu CNPJ. A inscrição foi cancelada porque o colégio, que era uma cooperativa (Cooperativa Educacional de Montes Claros Ltda.), se transformou em sociedade civil (Colégio Integral Sociedade Civil Ltda.).

Na 1.ª instância, em Minas Gerais, o juiz negou a segurança ao colégio, argumentando que não poderia “haver a transformação de uma sociedade cooperativa em qualquer outro tipo de sociedade, sem que antes seja promovida sua dissolução, ou seja, sem que, primeiro seja promovida a baixa de seus atos no cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e subsequente inscrição na Junta Comercial, constituindo-se assim nova pessoa jurídica (art. 18 do CC)”.

O colégio, então, apelou ao Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, sustentando que o direito não proíbe a transformação da cooperativa em sociedade empresária (Ltda.) e que deveria ser afastado o óbice imposto pela Secretaria da Receita Federal - a exigência de prévia liquidação da cooperativa para caracterizar sua dissolução.

Ao analisar o recurso, o relator, juiz federal convocado Rodrigo Navarro, deu razão ao colégio. Segundo ele, o cancelamento do CNPJ foi ilegal, “porque não é exigível a liquidação da cooperativa para caracterizar sua dissolução, uma vez que o inciso IV do art. 63 da Lei 5.764/71, que rege as cooperativas, dispõe que as sociedades cooperativas se dissolvem de pleno direito ‘devido à alteração de sua forma jurídica’, sendo essa a hipótese dos autos, em que houve transformação da cooperativa em sociedade limitada”, explicou.

De acordo com o magistrado, conforme o art. 220 da Lei 6.404/76, transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro. “Desse modo, vê-se que o óbice criado pela Delegacia da Receita Federal de Montes Claros para a transformação é ilegal, assim como o é o cancelamento do CNPJ”.

O relator, portanto, deu provimento ao recurso de apelação para reformar a sentença e conceder a segurança, a fim de que seja restabelecido o CNPJ provisório e que se prossiga na análise do requerimento de alteração da razão social no CNPJ.

Os demais magistrados da 4.ª Turma Suplementar acompanharam o voto do relator.



(Processo n. 0053903-60.2002.4.01.3800, Data da publicação: 15/05/13, Data do julgamento: 30/04/13)
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal – 1.ª Região

Notícia publicada originalmente no site do TRF-1, em 27/05/2013.

Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

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