quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Revisão jurisprudencial 2014 - Direito do Consumidor e Direito Internacional - STJ - Informativo 541


DIREITO DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA DO CDC AOS CONTRATOS DE APLICAÇÃO FINANCEIRA EM FUNDOS DE INVESTIMENTO.
O CDC é aplicável aos contratos referentes a aplicações em fundos de investimento firmados entre as instituições financeiras e seus clientes, pessoas físicas e destinatários finais, que contrataram o serviço da instituição financeira par investir economias amealhadas ao longo da vida. Nessa situação, é aplicável o disposto na Súmula 297 do STJ, segundo a qual “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Precedentes citados: REsp 1.214.318-RJ, Terceira Turma, DJe de 18/9/2012; e REsp 1.164.235-RJ, Terceira Turma, DJe de 29/2/2012. REsp 656.932-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 24/4/2014.

DIREITO DO CONSUMIDOR E INTERNACIONAL PRIVADO. INAPLICABILIDADE DO CDC AO CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIA DESTINADA A INCREMENTAR A ATIVIDADE COMERCIAL DA CONTRATANTE.
Para efeito de fixação de indenização por danos à mercadoria ocorridos em transporte aéreo internacional, o CDC não prevalece sobre a Convenção de Varsóvia quando o contrato de transporte tiver por objeto equipamento adquirido no exterior para incrementar a atividade comercial de sociedade empresária que não se afigure vulnerável na relação jurídico-obrigacional. Na hipótese em foco, a mercadoria transportada destinava-se a ampliar e a melhorar a prestação do serviço e, por conseguinte, aumentar os lucros. Sob esse enfoque, não se pode conceber o contrato de transporte isoladamente. Na verdade, a importação da mercadoria tem natureza de ato complexo, envolvendo (i) a compra e venda propriamente dita, (ii) o desembaraço para retirar o bem do país de origem, (iii) o eventual seguro, (iv) o transporte e (v) o desembaraço no país de destino mediante o recolhimento de taxas, impostos etc. Essas etapas do ato complexo de importação, conforme o caso, podem ser efetivadas diretamente por agentes da própria empresa adquirente ou envolver terceiros contratados para cada fim específico. Mas essa última possibilidade – contratação de terceiros –, por si, não permite que se aplique separadamente, a cada etapa, normas legais diversas da incidente sobre o ciclo completo da importação. Desse modo, não há como considerar a importadora destinatária final do ato complexo de importação nem dos atos e contratos intermediários, entre eles o contrato de transporte, para o propósito da tutela protetiva da legislação consumerista, sobretudo porque a mercadoria importada irá integrar a cadeia produtiva dos serviços prestados pela empresa contratante do transporte. Neste contexto, aplica-se, no caso em análise, o mesmo entendimento adotado pelo STJ nos casos de financiamento bancário ou de aplicação financeira com o propósito de ampliar capital de giro e de fomentar a atividade empresarial. O capital obtido da instituição financeira, evidentemente, destina-se, apenas, a fomentar a atividade industrial, comercial ou de serviços e, com isso, ampliar os negócios e o lucro. Daí que nessas operações não se aplica o CDC, pela ausência da figura do consumidor, definida no art. 2º do referido diploma. Assim, da mesma forma que o financiamento e a aplicação financeira mencionados fazem parte e não podem ser desmembrados do ciclo de produção, comercialização e de prestação de serviços, o contrato de transporte igualmente não pode ser retirado do ato complexo ora em análise. Observe-se que, num e noutro caso, está-se diante de uma engrenagem complexa, que demanda a prática de vários outros atos com o único escopo de fomentar a atividade da pessoa jurídica. Ademais, não se desconhece que o STJ tem atenuado a incidência da teoria finalista, aplicando o CDC quando, apesar de relação jurídico-obrigacional entre comerciantes ou profissionais, estiver caracterizada situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência. Entretanto, a empresa importadora não apresenta vulnerabilidade ou hipossuficiência, o que afasta a incidência das normas do CDC. Dessa forma, inexistindo relação de consumo, circunstância que impede a aplicação das regras específicas do CDC, há que ser observada a Convenção de Varsóvia, que regula especificamente o transporte aéreo internacional. Precedentes citados: REsp 1.358.231-SP, Terceira Turma, DJ de 17/6/2013; e AgRg no Ag 1.291.994-SP, Terceira Turma, DJe de 6/3/2012. REsp 1.162.649-SP, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 13/5/2014.



DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. REGIME JURÍDICO APLICÁVEL EM AÇÃO REGRESSIVA PROMOVIDA PELA SEGURADORA CONTRA COMPANHIA AÉREA DE TRANSPORTE CAUSADORA DO DANO.

Quando não incidir o CDC, mas, sim, a Convenção de Varsóvia, na relação jurídica estabelecida entre a companhia aérea causadora de dano à mercadoria por ela transportada e o segurado – proprietário do bem danificado –, a norma consumerista, também, não poderá ser aplicada em ação regressiva promovida pela seguradora contra a transportadora. Isso porque a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores. Nessa linha, tratando-se de ação regressiva promovida pela seguradora contra o causador do dano, a jurisprudência do STJ confere àquela os mesmo direitos, ações e privilégios do segurado a quem indenizou. Portanto, inexistindo relação de consumo entre o segurado – proprietário do bem danificado – e a transportadora, não incide as regras específicas do CDC, mas, sim, a Convenção de Varsóvia na ação regressiva ajuizada pela seguradora contra a companhia aérea causadora do dano. Precedente citado: REsp 982.492-SP, Quarta Turma, Dje 17/10/2011; e REsp 705.148-PR, Quarta Turma, DJe 1º/3/2011. REsp 1.162.649-SP, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 13/5/2014.


Revisão jurisprudencial 2014 - Direito Civil e Empresarial - STJ - Informativos 539 a 541


Jurisprudência selecionada.

DIREITO CIVIL

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DE ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO EXECUTIVA.
O advogado que ajuizou ação de execução de honorários de sucumbência não só contra a sociedade limitada que exclusivamente constava como sucumbente no título judicial, mas também, sem qualquer justificativa, contra seus sócios dirigentes, os quais tiveram valores de sua conta bancária bloqueados sem aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, deve aos sócios indenização pelos danos materiais e morais que sofreram. Com efeito, a lei não faculta ao exequente escolher quem se sujeitará à ação executiva, independentemente de quem seja o devedor vinculado ao título executivo. Ressalte-se que, tendo as sociedades de responsabilidade limitada vida própria, não se confundem com as pessoas dos sócios. No caso de as cotas de cada um estarem totalmente integralizadas, o patrimônio pessoal dos sócios não responde por dívidas da sociedade. Portanto, a regra legal a observar é a do princípio da autonomia da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, distinção que só se afasta provisoriamente e tão só em hipóteses pontuais e concretas. É certo que existem exceções, e a disregard doctrine é um meio de estender aos sócios da empresa a responsabilidade patrimonial por dívidas da sociedade. Não menos certo, porém, é que a desconsideração da personalidade jurídica depende da constatação de que ela esteja servindo como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios e atos jurídicos, hipótese em que o juiz pode, em decisão fundamentada, ignorar a personalidade jurídica e projetar os efeitos dos atos contra a pessoa física que dela se beneficiou (art. 50 do CC). Além disso, o ato ilícito é um gênero dos quais são espécies as disposições insertas nos arts. 186 (violação do direito alheio) e 187 (abuso de direito próprio) do CC. Ambas as espécies se identificam por uma consequência comum, indicada no art. 927, ou seja, a reparação. Havendo excesso quanto ao limite imposto pelo fim econômico ou social do direito exercido, pela boa-fé ou pelos bons costumes, está caracterizado o abuso de direito. Nas hipóteses específicas de execução, o CPC traz regra segundo a qual "o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução" (art. 574). Esse dispositivo, de natureza idêntica ao art. 187 do CC, pois ambos visam ao ressarcimento na hipótese de danos decorrentes de abuso de direito, é utilizado em casos de emprego abusivo da ação executiva, por exemplo, quando se propõe execução cujo título não garanta a efetiva existência de crédito, mesmo que isso venha a ser reconhecido após o ajuizamento da demanda, ou quando há direcionamento da execução contra quem não é responsável pelo crédito. No que diz respeito aos danos morais, o fato, por si só, de os sócios dirigentes da sociedade empresária comporem o polo passivo de uma ação não enseja a responsabilização, pois os ônus que os sócios sofreram em nome próprio sofreriam se tivessem atuando gerencialmente em nome da sociedade devedora. Contudo, desnecessariamente viram parte de seu patrimônio constrita, e isso em razão da astúcia do credor, pois, sendo técnico em direito, já que é advogado, não é razoável concluir que não soubesse que agia ferindo a lei. A ninguém é dado buscar facilidades em detrimento da lei ou de quem quer que seja, pois o limite de atuação está na lei. Quando há abuso, há prejuízos. Assim, há nexo causal entre o ato abusivo praticado pelo credor e os danos causados aos sócios pelos aborrecimentos que atingiram a esfera pessoal de cada um. REsp 1.245.712-MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 11/3/2014.

DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA RELATIVOS À EXECUÇÃO DESAUTORIZADA DE OBRA MUSICAL.
Contam-se da execução pública não autorizada de obra musical – e não da data da citação – os juros de mora devidos em razão do não recolhimento de direitos ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). O ECAD – órgão instituído e administrado pelas associações de gestão coletiva musical, mandatárias de todos os titulares de obras musicais a elas filiados – intermedeia, em nome dos autores de composições musicais, a arrecadação, distribuição e fiscalização dos seus direitos. Assim, deve-se determinar não a natureza da relação entre os executores de composições musicais e o ECAD, e sim a natureza da relação entre esses executores e os próprios autores, que são apenas representados pelo ECAD na arrecadação e fiscalização de seus direitos. Nesse aspecto, ganha relevância o comando do art. 68 da Lei 9.610/1998, segundo o qual, sem prévia e expressa autorização do titular, não poderão ser utilizadas composições musicais em representações e execuções públicas. Necessário distinguir ainda a relação decorrente da execução desautorizada de composição musical, daquela derivada da execução realizada mediante prévia autorização do titular. Evidentemente, na execução comercial desautorizada de obra musical, a relação entre o titular da obra e o executor será extracontratual, ante a inexistência de vínculo entre as partes. Todavia, a situação muda de figura quando a execução comercial de composições musicais advém de prévia autorização do titular, ainda que por intermédio do ECAD, em que há autêntico acordo de vontades para a cessão parcial, temporária e não exclusiva de direitos autorais. Em suma, na execução comercial desautorizada de obras musicais a relação entre executor e ECAD (mandatário dos titulares das obras) é extracontratual, de sorte que eventual condenação judicial fica sujeita a juros de mora contados desde o ato ilícito, nos termos do art. 398 do CC e da Súmula 54 do STJ. E na execução comercial autorizada a relação entre executor e ECAD é contratual, de maneira que sobre eventual condenação judicial incidem juros de mora contados desde a citação, nos termos do art. 405 do CC. REsp 1.424.044-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/3/2014.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR DECLARAÇÃO DE NULIDADE EM DOAÇÃO INOFICIOSA.
O herdeiro que cede seus direitos hereditários possui legitimidade para pleitear a declaração de nulidade de doação inoficiosa (arts. 1.176 do CC/1916 e 549 do CC/2002) realizada pelo autor da herança em benefício de terceiros. Isso porque o fato de o herdeiro ter realizado a cessão de seus direitos hereditários não lhe retira a qualidade de herdeiro, que é personalíssima. De fato, a cessão de direitos hereditários apenas transfere ao cessionário a titularidade da situação jurídica do cedente, de modo a permitir que aquele exija a partilha dos bens que compõem a herança. REsp 1.361.983-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/3/2014.

DIREITO CIVIL. JUROS REMUNERATÓRIOS NÃO PREVISTOS NO CONTRATO DE MÚTUO FIRMADO ENTRE A COOPERATIVA DE CRÉDITO E O COOPERADO.
A cooperativa de crédito pode exigir de seu cooperado juros remuneratórios em percentual não superior à taxa média de mercado, quando o percentual do encargo tiver sido estipulado pelo conselho de administração da cooperativa, conforme previsão estatutária, e tenha ocorrido a ampla divulgação da referida taxa, mesmo que o contrato de mútuo seja silente em relação ao percentual dos juros remuneratórios. Com efeito, decorre do art. 21, caput, da Lei 5.764/1971 que a filiação à cooperativa implica adesão automática e implícita às normas do estatuto social, mantendo a higidez das relações entre os cooperados e entre esses e a cooperativa. Nessa linha, o STJ assevera que os estatutos das cooperativas contêm as normas fundamentais sobre a organização, a atividade de seus órgãos e os direitos e deveres dos associados. Ressalte-se, ainda, que as cooperativas de crédito não perseguem o lucro, havendo rateio de sobras e perdas, conforme previsão no estatuto social, levando em conta a proporcionalidade da expressão econômica das operações dos associados. Nesse contexto, sobressaem as atividades com encargos e tarifas menores às oferecidas pelo mercado, destacando-se que a cobrança de juros é uma das formas pela qual a entidade arrecada contribuições de seus associados e pela qual lhes propicia vantagem comparativa em relação às demais instituições financeiras. Além disso, as cooperativas de crédito são instituições financeiras, razão pela qual não há submissão dessas à Lei de Usura. Desse modo, a estipulação dos juros remuneratórios pelo conselho de administração da cooperativa, consoante previsão estatutária, permite a cobrança do encargo ali definido, ainda que esse não conste no contrato de mútuo, desde que o percentual exigido não supere a taxa média estabelecida pelo mercado. REsp 1.141.219-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/4/2014.

DIREITO CIVIL. DEDUÇÃO DO DPVAT DO VALOR DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
O valor correspondente à indenização do seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (DPVAT) pode ser deduzido do valor da indenização por danos exclusivamente morais fixada judicialmente, quando os danos psicológicos derivem de morte ou invalidez permanente causados pelo acidente. De acordo com o art. 3º da Lei 6.194/1974, com a redação dada pela Lei 11.945/2009, os danos pessoais cobertos pelo seguro obrigatório compreendem “as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares”. Embora o dispositivo especifique quais os danos passíveis de indenização, não faz nenhuma ressalva quanto aos prejuízos morais derivados desses eventos. A partir de uma interpretação analógica de precedentes do STJ, é possível concluir que a expressão “danos pessoais” contida no referido artigo abrange todas as modalidades de dano –  materiais, morais e estéticos –, desde que derivados dos eventos expressamente enumerados: morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares. Nesse aspecto, “a apólice de seguro contra danos corporais pode excluir da cobertura tanto o dano moral quanto o dano estético, desde que o faça de maneira expressa e individualizada para cada uma dessas modalidades de dano extrapatrimonial” (REsp 1.408.908-SP, Terceira Turma, DJe de 19/12/2013). De forma semelhante, o STJ também já decidiu que “a previsão contratual de cobertura dos danos corporais abrange os danos morais nos contratos de seguro” (AgRg no AREsp 360.772-SC, Quarta Turma, DJe de 10/9/2013). Acrescente-se que o fato de os incisos e parágrafos do art. 3º da Lei 6.194/1974 já fixarem objetivamente os valores a serem pagos conforme o tipo e o grau de dano pessoal sofrido não permite inferir que se esteja excluindo dessas indenizações o dano moral; ao contrário, conclui-se que nesses montantes já está compreendido um percentual para o ressarcimento do abalo psicológico, quando aplicável, como é o caso da invalidez permanente que, indubitavelmente, acarreta à vítima não apenas danos materiais (decorrentes da redução da capacidade laboral, por exemplo), mas também morais (derivados da angústia, dor e sofrimento a que se submete aquele que perde, ainda que parcialmente, a funcionalidade do seu corpo). REsp 1.365.540-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/4/2014.

DIREITO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE PURGAÇÃO DA MORA EM CONTRATOS DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA FIRMADOS APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 10.931/2004. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Nos contratos firmados na vigência da Lei 10.931/2004, que alterou o art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei 911/1969, compete ao devedor, no prazo de cinco dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária. De início, convém esclarecer que a Súmula 284 do STJ, anterior à Lei 10.931/2004, orienta que a purgação da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado. A referida súmula espelha a redação primitiva do § 1º do art. 3º do Decreto-lei 911/1969, que tinha a seguinte redação: “Despachada a inicial e executada a liminar, o réu será citado para, em três dias, apresentar contestação ou, se já houver pago 40% (quarenta por cento) do preço financiado, requerer a purgação de mora.”  Contudo, do cotejo entre a redação originária e a atual – conferida pela Lei 10.931/2004 –, fica límpido que a lei não faculta mais ao devedor a purgação da mora, expressão inclusive suprimida das disposições atuais, não se extraindo do texto legal a interpretação de que é possível o pagamento apenas da dívida vencida. Ademais, a redação vigente do art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei 911/1969 estabelece que o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente e, se assim o fizer, o bem lhe será restituído livre de ônus, não havendo, portanto, dúvida acerca de se tratar de pagamento de toda a dívida, isto é, de extinção da obrigação. Vale a pena ressaltar que é o legislador quem está devidamente aparelhado para apreciar as limitações necessárias à autonomia privada em face de outros valores e direitos constitucionais. A propósito, a normatização do direito privado desenvolveu-se de forma autônoma em relação à Constituição, tanto em perspectiva histórica quanto em conteúdo, haja vista que o direito privado, em regra, disponibiliza soluções muito mais diferenciadas para conflitos entre os seus sujeitos do que a Constituição poderia fazer. Por isso não se pode presumir a imprevidência do legislador que, sopesando as implicações sociais, jurídicas e econômicas da modificação do ordenamento jurídico, vedou para alienação fiduciária de bem móvel a purgação da mora, sendo, pois, a matéria insuscetível de controle jurisdicional infraconstitucional. Portanto, sob pena de se gerar insegurança jurídica e violar o princípio da tripartição dos poderes, não cabe ao Poder Judiciário, a pretexto de interpretar a Lei 10.931/2004, criar hipótese de purgação da mora não contemplada pela lei. Com efeito, é regra basilar de hermenêutica a prevalência da regra excepcional, quando há confronto entre as regras específicas e as demais do ordenamento jurídico. Assim, como o CDC não regula contratos específicos, em casos de incompatibilidade entre a norma consumerista e a aludida norma específica, deve prevalecer essa última, pois a lei especial traz novo regramento a par dos já existentes. Nessa direção, é evidente que as disposições previstas no CC e no CDC são aplicáveis à relação contratual envolvendo alienação fiduciária de bem móvel, quando houver compatibilidade entre elas. Saliente-se ainda que a alteração operada pela Lei 10.931/2004 não alcança os contratos de alienação fiduciária firmados anteriormente à sua vigência. De mais a mais, o STJ, em diversos precedentes, já afirmou que, após o advento da Lei 10.931/2004, que deu nova redação ao art. 3º do Decreto-lei 911/1969, não há falar em purgação da mora, haja vista que, sob a nova sistemática, após o decurso do prazo de 5 (cinco) dias contados da execução da liminar, a propriedade do bem fica consolidada em favor do credor fiduciário, devendo o devedor efetuar o pagamento da integralidade do débito remanescente a fim de obter a restituição do bem livre de ônus. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.398.434-MG, Quarta Turma, DJe 11/2/2014; e AgRg no REsp 1.151.061-MS, Terceira Turma, DJe 12/4/2013. REsp 1.418.593-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014.

DIREITO CIVIL. PENA CONVENCIONAL E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS.
Não se pode cumular multa compensatória prevista em cláusula penal com indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento da obrigação. Enquanto a cláusula penal moratória manifesta com mais evidência a característica de reforço do vínculo obrigacional, a cláusula penal compensatória prevê indenização que serve não apenas como punição pelo inadimplemento, mas também como prefixação de perdas e danos. A finalidade da cláusula penal compensatória é recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente decorram do inadimplemento total ou parcial da obrigação. Tanto assim que, eventualmente, sua execução poderá até mesmo substituir a execução do próprio contrato. Não é possível, pois, cumular cláusula penal compensatória com perdas e danos decorrentes de inadimplemento contratual. Com efeito, se as próprias partes já acordaram previamente o valor que entendem suficiente para recompor os prejuízos experimentados em caso de inadimplemento, não se pode admitir que, além desse valor, ainda seja acrescido outro, com fundamento na mesma justificativa – a recomposição de prejuízos. Ademais, nessas situações sobressaem direitos e interesses eminentemente disponíveis, de modo a não ter cabimento, em princípio, a majoração oblíqua da indenização prefixada pela condenação cumulativa em perdas e danos. REsp 1.335.617-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 27/3/2014.

DIREITO CIVIL. INOPONIBILIDADE DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO CASO DE COPROPRIEDADE ANTERIOR À ABERTURA DA SUCESSÃO.
A viúva não pode opor o direito real de habitação aos irmãos de seu falecido cônjuge na hipótese em que eles forem, desde antes da abertura da sucessão, coproprietários do imóvel em que ela residia com o marido. De fato, o direito real de habitação (arts. 1.611, § 2º, do CC/1916 e 1.831 do CC/2002) tem como essência a proteção do direito de moradia do cônjuge supérstite, dando aplicação ao princípio da solidariedade familiar. Nesse contexto, de um lado, vislumbrou-se que os filhos devem, em nome da solidariedade familiar, garantir ao seu ascendente a manutenção do lar; de outro lado, extraiu-se da ordem natural da vida que os filhos provavelmente sobreviverão ao habitador, momento em que poderão exercer, na sua plenitude, os poderes inerentes à propriedade que detêm. Ocorre que, no caso em que o cônjuge sobrevivente residia em imóvel de copropriedade do cônjuge falecido com os irmãos, adquirida muito antes do óbito, deixa de ter razoabilidade toda a matriz sociológica e constitucional que justifica a concessão do direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, pois não há elos de solidariedade entre um cônjuge e os parentes do outro, com quem tem apenas vínculo de afinidade, que se extingue, à exceção da linha reta, quando da dissolução do casamento. Além do mais, do contrário, estar-se-ia admitindo o direito real de habitação sobre imóvel de terceiros, em especial porque o condomínio formado pelos familiares do falecido preexiste à abertura da sucessão. Precedente citado: REsp 1.212.121-RJ, Quarta Turma, DJe 18/12/2013. REsp 1.184.492-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/4/2014.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA QUITAÇÃO DADA EM ESCRITURA PÚBLICA.
A quitação dada em escritura pública gera presunção relativa do pagamento, admitindo prova em contrário que evidencie a invalidade do instrumento eivado de vício que o torne falso. Com efeito, nos termos do art. 215 do CC, a escritura lavrada em cartório tem fé pública, o que significa dizer que é documento dotado de presunção de veracidade. O que ocorre com a presunção legal do referido dispositivo é a desnecessidade de se provar os fatos contidos na escritura (à luz do que dispõe o art. 334, IV, do CPC) e também a inversão do ônus da prova, em desfavor de quem, eventualmente, suscite a sua invalidade. Outro não é o motivo pelo qual os arts. 214 e 216 da Lei 6.015/1976 (Lei de Registros Públicos) assim preveem: “As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta” e “O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução”. Portanto, a quitação dada em escritura pública não é uma “verdade indisputável”, na medida em que admite a prova de que o pagamento não foi efetivamente realizado, evidenciando, ao fim, a invalidade do instrumento em si, porque eivado de vício que o torna falso. Assim, entende-se que a quitação dada em escritura pública presume o pagamento, até que se prove o contrário. REsp 1.438.432-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/4/2014.

DIREITO EMPRESARIAL

DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA.

O reconhecimento, por sentença transitada em julgado, de que elidiu a falência o depósito do valor principal do título executivo extrajudicial cujo inadimplemento baseou o pedido de quebra (art. 1º, § 3º, Decreto-Lei 7.661/1995) não torna prevento o juízo para um segundo pedido de falência fundado na execução frustrada (art. 2º, I, do Decreto-Lei 7.661/1945) do título executivo advindo daquela sentença quanto aos juros e a correção monetária. O juízo da falência é indivisível porque competente para todas as ações sobre bens e interesses da massa falida, conforme enfatizava o art. 7º, § 2º, da antiga Lei Falimentar (Decreto-Lei 7.661/45), norma repetida no art. 76 da atual Lei de Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005). O objetivo da vis atractiva do juízo falimentar é submeter a universalidade dos bens do devedor comum a um regime único, evitando que apareçam duas ou mais falências paralelas em juízos diferentes, para que, assim, haja paridade no tratamento dos créditos. É necessário, portanto, que, para se instaurar o juízo universal da falência, seja efetivamente decretada a falência pelo juízo competente. Na hipótese em análise, houve reconhecimento do depósito elisivo do primitivo pedido de quebra, por sentença transitada em julgado, desaparecendo a possibilidade de decretação da falência com fundamento no título de crédito, não se tendo, por isso, instaurado o juízo universal da falência. Efetivamente, o fato de existir uma execução frustrada, advinda de um título judicial nascido de uma ação falimentar extinta pelo depósito elisivo parcial, não tem o condão de determinar a distribuição, por prevenção, de um segundo pedido de falência, pelo fato de que não mais existe a possibilidade de ocorrerem falências em juízos diferentes. REsp 702.417-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/3/2014.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO PROCESSO DE FALÊNCIA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. N. 8/2008-STJ).
Os créditos resultantes de honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-lei 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei 11.101/2005, observado o limite de valor previsto no art. 83, I, do referido diploma legal. A questão deve ser entendida a partir da interpretação do art. 24 da Lei 8.906/1994 (EOAB), combinado com o art. 102 do Decreto-lei 7.661/1945, dispositivo este cuja regra foi essencialmente mantida pelo art. 83 da Lei 11.101/2005 no que concerne à posição dos créditos trabalhistas e daqueles com privilégio geral e especial. Da interpretação desses dispositivos, entende-se que os créditos decorrentes de honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, equiparam-se a créditos trabalhistas para a habilitação em processo falimentar. Vale destacar que, por força da equiparação, haverá o limite de valor para o recebimento – tal como ocorre com os credores trabalhistas –, na forma preconizada pelo art. 83, I, da Lei de Recuperação Judicial e Falência. Esse fator inibe qualquer possibilidade de o crédito de honorários obter mais privilégio que o trabalhista, afastando também suposta alegação de prejuízo aos direitos dos obreiros. Precedentes citados do STJ: REsp 988.126-SP, Terceira Turma, DJe 6/5/2010; e REsp 793.245-MG, Terceira Turma, DJ 16/4/2007. REsp 1.152.218-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2014.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS POR SERVIÇOS PRESTADOS À MASSA FALIDA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. N. 8/2008-STJ).
São créditos extraconcursais os honorários de advogado resultantes de trabalhos prestados à massa falida, depois do decreto de falência, nos termos dos arts. 84 e 149 da Lei 11.101/2005. De início, cumpre ressaltar que os credores da falida não se confundem com os credores da massa falida. Os credores da falida são titulares de valores de origem anterior à quebra, que devem ser habilitados no quadro geral de créditos concursais pela regência da nova lei (art. 83 da Lei 11.101/2005). As dívidas da massa falida, por sua vez, são créditos relacionados ao próprio processo de falência, nascidos, portanto, depois da quebra, e pelo atual sistema legal devem ser pagos antes dos créditos concursais (art. 84 da Lei 11.101/2005), com exceção dos créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, que serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa (art. 151 da Lei 11.101/2005). Em outras palavras, os serviços prestados à massa falida após a decretação da falência são créditos extraconcursais (arts. 84 e 149 da Lei 11.101/2005), que devem ser satisfeitos antes, inclusive, dos trabalhistas, à exceção do que dispõe o art. 151. REsp 1.152.218-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2014.

DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO DA HOMOLOGAÇÃO DE PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
A homologação do plano de recuperação judicial da devedora principal não implica extinção de execução de título extrajudicial ajuizada em face de sócio coobrigado. Com efeito, a novação disciplinada na Lei 11.101/2005 é muito diversa da novação prevista na lei civil. Se a novação civil faz, como regra, extinguir as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto (art. 364 do CC), a novação decorrente do plano de recuperação judicial traz, como regra, a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei 11.101/2005), sobretudo as reais, que só serão suprimidas ou substituídas “mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia” por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50, § 1º, da Lei 11.101/2005). Além disso, a novação específica da recuperação judicial desfaz-se na hipótese de falência, quando então os “credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas” (art. 61, § 2º, da Lei 11.101/2005). O plano de recuperação judicial opera, portanto, uma novação sui generis e sempre sujeita a uma condição resolutiva, que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano. Dessa forma, embora o plano de recuperação judicial opere novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias são, em regra, preservadas, circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral. Ressalte-se, ainda, que não haveria lógica no sistema se a conservação dos direitos e privilégios dos credores contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da Lei 11.101/2005) dissesse respeito apenas ao interregno temporal entre o deferimento da recuperação e a aprovação do plano, cessando esses direitos após a concessão definitiva com a homologação judicial. REsp 1.326.888-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/4/2014.



Revisão jurisprudencial 2014 - Direito Tributário - Informativos 539 e 541



DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. GARANTIA DO JUÍZO NO ÂMBITO DE EXECUÇÃO FISCAL.
A garantia do juízo no âmbito da execução fiscal (arts. 8º e 9º da Lei 6.830/1980) deve abranger honorários advocatícios que, embora não constem da Certidão de Dívida Ativa (CDA), venham a ser arbitrados judicialmente. Em relação aos honorários advocatícios, é preciso distinguir duas situações: há hipóteses em que a verba é expressamente incluída entre os encargos a serem lançados na CDA (por exemplo, Decreto-Lei 1.025/1969, que se refere à dívida ativa da União); e há situação em que os honorários advocatícios são arbitrados judicialmente (seja a título provisório, por ocasião do recebimento da petição inicial, seja com o trânsito em julgado da sentença proferida nos embargos do devedor). Na primeira hipótese, em que os honorários advocatícios estão abrangidos entre os encargos da CDA, não há dúvida de que a garantia judicial deve abrangê-los, pois, conforme já decidido pelo STJ (REsp 687.862-RJ, Primeira Turma,  DJ 5/9/2005), a segurança do juízo está vinculada aos valores descritos na CDA, a saber: principal, juros e multa de mora e demais encargos constantes da CDA. Na segunda hipótese, em que os honorários são arbitrados judicialmente, deve-se atentar que a legislação processual é aplicável subsidiariamente à execução fiscal, conforme art. 1º da Lei 6.830/1980. Posto isso, o art. 659 do CPC, seja em sua redação original, de 1973, seja com a alteração promovida pela Lei 11.382/2006, sempre determinou que a penhora de bens seja feita de modo a incluir o principal, os juros, as custas e os honorários advocatícios. Assim, por força da aplicação subsidiária do CPC e por exigência da interpretação sistemática e histórica das leis, tendo sempre em mente que a Lei 6.830/1980 foi editada com o propósito de tornar o processo judicial de recuperação dos créditos públicos mais célere e eficiente que a execução comum do CPC, tudo aponta para a razoabilidade da exigência de que a garantia inclua os honorários advocatícios, estejam eles lançados ou não na CDA. REsp 1.409.688-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 11/2/2014.

DIREITO TRIBUTÁRIO. HIPÓTESE DE INCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL.
No regime de lucro presumido, o ICMS compõe a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.393.280-RN, Segunda Turma, DJe 16/12/2013; e REsp 1.312.024-RS, Segunda Turma, DJe 7/5/2013. AgRg no REsp 1.423.160-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/3/2014.

DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DO INSS EM AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO.

Após a vigência da Lei 11.457/2007, o INSS não possui legitimidade passiva nas demandas em que se questione a exigibilidade das contribuições sociais previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo único do art. 11 da Lei 8.212/1991, ainda que se tenha por objetivo a restituição de indébito de contribuições recolhidas em momento anterior ao advento da Lei 11.457/2007. De fato, da leitura dos arts. 2º, 16 e 23 da Lei 11.457/2007, infere-se que as atividades referentes à tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais vinculadas ao INSS foram transferidas à Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão da União, cuja representação, após os prazos estipulados no art. 16 da Lei 11.457/2007, ficou a cargo exclusivo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Precedente citado: REsp 1.265.333-RS, Segunda Turma, DJe 26/2/2013. REsp 1.355.613-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 24/4/2014.

DIREITO TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE FÉRIAS GOZADAS.
Incide contribuição previdenciária a cargo da empresa sobre o valor pago a título de férias gozadas. Isso porque as férias gozadas são verbas de natureza remuneratória e salarial, nos termos do art. 148 da CLT, e, portanto, integram o salário de contribuição. Ademais, tem-se que os fundamentos e pressupostos apresentados no REsp 1.230.957-RS (Primeira Seção, DJe 18/3/2014), apreciado pela sistemática dos recursos repetitivos, para justificar a incidência da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, também servem como sustentação para a incidência do tributo sobre as férias gozadas, quais sejam: “O fato de não  haver prestação de trabalho durante o período de afastamento da segurada empregada, associado à circunstância de a maternidade ser amparada por um benefício previdenciário, não autoriza conclusão no sentido de que o valor recebido tenha natureza indenizatória ou compensatória, ou seja, em razão de uma contingência (maternidade), paga-se à segurada empregada benefício previdenciário correspondente  ao seu salário, possuindo a verba evidente natureza salarial”. Precedentes citados: AgRg  no  REsp  1.355.135-RS,  Primeira Turma, DJe 27/2/2013; e AgRg  nos  EDcl  no  AREsp  135.682/MG,  Segunda Turma, DJe 14/6/2012.AgRg no REsp 1.240.038-PR, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 8/4/2014.


Revisão jurisprudencial 2014 - Direito Administrativo - STJ - Informativos 539 e 540



DIREITO ADMINISTRATIVO. INDISPONIBILIDADE DE BENS EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
Os valores investidos em aplicações financeiras cuja origem remonte a verbas trabalhistas não podem ser objeto de medida de indisponibilidade em sede de ação de improbidade administrativa. Isso porque a aplicação financeira das verbas trabalhistas não implica a perda da natureza salarial destas, uma vez que o seu uso pelo empregado ou trabalhador é uma defesa contra a inflação e os infortúnios. Ademais, conforme entendimento pacificado no STJ, a medida de indisponibilidade de bens deve recair sobre a totalidade do patrimônio do acusado, excluídos aqueles tidos como impenhoráveis. Desse modo, é possível a penhora do rendimento da aplicação, mas o estoque de capital investido, de natureza salarial, é impenhorável. REsp 1.164.037-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/2/2014.

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONSIDERAÇÃO DE RESERVA FLORESTAL NO CÁLCULO DA PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL RURAL PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO.

Não se encontrando averbada no registro imobiliário antes da vistoria, a reserva florestal não poderá ser excluída da área total do imóvel desapropriando para efeito de cálculo da produtividade do imóvel rural. Precedente citado do STJ: AgRg no AREsp 196.566-PA, Segunda Turma, DJe 24/9/2012. Precedente citado do STF: MS 24.924-DF, Tribunal Pleno, DJe 4/11/2011.AgRg no REsp 1.301.751-MT, Min. Rel. Herman Benjamin, julgado em 8/4/2014.

DIREITO TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE VERBAS TRABALHISTAS. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Estão sujeitas à incidência de contribuição previdenciária as parcelas pagas pelo empregador a título de horas extras e seu respectivo adicional, bem como os valores pagos a título de adicional noturno e de periculosidade. Por um lado, a Lei 8.212/1991, em seu art. 22, I, determina que a contribuição previdenciária a cargo da empresa é de "vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa". Por outro lado, o § 2° do art. 22 da Lei 8.212/1991, ao consignar que não integram o conceito de remuneração as verbas listadas no § 9° do art. 28 do mesmo diploma legal, expressamente exclui uma série de parcelas da base de cálculo do tributo. Com base nesse quadro normativo, o STJ consolidou firme jurisprudência no sentido de que não sofrem a incidência de contribuição previdenciária "as importâncias pagas a título de indenização, que não correspondam a serviços prestados nem a tempo à disposição do empregador" (REsp 1.230.957-RS, Primeira Seção, DJe 18/3/2014, submetido ao rito do art. 543-C do CPC). Nesse contexto, se a verba trabalhista possuir natureza remuneratória, destinando-se a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, ela deve integrar a base de cálculo da contribuição. Desse modo, consoante entendimento pacífico no âmbito da Primeira Seção do STJ, os adicionais noturno e de periculosidade, as horas extras e seu respectivo adicional constituem verbas de natureza remuneratória, razão pela qual se sujeitam à incidência de contribuição previdenciária. Precedentes citados: REsp 1.098.102-SC, Primeira Turma, DJe 17/6/2009; e AgRg no AREsp 69.958-DF, Segunda Turma, DJe 20/6/2012. REsp 1.358.281-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23/4/2014.

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
Não configura improbidade administrativa a contratação, por agente político, de parentes e afins para cargos em comissão ocorrida em data anterior à lei ou ao ato administrativo do respectivo ente federado que a proibisse e à vigência da Súmula Vinculante 13 do STF. A distinção entre conduta ilegal e conduta ímproba imputada a agente público ou privado é muito antiga. A ilegalidade e a improbidade não são situações ou conceitos intercambiáveis, cada uma delas tendo a sua peculiar conformação estrita: a improbidade é uma ilegalidade qualificada pelo intuito malsão do agente, atuando com desonestidade, malícia, dolo ou culpa grave. A confusão conceitual que se estabeleceu entre a ilegalidade e a improbidade deve provir do caput do art. 11 da Lei 8.429/1992, porquanto ali está apontada como ímproba qualquer conduta que ofenda os princípios da Administração Pública, entre os quais se inscreve o da legalidade (art. 37 da CF). Mas nem toda ilegalidade é ímproba. Para a configuração de improbidade administrativa, deve resultar da conduta enriquecimento ilícito próprio ou alheio (art. 9º da Lei 8.429/1992), prejuízo ao Erário (art. 10 da Lei 8.429/1992) ou infringência aos princípios nucleares da Administração Pública (arts. 37 da CF e 11 da Lei 8.429/1992). A conduta do agente, nos casos dos arts. 9º e 11 da Lei 8.429/1992, há de ser sempre dolosa, por mais complexa que seja a demonstração desse elemento subjetivo. Nas hipóteses do art. 10 da Lei 8.429/1992, cogita-se que possa ser culposa. Em nenhuma das hipóteses legais, contudo, se diz que possa a conduta do agente ser considerada apenas do ponto de vista objetivo, gerando a responsabilidade objetiva. Quando não se faz distinção conceitual entre ilegalidade e improbidade, ocorre a aproximação da responsabilidade objetiva por infrações. Assim, ainda que demonstrada grave culpa, se não evidenciado o dolo específico de lesar os cofres públicos ou de obter vantagem indevida, bens tutelados pela Lei 8.429/1992, não se configura improbidade administrativa. REsp 1.193.248-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 24/4/2014.

DIREITO ADMINISTRATIVO. DIVERGÊNCIA ENTRE A ÁREA REGISTRADA E A MEDIDA PELOS PERITOS NO ÂMBITO DE DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA.
No procedimento de desapropriação para fins de reforma agrária, caso se constate que a área registrada em cartório é inferior à medida pelos peritos, o expropriado poderá levantar somente o valor da indenização correspondente à área registrada, devendo o depósito indenizatório relativo ao espaço remanescente ficar retido em juízo até que o expropriado promova a retificação do registro ou até que seja decidida, em ação própria, a titularidade do domínio.Essa é a interpretação que se extrai do art. 34, caput e parágrafo único, do Decreto-lei 3.365/1941, segundo o qual “O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros.” e “Se o juiz verificar que há dúvida fundada sobre o domínio, o preço ficará em depósito, ressalvada aos interessados a ação própria para disputá-lo”. Precedentes citados: REsp 1.321.842-PE, Segunda Turma, DJe 24/10/2013; REsp 596.300-SP, Segunda Turma, DJe 22/4/2008; e REsp 841.001-BA, Primeira Turma, DJ 12/12/2007. REsp 1.286.886-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 6/5/2014.


Revisão jurisprudencial 2014 - Direito Penal e Processo Penal - STJ - Informativos 539 a 541


DIREITO PENAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME DE CALÚNIA.

A manifestação do advogado em juízo para defender seu cliente não configura crime de calúnia se emitida sem a intenção de ofender a honra. Isso porque, nessa situação, não se verifica o elemento subjetivo do tipo penal. Com efeito, embora a imunidade do advogado no exercício de suas funções incida somente sobre os delitos de injúria e de difamação (art. 142, I, do CP), para a configuração de quaisquer das figuras típicas dos crimes contra a honra – entre eles, a calúnia – faz-se necessária a intenção de ofender o bem jurídico tutelado. Nesse contexto, ausente a intenção de caluniar (animus caluniandi), não pode ser imputado ao advogado a prática de calúnia. Rcl 15.574-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 9/4/2014.

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. RHC QUE CONSISTA EM MERA REITERAÇÃO DE HC.
A análise pelo STJ do mérito de habeas corpus com o objetivo de avaliar eventual possibilidade de concessão da ordem de ofício, ainda que este tenha sido considerado incabível por inadequação da via eleita, impede a posterior apreciação de recurso ordinário em habeas corpus que também esteja tramitando no Tribunal, e que consista em mera reiteração domandamus  impetrado (com identidade de partes, objeto e causa de pedir). Isso porque, nessa hipótese, estaria configurada a litispendência, instituto que visa precipuamente à economia processual e ao propósito de evitar a ocorrência de decisões contraditórias. Vale ressaltar que, de um lado, não se veda à defesa do paciente a impetração de mandamus incabível, na busca da sorte da concessão de ordem de habeas corpus de ofício. De outro lado, porém, caso o habeas corpus seja analisado, pode-se ter de arcar com o ônus de o recurso ordinário também impetrado não ter seu pedido de mérito apreciado pelo Tribunal, embora se trate da correta via de impugnação. Nesse contexto, deve-se ter em conta que o acesso ao Judiciário não pode acontecer de forma indiscriminada e deve ser conduzido com ética e lealdade, sendo consectário do princípio da lealdade processual a impossibilidade de a defesa pleitear pretensões descabidas, inoportunas, tardias ou já decididas, que contribuam com o abarrotamento dos tribunais. RHC 37.895-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/3/2014.

DIREITO PENAL. TIPICIDADE DA CONDUTA DESIGNADA COMO "ROUBO DE USO".
É típica a conduta denominada “roubo de uso”. De início, cabe esclarecer que o crime de roubo (art. 157 do CP) é um delito complexo que possui como objeto jurídico tanto o patrimônio como a integridade física e a liberdade do indivíduo. Importa assinalar, também, que o ânimo de apossamento – elementar do crime de roubo – não implica, tão somente, o aspecto de definitividade, pois se apossar de algo é ato de tomar posse, de dominar ou de assenhorar-se do bem subtraído, que pode trazer o intento de ter o bem para si, de entregar para outrem ou apenas de utilizá-lo por determinado período. Se assim não fosse, todos os acusados de delito de roubo, após a prisão, poderiam afirmar que não pretendiam ter a posse definitiva dos bens subtraídos para tornar a conduta atípica. Ressalte-se, ainda, que o STF e o STJ, no que se refere à consumação do crime de roubo, adotam a teoria da apprehensio, também denominada de amotio, segundo a qual se considera consumado o delito no momento em que o agente obtém a posse da res furtiva, ainda que não seja mansa e pacífica ou haja perseguição policial, sendo prescindível que o objeto do crime saia da esfera de vigilância da vítima. Ademais, a grave ameaça ou a violência empregada para a realização do ato criminoso não se compatibilizam com a intenção de restituição, razão pela qual não é possível reconhecer a atipicidade do delito “roubo de uso”. REsp 1.323.275-GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/4/2014.

DIREITO PENAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO POR OMISSÃO DE ANOTAÇÃO NA CTPS.
A simples omissão de anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) não configura, por si só, o crime de falsificação de documento público (art. 297, § 4º, do CP). Isso porque é imprescindível que a conduta do agente preencha não apenas a tipicidade formal, mas antes e principalmente a tipicidade material, ou seja, deve ser demonstrado o dolo de falso e a efetiva possibilidade de vulneração da fé pública. Com efeito, o crime de falsificação de documento público trata-se de crime contra a fé pública, cujo tipo penal depende da verificação do dolo, consistente na vontade de falsificar ou alterar o documento público, sabendo o agente que o faz ilicitamente. Além disso, a omissão ou alteração deve ter concreta potencialidade lesiva, isto é, deve ser capaz de iludir a percepção daquele que se depare com o documento supostamente falsificado. Ademais, pelo princípio da intervenção mínima, o Direito Penal só deve ser invocado quando os demais ramos do Direito forem insuficientes para proteger os bens considerados importantes para a vida em sociedade. Como corolário, o princípio da fragmentariedade elucida que não são todos os bens que têm a proteção do Direito Penal, mas apenas alguns, que são os de maior importância para a vida em sociedade. Assim, uma vez verificado que a conduta do agente é suficientemente reprimida na esfera administrativa, de acordo com o art. 47 da CLT, a simples omissão de anotação não gera consequências que exijam repressão pelo Direito Penal. REsp 1.252.635-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/4/2014.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.
O fato de a vítima ser figura pública renomada não afasta a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para processar e julgar o delito. Isso porque a situação de vulnerabilidade e de hipossuficiência da mulher, envolvida em relacionamento íntimo de afeto, revela-se ipso facto, sendo irrelevante a sua condição pessoal para a aplicação da Lei Maria da Penha. Com efeito, a presunção de hipossuficiência da mulher é pressuposto de validade da referida lei, por isso o Estado deve oferecer proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade existente. Vale ressaltar que, em nenhum momento, o legislador condicionou esse tratamento diferenciado à demonstração desse pressuposto – presunção de hipossuficiência da mulher –, que, aliás, é ínsito à condição da mulher na sociedade hodierna. Além disso, não é desproporcional ou ilegítimo o uso do sexo como critério de diferenciação, visto que a mulher é vulnerável no tocante a constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em âmbito privado (STF, ADC 19-DF, Tribunal Pleno, DJe 29/4/2014). Desse modo, as denúncias de agressões, em razão do gênero, que porventura ocorram neste contexto, devem ser processadas e julgadas pelos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nos termos do art. 14 da Lei 11.340/2006. REsp 1.416.580-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 1º/4/2014.

DIREITO PENAL. PRÁTICA DE CRIME DURANTE LIVRAMENTO CONDICIONAL.
O cometimento de crime durante o período de prova do livramento condicional não implica a perda dos dias remidos.Isso porque o livramento condicional possui regras distintas da execução penal dentro do sistema progressivo de penas. Assim, no caso de revogação do livramento condicional que seja motivada por infração penal cometida na vigência do benefício, aplica-se o disposto nos arts. 142 da Lei 7.210/1984 (LEP) e 88 do CP, os quais determinam que não se computará na pena o tempo em que esteve solto o liberado e não se concederá, em relação à mesma pena, novo livramento. A cumulação dessas sanções com os efeitos próprios da prática da falta grave não é possível, por inexistência de disposição legal nesse sentido. Desse modo, consoante o disposto no art. 140, parágrafo único, da LEP, as penalidades para o sentenciado no gozo de livramento condicional consistem em revogação do benefício, advertência ou agravamento das condições. Precedentes citados: REsp 1.101.461-RS, Sexta Turma, DJe 19/2/2013; e AgRg no REsp 1.236.295-RS, Quinta Turma, DJe 2/10/2013. HC 271.907-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/3/2014.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. INAPLICABILIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL ÀS CONTRAVENÇÕES PENAIS PRATICADAS CONTRA MULHER NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
A transação penal não é aplicável na hipótese de contravenção penal praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher. De fato, a interpretação literal do art. 41 da Lei Maria da Penha ("Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.") viabilizaria, em apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher. Entretanto, o legislador, ao editar a Lei 11.340/2006, conferiu concretude ao texto constitucional (art. 226, § 8°, da CF) e aos tratados e as convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, a fim de mitigar, tanto quanto possível, qualquer tipo de violência doméstica e familiar contra a mulher, abrangendo não só a violência física, mas, também, a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social e a moral. Desse modo, à luz da finalidade última da norma (Lei 11.340/2006) e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, considerando, ainda, os fins sociais a que a lei se destina, a aplicação da Lei 9.099/1995 é afastada pelo art. 41 da Lei 11.340/2006, tanto em relação aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar. Ademais, o STJ e o STF já se posicionaram no sentido de que os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, entre eles a transação penal, não se aplicam a nenhuma prática delituosa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, ainda que configure contravenção penal. Precedente citado do STJ: HC 196.253-MS, Sexta Turma, DJe 31/5/2013. Precedente citado do STF: HC 106.212-MS, Tribunal Pleno, DJe 13/6/2011. HC 280.788-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3/4/2014.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. DESCOBERTA FORTUITA DE DELITOS QUE NÃO SÃO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO.
O fato de elementos indiciários acerca da prática de crime surgirem no decorrer da execução de medida de quebra de sigilo bancário e fiscal determinada para apuração de outros crimes não impede, por si só, que os dados colhidos sejam utilizados para a averiguação da suposta prática daquele delito. Com efeito, pode ocorrer o que se chama de fenômeno da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação. Precedentes citados: HC 187.189-SP, Sexta Turma, DJe 23/8/2013; e RHC 28.794-RJ, Quinta Turma, DJe 13/12/2012. HC 282.096-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/4/2014.

DIREITO PENAL. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA NO CRIME DE TORTURA.
Não é obrigatório que o condenado por crime de tortura inicie o cumprimento da pena no regime prisional fechado. Dispõe o art. 1º, § 7º, da Lei 9.455/1997 – lei que define os crimes de tortura e dá outras providências – que “O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”. Entretanto, cumpre ressaltar que o Plenário do STF, ao julgar o HC 111.840-ES (DJe 17.12.2013), afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33 c/c o art. 59, ambos do CP. Assim, por ser equiparado a crime hediondo, nos termos do art. 2º, caput e § 1º, da Lei 8.072/1990, é evidente que essa interpretação também deve ser aplicada ao crime de tortura, sendo o caso de se desconsiderar a regra disposta no art. 1º, § 7º, da Lei 9.455/1997, que possui a mesma disposição da norma declarada inconstitucional. Cabe esclarecer que, ao adotar essa posição, não se está a violar a Súmula Vinculante n.º 10, do STF, que assim dispõe: "Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte". De fato, o entendimento adotado vai ao encontro daquele proferido pelo Plenário do STF, tornando-se desnecessário submeter tal questão ao Órgão Especial desta Corte, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC: "Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão". Portanto, seguindo a orientação adotada pela Suprema Corte, deve-se utilizar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33 c/c o art. 59, ambos do CP e as Súmulas 440 do STJ e 719 do STF. Confiram-se, a propósito, os mencionados verbetes sumulares: "Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito." (Súmula 440 do STJ) e "A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea." (Súmula 719 do STF). Precedente citado: REsp 1.299.787-PR, Quinta Turma, DJe 3/2/2014. HC 286.925-RR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/5/2014.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPATIBILIDADE ENTRE A PRISÃO CAUTELAR E O REGIME PRISIONAL SEMIABERTO FIXADO NA SENTENÇA.
Há compatibilidade entre a prisão cautelar mantida pela sentença condenatória e o regime inicial semiaberto fixado nessa decisão, devendo o réu, contudo, cumprir a respectiva pena em estabelecimento prisional compatível com o regime inicial estabelecido. Precedentes citados: HC 256.535-SP, Quinta Turma, DJe 20/6/2013; e HC 228.010-SP, Quinta Turma, DJe 28/5/2013. HC 289.636-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 20/5/2014.

DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA NO CRIME DE FURTO.
Aplica-se o princípio da insignificância à conduta formalmente tipificada como furto consistente na subtração, por réu primário, de bijuterias avaliadas em R$ 40 pertencentes a estabelecimento comercial e restituídas posteriormente à vítima. De início, há possibilidade de, a despeito da subsunção formal de um tipo penal a uma conduta humana, concluir-se pela atipicidade material da conduta, por diversos motivos, entre os quais a ausência de ofensividade penal do comportamento verificado. Vale lembrar que, em atenção aos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade, o Direito Penal apenas deve ser utilizado contra ofensas intoleráveis a determinados bens jurídicos e nos casos em que os demais ramos do Direito não se mostrem suficientes para protegê-los. Dessa forma, entende-se que o Direito penal não deve ocupar-se de bagatelas. Nesse contexto, para que o magistrado possa decidir sobre a aplicação do princípio da insignificância, faz-se necessária a ponderação do conjunto de circunstâncias que rodeiam a ação do agente para verificar se a conduta formalmente descrita no tipo penal afeta substancialmente o bem jurídico tutelado. Nessa análise, no crime de furto, avalia-se notadamente: a) o valor do bem ou dos bens furtados; b) a situação econômica da vítima; c) as circunstâncias em que o crime foi perpetrado, é dizer, se foi de dia ou durante o repouso noturno, se teve o concurso de terceira pessoa, sobretudo adolescente, se rompeu obstáculo de considerável valor para a subtração da coisa, se abusou da confiança da vítima etc.; e d) a personalidade e as condições pessoais do agente, notadamente se demonstra fazer da subtração de coisas alheias um meio ou estilo de vida, com sucessivas ocorrências (reincidente ou não). Assim, caso seja verificada a inexpressividade do comportamento do agente, fica afastada a intervenção do Direito Penal. Precedentes citados do STJ: AgRg no REsp 1.400.317-MG, Sexta Turma, DJe 13/12/2013; HC 208.770-RJ, Sexta Turma, DJe 12/12/2013. Precedentes citados do STF: HC 115.246-MG, Segunda Turma, DJe 26/6/2013; HC 109.134-RS, Segunda Turma, DJe 1º/3/2012. HC 208.569-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 22/4/2014.

DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CASO DE CRIMES RELACIONADOS A TRIBUTOS QUE NÃO SEJAM DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO.
É inaplicável o patamar estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, no valor de R$ 10 mil, para se afastar a tipicidade material, com base no princípio da insignificância, de delitos concernentes a tributos que não sejam da competência da União. De fato, o STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.112.748-TO, Terceira Seção, DJe 13/10/2009, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, consolidou o entendimento de que deve ser aplicado o princípio da insignificância aos crimes referentes a débitos tributários que não excedam R$ 10 mil, tendo em vista o disposto no art. 20 da Lei 10.522/2002. Contudo, para a aplicação desse entendimento aos delitos tributários concernentes a tributos que não sejam da competência da União, seria necessária a existência de lei do ente federativo competente, porque a arrecadação da Fazenda Nacional não se equipara à dos demais entes federativos. Ademais, um dos requisitos indispensáveis à aplicação do princípio da insignificância é a inexpressividade da lesão jurídica provocada, que pode se alterar de acordo com o sujeito passivo, situação que reforça a impossibilidade de se aplicar o referido entendimento de forma indiscriminada à sonegação dos tributos de competência dos diversos entes federativos. Precedente citado: HC 180.993-SP, Quinta Turma, DJe 19/12/2011. HC 165.003-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/3/2014.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE EM AÇÃO PÚBLICA.
Na ação penal pública, o MP não está obrigado a denunciar todos os envolvidos no fato tido por delituoso, não se podendo falar em arquivamento implícito em relação a quem não foi denunciado. Isso porque, nessas demandas, não vigora o princípio da indivisibilidade. Assim, oParquet é livre para formar sua convicção incluindo na increpação as pessoas que entenda terem praticados ilícitos penais, mediante a constatação de indícios de autoria e materialidade. Ademais, há possibilidade de se aditar a denúncia até a sentença. Precedentes citados: REsp 1.255.224-RJ, Quinta Turma, DJe 7/3/2014; APn 382-RR, Corte Especial, DJe 5/10/2011; e RHC 15.764-SP, Sexta Turma, DJ 6/2/2006. RHC 34.233-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/5/2014.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA EM DESFAVOR DE INTERLOCUTOR NÃO INVESTIGADO.
As comunicações telefônicas do investigado legalmente interceptadas podem ser utilizadas para formação de prova em desfavor do outro interlocutor, ainda que este seja advogado do investigado. A interceptação telefônica, por óbvio, abrange a participação de quaisquer dos interlocutores. Ilógico e irracional seria admitir que a prova colhida contra o interlocutor que recebeu ou originou chamadas para a linha legalmente interceptada é ilegal. No mais, não é porque o advogado defendia o investigado que sua comunicação com ele foi interceptada, mas tão somente porque era um dos interlocutores. Precedente citado: HC 115.401/RJ, Quinta Turma, DJe 1º/2/2011. RMS 33.677-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/5/2014.

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA HIPÓTESE DE REITERAÇÃO DA PRÁTICA DE DESCAMINHO.
A reiterada omissão no pagamento do tributo devido nas importações de mercadorias de procedência estrangeira impede a incidência do princípio da insignificância em caso de persecução penal por crime de descaminho (art. 334 do CP), ainda que o valor do tributo suprimido não ultrapasse o limite previsto para o não ajuizamento de execuções fiscais pela Fazenda Nacional. Com efeito, para que haja a incidência do princípio da insignificância, não basta que seja considerado, isoladamente, o valor econômico do bem jurídico tutelado, mas, também, todas as circunstâncias que envolvem a prática delitiva, ou seja, “é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social” (STF, HC 114.097-PA, Segunda Turma, DJe 14/4/2014). Nessa linha, o princípio da insignificância revela-se, segundo entendimento doutrinário, importante instrumento que objetiva restringir a aplicação literal do tipo formal, exigindo-se, além da contrariedade normativa, a ocorrência efetiva de ofensa relevante ao bem jurídico tutelado (tipicidade material). A par disso, se de um lado a omissão no pagamento de tributo relativo à importação de mercadorias é suportada como irrisória pelo Estado, nas hipóteses em que uma conduta omissiva do agente (um deslize) não ultrapasse o valor de R$ 10 mil, de outro lado não se pode considerar despida de lesividade (sob o aspecto valorativo) a conduta de quem, reiteradamente, omite o pagamento de tributos sempre em valor abaixo da tolerância estatal, amparando-se na expectativa sincera de inserir-se nessa hipótese de exclusão da tipicidade. Nessas circunstâncias, o desvalor da ação suplanta o desvalor do resultado, rompendo-se, assim, o equilíbrio necessário para a perfeita adequação do princípio bagatelar, principalmente se considerada a possibilidade de que a aplicação desse instituto, em casos de reiteração na omissão do pagamento de tributos, serve, ao fim, como verdadeiro incentivo à prática do descaminho. Desse modo, quanto à aplicação do princípio da insignificância é preciso considerar que, “se de um lado revela-se evidente a necessidade e a utilidade da consideração da insignificância, de outro é imprescindível que sua aplicação se dê de maneira criteriosa. Isso para evitar que a tolerância estatal vá além dos limites do razoável em função dos bens jurídicos envolvidos. Em outras palavras, todo cuidado é preciso para que o princípio não seja aplicado de forma a estimular condutas atentatórias aos legítimos interesses dos supostos agentes passivos e da sociedade” (STJ, AgRg no REsp 1.406.355-RS, Quinta Turma, DJe 7/4/2014). Ante o exposto, a reiteração na prática de supressão ou de elisão de pagamento de tributos justifica a continuidade da persecução penal. Precedente citado do STJ: RHC 41.752-PR, Sexta Turma, DJe 7/4/2014. Precedente citado do STF: HC 118.686-PR, Primeira Turma, DJe 3/12/2013. RHC 31.612-PB, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014.



DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO.
Não é possível afastar a tipicidade material do porte de substância entorpecente para consumo próprio com base no princípio da insignificância, ainda que ínfima a quantidade de droga apreendida. A despeito da subsunção formal de determinada conduta humana a um tipo penal, é possível se vislumbrar atipicidade material da referida conduta, por diversos motivos, entre os quais a ausência de ofensividade penal do comportamento em análise. Isso porque, além da adequação típica formal, deve haver uma atuação seletiva, subsidiária e fragmentária do Direito Penal, conferindo-se maior relevância à proteção de valores tidos como indispensáveis à ordem social, a exemplo da vida, da liberdade, da propriedade, do patrimônio, quando efetivamente ofendidos. A par disso, frise-se que o porte ilegal de drogas é crime de perigo abstrato ou presumido, visto que prescinde da comprovação da existência de situação que tenha colocado em risco o bem jurídico tutelado. Assim, para a caracterização do delito descrito no art. 28 da Lei 11.343/2006, não se faz necessária a ocorrência de efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado. Isso porque, ao adquirir droga para seu consumo, o usuário realimenta o comércio ilícito, contribuindo para difusão dos tóxicos. Ademais, após certo tempo e grau de consumo, o usuário de drogas precisa de maiores quantidades para atingir o mesmo efeito obtido quando do início do consumo, gerando, assim, uma compulsão quase incontrolável pela próxima dose. Nesse passo, não há como negar que o usuário de drogas, ao buscar alimentar o seu vício, acaba estimulando diretamente o comércio ilegal de drogas e, com ele, todos os outros crimes relacionados ao narcotráfico: homicídio, roubo, corrupção, tráfico de armas etc. O consumo de drogas ilícitas é proibido não apenas pelo mal que a substância faz ao usuário, mas, também, pelo perigo que o consumidor dessas gera à sociedade. Essa ilação é corroborada pelo expressivo número de relatos de crimes envolvendo violência ou grave ameaça contra pessoa, associados aos efeitos do consumo de drogas ou à obtenção de recursos ilícitos para a aquisição de mais substância entorpecente. Portanto, o objeto jurídico tutelado pela norma em comento é a saúde públicae não apenas a saúde do usuário, visto que sua conduta atinge não somente a sua esfera pessoal, mas toda a coletividade, diante da potencialidade ofensiva do delito de porte de entorpecentes. Além disso, a reduzida quantidade de drogas integra a própria essência do crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio, visto que, do contrário, poder-se-ia estar diante da hipótese do delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006. Vale dizer, o tipo previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006 esgota-se, simplesmente, no fato de o agente trazer consigo, para uso próprio, qualquer substância entorpecente que possa causar dependência, sendo, por isso mesmo, irrelevante que a quantidade de drogas não produza, concretamente, danos ao bem jurídico tutelado. Por fim, não se pode olvidar que o legislador, ao editar a Lei 11.343/2006, optou por abrandar as sanções cominadas ao usuário de drogas, afastando a possibilidade de aplicação de penas privativas de liberdade e prevendo somente as sanções de advertência, de prestação de serviços à comunidade e de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, conforme os incisos do art. 28 do referido diploma legal, a fim de possibilitar a sua recuperação. Dessa maneira, a intenção do legislador foi a de impor ao usuário medidas de caráter educativo, objetivando, assim, alertá-lo sobre o risco de sua conduta para a sua saúde, além de evitar a reiteração do delito. Nesse contexto, em razão da política criminal adotada pela Lei 11.343/2006, há de se reconhecer a tipicidade material do porte de substância entorpecente para consumo próprio, ainda que ínfima a quantidade de droga apreendida. Precedentes citados: HC 158.955-RS, Quinta Turma, DJe 30/5/2011; e RHC 34.466-DF, Sexta Turma, DJe 27/5/2013. RHC 35.920-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014.



DIREITO PENAL. APLICAÇÃO DE AGRAVANTE GENÉRICA NO CASO DE CRIME PRETERDOLOSO.
É possível a aplicação da agravante genérica do art. 61, II, “c”, do CP nos crimes preterdolosos, como o delito de lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do CP). De início, nos termos do art. 61, II, “c”, do CP, são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime, ter o agente cometido o crime à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido. De fato, apesar da existência de controvérsia doutrinária e jurisprudencial, entende-se que não há óbice legal ou incompatibilidade qualquer na aplicação da citada agravante genérica aos crimes preterdolosos. Isso porque, nos crimes qualificados pelo resultado na modalidade preterdolosa, a conduta-base dolosa preenche autonomamente o tipo legal e o resultado culposo denota mera consequência que, assim sendo, constitui elemento relevante em sede de determinação da medida da pena. Ademais, o art. 129, § 3º, do CP descreve conduta dolosa que autonomamente preenche o tipo legal de lesões corporais, ainda que dessa conduta exsurja resultado diverso mais grave a título de culpa, consistente na morte da vítima. Assim, no crime de lesão corporal seguida de morte, a ofensa intencional à integridade física da vítima constitui crime autônomo doloso, cuja natureza não se altera com a produção do resultado mais grave previsível mas não pretendido (morte), resolvendo-se a maior reprovabilidade do fato no campo da punibilidade. Além do mais, entende a doutrina que nos casos de lesões qualificadas pelo resultado, o tipo legal de crime é o mesmo (lesão corporal dolosa), não se alterando o tipo fundamental, apenas se lhe acrescentando um elemento de maior punibilidade. REsp 1.254.749-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/5/2014.


Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

  Notícia originalmente publicada no site do STJ, em 09/11/2021. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em execução po...