quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Consumidor por equiparação na visão do STJ

Por Giselle Borges Alves


Recentemente o STJ julgou recurso especial sedimentando o entendimento sobre o conceito de consumidor por equiparação e sua abrangência.

O Código de Defesa do Consumidor trouxe para as relações jurídicas de consumo a figura do consumidor por equiparação (“bystander”), que amplia o conceito de consumidor para além da pessoa que adquire o produto ou utiliza o serviço disponibilizado pelo fornecedor.

O parágrafo único do artigo 2º do CDC informa que é equiparado a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo na relação de consumo.

O artigo 17, informa que para efeitos responsabilização por fato de consumo, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Assim, em caso de acidente com a utilização do produto ou serviço, são consideradas consumidoras todas as pessoas que sofrem consequências jurídicas decorrentes do fato, mesmo que não tenham adquirido diretamente o produto ou serviço.

O Recurso Especial 1787318/RJ, tem dois aspectos fundamentais para análise: (I) quando reconhece que a vítima do evento é consumidora, notadamente, porque reconhece também uma especificidade dos direitos do consumidor em relação ao prazo para a busca da reparação civil dos danos, ou seja, (II) um prazo prescricional elastecido se comparado ao prazo prescricional de outra relação jurídica não consumerista.

O REsp 1787318/RJ, trata de acidente de trânsito, atropelamento sofrido pela vítima/recorrente.

Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não reconheceu a existência de relação de consumo e aplicou o prazo prescricional trienal do Art. 206, §3º, inciso V do Código Civil, retirando a pretensão da vítima, quanto ao direito a indenização pelos danos sofridos. Destaque-se que a vítima teve sentença desfavorável em primeira instância e também em sede de apelação cível, na segunda instância estadual, conforme trecho abaixo, citado no acórdão do REsp 178318/RJ (BRASIL, STJ, 2020):

“APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. ATROPELAMENTO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DE NATUREZA EXTRACONTRATUAL. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL DO ARTIGO 206, §3º, INCISO V, DO CÓDIGO CIVIL E NÃO O PRAZO DE CINCO ANOS PREVISTO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. DESPROVIMENTO DO RECURSO.”

No entanto, o assunto relacionado a acidente de consumo em prestação de serviços de transporte por concessionária de serviço público e a consideração de consumidores por equiparação como sendo todas as vítimas do evento danoso, não é assunto novo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Conforme informado pelo Ministro relator do acordão do REsp 178318/RJ, Paulo de Tarso Sanseverino, há entendimento sedimentado no STJ. O relator cita no acórdão trechos de julgados proferidos pela Corte desde o ano de 2010, destacando o AgRg no REsp 1000329/SC, julgado em 10/08/2010, sob relatoria do Min. João Otávio de Noronha, o REsp 1288008/MG, julgado em 04/04/2013, sob relatoria do próprio Min. Paulo de Tarso Sanseverino, e o REsp 1125276/RJ, julgado em 28/02/2012, sob relatoria da Min. Nancy Andrighi.

Neste sentido, verificamos que a vítima do acidente possui razão para o inconformismo com relação as decisões das instâncias ordinárias. Assim, destacamos alguns trechos do voto do relator, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O Direito do Consumidor não define restrição ao conceito de consumidor, quando se trata de fato decorrente de atividade negocial que estava sendo realizada, apenas pelo fato do indivíduo não ter adquirido o produto ou serviço. O conceito de consumidor do caput do art. 2º da Lei 8078/90, é apenas um conceito básico, conforme destaca o relator:

“A circunstância de o único vitimado pelo acidente alegadamente causado pelo ônibus de propriedade da recorrida, quando da prestação de serviços de transporte de pessoas no Rio de Janeiro, ser terceiro à relação de consumo não afasta a sua condição de consumidor por equiparação, senão concretiza exatamente a hipótese do art. 17 do CDC, que ampliou o conceito básico de consumidor do art. 2º da Lei 8078/90” (BRASIL, STJ, 2020, p. 5).

A decisão relembra ainda que mesmo os intermediários da cadeia de fornecimento de produtos ou serviços, podem ser considerados como consumidores, caso venham a sofrer acidente de consumo. O relator, destaca inclusive, trecho da obra do Ministro Herman Benjamin, que traz exemplo fático sobre o assunto:

“O eminente Ministro Herman Benjamin, em seus Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, fornece exatamente o exemplo do dono de um supermercado que, ao inspecionar sua seção de enlatados, sofre ferimentos pela explosão de uma lata com defeito de fabricação, reconhecendo que ele pode pleitear, do mesmo modo que o consumidor que está a seu lado, reparação pelos danos sofridos em decorrência do produto defeituoso. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Comentários ao código de proteção do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 81).” (BRASIL, STJ, 2020, p. 6).

O Min. Paulo de Tarso, ressalta ainda que existe exceção na aplicação do CDC, quando realmente não se trata de exercício de atividade econômica direta como prestação de serviço em geral. Cita como exemplo o transporte fornecido por uma empresa aos seus funcionários, o que é abrangido, em caso de acidente e responsabilidade decorrente, pelas regras do Direito do Trabalho.

“Haverá hipótese em que o acidente ocorrerá em contexto em que o transporte não seja de consumidores, na forma do art. 2º do CDC, e nem seja prestado por fornecedor, na forma do art. 3º do CDC, como, por exemplo, no transporte de empregados pelo empregador, o que, certamente, afastaria a incidência do CDC, por inexistir, indubitavelmente, uma relação disciplinada pelo CDC, uma relação de consumo” (BRASIL, STJ, 2020, p. 8).

Assim, o STJ, por meio do REsp 1787318/RJ, mais uma vez reconhece a figura do consumidor por equiparação e da necessidade de interpretação do Código de Defesa do Consumidor de modo a garantir o verdadeiro resguardo do cidadão-consumidor.

No caso em análise, conforme se verá da ementa que segue abaixo, foi reconhecido que a vítima era consumidor por equiparação, abrangido pela regra do artigo 17 do CDC e que, por esse motivo, era inaplicável o prazo prescricional do artigo 206, §3º, inciso V do Código Civil, sendo reconhecido, por consequência, que seria aplicado ao presente caso a regra do prazo quinquenal, previsto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor.

Vale a leitura atenta do acordão integral no site do STJ, e abaixo segue a ementa do julgado com o resumo do voto do relator.

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGADO ACIDENTE DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE DE PESSOAS. ATROPELAMENTO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INCIDÊNCIA DO CDC. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Demanda indenizatória ajuizada por pedestre atropelado por ônibus durante a prestação do serviço de transporte de pessoas. 2. Enquadramento do demandante atropelado por ônibus coletivo, enquanto vítima de um acidente de consumo, no conceito ampliado de consumidor estabelecido pela regra do art. 17 do CDC ("bystander"), não sendo necessário que os consumidores, usuários do serviço, tenham sido conjuntamente vitimados. 3. A incidência do microssistema normativo do CDC exige apenas a existência de uma relação de consumo sendo prestada no momento do evento danoso contra terceiro (bystander). 4. Afastamento da prescrição trienal do art. 206, §3º, inciso V, do CCB, incidindo o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC. 5. Não implementado o lapso prescricional quinquenal, determinação de retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição para que lá se continue no exame da pretensão indenizatória. 6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO”. (BRASIL, STJ, REsp 1787318/RJ, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, Data de Julgamento: 18/06/2020).

 

 

Referência:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1787318/RJ. Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Terceira Turma. Data de julgamento: 18 jun. 2020. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 05 jun. 2020.


quarta-feira, 8 de julho de 2020

Direito Cooperativo: aspectos tributários

Por Giselle Borges Alves


A parte final das aulas de Direito Cooperativo do 1º semestre de 2020, tratou dos aspectos tributários básicos das sociedades cooperativas. Uma análise jurídica sobre o tema, diante do tratamento dado pela Constituição Federal de 1988.

Em razão da suspensão das aulas, gravei os vídeos abaixo para auxiliar os alunos na compreensão da matéria. Divulgo agora para compartilhar o material de forma aberta para todos que tem interesse em dar os primeiros passos na compreensão dos aspectos tributários relacionados ao cooperativismo.

Os vídeos não possuem produção específica ou muitos recursos. Gravados em uma única tomada, como uma conversa que tenho com meus alunos em sala de aula.

Divulgo abaixo. Espero que gostem!


Vídeo 1: Cooperativas e Tributos



Vídeo 2: Cooperativas e Tributos




Vídeo 3: Cooperativas, contribuições previdenciárias e contribuição cooperativista



Direito Cooperativo: diferenças das cooperativas para outras sociedades mercantis e regime de responsabilidades

Por Giselle Borges Alves


Em continuidade a publicação dos vídeos das aulas de Direito Cooperativo, abaixo seguem os vídeos correspondentes à Unidade 4, que trata de temas bem interessantes associados aos empreendimentos cooperativos.

Divulgo abaixo os vídeos gravados para as aulas da Faculdade CNEC Unaí, no 1º semestre de 2020.
Em razão da suspensão das aulas, os vídeos foram gravados para auxiliar os alunos na compreensão do conteúdo das aulas.

Espero que vocês gostem! Bons estudos!


Vídeo 1: Diferenças entre Sociedades Cooperativas e Sociedades Anônimas; Responsabilidade dos Associados de Cooperativas


Vídeo 2: 


Direito Cooperativo - Legislação, Constituição de Cooperativas e Assembleias Gerais - vídeos

Por Giselle Borges Alves


Durante o 1º semestre de 2020, em razão das suspensão das aulas por causa da pandemia de saúde pública, ocasionada pela COVID-19, as aulas de Direito Cooperativo, na Faculdade CNEC Unaí ocorreram na modalidade remota. Por essa razão gravei diversos vídeos com conteúdos da disciplina, que normalmente seriam ministrados em sala de aula.

Com a finalização do semestre e das aulas, compartilho agora no blog os links dos vídeos com a explicações.
Advirto que foram vídeos de aulas gravados em casa, sem nenhuma produção especializada.

Começo divulgando os vídeos com aspectos gerais relacionados a legislação cooperativista. São três vídeos relacionados a Unidade 3 da disciplina.


Vídeo 1: Aspectos da legislação cooperativista.




Vídeo 2: Constituição de Cooperativas



Vídeo 3: Assembleias Gerais em Cooperativas




Espero que os vídeos ajudem na compreensão da legislação aplicável ao cooperativismo.

Bons estudos!



quinta-feira, 19 de março de 2020

OAB reconhece atividade de advogados conciliadores, mediadores, árbitros e pareceristas


Fonte: Conselho Federal da OAB.
Publicado originalmente no link (clique aqui)



quarta-feira, 18 de março de 2020 às 14h26

O Conselho Federal da OAB publicou o provimento n. 196/2020, no qual reconhece expressamente a atividade de advogados que atuam como conciliadores ou mediadores, árbitros ou pareceristas. A mesma norma também dá reconhecimento à atividade profissional dos advogados que atuam no testemunho (expert witness) ou no assessoramento às partes na arbitragem.
No provimento, consta que “constitui atividade advocatícia, para todos os fins, a atuação de advogados como conciliadores ou mediadores, nos termos da Lei n. 13.140/2015, ou árbitros, nos moldes preconizados pela Lei n. 9.307/1996”. Além disso, a norma estende o reconhecimento às atividades dessas mesmas naturezas prestadas exclusivamente no âmbito das sociedades individuais de advocacia ou das sociedades de advogados das quais figurem como sócios.
Sobre a remuneração, o provimento editado pela OAB determina que “tem natureza de honorários advocatícios e pode ser recebida pelos advogados como pessoas físicas ou pelas sociedades das quais sejam sócios”.
Assinam o provimento o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz; o conselheiro federal pela OAB-PA e relator da matéria no Conselho Pleno, Jader Kahwage David; e o secretário-geral adjunto nacional da OAB e relator ad hoc da matéria, Ary Raghiant Neto. 

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Cartéis em contratações públicas: entre o combate e o desafio

Giselle Borges Alves





A atual conjuntura institucional brasileira prescreve um maior cuidado no combate aos desvios de dinheiro público e com a promoção da concorrência nas contratações públicas. A temática relativa ao combate às fraudes em licitações e contratos administrativos, incluindo as coordenações horizontais como a formação de cartéis, vem ganhando enfoque dos órgãos de defesa da concorrência, dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, que, em coordenação, tentam promover a fiscalização e o combate desta situação endêmica no Brasil.

Ressalte-se que a existência de um arcabouço normativo importante, tal qual a Lei Anticorrupção, a Lei de Licitações e a Lei de Defesa da Concorrência, trazem importantes sancionamentos aos cartéis em licitações, combatendo a má utilização dos recursos públicos, com medidas que podem, inclusive, levar a extinção da pessoa jurídica (MARRARA, 2013).

No entanto, as discussões sobre a aplicação das sanções previstas na legislação nacional, notadamente a suspensão de participação em licitações, a inidoneidade para licitar ou a extinção da pessoa jurídica[1], podem acarretar um paradoxo, conforme destacado por Marrara (2013), tendo em vista que elas diminuem o número de concorrentes no mercado, conduzindo a concentração do market share em poder de menos agentes, possibilitando com mais facilidade a ocorrência de cartelização. Assim, o Estado ao impor qualquer uma das três sanções destacadas, conduz um efeito negativo contra si mesmo, sendo importante o cuidado na aplicação de sanções para coibir ilícitos concorrenciais, pois o excesso na aplicação (overenforcement) pode acarretar menor concorrência entre empresas[2].

Entretanto, Marrara (2013) destaca que as sanções são necessárias, desde que sejam aplicadas com outras medidas que fortaleçam a concorrência, principalmente, em setores cujas as barreiras à entrada sejam maiores e que tradicionalmente o número de competidores é menor[3].

Dentro da prática de combate aos cartéis, outro método importante são os acordos de leniência, que permitem a obtenção de informações importantes para início de investigações pelos órgãos de defesa da concorrência, bem como também a possibilidade de assinatura de Termos de Compromisso de Cessação, o que evidencia que soluções negociadas em determinados casos, também podem ser uma saída sadia para o mercado.

Neste prisma, há a importância de se adotar também medidas preventivas à ocorrência de cartéis em contratações públicas e, neste sentido, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) recomenda entre outros, (I) a realização de leilões simultâneos na concessão de projetos complementares para evitar etapas diferidas, removendo a previsibilidade decorrente da sequência de leilões e dificultando a divisão prévia de projetos entre concorrentes; (II) o sigilo em relação aos participantes e aos lances apresentados; (III) cuidados para evitar que os candidatos se encontrem durante o processo de disputa; (IV) a utilização de critérios para o controle e cadastro de subcontratadas, com registro obrigatório, o que permite o mapeamento desta empresas facilitando possíveis investigações; entre outros[4].

Assim, é imperioso compreender que a promoção da competitividade na realização de contratações públicas, possibilita uma melhora nos serviços ofertados à população, protegem o erário, e também são capazes de promover o desenvolvimento econômico e social. Entretanto, a prática dos cartéis, ao contrário, gera aumento de gastos, consubstanciam uma má aplicação de dinheiro público, principalmente, em razão do sobrepreço e, em contrapartida, conforme amplamente consagrado na doutrina e na prática dos órgãos de defesa da concorrência, flagrar e punir um cartel não é simples, o que requer uma análise econômica minuciosa[5].

Portanto, o combate ao cartel em contratações públicas está longe de ser, em todos os seus aspectos, um ato simples, sendo indispensável a coordenação entre todas as esferas de poder da Federação para que o desafio chegue ao final possibilitando um ganho de mercado e com a melhoria do bem-estar da coletividade diante de uma melhor aplicação dos recursos públicos.



[1] Conforme penalidades descritas no artigo 38, incisos II, V, VI e VII da Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011).
[2] Neste prisma é importante estabelecer que o objetivo primordial da defesa da concorrência hoje, inclusive no âmbito das contratações públicas, é sempre estabelecer uma concorrência praticável, que conforme destaca Frazão (2006, p. 182): “uma concorrência que pudesse assegurar, ao mesmo tempo, a livre iniciativa e a proteção do consumidor”.
[3] Neste sentido, Marrara (2013) ressalta como alternativa para promover uma maior competição em mercados com menor número de competidores, que podem ser propícios a cartelização, a adoção de técnicas de abertura do mercado brasileiro a fornecedores estrangeiros, com a aderência ao Tratado da Organização Mundial do Comércio sobre Contratações Públicas (Public Procurement Agreement), o que - apesar dos demais efeitos jurídicos que acarreta - , parece ser uma estratégia possível.
[4] Estas são apenas algumas das medidas expostas no documento intitulado “Medidas para estimular o ambiente concorrencial dos processos licitatórios: contribuições do CADE”.
[5] Neste sentido, Oliveira & Rodas (2013, p. 59) destacam que não se pode agir por presunção no combate aos cartéis. Existe a real necessidade de que realizar uma investigação minuciosa para verificação dos indícios de infração e muita cautela das autoridades durante todo o processo, em que dois elementos devem ser combinados: 1º) a enumeração de todas as evidências indicativas de combinação entre os concorrentes, ou seja, a exposição de que o comportamento é caracterizado como um acordo artificial entre os membros do cartel; 2º) a instrução processual com provas de diferentes naturezas de que houve um acordo entre os concorrentes.

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REFERÊNCIAS



CORDOVIL, Leonor; CARVALHO, Vinícius Marques de; BAGNOLI, Vicente; ANDERS, Eduardo Caminati. Nova Lei de Defesa da Concorrência Comentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

FRAZÃO, Ana. Empresa e propriedade: função social e abuso de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

MARRARA, Thiago. Corrupção em licitações: chegou a hora de aderir ao tratado da OMC sobre contratações públicas?. Direito do Estado. 2015. n. 46. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/thiago-marrara/corrupcao-em-licitacoes-chegou-a-hora-de-aderir-ao-tratado-da-omc-sobre-contratacoes-publicas>. Acesso em: 24 Out. 2018.

OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

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*Sobre a autora:
Giselle Borges Alves, é Mestra em Direito pela Universidade de Brasília, pela linha de pesquisa "Transformações da Ordem Social e Econômica e Regulação"; Professora no curso de Direito da Faculdade CNEC Unaí; Advogada e servidora pública no Estado de Minas Gerais.


sexta-feira, 5 de abril de 2019

Indicação de leitura: A emergência dos programas públicos de integridade como instrumento de prevenção de cartéis em licitação


A indicação de leitura para o final de semana é um artigo que envolve as temáticas de programas de integridade (compliance) e prevenção de ilícitos concorrenciais, notadamente os casos de cartéis em licitações. O texto está disponível no site da Revista de Informação Legislativa do Senado Federal (link abaixo), tendo como autora Natalia de Melo Lacerda, Procuradora Federal. 

Dados do texto para acesso:

LACERDA, Natalia de Melo. A emergência dos programas públicos de integridade como instrumento de prevenção de cartéis em licitação. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 56, n. 221, p. 111-130, jan./mar. 2019. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/56/221/ril_v56_n221_p111

Multiparentalidade: Sem sucesso em DNA, gêmeos idênticos terão de assumir pensão alimentícia de criança

Texto publicado originalmente no site "Migalhas".



Juiz reconheceu a má-fé de um dos irmãos em ocultar a parentalidade.
terça-feira, 2 de abril de 2019


Dois gêmeos idênticos terão de ser incluídos na certidão de nascimento de uma criança e também deverão pagar, cada um, pensão alimentícia para a menina. A determinação é do juiz de Direito Filipe Luis Peruca, de Cachoeira Alta/GO, que esteve diante de um impasse curioso: os exames de DNA revelaram a compatibilidade da criança com os dois homens e nenhum deles admitiu quem era o pai.
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Inicialmente, a mãe da criança havia ajuizado a ação de reconhecimento de paternidade contra um dos gêmeos. Ele se submeteu ao exame de DNA, e quando o resultado deu positivo, ele indicou seu irmão como o verdadeiro pai. Por sua vez, o irmão também fez o mesmo teste, dando resultado igual – 99,9% de chances de ser o genitor da menina.
A biologia explica a confusão. Como os gêmeos univitelinos se originam da divisão de um único óvulo fertilizado pelo mesmo espermatozoide, eles têm DNAs idênticos. 
Consta nos autos que os homens, desde a adolescência, se valem do fato de serem irmãos gêmeos idênticos. Um usava o nome do outro para angariar o maior número de mulheres e para ocultar a traição em seus relacionamentos. “Era comum, portanto, a utilização dos nomes dos irmãos de forma aleatória e dolosamente”, explicitou o magistrado.
O juiz também afirmou que não foi possível aferir, com segurança, qual dos gêmeos manteve relações sexuais com a mãe. Então, já que o exame de DNA foi ineficiente e os irmãos não admitiram a paternidade, o magistrado entendeu que a saída que melhor atende aos interesses da criança é reconhecimento da multiparentalidade.
“Um dos irmãos, de má-fé, busca ocultar a paternidade. Referido comportamento, por certo, não deve receber guarida do Poder Judiciário que, ao revés, deve reprimir comportamentos torpes, mormente no caso em que os requeridos buscam se beneficiar da própria torpeza, prejudicando o direito ao reconhecimento da paternidade biológica da autora, direito este de abrigo constitucional, inalienável e indisponível, intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso 3, da Constituição da República)” 
Assim, o magistrado determinou que o nome de ambos seja incluído na certidão de nascimento da menina e que cada um pague pensão alimentícia no valor de 30% do salário mínimo.
Veja a sentença.

domingo, 21 de maio de 2017

QUANDO O IMPOSTO VIRA CRIME

Por Carlos Eduardo Delmondi




Como dito recentemente pelo ministro Marco Aurélio Mello do STF, “vivemos tempos muito estranhos”. O país está assolado pela pior crise econômica de sua história. A instabilidade política e o ambiente de negócios estão pouco, ou nada, convidativos ao empreendedor. Como consequência destes elementos acrescidos dos inúmeros casos de desvios e corrupção, o Estado (governos em geral) está deficitário, sem recursos para arcar com suas despesas correntes e com um anseio arrecadador implacável.
Neste ambiente, o empresário/empreendedor, grande contribuinte e responsável pela manutenção da “máquina governamental”, se sente acuado e temeroso do que pode ocorrer. Em que pese surjam relampejos de boas notícias, como as promessas de reformas apresentadas pelo atual governo, a realidade cotidiana é atemorizante. Vejamos:
O pacote SPED (Sistema Público de Escrituração Digital) e as obrigações acessórias a que são submetidas às empresas transmitem ao governo “em tempo real”, todos os movimentos da companhia. Com o advento do “pacote financeiro” (e-Financeira), o Fisco monitora as movimentações bancárias das pessoas e empresas. Qualquer movimentação incorreta, ou mesmo “falha contábil”, é prontamente penalizada com custosos autos de infração, muitas vezes imputados como crime pela legislação pátria. Mas isso não esvai a questão.
Em recente julgado, o Supremo Tribunal Federal entendeu como correta e válida a determinação de prisão (cumprimento da pena), com o julgamento da causa em segunda instância, ou seja, antes do efetivo trânsito em julgado do processo. Juízes e tribunais estão aplicando medidas coercitivas extremas a quem está inadimplente perante o fisco, como, por exemplo, suspensão de passaporte e CNH. Relatos apontam que pessoas com débitos e pendências judiciais possuem dificuldade para renovar seus documentos no “Poupa Tempo”.
E mais, empresários estão sendo convocados em delegacias da Polícia Civil e da Polícia Federal para prestar contas de seus débitos fiscais, notadamente quando se entende que estes estão atrelados a alguma prática delitiva fiscal. Por fim, e trazendo contornos dramáticos à questão, os tribunais começam a entender que o parcelamento do débito, após oferta de denúncia criminal, não mais suspende o processo, fazendo com que o empreendedor efetivamente enfrente os percalços de um processo desta estirpe.
Ou seja, o empresário vive hoje com medo constante de enfrentar problemas pessoais e criminais, mesmo que não tenha feito nada que entenda incorreto. Basta citar que um erro na entrega da escrita contábil pode ser interpretada como sonegação fiscal, com pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Todavia, há se de destacar que nem toda supressão e/ou redução de tributos pode ser considerada criminosa. É necessário esclarecer que no âmbito penal, aplicam-se regras, normas e princípios muito mais severos do que no fiscal.  A responsabilização fiscal não se confunde com a penal, pois esta requer maiores elementos de inidoneidade, bem como provas do dolo e do dano. Ou seja, deve-se demonstrar que o contribuinte conscientemente almejou a prática sonegatória e o efetivo prejuízo ao erário.

Assim, a atividade estatal, primordialmente aquela exercida pelo Poder Judiciário, deve ser mais cautelosa, a fim de coibir exageros, erros ou injustiças com os contribuintes. Ao demais, a contratação de profissionais especialistas nas áreas do Direito Tributário e do Direito Criminal podem assegurar ao contribuinte que penalizações indevidas sejam evitadas.




Sobre o autor 
Carlos Eduardo Delmondi: advogado com mais de 15 anos de atuação na área penal tributária empresarial, sendo atualmente integrante da equipe Oliveira e Olivi Advogados Associados.
Bauru, 18 de maio de 2017. Oliveira e Olivi Advogados Associados.



(Artigo com conteúdo de inteira responsabilidade do autor).

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Doutrina de essential facility é analisada pelo CADE

(texto destacado do informativo Jota Concorrência de 18/01/2017)


Organização de frete e ocupação de terreno


As duas entidades eram acusadas de intermediar contratos e preço de frete para embarque e desembarque nos terminais Pérola e Termag no Porto de Santos, impor preços por meio de tabelas aos associados e limitar o acesso e o número de caminhões que poderiam atuar ali. A atuação exclusiva de associados era fiscalizada por meio de coerção física, intimidando eventuais concorrentes. Além disso, as entidades fariam uso irregular de um terreno público para organizar fila de caminhões no porto.


As empresas chegaram a negociar um Termo de Compromisso de Cessação (TCC), que foi recusado pelo Plenário do Cade, diante dos baixos valores sugeridos para suspender o processo. 


O julgamento do processo teve início da última sessão do ano passado, sob relatoria da conselheira Cristiane Alkmin, e foi suspenso por pedido de vista do conselheiro Alexandre Cordeiro, apresentado na sessão desta quarta-feira. Em férias, a conselheira não participou da sessão.


O voto de Cristiane Alkmin concluiu pela violação da legislação antitruste (artigos 20 - incisos I, II, III, IV, e 21 - incisos II, IV, V, X e XI da Lei 8.884) em conduta "que se assemelha a um cartel hardcore". Por isso, sugeria multas de 3 milhões de UFIRs à ACTA e de 1 milhão de UFIRs ao Sindigran.


Cálculos de vantagem auferida usados pela conselheira indicariam um dano à sociedade que atingiria a casa de R$ 1 bilhão.


O conselheiro Alexandre Cordeiro divergiu da relatora na capitulação das condutas das entidades, eliminando a questão sobre o uso do terreno público sob dois aspectos e afastando a possibilidade de prática anticompetitiva pela limitação de filiados à ACTA.


A "qualidade da posse" do terreno público, de acordo com o voto de Alexandre Cordeiro, que prevaleceu no julgamento, "escapa da autoridade do Cade". Por se tratar de terreno pertencente à União, caberia a ela eventuais medidas para regularizar a situação e não à autoridade antitruste no âmbito do processo administrativo.


Alexandre Cordeiro rebateu a tese de Cristiane Alkmin de que o terreno seria uma essential facility e, por isso, seu controle pelas entidades prejudicaria a concorrência.
 

Citando a doutrina de essential facility e decisões da autoridade antitruste da União Europeia, Alexandre Cordeiro afirmou que se trata de  um insumo que seria "impossível substituir ou replicar", e cujo acesso "deve ser, na prática, indispensável" para o exercício da atividade econômica.


"Se for factivel ao rival buscar outro insumo, não será possível falar em essential facility", disse o conselheiro.


Na visão da União Europeia, essential facilities são identificadas em casos de um agente que detém posição dominante de mercado e controla uma estrutura que um rival não conseguirá replicar". Além disso, o controle dessa estrutura eleva a probabilidade de monopolização do mercado downstream.


Usando mapas da região de Santos e Guarujá, o conselheiro apontou outras áreas que poderiam ser usadas como estacionamento de caminhões, para eliminar a caracterização do terreno usado pela ACTA e pelo Sindigran como uma essential facility.


Outro ponto do voto da relatora Cristiane Alkmin atacado por Alexandre Cordeiro dizia respeito à limitação de associação à ACTA, de até 1.200 pessoas. Citando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o conselheiro avaliou que a restrição na quantidade de filiados faz parte da liberdade de associação prevista na Constituição Federal.


Os cálculos de vantagem auferida também foram alvo de revisão pelo conselheiro em seu voto-vista. Segundo ele, a conselheira Cristiane Alkmin atribuiu o benefício direto do sobrepreço nos serviços de frete à associação e ao sindicato, quando na verdade as entidades se beneficiariam apenas de cotas dos filiados de valor "relativamente modesto". "Rejeito o exercício de vantagem auferida por entender incabível", assinalou Alexandre Cordeiro.


A adoção de um programa de compliance, sugerida por Cristiane Alkmin, foi descartada pelo conselheiro que definiu o caso como "inefetivo em sede de imposição unilateral de sanção". 


Dessa forma, Alexandre Cordeiro considerou que as entidades deveriam se abster de praticar atos que impeçam a livre contratação de caminhoneiros e transportadoras para retirada de cargas, tolerar o livre acesso aos pátios dos terminais e não impor tabelas de preços e condições de contratação dos fretes.


Em caso de descumprimento, as entidades podem responder a novo Processo Administrativo, com possibilidade de dobro da multa por reincidência, se identificada a mesma conduta nos próximos cinco anos, de acordo com o voto de Alexandre Cordeiro seguido pelos demais.


Divergência e voto de qualidade


O voto-vista sugeriu multa de 250 mil UFIRs para o Sindigran e de 780 mil UFIRs para a ACTA.


O conselheiro João Paulo de Resende acompanhou o voto de Alexandre Cordeiro em quase toda a extensão, mas concordou com a conselheira Cristiane Alkmin especificamente sobre os valores das multas.


O conselheiro Paulo Burnier seguiu o voto-vista na íntegra, havendo assim um empate de 2 a 2.
Como presidia a sessão diante do impedimento de Gilvandro Vasconcelos de Araújo, coube a Alexandre Cordeiro proferir um voto de qualidade.


Como antecipado nos Bastidores do Antitruste, o voto de qualidade indicou a pena menos gravosa para os acusados - em linha com a jurisprudência do Cade - prevalecendo os valores de multa sugeridos por Alexandre Cordeiro.



Tecnicamente, salientou o procurador Victor Rufino, a pena mais branda também se justifica no caso de voto de qualidade, porque "as unidades monetárias da pena de valor menor estão previstas no voto de valor mais alto".



terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Indicação de artigo: Direcionamento de crédito e whistleblower protection



Hoje é dia de indicar um artigo que envolve Política Industrial e política pública de desenvolvimento econômico por meio de acesso a crédito, bem como também retrata um importante instituto que merece melhor estudo e aprofundamento dentro da temática dos acordos de leniência: o whistleblowers.


Assim, indico o artigo publicado no Jota, intitulado "Direcionamento de crédito e whistleblower protection", de autoria de Ricardo André Galendi Júnior, com acesso no link: (clicar aqui).




Boa leitura a todos!



Giselle Borges Alves
Editora do blog jurídico New Juris
Professora da Faculdade CNEC Unaí
Mestranda em Direito pela UNB.

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